Inconstitucionalidade na exigência de quitação eleitoral como condição de elegibilidade

Resumo: O presente artigo objetiva analisar a exigência da quitação eleitoral, exclusivamente pela Lei n. 9.504/97, como condição de elegibilidade, notadamente diante da ausência de previsão pela Constituição Federal.

Palavras-chave: Quitação Eleitoral. Condição de Elegibilidade. Inconstitucionalidade.

Abstract: This article aims to analyze the requirement of election discharge, solely by Law n. 9504/97, as a condition of eligibility, especially in the absence of prediction by the Federal Constitution.

Keywords: Electoral discharge. Eligibility condition. Unconstitutional.

Sumário: Introdução. 1. Previsão constitucional das condições de elegibilidade. 2. Da inconstitucionalidade na exigência de quitação eleitoral como condição de elegibilidade. Considerações Finais. Referências.

Introdução

A Lei n. 9.504/97, em seu art. 11, ao estabelecer o rol de documentos que devem instruir o requerimento de registro de candidatura, introduziu a quitação eleitoral como requisito positivo de elegibilidade.

Ocorre que esta condição não estava prevista na Constituição Federal de 1988, que, em seu rol taxativo do art. 14, §3º, apenas permitiu à Lei Federal que regulamentasse as condições de elegibilidade já estabelecidas pela própria Carta Magna, não autorizando a criação de nova hipótese de restrição ao constitucional direito de ser candidato.

Com efeito, centenas de requerimentos de registro de candidaturas estão sendo indeferidos pela Justiça Eleitoral com fundamento na ausência de quitação eleitoral, que, por ter sido erigida à categoria de condição de elegibilidade, impede o exercício da capacidade eleitoral passiva.

Nesse sentido, imperioso analisar se a inovação legislativa introduzida mediante Lei Federal possui compatibilidade com o texto constitucional, mormente quando se considera que as condições de elegibilidade são verdadeiros limites ao direito constitucional à elegibilidade, pilar do próprio Estado Democrático.

1. Previsão constitucional das condições de elegibilidade

É cediço que o art. 14, §3º da Constituição Federal estabelece as condições de elegibilidade, compreendidas como os requisitos positivos que devem, necessariamente, serem preenchidos por quem queira registrar candidatura.

Tais requisitos são:

“§ 3º – São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I – a nacionalidade brasileira;

II – o pleno exercício dos direitos políticos;

III – o alistamento eleitoral;

IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;

V – a filiação partidária;

VI – a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.”

Além das condições de elegibilidade, o candidato também deve preencher requisitos negativos, ou seja, não deve incidir em nenhuma das causas de inelegibilidade.

Tais hipóteses são estabelecidas pela própria Constituição Federal e por Lei Complementar, no caso, pela Lei Complementar n. 64/90, conforme autoriza o §9º do art. 14 da CF.

“§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”

Desse contexto, extrai-se que as causas de inelegibilidade estão previstas tanto em nível constitucional, quanto por meio de Lei Federal, que, nesse caso, deve ser promulgada mediante processo especial de tramitação, relativo à legislação complementar.

Por outro lado, em nosso sistema jurídico a elegibilidade é tratada apenas em nível constitucional, sendo que suas condições estão previstas no já mencionado art. 14, §3º da Carta Magna.

Dessume-se do referido dispositivo constitucional que Lei Federal deverá regulamentar a forma de aplicação das condições de elegibilidade previstas na Constituição.

Trata-se, portanto, de norma de eficácia limitada, na célebre definição do Professor José Afonso da Silva, caracterizada por não produzir efeitos com a mera entrada em vigor. Sua aplicabilidade fica condicionada à regulamentação por meio de norma infraconstitucional, que, no caso, é a feita pela Lei n. 9.504/97.

A Lei infraconstitucional regulamentadora NÃO poderá inovar no ordenamento jurídico, criando nova condição de elegibilidade, já que estas devem ser necessariamente previstas na Constituição Federal.

Isso porque, diferentemente do que fez com as causas de inelegibilidade, quando facultou à Lei Complementar estabelecer novas hipóteses, não permitiu a norma constitucional, que legislação inferior estabelecesse novas condições de elegibilidade, mas apenas regulamentasse as condições previstas na Carta Magna.

O próprio Supremo Tribunal Federal, a despeito de não ter apreciado especificamente tal matéria, reconheceu a possibilidade de que Lei Federal apenas regulamente as condições de elegibilidade, já previstas na Constituição, distinguindo-as das causas de inelegibilidade, que, por seu turno, podem ser criadas mediante Lei Complementar.

“O domicílio eleitoral na circunscrição e a filiação partidária, constituindo condições de elegibilidade (CF, art. 14, § 3º), revelam-se passíveis de válida disciplinação mediante simples lei ordinária. Os requisitos de elegibilidade não se confundem, no plano jurídico-conceitual, com as hipóteses de inelegibilidade, cuja definição – além das situações já previstas diretamente pelo próprio texto constitucional (CF, art. 14, § 5º a § 8º) – só pode derivar de norma inscrita em lei complementar (CF, art. 14, § 9º)." (ADI 1.063-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-5-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001).

Nesse sentido, imperioso reconhecer que as condições de elegibilidade traduzem rol taxativo da Constituição Federal, sendo vedada sua criação por meio de Lei Federal ou outro instrumento legislativo.

2. Da inconstitucionalidade na exigência de quitação eleitoral como condição de elegibilidade

Não obstante sejam as condições de elegibilidade previstas exclusivamente na Constituição, o legislador infraconstitucional (Lei n. 9.504/97), incorrendo em manifesto erro de técnica legislativa, INOVOU o ordenamento jurídico estabelecendo NOVA CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE, não prevista na Constituição Federal, qual seja a exigência de Quitação Eleitoral.

Veja-se, à propósito, o conteúdo dos artigos da Lei n. 9.504/97, que versam sobre o tema, verbis:

“Art. 11. § 1º O pedido de registro deve ser instruído com os seguintes documentos:[…]

VI – certidão de quitação eleitoral;[…]

§ 7º. A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.[…]

§ 9º. A Justiça Eleitoral enviará aos partidos políticos, na respectiva circunscrição, até o dia 5 de junho do ano da eleição, a relação de todos os devedores de multa eleitoral, a qual embasará a expedição das certidões de quitação eleitoral.”

Entretanto, um mero cotejo entre o conteúdo dos dispositivos de Lei infraconstitucional e o art. 14, §3º da CF é suficiente para perceber a total incompatibilidade material entre as normas.

Com efeito, a quitação eleitoral NÃO é condição de elegibilidade prevista na Constituição Federal, tampouco pode ser extraída de qualquer dos incisos do Art. 14, §3º.

A Lei n. 9.504/97 praticou verdadeira inovação legislativa de matéria restrita à Constituição Federal.

De fato, as condições de elegibilidade, consoante já descrito, são requisitos positivos para que o cidadão possa exercer seu Direito Constitucional à Elegibilidade.

O Direito Constitucional de ser eleito é revelado pelo próprio princípio democrático, pilar do Estado brasileiro, no qual se estabelece que todo o poder deve emanar do povo, sendo exercido por meio dos seus representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único da CF).

O Direito Constitucional de ser eleito, portanto, é mais do que a expressão, mas a própria emanação da Democracia Representativa.

Nesse sentido, quaisquer limitações a esse Direito devem estabelecidas pela própria Constituição Federal, como assim o fez em seu art. 14, §3º, permitindo à Lei Federal apenas regulamentar a forma de aplicação das condições de elegibilidade.

Vale ressaltar que, sequer à Emenda Constitucional é permitido suprimir o Direito Constitucional à Elegibilidade, em homenagem ao princípio do não retrocesso (effet cliquet).[1]

Considerações Finais:

Não obstante se reconheça a importância da quitação eleitoral, mormente sob o aspecto da moralidade das eleições, não se pode permitir que tal exigência seja erigida forçadamente à categoria das condições de elegibilidade, uma vez que estas últimas devem ser estabelecidas exclusivamente na Constituição Federal.

Sendo assim, revelam-se inconstitucionais as normas encartadas na Lei n. 9.504/97, nomeadamente o art. 11, §1º, VI, e §§ 7º e 9º, por inserirem inapropriadamente a quitação eleitoral como condição de elegibilidade não prevista na Constituição Federal.

 

Referências:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado.
BRASIL. Lei n. 9.054/97. Brasília, DF, Senado.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ADI 1.063-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-5-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.
 
Nota:
[1] O Princípio da vedação ao retrocesso visa a impedir que o legislador venha a desconstituir pura e simplesmente o grau de concretização que ele próprio havia dado às normas da Constituição.


Informações Sobre o Autor

Paulo Victor Souza Sena

Advogado atuante nas Ãreas de Direito Eleitoral e Municipal. Graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia UNEB. Pós-graduado em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Rede LFG/Universidade Anhaguera-Uniderp


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