Direito de Greve: uma análise do Recurso Extraordinário nº 693.456 RJ e seus reflexos nas greves do setor público

Resumo: O presente estudo visa fazer uma análise sobre a recente decisão do STF que permite a suspensão do pagamento dos servidores e servidoras públicas pelos dias de greve, por parte administrador público, sem prévia análise judicial. A relevância deste trabalho se faz por ser tal decisão uma afronta a um direito consagrado constitucionalmente, o direito de greve, pois culmina na restrição do mesmo de maneira indireta. Tendo em vista ser a greve historicamente um importante instrumento de luta da classe trabalhadora em prol de melhorias nas suas condições de vida e de trabalho, se faz de extrema importância a análise da recente decisão visto que esta gerará incontáveis reflexos de ordem social, econômica e até mesmo política nas relações trabalhista do setor público.

Palavras-chaves: direito de greve; setor público; greve no setor público.

Sumário: Introdução; 1 Relações de Trabalho e Direito de Greve; 2 Greve no Setor Público; 3 O Recurso Extraordinário nº 693.456 RJ e a mitigação ao direito de greve no setor público.

Introdução

A greve é um direito consagrado constitucionalmente no ordenamento jurídico brasileiro, além de ser também objeto de inúmeros tratados e convenções internacionais, assinados pelo Brasil, que versam sobre a liberdade sindical e livre manifestação dos trabalhadores e trabalhadoras em torno de suas pautas e reinvindicações. Tendo em vista estar a trabalhadora e o trabalhador em relação de dependência e vulnerabilidade frente ao empregador, fenômeno que ocorre tanto no setor público quanto no privado, a mobilização das categorias no intuito de tornar essa relação um pouco mais igualitária se faz essencial para que esses homens e mulheres preservem suas mínimas condições de vida e de trabalho. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal que permite a suspensão do pagamento dos servidores e servidoras públicas pelos dias de greve, por parte administrador público, sem prévia análise judicial, abre brechas para que inúmeras atrocidades sejam cometidas nessas relações empregatícias. Tal decisão do Supremo acaba funcionando como uma espécie de restrição ao direito de greve que afeta parte significativa dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras.

1 Relações de Trabalho e Direito de Greve

O trabalho consiste na relação dos seres humanos com a natureza, constituindo uma atividade indispensável para reprodução da vida e do meio social de toda e qualquer sociedade (FERREIRA; TEOTONIO; BARBOSA, 2013). O modo de produção capitalista tem como um de seus pilares a venda da força de trabalho por uma parte da população, pessoas que trabalham, à outra, empregadores, detentora dos meios de produção. A partir dessa relação de compra e venda de mão de obra, formam-se as relações de trabalho que desempenham um importante papel nas relações sociais, tendo em vista que seus dilemas e desafios irão gerar reflexos em toda a estrutura da sociedade que vão do âmbito jurídico ao político/econômico. Segundo Teotonio, Barbosa e Ferreira (2013) apud Lessa (2002), na sociedade capitalista, os valores de troca ocupam uma posição essencial na reprodução desse sistema, uma vez que cumpre um papel de eixo regulador das relações sociais. Nesse sentido:

“O conceito coetâneo de trabalho apresenta uma dupla característica: por um lado, é um conglomerado de capas de significação diferentes que se justapuseram no decorrer dos últimos séculos e que, de certo modo, sedimentaram-se deslembrando seu caráter histórico, ainda que efetivamente não tenham elidido por completo os estratos anteriores. Dito em outros termos, hodiernamente se pensa o trabalho como se ele houvesse estado sempre dotado, objetiva e subjetivamente, de todos os atributos e de todas as finalidades que o caracterizam hoje: o esforço, a obrigação, a transformação criadora de algo dado, a criação de valor, a utilidade, a existência de contrapartes”. (STOLZ, 2015).

Dito isto, observa-se que é característico da sociedade capitalista trazer em seu seio a desigualdade social, visto que suas relações de produção já se estruturam a partir da divisão de duas classes, uma composta por uma mínima parcela da população mundial, a qual concentra a maior parte das riquezas produzidas, detentora dos meios de produção, e a outra composta por homens e mulheres que, dispondo apenas de sua própria força de trabalho, tem como única opção vender-se à primeira, como meio de subsistência. O modo de produção burguês se funda no lucro, ou seja, o trabalho humano que associado às tecnologias transformam a obra prima em um objeto de maior valor, chamado produto. Nesse diapasão, a lucratividade é o imperativo deste sistema, lucratividade esta que é alcançada através da exploração do trabalhador e trabalhadora, através da extração de mais-valia. Como bem explica Karl Marx:

“A produção capitalista não é apenas a produção de mercadoria, é essencialmente a produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital. Se for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção material, então um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha as cabeças das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de uma fábrica de salsichas, não altera nada na relação. O conceito de trabalho produtivo, portanto, não encerra de modo algum apenas uma relaçaõ entre atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo não é, portanto, sorte, mas azar”. (1867)

Ainda sobre as relações de trabalho dentro do modo de produção capitalistas, Ricardo Antunes e Giovanni Alves (2004) pontuam que:

“Compreender, portanto, a classe-que-vive-do-trabalho, a classe trabalhadora hoje, de modo ampliado, implica entender este conjunto de seres sociais que vivem da venda da sua força de trabalho, que são assalariados e desprovidos dos meios de produção. Como todo trabalho produtivo é assalariado, mas nem todo trabalhador assalariado é produtivo, uma noção contemporânea de classe trabalhadora deve incorporar a totalidade dos(as) trabalhadores(as) assalariados(as)”.

Tendo em vista ser o empregador o ator social o qual possui todo o aparato necessário para a produção e circulação de bens, enquanto o trabalhador e a trabalhadora, em contrapartida, nada mais possuem além do próprio corpo e da atividade braçal ou intelectual que é capaz de desenvolver, é inegável a posição de dependência e vulnerabilidade que o segundo terá em relação ao primeiro. Surge então, a necessidade dos trabalhadores e trabalhadoras de se organizar através de entidades que visem estabelecer-se como o polo de resistência à eventuais avanços que possam surgir por parte dos empregadores sobre as condições dignas de salário e condições de trabalho dos empregados e empregadas, na sua busca por maior produção e lucro.

“Não há riquezas que os capitalistas possam aproveitar se estes não encontram operários dispostos a trabalhar com os instrumentos e materiais dos capitalistas e a produzir novas riquezas. Quando os operários enfrentam sozinhos os patrões continuam sendo verdadeiros escravos, que trabalham eternamente para um estranho, por um pedaço de pão, como assalariados eternamente submissos e silenciosos. Mas quando os operários levantam juntos suas reivindicações e se negam a submeter-se a quem tem a bolsa de ouro, deixam então de ser escravos, convertem-se em homens e começam a exigir que seu trabalho não sirva somente para enriquecer a um punhado de parasitas, mas que permita aos trabalhadores viver como pessoas”. (LENIN, 1924).

Neste contexto de resistência e necessidade de trabalhadores e trabalhadoras de conquistar direitos que possibilitem uma maior qualidade de vida e de trabalho, além da redução da exploração exercida por parte do empregador surge o instrumento da greve, que pode ser entendida como:

“A greve constitui, portanto, na paralisação coletiva do trabalho por iniciativa dos trabalhadores visando pressionar seus empregadores para obter aumentos salariais e/ou melhores condições de trabalho. Na realidade, embora possa assumir várias outras formas, a greve é um fenômeno inerente às modernas relações de trabalho, que surgiu num determinado momento do desenvolvimento da história da humanidade e se difundiu por todo o mundo. Embora a intensidade com que ela ocorre varie de aís para país e de um momento para outro de acordo com uma série de fatores que interferem nas relações de trabalho, ela quase sempre está presente, se impondo na vida cotidiana.” (LEITE, 1989).

.Altamiro Borges, ao citar José Cândido nos traz que “A origem do termo, liga-se à Praça da Greve (place de grève), atualmente praça do Hotel De Ville, em Paris. Quando desempregados ou para tratarem de assuntos relativos ao trabalho, os operários costumavam reunir-se ali. Faire grève (fazer greve) significava, portanto, reunir-se na praça da greve” (2006). A greve foi o recurso de luta de maior eficácia nesse período, tanto na Inglaterra, como nos demais países em que o capitalismo foi introduzido. Esse recurso se espalhou pelo mundo, sendo encarado de diversas formas.

“A greve surge, dessa forma, como fruto do incessante conflito que se instaurou nos locais de trabalho, o qual foi marcado pela permanente tentativa dos trabalhadores em barrar as iniciativas de seus empregadores no sentido de incrementar seu domínio e conseguir controlar as ações operárias. Mas é também como fruto desse contínuo embate de forças que se trava no interior das empresas que foi instituída a organização racional do trabalho no início do século atual, através da qual foram disseminadas novas técnicas de organização do processo de trabalho que significaram na realidade um aprofundamento da dominação capitalista.” (LEITE, 1989).

A primeira greve da qual se tem notícia na história do movimento operário brasileiro data de 1858, feita pelos tipógrafos e foram se alastrando ao longo da industrialização do país. De início as movimentações grevistas se davam de modo mais concentrado no setor de transportes mais especificamente em portos e rodovias. Esses setores eram os mais movimento dos por dois motivos, primeiros por ser ainda a industrialização muito incipiente, eram onde se concentravam o maior número de trabalhadores da época, além do que devido ao conjunto da economia agro-exportadora, tinha uma posição estratégia na economia do país. Ao longo desse período a luta dos ferroviários, apesar de bastante reprimida pelo Estado, obteve importantes conquistas, como por exemplo alguns direitos sociais como o de férias e à aposentadoria (LEITE, 1989).

A primeira Constituição a tratar da greve no Brasil foi a de 1937, embora haverem Decreto-Leis anteriores a ela que já tratavam da criminalização de tal exercício, que já impunham penas que iam desde demissões até a condenação ao pagamento de multa às associações que decretassem greve, a Constituição de 1937, também conhecida como a “Polaca”, consagrou a proibição do direito de greve através de seu artigo 139, que dispunha que: “A greve e o lockout são declarados recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital, e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.” (LEITE, 1989).

No período de transição democrática no fim da Segunda Guerra Mundial, por volta de 1945, começam a ocorrer as primeiras mudanças de posicionamento em relação a greve, porém esta só passará a ser consagrada como um direito pelo ordenamento jurídico brasileiro na Constituição de 1946 (LEITE, 1989).

Atualmente o direito à greve, na legislação brasileira, é assegurado tanto pela Constituição federal estabelecendo que “Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.” e regulamentado pela Lei nº 7.783/89.

2 Greve no setor público

Servidores e servidoras do setor públicos são quem mantêm Administração Pública Direta e Indireta em funcionamento (a União, os Estados, o Distrito Federal, Municípios, autarquias, fundações públicas, sociedade de economias mistas e empresas públicas), mantendo com estas uma relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência. Quando se trata do regime o qual está submetido o trabalhadora e a trabalhadora do serviço público, observa-se inúmeras diferenças entre estes e os trabalhadores e trabalhadoras do setor privado, incluindo a legislação que regulamenta cada regime laboral (CONCEIÇÃO, 2008).

“Até 1998 todos os servidores faziam parte do Regime Jurídico Único (RJU), ou seja, eram estatutários. A Emenda Constitucional nº 19/98 alterou o artigo 39 da Constituição Federal, não mais fazendo referência ao RJU. Com isto, entendeu-se que os servidores poderiam ser contratados sob outros regimes. Saliente-se, contudo, que ao elaborar o presente trabalho, a autora da pesquisa se deparou no dia 02 de agosto de 2007, com o julgamento da ADIN nº 2135/2000, que restabeleceu o caput do artigo 39 da Constituição Federal, com efeitos ex nunc . Assim, os servidores desde então contratados passam a ser regidos novamente pelo RJU. Somente seria possível a contratação de trabalhadores pelo regime celetista se existir legislação específica no âmbito do ente federativo, como, por exemplo, a Lei nº 9.962/2000, na esfera federal. Cada ente público tem norma específica, que tanto pode ser o regime estatutário, celetista ou misto, na qual parte do pessoal é estatutária e parte é celetista”. (CONCEIÇÃO, 2008)

O direito de greve no serviço público acaba sendo alvo de inúmeras polêmicas, isso pela natureza do serviço prestado e pelo órgão com o qual o servidor ou servidora mantém seu vínculo de trabalho, ou seja, o Estado. Nesse sentido, alguns defendem que os servidores e servidoras, por serem essenciais para a Administração Pública, são regidos pelos princípios desta, tal como o princípio a continuidade de seus serviços ou o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o que entrariam em conflito com o direito de greve, dado o caráter particular dessa reinvindicação. Veem o servidor público não apenas como um trabalhador ou trabalhadora, mas como agente social que se confunde com o próprio Estado.

Entretanto vê-se que essa linha de pensamento visa ignorar o caráter de relação laboral existente entre Estado e servidor como se não fosse esta também uma relação de exploração, tal qual se dá no setor privado, o qual é prestado um serviço que tem como contraposição uma prestação de caráter alimentar. Portanto, a partir do momento em que a greve no setor público, tal como o privado, decorre do princípio da liberdade sindical, sendo assim impedir à esses e essas trabalhadoras fazer greve é denegar o próprio direito de greve (CONCEIÇÃO, 2008).

A Constituição Federal em seu artigo 37, inciso VII, da CF, que dispõe: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também, ao seguinte:(…) VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;”. Porém ocorre que, desde a entrada em vigor da Constituição Federal, em 1988, esta categoria espera por uma lei que venha no intuito de regulamentar tal direito, tendo em vista que, por não haver legislação própria, se aplicava em muitos casos, a Lei 7.783/89 por analogia, elaborada inicialmente para os setores privados (CUNHA, 2015).

Em 2007 o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei nº 7.783/89 elaborada incialmente para os trabalhadores e trabalhadoras do serviço privado, que já era utilizada por analogia aos servidores públicos, conforme dito anteriormente, seria a legislação responsável por regulamentar sobre a greve no serviço público.

3 O Recurso Extraordinário nº 693.456 RJ e a mitigação ao direito de greve no setor público

Recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do corte do ponto de servidores e servidoras públicas grevistas, antes mesmo de declaração judicial da ilegalidade da greve. Esta decisão, contida no Recurso Extraordinário nº 693456RJ, representa um marco para um começo de regulamentação da greve no serviço público.

Apesar do inciso VII, do artigo 37, da Constituição Federal de 1988 estabelecer que lei específica regulamentará os limites e termos da greve no serviço público, tal regulamentação nunca foi efetivada, aceitando-se, por analogia, a aplicação da Lei nº 7.783/1989, referente às trabalhadoras e trabalhadores submetidos ao regime celetista.

Inquestionável é a necessidade de regulamentação da greve no setor público, porém, tal regulamentação deve observar os ditames de realização constitucional da justiça, servindo como um aporte a assegurar garantias às servidoras e aos servidores públicos.

Em contrapartida, a decisão do STF em nada coadunou com os parâmetros de justiça social que se espera de uma Corte Constitucional. Destaca-se o trecho a seguir, extraído do voto do Ministro Dias Toffoli, relator do julgamento em comento:

“Com efeito, conquanto a paralisação seja possível, porque é um direito constitucional, ela tem consequências. Esta Corte Suprema já assentou o entendimento de que o desconto dos dias de paralisação é ônus inerente à greve, assim como a paralisação parcial dos serviços públicos imposta à sociedade é consequência natural do movimento. Esse desconto não tem o efeito disciplinar punitivo. Os grevistas assumem os riscos da empreitada. Caso contrário, estaríamos diante de caso de enriquecimento sem causa a violar, inclusive, o princípio da indisponibilidade dos bens e do interesse público”.[1] (grifos nossos).

A narrativa acima demonstra a perda do caráter de direitos humanos e fundamentais que a greve tem. Leite (2002) enquadra a greve como pertencente, simultaneamente, às três dimensões de direitos humanos, entendendo ser ela um direito de liberdade, um direito de igualdade e um direito de fraternidade.

O Ministro Edson Fachin, em decisão liminar no Mandado de Segurança 33782RJ, assevera que o a greve é o principal instrumento reivindicatório das servidoras e dos servidores públicos, de modo que o desconto não pode inviabilizar o exercício desse direito. Quando o desconto ocorre de forma automática, ou seja, antes de apreciação judicial da legalidade da greve, mais fortemente está a cassação deste direito.

A decisão tomada pelo STF configurou mais do que apenas a possibilidade de corte dos vencimentos pelos dias de greve; segundo o Ministro Dias Toffoli, o desconto da remuneração deve ser a regra no caso de servidoras e servidores públicos, independentemente de ser a paralização legal ou não. Ou seja, a decisão confere o poder, ao órgão da administração pública, de cortar o ponto e não remunerar a servidora e o servidor público de imediato, sem mesmo a necessidade de questionamento judicial acerca da ilegalidade da greve.

No entendimento de Fraga e Vargas (2010), é necessário reconhecer que a relação de emprego estatal é uma relação birateral, sob pena de que, em nome do interesse público, o Estado imponha condições de trabalho sem que haja abertura para negociações. E é exatamente nesse sentido que os ensinamentos de Damia (2009) são tão importantes. Afirma a autora que, apesar do regime diferenciado entre trabalhadoras/trabalhadores empregados e servidoras/servidores públicos, não pode haver violação a direitos fundamentais, já que todas e todos são trabalhadoras e trabalhadores.

“Não se pode anuir à assertiva de que apenas os trabalhadores empregados podem exercer o direito de greve sem desconto nos seus vencimentos, quando legítima e sem abusos, porque a Lei 7.783/89 apenas a eles aproveita, sob pena de se estar reduzindo o trabalhador do serviço público, o servidor público, a uma subcategoria, colocando-o em situação inferior à do trabalhador empregado, por não dispor do exercício de um direito reconhecido e consagrado pela Constituição Federal, por inércia do Legislativo. Cuida-se, pois, de verdadeira desigualdade”. (DAMIA, 2009, p.3).

Este entendimento é bastante importante quando se tem em vista a consecução de uma justiça democrática, que não retire ou mitigue direitos sociais duramente conquistados. O papel do STF enquanto assegurador da Constituição tem sido cada vez mais deturpado, em razão das políticas antidemocráticas que têm se adotado.

A decisão caracteriza evidente restrição ao direito de greve, representando, ao contrário do que o Ministro Dias Toffoli afirmou, efetiva punição à servidora e ao servidor público que aderem às mobilizações de classe. Ainda, confere poder ao ente administrativo sem prévia análise judicial, o que vai diretamente de encontro com os ditames constitucionais.

Considerações finais

O direito de greve tem sua base na caracterização de direitos sociais, nas lutas por garantias às trabalhadoras e trabalhadores, sejam estes empregados ou públicos. Justamente por esta característica, não pode o direito de greve ser tolhido, mesmo que de forma indireta, através do autoritarismo do órgão da administração pública em cortar o ponto.

A servidora e o servidor público, por também serem trabalhadoras e trabalhadores, possuem as mesmas garantias fundamentais que estes, embora com as devidas adequações, ante as diferenças características que possuem em relação à empregada e ao empregado. Ou seja, a garantia a direitos sociais deve estar presente em todos os tipos de trabalho, seja ele público ou privado, sob pena de corresponder a retrocesso, com danos efetivos à classe trabalhadora e sua busca por mínimas condições dignas de reprodução da vida.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, na contramão dos ditames constitucionais de justiça, evidentemente cerseia este que é o instrumento de maior poder na luta por direitos trabalhistas, previdenciários e até por melhorias na qualidade do emprego. A superioridade com que é posto o interesse público pode caracterizar imposição das condições de trabalho sem abertura para negociações.

 

Referências
ANTUNES, R.; ALVES, G. As mutações no mundo do trabalho na Era da Mundialização do Capital. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004 Disponível em: <www.cedes.unicamp.br>.
BORGES, A. A Origem e papel dos sindicatos. I Modulo do Curso Centralizado de Formação Política – Escola Nacional de Formação da CONTAG – ENFOC Brasília, 2006. Disponível em: <www.contag.org.br>.
CONCEIÇÃO, M. C. V. A greve no serviço público: elementos conceituais e o debate em torno da sua regulamentação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 52, abr 2008. Disponível em: <www.ambitojuridico.com.br >.
CUNHA, C. M. O servidor público pode exercer o direito de greve, ou sua atividade é essencial à população? Disponível em: < www.migalhas.com.br >.
FERREIRA, A. L. M.; TEOTONIO, L. B. C.; BARBOSA, S. K. C. As determinações do trabalho no modo de produção capitalista. Cadernos de Graduação. V.1, nº2, 2013. Disponível em: <www.memoriaoperaria.org.br>.
DAMIA, F. L. B. O Direito de Greve dos Servidores Públicos. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/conteudo/o-direito-de-greve-dos-servidores-p%C3%BAblicos>.
FRAGA, R. C. VARGAS, L. A. Greve dos Servidores Públicos e STF. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, v. 76, n. 2, p. 33-42, abr./jun. 2010. Disponível em: < http://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/14077/002_fraga_vargas.pdf?sequence=5&isAllowed=y>.
LEITE, M. P. O que é greve. São Paulo: Brasiliense, 1988.
LEITE, C. H. B. A Greve do Servidor Público Civil e os Direitos Humanos. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 3, n. 34, p.1-15, mar. 2002. Disponível em: <https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/viewFile/870/856>.
LENIN, V. I. Sobre as Greves. Disponível em: <www.marxists.org>.
MARX, K. O Capital: a crítica da economia política: Livro I. Disponível em:<www.marxists.org>.
STOLZ, S. Os Atores Sociais e a Concretização sustentável do Direito Fundamental ao Trabalho Garantido pela Constituição Cidadã. In: COMPEDI, Direitos Fundamentais e Democracia I, 2013. Curitiba. Anais… Florianópolis: FUNJAB, 2013. p.479-502.
 
Notas
[1] Voto disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE693456.pdf


Informações Sobre os Autores

Carolina Flores Gusmão

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Rio Grande FURG

Reysla da Conceição Rabelo de Oliveira

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Rio Grande FURG

Otávio Pontes Corrêa

Bacharel em Direito da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Mestrando em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande FURG


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