Protocolo de Nagoia: dez questões fundamentais para entender esse acordo internacional sob a perspectiva brasileira

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Resumo: O Protocolo de Nagoia é um acordo multilateral acessório à Convenção sobre Diversidade Biológica que tem por objetivo viabilizar a realização de um de seus objetivos centrais: a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais a eles associados. O artigo aborda dez questões fundamentais para a adequada compreensão desse acordo internacional.  Alguns dos temas tratados são: o escopo do Protocolo e a questão da retroatividade; os efeitos de sua adopção para o Brasil e para as empresas que desenvolvem atividade de pesquisa e desenvolvimento no País; sua relação com outros tratados internacionais, em especial com o TIRFAA; e seus efeitos para o setor agrícola. Ao final são tecidas considerações e sugestões sobre o caminho a ser trilhado no debate acerca da ratificação desse acordo.  Busca-se com isso contribuir para uma melhor compreensão do tema e auxiliar tomadores de decisões e entidades potencialmente afetadas pelo Protocolo a avaliarem a conveniência de sua adoção pelo País.

Palavras-chave: Protocolo de Nagoia. Questões fundamentais. Acesso e repartição de benefícios. TIRFAA. Retroatividade.

Keywords: Nagoya Protocol. Key questions. Access and benefit-sharing. TIRFAA. Retroactivity.

Sumário 1. Introdução – 2. Questões fundamentais. 2.1. Afinal, do que trata o Protocolo de Nagoia? 2.2. Quais serão os principais efeitos decorrentes da adoção do Protocolo de Nagoia para o Brasil? 2.3. Quais são os principais efeitos da adoção do Protocolo de Nagoia para as empresas e entidades de pesquisa que desenvolvem atividades no território nacional? 2.4. Há prazo para ratificação do Protocolo? Sua adoção é definitiva ou o Brasil pode desistir de ser parte se não tiver mais interesse? 2.5. Quais as formas de repartição de benefícios previstas no Protocolo? 2.6. Qual a relação do Protocolo de Nagoia com outros tratados internacionais que tratam de temas afins?  2.7. O Protocolo de Nagoia se aplica ao setor agrícola ou este está sujeito apenas às regras do TIRFAA? 2.8. O Protocolo de Nagoia acarretará obrigações financeiras significativas para o setor agrícola brasileiro? 2.9. Em termos de repartição de benefícios, o Brasil receberá ou pagará mais após a adoção do Protocolo? 2.10. O protocolo de Nagoia retroagirá? 3. Considerações finais. 4. Referências bibliográficas.

1. Introdução

De 4 a 17 de dezembro de 2016, será realizada em Cancun, no México, a 13ª Reunião de Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (“Convenção”), o mais importante tratado[1] internacional sobre conservação e uso sustentável da biodiversidade. Esse mesmo encontro funcionará como 2ª Reunião de Partes do Protocolo de Nagoia[2] (“Protocolo”), acordo complementar à Convenção que tem por objetivo viabilizar a realização de um de seus objetivos centrais[3]: a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade.

Assim como ocorreu nos meses que antecederam a 1ª Reunião de Partes do Protocolo, realizada em 2014, ano em que atingiu o número necessário de ratificações para entrar em vigor internacionalmente[4], o debate sobre a conveniência e oportunidade de o Brasil ratificar o Protocolo voltou a ganhar importância nos últimos meses com a proximidade da reunião de Cancun. Apesar de ter sido um dos líderes na negociação internacional que resultou no texto desse acordo e um dos primeiros a assiná-lo, o País ainda não o ratificou, tendo participado na reunião de 2014 como mero observador[5], e segue gerando expectativa interna e externa sobre a posição que adotará.

Para que entre em vigor no Brasil, o Protocolo deverá seguir o procedimento previsto na Constituição Federal para a internalização de acordos internacionais. Esse procedimento envolve três fases: i) assinatura do acordo pelo Presidente da República – ou representante por ele designado – e submissão do texto para referendo do Congresso Nacional[6]; ii) aprovação do texto pelo Congresso Nacional, a qual é materializada por meio da expedição de decreto legislativo assinado pelo presidente do Senado Federal[7]; iii) e promulgação do texto pelo Presidente da República por meio da expedição de decreto executivo.  A primeira fase já foi concluída em 2011 com sua assinatura, tendo seu texto sido remetido ao Congresso Nacional por meio da Mensagem 245, de 2012. Atualmente, aguarda-se a nomeação dos membros da Comissão Especial da Câmara dos Deputados constituída para avaliar o Protocolo[8], que em seguida será avaliado pelo Plenário. Semelhante procedimento será seguido no Senado Federal.

Não obstante a importância do tema e as expectativas geradas, o que se vê entre os principais atores que podem ser afetados diretamente pela adoção do Protocolo e mesmo no Congresso é um alto grau de desconhecimento sobre o seu conteúdo e seus potenciais efeitos, o que dificulta a tomada de decisão pelo País. Essa falta de informação tem aberto espaço para o surgimento de mitos e discursos excessivamente otimistas ou demasiadamente pessimistas quanto aos impactos que poderão advir de eventual ratificação ou da rejeição do Protocolo. Com o objetivo de contribuir com o amadurecimento desse debate, abordaremos adiante dez questões que reputamos fundamentais para a adequada compreensão desse acordo internacional.

A adoção do formato “perguntas e respostas” teve por objetivo dar ao presente trabalho um caráter prático e de maior alcance, incentivando sua consulta inclusive por profissionais sem formação jurídica, o que é fundamental para o enriquecimento do debate em um tema como este. As questões se baseiam em dúvidas reais repetidamente ouvidas pelo autor em palestras e consultas.

2. Questões fundamentais

2.1. Afinal, do que trata o Protocolo de Nagoia?

O Protocolo de Nagoia é um acordo multilateral[9] acessório à Convenção sobre Diversidade Biológica que tem por objetivo viabilizar a realização de um de seus objetivos centrais: a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais a eles associados. Para o acordo, a expressão utilização de recursos genéticos significa  “a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre a composição genética e/ou bioquímica dos recursos genéticos, inclusive por meio da aplicação da biotecnologia”. Trata-se de conceito que muito se aproxima à definição de “acesso ao patrimônio genético” adotado no Brasil pela Lei 13.123./2015.[10]

Seu caráter acessório está relacionado não apenas ao fato de que ele busca assegurar um objetivo estabelecido pela Convenção mas também porque apenas os países que fazem parte dessa podem aderir ao Protocolo[11]. Os Estados Unidos, por exemplo, não são membros da primeira, razão pela qual não podem se tornar parte do segundo neste momento.

Antes da adoção do Protocolo, houve algumas iniciativas locais[12] com o objetivo de promover esse objetivo da Convenção. O Brasil é um exemplo de país que criou normas específicas para tratar do assunto (primeiro, a Medida Provisória 2.052/2000, que se perpetuou como Medida Provisória 2.186-16/2001; atualmente, a Lei 13.123/2015). Em âmbito internacional, a adoção das Diretrizes de Bonn[13] foi a tentativa de maior destaque com a finalidade de promover esse objetivo da Convenção. Tratava-se, porém, de meras diretrizes, sem efeito vinculante. Essas medidas foram tidas como insuficientes para atingir a finalidade pretendida, tendo se tornado constantes as queixas dos países provedores sobre o desrespeito às suas normas e dos países usuários sobre a falta de clareza dessas. Esses fatos motivaram as partes da Convenção a negociar um acordo vinculante para tratar do tema. O Protocolo de Nagoia é fruto dessa negociação[14].

Esse acordo internacional parte da premissa firmada pela Convenção de que os países têm soberania[15] sobre os recursos genéticos[16] existentes em seu território, os quais possuem inquestionável valor, e podem exigir uma participação dos benefícios decorrentes de sua utilização pelos interessados, sejam eles um particular, uma empresa ou mesmo uma entidade governamental. A partir dessa premissa, estabelece que os países membros do Protocolo, sejam eles provedores ou usuários, devem assegurar que o acesso a esses recursos e a repartição dos benefícios decorrentes de sua utilização se deem de acordo com a legislação que cada país optar por instituir.  Ou seja, cria-se um dever de fiscalização mútua entre os países de onde se obtém os recursos ( países provedores) e aqueles onde se localizam seus usuários (países usuários) para assegurar o respeito às normas aplicáveis a determinado recurso.

Um exemplo ajuda a ilustrar esse feixe de direitos e obrigações. Imaginemos que uma empresa farmacêutica localizada na Suíça deseje acessar recursos genéticos de uma espécie encontrada na Indonésia (ex. chá de java) para o desenvolvimento de um medicamento[17]. O Protocolo reconhece o direito da Indonésia de estabelecer as regras necessárias para que esse acesso se realize e institui para a Suíça a obrigação de criar mecanismos aptos a assegurar o cumprimento dessas regras. Vale ressaltar que a decisão de estabelecer ou não exigências específicas para o acesso aos seus recursos cabe ao país provedor (no nosso exemplo, a Indonésia), no exercício de sua soberania[18]. Ou seja, não se trata de um dever imputado ao país provedor, o qual pode optar por um regime de maior liberdade para o acesso e utilização[19], e sim de um direito. Contudo, havendo opção pela instituição de regras específicas, caberá às demais partes do Protocolo tomar medidas para assegurar seu respeito.

A definição de um dever geral de fiscalização para os países usuários foi o grande avanço desse arranjo. Historicamente, o que se vinha observando era um avanço na adoção de normas específicas pelos países provedores, os quais podiam fiscalizar o acesso aos seus recursos no seu território. Contudo, esses países questionavam a falta de empenho dos países usuários em assegurar o respeito a essas normas. O Protocolo tenta suprir essa lacuna impondo responsabilidades a todos os envolvidos nessa relação[20].

O Protocolo também dá um passo adiante ao reconhecer expressamente o direito ao recebimento de benefícios para comunidades indígenas e locais detentoras de conhecimentos tradicionais que venham a ser utilizados por usuários. A Convenção já indicava a importância de os países incentivarem a repartição neste caso[21], mas o Protocolo reconheceu esse direito de forma mais direta e definitiva ao estabelecer um vínculo claro entre repartição de benefícios e conhecimento tradicional[22].  O dever de fiscalização mútua assumido pelos países deve também abranger a fiscalização do cumprimento das normas de acesso relativas a conhecimentos tradicionais associados.

Outro aspecto relevante que o Protocolo busca assegurar é a clareza e a transparência da legislação dos países provedores, de modo a garantir segurança jurídica para os usuários. Esse objetivo foi inclusive reconhecido nos considerandos[23] desse acordo e reflete a preocupação dos países usuários em ter maior clareza quanto às regras que devem seguir para que possam acessar legitimamente recursos genéticos encontrados em outros lugares sem correr o risco de serem acusados de biopirataria. O art. 6, 3, do Protocolo aborda o tema diretamente e impõe como obrigação para os países   “proporcionar segurança jurídica, clareza e transparência em sua legislação ou seus regulamentos nacionais de acesso e repartição de benefícios”. Evidentemente, a adoção de normas que proporcionem segurança jurídica, clareza e transparência beneficia não apenas usuários de outros países, mas também aqueles localizados no país provedor.

2.2. Quais serão os principais efeitos decorrentes da adoção do Protocolo de Nagoia para o Brasil?

Ao ratificar o Protocolo, o Brasil passará a ser titular de todos os direitos e obrigações previstos neste tratado, uma vez que não há possibilidade de se fazer reservas[24]. O País assumirá a obrigação de realizar determinadas prestações e terá a faculdade de exigir que as demais partes cumpram essas mesmas prestações. Pela sua estrutura, Nagoia faz com que cada país seja a um só tempo sujeito ativo e passivo das principais relações obrigacionais instituídas, já que todos são potencialmente, em maior ou menor medida, provedores e usuários de recursos genéticos uns dos outros.

Indicamos no quadro abaixo as principais[25] obrigações que serão assumidas pelo Brasil internacionalmente ao ratificar o Protocolo e buscamos apontar as medidas que deverão ser tomadas pelo País internamente para cumpri-las. Como dito, o Brasil também passará a ter o direito de exigir o cumprimento dessas obrigações dos outros países que fazem parte do acordo.

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Diferentemente do que ocorre em alguns acordos internacionais[26], não há prazo definido para o cumprimento dessas obrigações. O que se estabelece é que caberá à Conferência de Partes, quando atuando na qualidade de reunião de partes do Protocolo, tomar as decisões necessárias para promover sua efetiva implementação do Protocolo (art. 26, 4) e que as Partes deverão enviar relatório de monitoramento sobre o seu cumprimento na forma e periodicidade determinada (art. 29)[27]. Além disso, o Protocolo previu a criação de um procedimento específico de cooperação com vistas a promover o seu cumprimento (art. 29), o que foi concretizado na 1ª Reunião de Partes por meio da decisão NP-1/4[28].

Apesar da ausência de prazo específico, é esperado que os países que ratifiquem o Protocolo busquem cumprir suas obrigações em prazo razoável. Como qualquer acordo internacional, ele faz lei entre as partes e impõe o respeito ao princípio da boa-fé[29]. Além disso, eventuais descumprimentos podem sujeitar as partes à utilização dos mecanismos de solução de controvérsias previstos no art. 27 da Convenção, os quais também são aplicáveis ao Protocolo[30].

A falta de prazos específicos e a adoção de uma linguagem flexível[31], que dá ampla liberdade aos países sobre a forma de internalização do Protocolo, faz com que ele seja visto em muitos aspectos como um acordo fraco. Esses fatores dificultam uma análise precisa sobre os impactos que serão gerados por sua implementação, fazendo com que um maior número de variáveis devam ser consideradas.

2.3. Quais são os principais efeitos da adoção do Protocolo de Nagoia para as empresas e entidades de pesquisa que desenvolvem atividades no território nacional?

As pessoas físicas e jurídicas que desenvolvem atividades no Brasil não serão impactadas imediatamente pela simples ratificação do Protocolo, uma vez que ele institui obrigações dirigidas aos países e não aos particulares. Contudo, para que possa cumprir os compromissos assumidos, o Brasil deverá adotar, dentre outras, as medidas indicadas anteriormente, as quais poderão impactar as pessoas que desenvolvem atividades com recursos genéticos e conhecimentos tradicionais no território nacional.

Veja, por exemplo, o caso de empresas existentes no Brasil que realizam pesquisa e desenvolvimento com espécies da biodiversidade de outros países (exóticas). A legislação brasileira de acesso (Lei 13.123/2015), em regra[32], não incide sobre essas atividades, razão pela qual elas sempre foram desenvolvidas com um maior grau de liberdade. Isso porque, ainda que houvesse legislação no país de origem, essa não se aplica no território nacional, salvo se o Brasil expressamente determinasse essa aplicação. Essa é uma decorrência do princípio da soberania[33], por força do qual cabe exclusivamente ao Estado soberano definir a legislação aplicável em seu território e indicar o órgão com tal função[34]. Aliás, esse foi um dos fatores que levou à negociação e instituição do Protocolo. Com a ratificação desse acordo, o Brasil assumirá o compromisso de criar mecanismos para assegurar que essa legislação estrangeira (se existente) seja cumprida pelas empresas, pesquisadores e entidades de pesquisa que atuam em território nacional.

O Protocolo não define com precisão que medidas serão essas, estabelecendo apenas que devem ser efetivas e proporcionais, o que dá ampla margem de escolha a cada país. Além disso, deixa claro que os seus membros devem tomar ações também efetivas e proporcionais para tratar das situações em que houver descumprimento das medidas adotadas, assim como cooperar em casos de alegada violação da legislação estrangeira. Não se tem notícia de como o Brasil cumprirá essa obrigação e o nível de complexidade que isso acarretará para as atividades de pesquisa e desenvolvimento com biodiversidade estrangeira, mas é quase certo que essas sofrerão algum impacto.

Além dessa previsão geral, o Protocolo estabelece pelo menos uma medida específica a ser utilizada para verificar o cumprimento da legislação de outros países: o estabelecimento de pontos de verificação. Esses pontos serão órgãos ou entidades definidas pelos países para receber informações relativas à origem dos recursos genéticos, à obtenção do consentimento do país provedor e aos termos da repartição de benefícios, de modo a verificar se as legislações aplicáveis a determinado recurso estão sendo cumpridas.

O Protocolo não definiu quais serão os pontos, dando liberdade aos países para escolher como cumprirão essa obrigação[35], mas a expectativa é que esse dever recaia sobre instituições já existentes. Os debates realizados no curso das negociações do Protocolo sinalizavam a possibilidade de atribuição dessa função, por exemplo, a instituições de fomento (ex. FINEP), escritórios de propriedade intelectual (ex. INPI) e autoridades responsáveis pelo controle da comercialização de produtos (ex. ANVISA e MAPA)[36]. No Brasil, o INPI já tem o dever de exercer a função de ponto de verificação especificamente para análise do cumprimento da legislação nacional, conforme estabelecido pelo art. 47 da Lei 13.123/2015. Contudo, essa obrigação não existe para verificação do cumprimento da legislação estrangeira em caso de uso de recursos genéticos de outros países. Interessante registrar que a inclusão dos escritórios de patente como ponto de verificação obrigatório chegou a ser discutida quando da negociação do Protocolo, mas não houve acordo quanto a esse ponto, prevalecendo a ideia de que essa definição caberá a cada país[37].

Ainda não há definição sobre quais serão os pontos de verificação adotados pelo Brasil após eventual ratificação do Protocolo e as consequências que serão atribuídas a eventual desrespeito à legislação estrangeira quando verificado. Uma clareza quanto a esse ponto seria recomendável para que todas as empresas e entidades de pesquisa interessados neste debate tenham clareza sobre os efeitos da adoção desse acordo internacional antes de sua ratificação. Contudo, seja como for, parece inquestionável que haverá um aumento da complexidade regulatória a que se sujeitavam essas entidades que até então realizavam pesquisa e desenvolvimento com biodiversidade estrangeira em um ambiente de maior liberdade. Em contrapartida, a tendência é que entidades que procediam da mesma forma com a biodiversidade brasileira no exterior também passem a enfrentar esse novo cenário.

Essa nova realidade exigirá das pessoas ou entidades (empresas, universidades, etc.) que realizam pesquisa com biodiversidade estrangeira que passem a estabelecer mecanismos de compliance aptos a viabilizar o conhecimento e o cumprimento da legislação estrangeira sempre que necessário. Atualmente, tendo em vista a falta de informação adequada e a assimetria entre as legislações existentes no mundo, esse processo ainda envolve alta carga de complexidade, especialmente se forem feitos individualmente. Diagnósticos setoriais promovidos por associações ou grupos independente de empresas podem reduzir os custos e a complexidade dessa tarefa. De todo modo, a tendência é que a adoção do Protocolo por um maior número de países leve a uma uniformização dos requisitos exigidos para o acesso e repartição de benefícios e simplifique o processo de obtenção de informações.

2.4. Há prazo para ratificação do Protocolo? Sua  adoção é definitiva ou o Brasil pode desistir de ser parte se não tiver mais interesse?

Não há prazo para que o Brasil ratifique o Protocolo de Nagoia. Isso pode ser feito a qualquer tempo, de acordo com o interesse do País. A vantagem de ratificá-lo neste momento é que o Brasil passará a participar das Reuniões de Partes com direito a voto, podendo influenciar nas relevantes decisões que ainda precisam ser tomadas para sua implementação. Por outro lado, a adesão fará com que o País passe a se sujeitar aos direitos e deveres previstos nesse acordo imediatamente, quando ainda pairam dúvidas alguns pontos relacionados à sua implementação.

Como é regra nos tratados internacionais, a adoção do Protocolo não é definitiva. Nada impede que o País decida desligar-se dele após avaliar as vantagens e desvantagens de ser parte por determinado período. A denúncia do tratado deve se dar por meio de notificação dirigida ao Secretário-geral das Nações Unidas, que age como depositário desse acordo. Contudo, essa denúncia só poderá ser feita dois anos após a entrada em vigor do Protocolo no País e apenas surtirá efeito pelo menos um ano após sua realização (art. 35). Ou seja, se ratificá-lo, o Brasil deverá se sujeitar às suas regras por pelo menos três anos.

Sobre o procedimento interno a ser seguido para a denúncia do Protocolo, há interessante debate sobre a necessidade de participação do Congresso Nacional para que seja efetivada. Há quem defenda[38] que, assim como participa do processo de internalização do ato, o Congresso deveria obrigatoriamente aprovar a denúncia para que ela seja efetivada. Por outro lado, alguns especialistas sustentem que essa aprovação seria desnecessária, bastando a decisão do Presidente da República[39], o que simplifica o processo de desligamento. O assunto extrapola o objetivo desse trabalho, mas vale registrar que o Supremo Tribunal Federal deverá dar a palavra final sobre o tema no julgamento da ADI 1625, a qual discute a constitucionalidade do decreto que denunciou a Convenção 158 da OIT pelo Brasil por ato exclusivo do Presidente da República, sem participação do Congresso Nacional. A tendência é que o entendimento firmado nesse leading case passe a ser aplicado no futuro.

2.5 Quais as formas de repartição de benefícios previstas no Protocolo?

O Protocolo reconheceu como formas de repartição de benefícios as modalidades monetária e não monetária e elaborou uma relação meramente exemplificativa em seu anexo. Exemplos da modalidade monetária apresentados são pagamentos antecipados;  pagamento de royalties; e taxas especiais direcionadas a fundos fiduciários que apoiem a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica. Exemplos de benefícios não monetários são compartilhamento de resultados de pesquisa e desenvolvimento; colaboração, cooperação e contribuição à formação e capacitação; e o reconhecimento social.

Porém, nem o Protocolo nem seu anexo apresentam sugestões de parâmetros específicos de valores ou bases de cálculo a serem utilizados. Indicam apenas que a repartição deve ser justa e equitativa.  A definição do que seja justo e equitativo ficará a cargo de cada país e poderá sofrer variações significativas[40]. A busca pela uniformização desses parâmetros será sem dúvida um dos maiores desafios a ser enfrentado para a implementação efetiva desse tratado. O Protocolo tampouco apresenta critérios substantivos a serem respeitados pelos países na definição dos requisitos necessários para o acesso a seus recursos, simplesmente indicando que eles devem ser justos e não arbitrários e reconhecendo também neste ponto a liberdade dos Países em definirem suas normas.

A Lei 13.123/2015, que regula o tema no Brasil, também adota essas duas formas de repartição de benefícios (monetária e não monetária) e define os parâmetros para seu cálculo em caso de acesso aos recursos genéticos nacionais e conhecimentos tradicionais a eles associados. Em se tratando de acesso a recursos genéticos, outorga ao usuário o direito de optar pela repartição de benefícios monetária ou não monetária (art.19). Para os casos de acesso a conhecimento tradicional associado de origem identificada, define que essa definição caberá exclusivamente às partes contratantes, mas obriga o pagamento de uma parcela monetária para codetentores presumidos (art. 24). Por fim, em se tratando de acesso a conhecimentos tradicionais associados de origem não identificável (art. 23), estabelece que a repartição de benefícios se dará necessariamente na forma monetária.

Como a legislação brasileira já trata do tema exaustivamente, a adoção do protocolo tende a não trazer qualquer novidade quanto essa matéria para o acesso aos recursos genéticos nacionais. O desafio será conhecer, entender e aplicar os critérios adotados pelos demais países membros do Protocolo quando houver acesso à biodiversidade exótica.

2.6. Qual a relação do Protocolo de Nagoia com outros tratados internacionais que tratam de temas afins? 

Como a Convenção possui outros objetivos igualmente importantes, diversos protocolos podem ser firmados para realizá-los[41]. É o caso, por exemplo, do Protocolo de Cartagena, que versa sobre biossegurança e já foi internalizado pelo Brasil[42]. Nada impede também que outros tratados internacionais sem relação de dependência com a Convenção tratem de temas afins[43]. Um exemplo é o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura (TIRFAA), que foi celebrado no âmbito da FAO especificamente para tratar de recursos vegetais utilizados para alimentação e agricultura e institui um regime próprio de repartição de benefícios.

Exatamente por reconhecer essa realidade, o Protocolo deixou claro em seu art. 3º que sua adoção não afetará direitos e obrigações assumidas pelos países em outros acordos internacionais, salvo se o exercício dos direitos ou o cumprimento de deveres neles previstos puderem causar grave dano ou ameaça à diversidade biológica. Apenas nessa hipótese específica (possibilidade de causar dano ou ameaça à biodiversidade), o tratado deve ser entendido como capaz de alterar e/ou extinguir direitos e obrigações assumidas em outros acordos, situação em que teríamos um tratado posterior que prevalece sobre documento anterior por incompatibilidade [44].

Além disso, o Protocolo consagrou a regra da especificidade para definição do instrumento a ser aplicada quando outro tratado versar sobre acesso e repartição de benefícios. Seu art. 4º, 4, define que deve prevalecer o instrumento mais especializado em relação ao recurso genético específico por ele coberto e para a finalidade nele estabelecida.  O exemplo mais claro de um tratado que mantém essa relação com Nagoia é o já mencionado TIRFAA, o qual criou um regime específico de acesso e repartição de benefícios para alguns recursos vegetais utilizados para alimentação e agricultura (poucos, como se verá adiante). Para esses casos, o regime instituído pelo TIRFAA afasta a incidência do Protocolo[45].

A regra da especificidade também foi consagrada pela legislação brasileira (Lei 13.123/2015), a qual estabeleceu em seu art. 46 que as atividades realizadas sobre patrimônio genético ou sobre conhecimento tradicional associado que constarem em acordos internacionais aprovados pelo Congresso Nacional e promulgados, quando utilizadas para os fins dos referidos acordos internacionais, deverão ser efetuadas em conformidade com as condições neles definidas, mantidas as exigências deles constantes. Ou seja, reconhece-se a prevalência dos regimes específicos de acesso e repartição de benefícios previstos em tratados internacionais mesmo em face das regras gerais fixadas pela legislação nacional para acesso a recursos genéticos da biodiversidade brasileira.

2.7. O Protocolo de Nagoia se aplica ao setor agrícola ou este está sujeito apenas às regras do TIRFAA?

O Protocolo de Nagoia se aplica a todos os setores, inclusive ao agrícola. Como visto, o TIRFAA prevalece sobre Nagoia especificamente nos pontos em que esses tratados internacionais coincidem. Contudo, o âmbito de incidência do TIRFAA é mínimo até mesmo olhando apenas para o setor agrícola, deixando de fora um significativo número de recursos genéticos, os quais serão regulados por Nagoia[46] se outro regime específico não for negociado para abarcá-los.

O TIRFAA é um acordo internacional negociado no âmbito da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) que tem por objetivo harmonizar as normas estipuladas pela Convenção para acesso e utilização dos recursos genéticos em geral com as especificidades[47] dos chamados recursos fitogenéticos para alimentação e agricultura. Tais recursos, nos termos do TIRFAA, são entendidos como o “material genético de origem vegetal com valor real ou potencial para a alimentação ou a agricultura”[48].

Não obstante seu inegável avanço como sistema de simplificação do acesso e utilização de tais recursos, o alcance do TIRFAA é bem limitado e deixa de fora a maior parte dos recursos genéticos presentes nos países signatários. O mecanismo multilateral de acesso e repartição de benefícios instituído por esse tratado se aplica exclusivamente às atividades de acesso a recursos genéticos vegetais que preencham cumulativamente os seguintes requisitos: i) tenham por finalidade a investigação, melhoramento e formação para a alimentação e agricultura[49]; ii)  sejam  encontrados geridos e administrados pelas Partes Contratantes (ou seja, os Países signatários) e do domínio público[50], ou presente em instituições  internacionais, como é o caso Centros Internacionais de Investigação Agronómica do Grupo Consultivo para a Investigação Agronómica Internacional (GCIAI)[51]; e iii) estejam listadas no Anexo 1 do acordo[52].

Para os recursos que preencham esses requisitos, esse tratado afasta a incidência das normas do Protocolo de Nagoia. Contudo, mesmo em se tratando de atividade agrícola, há inúmeros recursos vegetais que não estão aí enquadrados. A soja é um bom exemplo. Além disso, todos os recursos não vegetais (ex. microrganismos, animais, peixes e invertebrados) estão fora do âmbito de incidência do TIRFAA e estarão sujeitos ao regime de repartição de benefícios previsto no Protocolo de Nagoia ou em outro específico que venha a ser negociado para esse fim. O quadro abaixo, extraído de apresentação realizada pela Dra. Rosa Miriam de Vasconcelos[53], ilustra bem essa relação. O círculo maior (vermelho) representa os recursos genéticos em geral, o intermediário (amarelo) os recursos genéticos relevantes para alimentação e agricultura e o menor (verde) os recursos cobertos pelo sistema multilateral de repartição de benefícios do TIRFAA.

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Perceba-se que o sistema multilateral de acesso e repartição de benefícios do TIRFAA difere do mecanismo adotado por Nagoia em pelo menos três aspectos. O primeiro é o fato de o sistema de Nagoia ser em regra bilateral (provedor x usuário), enquanto o TIRFAA é multilateral. Ou seja, no caso do TIRFAA, a repartição de benefícios se dá em favor do sistema multilateral e não do provedor[54], como ocorre em Nagoia. O segundo aspecto é que Nagoia abrange os recursos genéticos em geral, ao passo que o TIRFAA abarca apenas os recursos acima elencados. E a terceira diferença é que o acesso e repartição de benefícios no âmbito de Nagoia deve se dar de acordo com as exigências previstas legislações nacionais, enquanto o TIRFAA segue um procedimento padronizado.[55]

Diante da entrada em vigor do Protocolo de Nagoia internacionalmente, é possível que o TIRFAA seja alterado para ampliar as espécies incluídas em seu escopo. Também não se pode descartar a hipótese de que outros tratados internacionais sejam negociados especificamente para tratar de recursos genéticos para alimentação e agricultura. Porém, considerando a realidade atual, o Protocolo de Nagoia poderá ser aplicado para reger  boa parte das atividades de acesso e repartição de benefícios envolvendo recursos genéticos para alimentação e agricultura.

2.8. O Protocolo de Nagoia acarretará obrigações financeiras significativas para o setor agrícola brasileiro?

O primeiro aspecto que deve ficar claro sobre essa questão é que o Protocolo não se aplica à atividade de simples comercialização de commodities sem que tenha havido prévia utilização de recursos genéticos[56]. O conceito de utilização para esse acordo internacional é, como indicado anteriormente, muito próximo ao conceito de acesso que sempre foi utilizado pela legislação brasileira e significa a “realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre a composição genética e/ou bioquímica dos recursos genéticos, inclusive por meio da aplicação da biotecnologia”. Um dos méritos dessa conceituação foi justamente eliminar as dúvidas quanto à questão da incidência das obrigações de repartição benefícios pela mera venda de produtos[57] sem que tenha havido pesquisa e desenvolvimento.

Assim, parece-nos desarrazoadas algumas afirmações de que a ratificação do Protocolo acarretaria a imediata cobrança de repartição de benefícios sobre a receita gerada por todos os commodities de espécies exóticas comercializados por empresas brasileiras, pois o texto desse acordo internacional não parece deixar espaço para cobrança sem prévia utilização. Por outro lado, é inegável que o setor agrícola poderá sofrer algum impacto decorrente da adoção do protocolo, sendo igualmente obscurantistas as teses que negam peremptoriamente essa possibilidade. Adiante buscaremos aclarar melhor essa questão.

Como visto, o protocolo de Nagoia foi pensado justamente para criar mecanismos que assegurem a repartição justa e equitativa de benefícios derivados da utilização de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais a eles associados. Nesse sentido, os seus arts. 5º, 15 e 16 criaram para os países que aderirem a esse acordo o dever de adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas aptas a assegurem que os países provedores dos recursos recebam os benefícios decorrentes da sua utilização.

Na prática, isso significa que os países membros do Protocolo passarão a ter o dever de viabilizar instrumentos que assegurem o cumprimento da legislação do país provedor do recurso genético.  Tomemos como exemplo o caso da soja, que tem como centro de origem a China. Imaginemos que um produtor brasileiro obtenha esse recurso genético da China para realização de melhoramento vegetal. Esse deverá respeitar as exigências da legislação local sobre o tema, inclusive quanto ao eventual dever de repartir benefícios e seu valor. A verificação desse atendimento deverá ser feita pelo Brasil por meio de mecanismos internos. O País também deverá viabilizar meios para que o país prejudicado possa reclamar o desrespeito às suas regras caso ele ocorra. O objetivo de tudo isso é ter um sistema de cooperação global que assegure que esses recursos foram obtidos de forma legítima e que o país provedor obteve os benefícios exigíveis na forma de sua legislação.

Como se percebe, a depender do uso de recursos genéticos advindos do exterior que venha a ser feito e do teor da legislação do país provedor, é possível que os usuários brasileiros do setor agrícola passem a dever repartição de benefícios. Não apenas pela comercialização de commodities, mas pela utilização de recursos genéticos. O tamanho desse impacto dependerá, dentre outras coisas, (i) dos critérios para exigibilidade e cálculo de repartição de benefícios adotados pelos países provedores dos recursos utilizados no Brasil e da (ii) interpretação que vier a prevalecer sobre o escopo do Protocolo. São dúvidas relacionadas a esses pontos que tem levado ao receio manifestado[58][59] por membros do Congresso Nacional em debates envolvendo a ratificação Protocolo.

Os critérios de exigibilidade e cálculo de repartição de benefícios podem variar significativamente de país para país. Situações que demandam pagamento em alguns lugares podem não acarretar semelhante obrigação em outros. No Brasil, por exemplo, há situações de isenção consagradas pela legislação atual[60]. Os parâmetros para o cálculo também podem variar de um lugar para o outro, havendo desde a definição de percentuais específicos até a outorga de uma liberdade negocial maior entre provedor e usuário. A evolução da própria legislação brasileira é um exemplo de como esse tema pode ser tratado de formas diferentes.

Já com relação ao escopo do Protocolo, o debate gira em torno dos recursos genéticos que serão considerados para efeito de sua aplicação. Pelos menos três possibilidades foram discutidas ao longo das negociações que resultaram no texto desse acordo:

i) o Protocolo deveria se aplicar a recursos genéticos que tivessem sido obtidos pelos países antes da entrada em vigor da Convenção e depois dela, ou seja, a qualquer momento;

ii) o Protocolo deveria se aplicar apenas a recursos genéticos que tivessem sido obtidos pelos países após a entrada em vigor da Convenção, ainda que antes da adoção do Protocolo;

iii) o Protocolo deveria se aplicar apenas a recursos genéticos que tivessem sido obtidos pelos países após a entrada em vigor do Protocolo;

Essa questão está intimamente relacionado aos debates acerca da retroatividade do Protocolo, os quais serão abordados na próxima questão, ainda que de efetiva retroatividade não se trate. Contudo, é fácil verificar que a depender do caminho tomado, o impacto do Protocolo poderá ser menor ou maior. Caso se considere que este se aplica até mesmo aos recursos obtidos antes da Convenção, seu escopo será amplíssimo; se se entender que ele se aplica apenas a recursos obtidos após a entrada em vigor do Protocolo, o escopo será reduzido; por outro lado, caso se entenda que ele se aplica após a entrada em vigor da Convenção, ter-se-á um escopo intermediário. Voltaremos ao assunto na próxima questão.

Contudo, especificamente para fins de atividade agrícola, de modo a mitigar – mas não eliminar – o impacto das regras instituídas pelo Protocolo de Nagoia, a Lei 13.123/2015 ressalvou que a repartição de benefícios prevista no Protocolo de Nagoia não se aplica à exploração econômica de material reprodutivo de espécies introduzidas no País pela ação humana até a entrada em vigor do tratado. Essa mesma lei define como agrícolas as atividades de produção, processamento e comercialização de alimentos, bebidas, fibras, energia e florestas plantadas (art. 2º, XXIV). Assim, tendo a espécie sido introduzida no Brasil até a data em que o Protocolo for efetivamente ratificado e estando a exploração do seu material reprodutivo associada a essas atividades, a legislação brasileira estabelece que as regras do Protocolo não se aplicarão.  Esse é o caso de grandes culturas como milho, soja, trigo e muitas outras, as quais só estarão sujeitas a Nagoia caso novas amostras sejam obtidas do pais de origem.

Vê-se, assim, que especificamente para as espécies relacionadas às atividades agrícolas, a legislação nacional adotou um escopo restritivo para o Protocolo, estabelecendo que suas obrigações só incidem sobre os recursos obtidos após sua entrada em vigor. Semelhante ressalva não foi feita para os demais recursos genéticos, dando a entender que o País fez uma leitura diferenciada do Protocolo para esses recursos, deixando o tratamento dos demais para ser definido de acordo com os desdobramento internacionais sobre o assunto. É o caso, por exemplo, dos recursos exóticos utilizados para os setores farmacêuticos, químico, cosméticos, dentre outros.

Não obstante essa definição ter sido consagrada pela legislação nacional, a depender da posição sobre o escopo do Protocolo que prevalecer internacionalmente, não se descarta a possibilidade de que ela seja vista como uma ofensa a esse tratado internacional e até mesmo à própria Convenção. Essa foi o entendimento manifestado pelo Secretário-Geral da Convenção sobre Diversidade Biológica, Sr. Bráulio Dias, em entrevista na qual foi chamado a falar sobre o então projeto de lei que resultou na Lei 13.123/2015. A redação do dispositivo então questionado teve sua redação ligeiramente alterada na versão final dessa lei, mas materialmente não há diferença relevante[61].

Por fim, deve-se registrar que assim como passará a ser devedor em algumas situações, o Brasil também será credor quando estiver em discussão a utilização de espécies nativas como a mandioca, o amendoim ou a borracha.

2.9. Em termos de repartição de benefícios, o Brasil receberá ou pagará mais após a adoção do Protocolo?

Não se tem notícia de documentos públicos que demonstrem projeções realizadas pelo Governo sobre o quanto as empresas brasileiras, pesquisadores e entidades de pesquisa nacionais passarão a pagar de repartição de benefícios pelo acesso a recursos genéticos estrangeiros após a ratificação e implementação do Protocolo. Tampouco se sabe quanto o País passará a receber pelo acesso aos recursos genéticos encontrados no território nacional em razão de acesso e exploração econômica realizados no exterior.

Essa conta não é simples de ser feita. O quanto o Brasil pagará depende das legislações dos países provedores dos recursos genéticos estrangeiros acessados e utilizados, e de definições específicas sobre o escopo do Protocolo abordadas anteriormente. Por outro lado, saber quanto o País receberá depende de informações sobre o efetivo acesso aos recursos genéticos nacionais realizados, o que não é fácil de obter, além de definições sobre o escopo do Protocolo. Contudo, é induvidosa a importância da realização de um esforço nesse sentido e de um debate público sério que considere os cenários possíveis para uma tomada de decisão.

Com o objetivo de contribuir com essa discussão, a Confederação Nacional das Indústrias elaborou um estudo sobre os possíveis impactos do protocolo de Nagoia chamado “Protocolo de Nagoia para a Indústria Brasileira”, para o qual remetemos o leitor[62]. Apesar de reconhecer as inúmeras dificuldades para realização de um cálculo dessa natureza, o estudo propõe uma metodologia de cenários por meio do qual conclui que, a depender do cenário considerado, alguns setores poderão ser fortemente impactados pela adoção do Protocolo. É o caso, por exemplo, do setor de papel e celulose no chamado cenário beta. Por outro lado, o estudo demonstra que o país poderá ser recebedor de recursos pagos a título de repartição de benefícios pelo uso de recursos genéticos de espécies como a borracha.

Considerando ser o Brasil um país megabiodiverso, abrigando de 13 a 15% de toda a biodiversidade do Planeta[63], intui-se que muito terá a ganhar pelo acesso e utilização do rico patrimônio genético nacional. Trata-se, porém, de simples intuição, sendo inegável o alto grau de incerteza que ainda paira sobre o tema. Além disso, a  decisão pela adoção ou não do Protocolo não pode desconsiderar variáveis não econômicas também relevantes. Três em especial merecem destaque[64].

A primeira é a credibilidade do País nas negociações internacionais. Certo ou errado, o Brasil exerceu um papel de liderança no curso das negociações e foi um dos maiores defensores da adoção do Protocolo[65]. Assim, o abandono do texto defendido pode abalar a credibilidade do País e prejudicar o protagonismo tradicionalmente exercido neste tema. Vale ressaltar que além de assinar esse acordo, a Comissão Nacional de Biodiversidade, por meio da Resolução no 6, de 3 de setembro de 2013, adotou as Metas de Aichi[66], reforçando o compromisso do País em ratificar e implementar o Protocolo.

A segunda é o efeito de direcionamento de recursos para a conservação da biodiversidade proporcionado pelo mecanismo de repartição de benefícios. Considerando essa perspectiva, a questão mais relevante não é se esses recursos irão para o país A ou B, mas que serão aplicados para essa finalidade, o que tratará benefícios para toda a humanidade. O reconhecimento da vinculação entre o sistema de repartição de benefícios e os demais objetivos da Convenção (conservação e uso sustentável da biodiversidade) feito pelo Protocolo[67] emprestam ainda mais força a esse argumento.

A terceira é o fato de que o Protocolo reconheceu o direito das comunidades indígenas e locais provedoras de conhecimento de anuir com o seu acesso e receber parte dos benefícios decorrentes de sua utilização[68]. Assim, independentemente do ganho econômico que o País como um todo venha ter com a adoção do Protocolo, a implementação dessa obrigação tende a beneficiar essas comunidades, as quais têm papel historicamente reconhecido como relevante para a conservação e uso sustentável da biodiversidade.

2.10 O protocolo de Nagoia retroagirá?

A resposta é induvidosamente negativa. A regra nos tratados internacionais é que esses somente surtam efeitos após sua entrada em vigor.  Somente se admite a retroatividade quando essa intenção é manifestada no texto[69], o que não ocorreu no Protocolo de Nagoia, apesar dos esforços nesse sentido no curso da negociação. Essa regra é consagrada pelo art. 28 da Convenção de Viena, que rege o direito dos tratados e estabelece expressamente o seguinte “a não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior ou a uma situação que deixou de existir antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte”.

Questão distinta da retroatividade diz respeito possibilidade ou não de aplicação do Protocolo para recursos que já estavam no país usuário quando de sua entrada em vigor. O Brasil, por exemplo, possui em seu território inúmeros recursos biológicos contendo recursos genéticos advindos de outros países, especialmente aqueles utilizados no setor agrícola.  É certo que a utilização desses recursos realizada no passado e os benefícios obtidos não serão impactados pelo Protocolo, pois este não retroage. A dúvida que se coloca é com relação à utilização e benefícios obtidos de agora em diante. Veja-se que nesse caso não se discute se o Protocolo poderá surtir efeitos sobre fatos passados e sim se poderá surtir efeitos sobre fatos futuros.

Essa questão foi bastante discutida no curso das negociações do Protocolo, mas a previsão específica sobre o tema findou sendo excluída no momento final da negociação em razão da falta de consenso[70].  Ilustra bem esse debate o texto resultante da última reunião de negociação ocorrida no grupo de trabalho que tinha a missão de preparar o texto a ser levado para decisão na Conferência de Partes da Convenção. Na o artigo 3º da minuta havia uma previsão entre colchetes (o que indica ausência de consenso) deixando claro que o Protocolo só se aplicaria aos recursos e conhecimentos tradicionais associados adquiridos após sua entrada em vigor[71]. Contudo, como dito, o texto final excluiu essa menção.

A falta de um regramento explícito sobre a matéria  tem levado à existência de posições distintas sobre a interpretação desse dispositivo[72], que podem ser resumidas nos seguintes termos:

i) o Protocolo deveria se aplicar a recursos genéticos que tivessem sido obtidos pelos países antes da entrada em vigor da Convenção e depois dela, ou seja, a qualquer momento;

ii) o Protocolo deveria se aplicar apenas a recursos genéticos que tivessem sido obtidos pelos países após a entrada em vigor da Convenção, ainda que antes da adoção do Protocolo;

iii) o Protocolo deveria se aplicar apenas a recursos genéticos que tivessem sido obtidos pelos países após a entrada em vigor do Protocolo;

A primeira posição foi defendida no curso das negociações do Protocolo de Nagoia pelos países provedores, em especial pelo grupo de países Africanos. A ideia era assegurar uma compensação histórica pelos recursos obtidos desses países durante o período colonial[73]. O principal argumento contrário a essa posição é o de que ela supostamente resultaria na aplicação retroativa da Convenção, uma vez que esta passou a exigir repartição de benefícios apenas dos recursos acessados após a sua entrada em vigor[74]. Como o art. 3o do Protocolo esclarece que ele se aplica aos recursos previstos no art. 15 da Convenção, a limitação do alcance daquele acordo limitaria também o seu alcance.

Esse argumento é combatido por autores[75] que entendem não haver efetiva retroatividade na aplicação do Protocolo a recursos acessados antes da Convenção. Sustentam que a geração de novos benefícios após a entrada em vigor é um novo ato e que a manutenção de recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais obtidos antes da entrada da Convenção após sua adoção e a entrada em vigor do Protocolo encaixa-se como situação que não deixou de existir, caso em que o art. 28 da Convenção de Viena admite a incidência de um novo acordo.

A segunda posição baseia-se no entendimento de que nem o Protocolo nem a Convenção podem retroagir. Contudo, como a Convenção já estabelecia a possibilidade de estabelecimento de legislação de acesso e repartição de benefícios pelo países, os recursos ou conhecimentos adquiridos após sua entrada em vigor já poderiam ser objeto do Protocolo, pois ele faz expressa referência ao art. 15 da Convenção. Contudo, como não deve haver retroatividade, a incidência do Protocolo se restringiria  aos benefícios derivados dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados em caso de novos usos ou de usos continuados[76].

A terceira posição pauta-se na ideia de que o Protocolo somente deverá ser aplicado aos recursos obtidos/adquiridos após sua entrada em vigor. Para os defensores desse entendimento, o acesso ao recurso se dá no momento de sua obtenção, de modo que qualquer tentativa de aplicar o Protocolo para recursos obtidos antes de sua entrada em vigor significaria atribuir a esse acordo efeitos retroativos. Esse entendimento parece ter sido encampado pela União Europeia na edição do regulamento por meio do qual incorporou o Protocolo de Nagoia, tendo deixado claro que ele somente se aplica aos recursos adquiridos após a entrada em vigor do Protocolo[77].

Essa variedade de posições sobre o tema é resultado de um texto pouco claro e que reflete a falta de consenso. Por isso,  autores como afirmam com razão que a questão do escopo temporal do Protocolo continua bastante incerta e possivelmente continuará assim no futuro próximo[78].

3. Considerações finais

O Protocolo de Nagoia foi produto de intensas negociações internacionais que duraram quase dez anos. Seu texto pode ser considerado o consenso possível em um tema complexo, novo e que tende a colocar em posições antagônicas, de um lado, os países detentores da tecnologia e do poder financeiro necessário para realizar pesquisa e desenvolvimento com os recursos genéticos da biodiversidade e, de outro, aqueles que não os possuem, mas são ricos em tais recursos.

Para que haja uma decisão efetivamente democrática e informada sobre a ratificação desse acordo internacional pelo Brasil, parece fundamental que o Governo Federal[79] promova ações com o objetivo de explicar em profundidade o que é o Protocolo e quais serão os efeitos de sua adoção. Ainda que não seja possível precisar todos eles, aproximações são viáveis e necessárias. Só assim os indivíduos e organizações potencialmente afetados e os representantes do povo no Congresso Nacional terão condições de avaliar a conveniência da adoção desse acordo.

Mas não é só. Como visto, a efetiva implementação do Protocolo no Brasil dependerá tanto de algumas escolhas internas do País como de definições que precisarão ser feitas internacionalmente, no âmbito das Reuniões de Partes do Protocolo. Assim, tanto  para permitir uma decisão informada sobre a ratificação desse tratado como para viabilizar sua internalização da melhor maneira possível, além de aumentar o nível de compreensão sobre o conteúdo e efeitos do Protocolo, é fundamental que o Governo manifeste-se sobre as escolhas internas e posições internacionais que pretende tomar em temas relevantes. Dentre essas questões, podemos destacar as seguintes:

Escolhas internas:

a) Quais medidas serão adotadas pelo Brasil para assegurar que os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais estrangeiros tenham sido acessados conforme exigido pela legislação do país provedor? Em quanto tempo se pretende adotar essas medidas após a ratificação?

b) Quais serão os pontos de verificação adotados no Brasil? Quais serão as informações solicitadas nesses pontos e de que forma?

c) Quais serão as consequências do descumprimento da legislação estrangeira de acesso observadas nos pontos de verificação ou por meio de outros mecanismos? Como esses casos serão tratados?

d) O Brasil promoverá alguma alteração da Lei 13.123/2015 e/ou de seu regulamento em razão da adoção do Protocolo de Nagoia? Qual será?

e) O Brasil pretende incentivar a adoção de diretrizes e boas práticas? Pretende atribuir algum efeito jurídico específico pela adoção desses mecanismos de autoregulação por determinado setor?

Posições internacionais: 

a) Qual será a posição do Brasil quanto ao escopo do Protocolo? Defenderá que ele se aplica apenas aos recursos obtidos após sua entrada em vigor ou também aos recursos obtidos anteriormente?

b) Qual será a posição do Brasil sobre a definição de quem deverá ser considerado país provedor de determinado recurso genético? Defenderá a posição que embasou a Lei 13.123/2015 ou alguma outra?

c) Como o Brasil lidará com o risco de ser acusado de violação do Protocolo de Nagoia por força do art. 46, parágrafo único, da Lei 13.123/2015? O País pretende alterar a legislação interna caso haja questionamentos neste sentido?

d) O Brasil pretende, com fundamento no art.4o, 2, do Protocolo defender a negociação de algum outro regime específico para acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios, tal como ocorre com o TIRFAA? Qual e com que finalidade? Pretende negociar a ampliação das espécies do Anexo I do TIRFAA?

e) Considerando que o Brasil possui recursos genéticos idênticos ao de alguns de seus vizinhos, quais serão os mecanismos defendidos pelo país para a cooperação transfronteiriça prevista no art. 10 do Protocolo?

A disponibilização de informações como essas é relevante para afastar os discursos simplificadores que colocam o Protocolo como solução de todos os problemas ou como causa deles. É por meio delas – e de várias outras que sejam pertinentes –  que os riscos e oportunidades decorrentes da adoção do Protocolo poderão ser enxergados com clareza, permitindo que uma decisão seja tomada com racionalidade e evitando-se que o processo de ratificação seja visto como um ato pró-forma. Assim como deve ocorrer com qualquer tratado, a efetiva discussão e avaliação material do conteúdo do Protocolo pelos cidadãos e por seus representantes no Congresso Nacional é medida que se impõe.

 

Referência
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Notas:
[1] Utilizaremos os termos “tratado” e “acordo” como sinônimos nesse trabalho, tendo em vista o uso indiscriminado dessas expressões no direito internacional. Sobre o tema, leciona Francisco Rezek: “o que a realidade mostra é o uso livre, indiscriminado, e muitas vezes ilógico, dos termos variantes daquele que a comunidade universitária, em toda parte – não houvesse boas razões históricas para isso – vem utilizando como termo-padrão.” (Direito Internacional Público: curso elementar. 12. ed. Saraiva: São Paulo, 2010. p. 15.)
[2] Em sua versão oficial em inglês, o texto utiliza a palavra Nagoya grafada com “y”, o que tem levado a imprensa nacional e mesmo artigos especializados sobre o tema a utilizarem essa grafia. Contudo, na tradução oficial remetida pela Presidência da República ao Congresso e na Lei 13.123/2015 adotou-se a grafia com “i”, que é a utilizada na língua portuguesa. Por essa razão, adotaremos aqui Nagoia e não Nagoya.
[3] O art.1º da Convenção define seus objetivos da seguinte forma: “Os objetivos desta Convenção, a serem cumpridos de acordo com as disposições pertinentes, são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado.”
[4] Conforme seu art. 33, 1, o Protocolo de Nagoia entrou em vigor 90 dias após o depósito do 50ª instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão pelos países. Atualmente, o Protocolo já conta com 78 países partes. Disponível em: <https://www.cbd.int/abs/nagoya-protocol/signatories/default.shtml> . Acesso em: 15 set. 2016.  Especificamente no caso do Brasil, se for ratificado, o Protocolo entrará em vigor 90 dias após essa ratificação, conforme art. 33,2.
[5] Essa regra de participação está prevista no art. 26, 2, do Protocolo.
[6] O art. 84,VIII da Constituição Federal inclui entre as competências privativas do Presidente da República “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;”
[7] O art. 49 da Constituição estabelece o seguinte: “é da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional ;(…)”
[9] Conforme leciona Francisco Rezek, “diz-se bilateral o tratado se somente duas as partes, e multilateral ou coletivo em todos os outros casos, ou seja, se igual ou superior a três o número de pactuantes”. (REZEK, Francisco. Direito Internacional público: curso elementar. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p.25.) No caso específico do Protocolo de Nagoia, todos os membros da Convenção podem integrá-lo.
[10] O art. 2o, VIII, da Lei 13.123/2015 estabelece o seguinte:   “acesso ao patrimônio genético – pesquisa ou desenvolvimento tecnológico realizado sobre amostra de patrimônio genético;”
[11] É o que preceitua o artigo 32 da Convenção:  “ Relações entre esta Convenção e seus Protocolos 1. Um Estado ou uma organização de integração econômica regional não pode ser Parte de um protocolo salvo se for, ou se tornar simultaneamente, Parte Contratante desta Convenção.(…)”
[12] Filipinas foi o primeiro país a desenvolver uma legislação sobre o tema. Trata-se da Executive Order 247 (EO 247), editada em 1995.
[13] As Diretrizes de Bonn foram recomendações de adesão voluntária adotadas pelos membros da Convenção. Esse documento foi construído com base em minuta elaborada pelo governo da Suiça e submetida para análise na 6a Conferência de Partes desse acordo. Seu texto serviu de base para a negociação do Protocolo de Nagoia.
[14] Uma descrição detalhada sobre as negociações realizadas para se chegar ao texto do Protocolo de Nagoia pode ser obtida em: KOHSAKA, R. The Negotiating History of the Nagoya Protocol on ABS: Perspective from Japan. IPAJ Vol. 9 No. 1 p. 56-66, 2012.
[15] O artigo 15 da Convenção é claro nesse sentido: “ Acesso a Recursos Genéticos 1. Em reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos naturais, a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional.
[16] Vale ressaltar que o Protocolo ampliou o sistema de repartição de benefícios para alcançar não apenas o uso dos elementos que contém unidades funcionais de hereditariedade, mas também os chamados derivados. Esses são compostos bioquímico de ocorrência natural, resultantes de expressão gênica ou do metabolismo de recursos biológicos ou genéticos, mesmo que não contenham unidades funcionais de hereditariedade (art. 1o, c, d e ). O Brasil já havia incluído os derivados no âmbito de incidência de sua legislação interna desde a edição da Medida Provisória 2.186-16/2001, o que foi mantido com a Lei 13.123/2015. Defendendo a inclusão dos derivativos no regime de repartição de benefícios: KOHSAKA, R. The Negotiating History of the Nagoya Protocol on ABS: Perspective from Japan. IPAJ Vol. 9 No. 1 p. 56-66, 2012.
[17] Suiça e Indonésia já ratificaram o protocolo de Nagoia.
[18] GLOWKA, Lyle; NORMAND, Valérie. Innovations in International Environmental law. In: MORGERA, Elisa; MATHIAS, Buck; TSIOUMANIL. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. p.35.
[19] KAMAU, Evanson Chege; BEVIS, Fedder; WINTER, Gerd. The Nagoya Protocol on Access to Genetic Resources and Benefit Sharing: What is New and what are the Implications for Provider and User Countries and the Scientific Community? (2010) 6:3 Law, Environment and Development Journal 246.
[20] AUBERTIN, Catherine; FILOCHE, Geoffroy. The Nagoya Protocol on the use of genetic resources: one embodiment of an endless discussion. Sustentabilidade em Debate, Brasília, v.2, n.1, p.51-64, jan/jun 2011. p.55.
[21] O art. 8, j, da Convenção estabelece o seguinte: “Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso(…) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição  equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas.”
[22] O art. 3º é explicito sobre este ponto: “Este Protocolo aplica-se aos recursos genéticos compreendidos no âmbito do Artigo 15 da Convenção e aos benefícios derivados da utilização desses recursos. O Protocolo aplica-se também ao conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos compreendidos no âmbito da Convenção e aos benefícios derivados da utilização desse conhecimento.” (grifamos). Nesse sentido: Elisa Morgera, Mathias Buck and Elsa Tsioumani. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2013. p. 7.
[23] Lê-se no Protocolo: “Reconhecendo a importância de proporcionar segurança jurídica em relação ao acesso aos recursos genéticos e à repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização”.
[24] O art. 34 do Protocolo veda expressamente essa possibilidade.
[25] Além das obrigações aqui destacadas, há outras que permeiam o texto convencional. São elas: enviar relatório de monitoramento sobre o cumprimento do protocolo (art. 29); elevar a conscientização a respeito da importância dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado a recursos genéticos, bem como de outras questões relacionadas a acesso e repartição de benefícios (art. 21); cooperar para a criação e o desenvolvimento de capacidades e para o fortalecimento dos recursos humanos e das capacidades institucionais, para implementar efetivamente este Protocolo nos países em desenvolvimento (art. 22); colaborar e cooperar em programas de pesquisa técnica e científica e de desenvolvimento, inclusive em atividades de pesquisa biotecnológica, como meio para se atingir o objetivo do Protocolo (art. 23).
[26] O Protocolo de Quioto é exemplo de acordo internacional que fixa prazo específico para o cumprimento das obrigações estipuladas.
[27] A decisão NP-1/3 da 1º Reunião de Partes definiu um formato de envio para o relatório interino sobre a implementação do Protocolo e estabeleceu como prazo para seu envio 12 meses antes da 3ª Reunião de Partes.
[28] Disponível em: <https://www.cbd.int/decision/np-mop/default.shtml?id=13404>. Acesso em: 13 set. 2016.
[29]  VARELLA, Marcelo. Direito Internacional Público. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.  p.107.
[30] Artigo 27 – Solução de Controvérsias – 1. No caso de controvérsia entre Partes Contratantes no que respeita à interpretação ou aplicação desta Convenção, as Partes envolvidas devem procurar resolvê-la por meio de negociação. 2. Se as Partes envolvidas não conseguirem chegar a um acordo por meio de negociação, podem conjuntamente solicitar os bons ofícios ou a mediação de uma terceira Parte. 3. Ao ratificar, aceitar, ou aprovar esta Convenção ou a ela aderir, ou em qualquer momento posterior, um Estado ou organização de integração econômica regional pode declarar por escrito ao Depositário que, no caos de controvérsia não resolvida de acordo com o § 1 ou o § 2 acima, aceita como compulsórios um ou ambos dos seguintes meios de solução de controvérsias: a) arbitragem de acordo com o procedimento estabelecido na Parte l do Anexo II; b) submissão da controvérsia à Corte Internacional de Justiça. 4. Se as Partes na controvérsia não tiverem aceito, de acordo com o parágrafo 3o acima, aquele ou qualquer outro procedimento, a controvérsia deve ser submetida à conciliação de acordo com a Parte 2 do Anexo II, a menos que as Partes concordem de outra maneira. 5. O disposto neste artigo aplica-se a qualquer protocolo salvo se de outra maneira disposto nesse protocolo.
[31] O texto é rico em expressões como “na medida do possível”, “conforme o caso” ou em indicações de que as partes “se empenharão” ou “colaborarão”.
[32] A legislação brasileira regula o acesso a recursos genéticos de espécies domesticadas ou cultivadas, caso naturalmente tenham desenvolvido características distintivas próprias no território nacional, incluindo as que formem populações espontâneas.
[33] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.(…)
[34] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 50.
[35]GLOWKA, Lyle; NORMAND, Valérie. Innovations in International Environmental law. In: MORGERA, Elisa; MATHIAS, Buck; TSIOUMANIL. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. p.38.
[36] GLOWKA, Lyle; NORMAND, Valérie. Innovations in International Environmental law. In: MORGERA, Elisa; MATHIAS, Buck; TSIOUMANIL. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. p.39.
[37] KAMAU, Evanson Chege; BEVIS, Fedder; WINTER, Gerd. The Nagoya Protocol on Access to Genetic Resources and Benefit Sharing: What is New and what are the Implications for Provider and User Countries and the Scientific Community? (2010) 6:3 Law, Environment and Development Journal 246.
[38] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais:2008. p.311.
[39] REZEK, Francisco. Direito Internacional público: curso elementar. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p.114.
[40] Para ficar apenas no exemplo do Brasil, durante a vigência da Medida Provisória 2.186-16/2001, o legislador adotou um regime que outorgava às partes contratantes ampla liberdade para definição do que seria justo e equitativo em determinado caso. A Lei 13.123/2015, atualmente em vigor, seguiu caminho distinto e fixou expressamente os termos do que entende justo e equitativo.
[41] Essa possibilidade é expressamente reconhecida pelo art. 28 da Convenção.
[42] O Protocolo de Cartagena entrou em vigor com a edição do Decreto Federal no 5705/2006.
[43] Essa possibilidade é reconhecida pelo art. 4º, 2 do Protocolo de Nagoia.
[44] Incidirá aqui o art. 30 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados: “Art. 30 Aplicação de Tratados Sucessivos sobre o Mesmo Assunto 1. Sem prejuízo das disposições do artigo 103 da Carta das Nações Unidas, os direitos e obrigações dos Estados partes em tratados sucessivos sobre o mesmo assunto serão determinados de conformidade com os parágrafos seguintes.  2. Quando um tratado estipular que está subordinado a um tratado anterior ou posterior ou que não deve ser considerado incompatível com esse outro tratado, as disposições deste último prevalecerão. 3. Quando todas as partes no tratado anterior são igualmente partes no tratado posterior, sem que o tratado anterior tenha cessado de vigorar ou sem que a sua aplicação tenha sido suspensa nos termos do artigo 59, o tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam compatíveis com as do tratado posterior. 4. Quando as partes no tratado posterior não incluem todas a partes no tratado anterior: a)nas relações entre os Estados partes nos dois tratados, aplica-se o disposto no parágrafo 3; b)nas relações entre um Estado parte nos dois tratados e um Estado parte apenas em um desses tratados, o tratado em que os dois Estados são partes rege os seus direitos e obrigações recíprocos. 5. O parágrafo 4 aplica-se sem prejuízo do artigo 41, ou de qualquer questão relativa à extinção ou suspensão da execução de um tratado nos termos do artigo 60 ou de qualquer questão de responsabilidade que possa surgir para um Estado da conclusão ou da aplicação de um tratado cujas disposições sejam incompatíveis com suas obrigações em relação a outro Estado nos termos de outro tratado.
[45] GLOWKA, Lyle; NORMAND, Valérie. Innovations in International Environmental law. In: MORGERA, Elisa; MATHIAS, Buck; TSIOUMANIL. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. p.44.
[46] GLOWKA, Lyle; NORMAND, Valérie. Innovations in International Environmental law. In: MORGERA, Elisa; MATHIAS, Buck; TSIOUMANIL. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. p.44.
[47] Algumas especificidades apontadas pela doutrina são: i) o fato de que uma parte significativa dos recursos genéticos para alimentação e agricultura são exóticos, tendo em vista que eles acompanharam a movimentação das pessoas pelo mundo; ii) e a interdependência entre os países, os quais normalmente precisam de recursos uns dos outros.  v. CHIAROLLA, Claudio; LOUAFI, Sélim; SCHLOEN, Marie. Relationship with instruments on Food and Agriculture. In: MORGERA, Elisa; MATHIAS, Buck; TSIOUMANIL. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. p.84-85.
[48] TIRFAA – Artigo 2º – Utilização dos termos (…) Por recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura entende-se o material genético de origem vegetal com valor real ou potencial para a alimentação ou a agricultura”.
[49] Estabelece o art. 12.3 do TIRFAA: “O acesso será concedido nas seguintes condições: a) Caso se destine exclusivamente à conservação e utilização na investigação, melhoramento e formação para a alimentação e a agricultura, desde que não se destine a utilizações químicas ou farmacêuticas, nem a outras utilizações industriais não relacionadas com a alimentação humana ou animal. No caso de culturas com aplicações múltiplas (alimentares e não alimentares), a sua inclusão no sistema multilateral e a aplicabilidade do regime de acesso facilitado dependerá da sua importância para a segurança alimentar.”
[50] Para os recursos encontrados em condições in situ  devem ser respeitadas as normas nacionais, nos termos do art. 12.3. Nesse sentido: CORADIN, Lidio; SAMPAIO, Maria José Amstalden.  Overview of the Main Provisions of the International Treaty on Plant Genetic Resources for Food and Agriculture. Disponível em: < https://www.bioversityinternational.org/fileadmin/user_upload/online_library/publications/pdfs/Plant_genetic_resources_and_food_security/annex_3.pdf> Acesso em: 20 set. 2016.
[51] Eis o teor do art. 11.2 do TIRFAA: “O sistema multilateral, tal como se indica no nº 1, abrange todos os recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura enumerados no Anexo I que são geridos e administrados pelas Partes Contratantes e do domínio público. A fim de conseguir uma cobertura o mais ampla possível, as Partes Contratantes convidam todos os outros detentores de recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura enumerados no Anexo I a incluir esses recursos no sistema multilateral. 11.5. O sistema multilateral abrange também os recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura enumerados no Anexo I e conservados nas colecções ex situ dos Centros Internacionais de Investigação Agronómica do Grupo Consultivo para a Investigação Agronómica Internacional (GCIAI), como previsto no nº 1, alínea a), do artigo 15º, e noutras instituições internacionais, em conformidade com o nº 5 do artigo 15º. 12.3 O acesso será concedido nas seguintes condições: Sem prejuízo das demais disposições do presente artigo, as Partes Contratantes acordam em que o acesso aos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura in situ seja concedido em conformidade com a legislação nacional ou, na ausência desta, em conformidade com as normas que possa estabelecer o Órgão Director.”
[52] O anexo I lista 64 espécies ao todo.
[53] A apresentação em questão tinha o seguinte título: Apresentação e Discussão de Anteprojeto de Lei para Acesso aos Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado destinados à Pesquisa em Alimentação e Agricultura.
[54] CHIAROLLA, Claudio; LOUAFI, Sélim; SCHLOEN, Marie. Relationship with instruments on Food and Agriculture. In: MORGERA, Elisa; MATHIAS, Buck; TSIOUMANIL. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. p.95.
[55] KOHSAKA, R. The Negotiating History of the Nagoya Protocol on ABS: Perspective from Japan. IPAJ Vol. 9 No. 1 p. 56-66, 2012.
[56] Esse entendimento foi adotado pela União Europeia na edição de seu regulamento que incorporou o Protocolo de Nagoia (Regulamento no 511/2014). Em guia elaborado para promover a adequada implementação desse instrumento, lê-sê o seguinte: “Trade and exchange of genetic resources as commodities (such as agricultural, fisheries or forestry products — whether for direct consumption or as ingredients, e.g. in food and drink products) fall outside the scope of the Regulation. The Protocol does not regulate issues related to trade, but is applicable only to utilisation of genetic resources. As long as there is no research and development on genetic resources (thus no utilisation in the sense of the Protocol — see Section 2.3.3 below), the EU ABS Regulation does not apply” Disponível em:<  http://www.wur.nl/upload_mm/7/a/7/869363c4-4b58-4ee8-aa16-d88031d4bbb9_Guidance.pdf> Acesso em: 20 set. 2016.
[57] GLOWKA, Lyle; NORMAND, Valérie. Innovations in International Environmental law. In: MORGERA, Elisa; MATHIAS, Buck; TSIOUMANIL. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2013. p.29.
[58]AGÊNCIA ESTADO. Agronegócio do País quer produto agrícola fora do Protocolo de Nagoya. Disponível em: < http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2013/04/agronegocio-do-pais-quer-produto-agricola-fora-do-protocolo-de-nagoya.html>. Acesso em: 12 set. 2016.
[59] SANTILLI, Juliana. Ruralistas bloqueiam ratificação e Brasil passa a ter papel secundário no Protocolo de Nagoya. Disponível em: < https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/ruralistas-bloqueiam-ratificacao-e-brasil-passa-a-ter-papel-secundario-no-protocolo-de-nagoya>. Acesso em: 12 set. 2016.
[60] São os casos, por exemplo, dos produtos intermediários e das operações de licenciamento, transferência ou permissão de utilização de qualquer forma de direito de propriedade intelectual sobre produto acabado, processo ou material reprodutivo oriundo do acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado por terceiros (art. 17).
[61] O trecho específico que trata deste tema é o seguinte: ISA – O Art. 47 do PLC nº 2/2015, como veio da Câmara, afirma que “a utilização de patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado de espécie introduzida no País pela ação humana até a data de entrada em vigor desta Lei e encontrada no território nacional, na plataforma continental ou zona econômica exclusiva não estará sujeita a repartição de benefícios prevista em acordos internacionais sobre acesso e repartição de benefícios dos quais o Brasil seja parte, ressalvada aquela prevista no Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura, promulgado pelo Decreto nº 6.476, de 5 de junho de 2008”. Este artigo fere a CDB? Bráulio Dias – Eu entendo que sim. Não temos um parecer jurídico formal sobre isso. Se necessário, poderemos fazê-lo. Aparentemente, o artigo, como está redigido, contradiz o que está previsto na convenção e o ato feito pelo próprio Congresso, de 1994, ao ratificar a CDB. O Brasil só pode ratificar ou não uma convenção internacional. Ele não pode alterar unilateralmente o entendimento de um acordo internacional. ISA – Podemos dizer que o projeto contraria também o Protocolo de Nagoya? BD – Ele fere também o Protocolo de Nagoya. Mas poderá se argumentar que o Brasil ainda não ratificou o protocolo. Mas se o Brasil intenciona ratificar, e eu espero que isso venha a ser feito, essa lei, se mantida dessa forma, estará confrontando o previsto no protocolo. Disponível em: < https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/projeto-sobre-recursos-geneticos-fere-tratado-internacional-diz-seu-maior-dirigente> Acesso em: 20 set. 2016.
[62] CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Estudo sobre os Impactos da Adoção e Implementação do Protocolo de Nagoia para a Indústria Brasileira. Disponível em: <http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2014/05/09/6393/Protocolo_de_Nagoia_para_a_Indu769stria_Brasileira_v3.pdf>. Acesso em: 14 set. 2016.
[63] Esse número foi extraído de apresentação feita pelo então Secretário de Biodiversidade, Dr. Roberto Brandão Cavalcanti, em audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/capadr/audiencias-publicas/audiencias-publicas-2013/audiencia-publica-03-de-abril-de-2013-mma> . Acesso em: 15 set. 2016.
[64]  Estudo elaborado pela CNI aponta uma terceira variável: o risco de o Brasil sofrer barreiras comerciais, boicotes ou retaliação. A questão é colocada nos seguintes termos: “Neste cenário o Brasil não ratificaria o Protocolo de Nagoia. Esta situação não evitaria que o Brasil tenha que negociar segundo as regras dos países signatários e implicaria a necessidade de ter um poder de barganha considerável não apenas no tema de biodiversidade, mas também e principal- mente nas transações de bens, serviços e capitais com outros países. A não ratificação determinará impasses nas relações comerciais do Brasil com os países signatários impossíveis de se mensurar atualmente. O Brasil poderá sofrer barreira comercial, boicote, ou retaliação. Isto dependerá dos interesses comerciais entre os países.” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Estudo sobre os Impactos da Adoção e Implementação do Protocolo de Nagoia para a Indústria Brasileira. Disponível em: <http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2014/05/09/6393/Protocolo_de_Nagoia_para_a_Indu769stria_Brasileira_v3.pdf>. Acesso em: 14 set. 2016.)
[65] Sobre a liderança exercida pelo Brasil no curso das negociações, cf. AUBERTIN, Catherine; FILOCHE, Geoffroy. The Nagoya Protocol on the use of genetic resources: one embodiment of an endless discussion. Sustentabilidade em Debate, Brasília, v.2, n.1, p.51-64, jan/jun 2011. p. 53.
[66] Metas de Aichi são objetivos de longo prazo adotados pelos países membros da Convenção com o objetivo de evitar a perda de biodiversidade. Como reconhecido no site do Ministério do Meio Ambiente, “o Brasil teve um papel decisivo na definição e aprovação das Metas de Aichi e, agora, pretende exercer, com responsabilidade e eficiência, um papel de liderança na sua implantação”. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/perguntasfrequentes?catid=33>. Acesso em: 15 de set. 2016.
[67] Diferentemente da Convenção, o Protocolo de Nagoia faz essa vinculação de forma expressa em seu art. 1º.
[68]  Art. 7o: Em conformidade com a legislação nacional, cada Parte adotará medidas, conforme o caso, com vistas a assegurar que o conhecimento tradicional associado a recursos genéticos detido por comunidades indígenas e locais seja acessado mediante o consentimento prévio informado ou a aprovação e participação dessas comunidades indígenas e locais, e que termos mutuamente acordados tenham sido estabelecidos.
[69] VARELLA, Marcelo. Direito Internacional Público. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.  p.107.
[70] Nesse sentido: Elisa Morgera, Mathias Buck and Elsa Tsioumani. The Nagoya Protocolo on Access and Benefit-Sharing in perspective: implications for international law and implementation challenges. Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2013. p. 9.
[71] This Protocol shall apply to genetic resources [and associated traditional knowledge] within the scope of [Article 15 of] the Convention on Biological Diversity and to the benefits arising from the [utilization] of such resources [that were acquired after the entry into force of this Protocol for a Party with Parties providing such resources] [or its derivatives]. This Protocol shall also apply to traditional knowledge associated with genetic resources within the scope of the Convention on Biological Diversity [acquired after the entry into force of this Protocol] and to the benefits arising from the [utilization] of such knowledge. (grifamos). O texto integral está disponível em: < https://www.cbd.int/doc/?meeting=ABSWG-09-3RD> . Acesso em:  14 set. 2016.
[72] KOUTOUKI, Konstatia. The Nagoya Protocol: status of indigenous and local communities. Disponível em: http://cisdl.org/public/docs/legal/The%20Nagoya%20Protocol%20-%20Status%20of%20Indiginous%20and%20Local%20Communities.pdf. Acesso em: 14 set. 2016.
[73] AUBERTIN, Catherine; FILOCHE, Geoffroy. The Nagoya Protocol on the use of genetic resources: one embodiment of an endless discussion. Sustentabilidade em Debate, Brasília, v.2, n.1, p.51-64, jan/jun 2011. p. 59,
[74] GREIBER, Thomas;  MORENO, Sonia Peña; Åhrén, MATTIAS; CARRASCO,  Jimena Nieto; KAMAU, Evanson Chege; MEDAGLIA, Jorge Cabrera; OLIVA, Maria Julia; e Perron-Welch, Frederic in cooperation with Natasha Ali and China Williams. 2012. An Explanatory Guide to the Nagoya Protocol on Access and Benefit-sharing. IUCN, Gland, Switzerland. Xviii. p.72.
[75] KAMAU, Evanson Chege; BEVIS, Fedder; WINTER, Gerd. The Nagoya Protocol on Access to Genetic Resources and Benefit Sharing: What is New and what are the Implications for Provider and User Countries and the Scientific Community? (2010) 6:3 Law, Environment and Development Journal 246.
[76] GREIBER, Thomas;  MORENO, Sonia Peña; Åhrén, MATTIAS; CARRASCO,  Jimena Nieto; KAMAU, Evanson Chege; MEDAGLIA, Jorge Cabrera; OLIVA, Maria Julia; e Perron-Welch, Frederic in cooperation with Natasha Ali and China Williams. 2012. An Explanatory Guide to the Nagoya Protocol on Access and Benefit-sharing. IUCN, Gland, Switzerland. Xviii. p.73.
[77] Eis o teor do art. 2, 1, do Regulamento EU no 511/2014: “This Regulation applies to genetic resources over which States exercise sovereign rights and to traditional knowledge associated with genetic resources that are accessed after the entry into force of the Nagoya Protocol for the Union. It also applies to the benefits arising from the utilisation of such genetic resources and traditional knowledge associated with genetic resources.” (grifamos)
[78] BAGLEY, Margo A; RAI, Arti K. The Nagoya Protocol and Synthetic Biology Research: A Look at the Potential Impacts. Disponível em: <https://www.wilsoncenter.org/sites/default/files/nagoya_final.pdf>. Acesso em 20 set. 2016.
[79] O papel do Executivo é fundamental nesse debate, pois são os membros desse Poder os responsáveis pela negociação desse acordo. Assim, é natural que tenham melhores condições e maior responsabilidade de pautar o debate.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

João Emmanuel Cordeiro Lima

 

Graduado em Direito pela UFRN. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Professor Palestrante da FGV Direito/SP. Sócio do Nascimento e Mourão Advogados

 


 

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