O instituto da delação premiada: seus aspectos constitucionais e processuais penais

Resumo: O presente artigo visa o estudo do instituto da delação premiada, voltado para uma análise de sua constitucionalidade, e suas consequências jurídicas para o direto penal. Para realização deste estudo, foi utilizado material bibliográfico, consistindo em embasamento doutrinário, jurisprudencial e legal. Delação/colaboração premiada, é um acordo realizado entre o judiciário e o colaborador, que em troca de sua colaboração será concedido ao mesmo um benefício que pode ser uma causa de diminuição ou isenção da pena. Partindo desta análise sobre o instituto, o artigo debate as consequências jurídicas que a delação premiada traz para o ordenamento jurídico, em especial para o direito penal. Com relação a constitucionalidade da delação/colaboração premiada, existem duas correntes, uma que defende que apesar de ser flagrantemente imoral, mas em sua essência é constitucional; e outra que defende que a o instituto, é inconstitucional, uma vez que a delação premiada fere os preceitos normativos constitucionais, violando a isonomia, o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa e inderrogabilidade da jurisdição dentre outros princípios. Conclui-se com o presente artigo que a delação premiada apesar de sua notória imoralidade, possui amparo legal, e o mesmo está em acordo com a constituição, o que, no entanto, devemos verificar é sua aplicação ao caso concreto, e algumas inconstitucionalidades parciais existente na lei de combate ao crime organizado. Portando todo caso concreto deve ser analisado com cautela.

Palavras-chave: Constitucionalidade. Processo Penal. Direito Penal. Causa de diminuição de pena.

Abstract: This article aims to study the award-winning tipoff institute, facing a review of its constitutionality and its legal consequences for direct criminal. For this study, we used bibliographical material, consisting of doctrinal, jurisprudential and legal grounds. Snitching / winning collaboration, is a cause of reduction or exemption of sentence, which stems from an agreement made between the defendant and the judiciary, where the scammer collaborates with the investigation of a particular crime, and because of this collaboration is granted to the defendant informer a benefit. From this analysis of the institute, the article discusses the legal consequences that the whistleblower award brings to the legal system, particularly for criminal law. Regarding the constitutionality of snitching / winning collaboration, there are two streams, one that argues that despite being flagrantly immoral, but in its essence is constitutional; and another that argues that the institute is unconstitutional, since the winning tipoff hurts the constitutional normative precepts, violating the equality, due process, the contradictory and full defense and non-withdrawal of jurisdiction among other principles. We conclude with this article that the plea bargaining despite their notorious immorality, has legal support, and it is in accordance with the constitution, which, however, we must guard against is its application to the case, and some partial unconstitutionality existing in the law to combat organized crime. Porting every case should be analyzed with caution.

Keywords: Constitutionality. Criminal proceedings. Criminal Law. Because of reduction of sentence.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da delação premiada. 3 requisitos genéricos da delação premiada. 4. Da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro. 4.1. Delação premiada no crime de extorsão mediante sequestro. 4.2. Delação premiada na lei dos crimes contra o sistema financeiro nacional e na lei dos crimes contra a ordem tributária e econômica. 4.3. Lei 9.613/98 crimes de ocultação de bens. 4.4. Lei de proteção as vítimas e testemunhas 9.807/99. 4.5. Delação premiada na lei de drogas. 4.6. Delação premiada na lei contra o crime organizado 12.850/2013. 5. Considerações gerais sobre a delação premiada. 6. A constitucionalidade da delação premiada. 7. Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

O instituto da ‘Delação Premiada’ ganhou contornos relevantes a partir da operação denominada “Lava Jato”, realizada pela Polícia Federal iniciada em 17/03/2014 (dezessete de março de 2014) perante a Justiça Federal em Curitiba, Estado do Paraná, deflagrada com o intento de investigar esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro.

Denomina-se ‘Delação Premiada’ os acordos realizados pelo poder judiciário com réus que colaboram com a investigação criminal, delatando seus comparsas, e em virtude disso, poderá o réu delator obter uma causa obrigatória de redução de pena ou em alguns casos sua total isenção.

No entanto esclarece que o objetivo do trabalho em questão não é aprofundar-se nos esquemas de corrupção, nem na operação “Lava-Jato”, mas sim aprofundar os conhecimentos jurídicos sobre o instituto da delação premiada, sua previsão legal, hipóteses de cabimento, suas consequências jurídicas, e ainda um enfoque sobre sua constitucionalidade, tendo em vista que o tema divide opiniões sobre sua compatibilidade com a norma constitucional, e os preceitos constantes na Constituição Federal.

A presente pesquisa adota o método de abordagem utilizado na presente pesquisa é o dedutivo, assim, a partir da análise dialética de entendimentos doutrinários, artigos científicos, posicionamento jurisprudencial, utilizando o procedimento de artigo, realizando uma minuciosa análise da lei pátria acerca do tema, bem como, a doutrina e artigos, fazendo-se após, uma análise comparativa, dos pensamentos dos diversos estudiosos sobre o assunto.

Refletindo assim o presente trabalho em uma pesquisa bibliográfica, nesse sentido, Marconi e Lakatos (2010, p.23), ensina que a pesquisa nada mais é do que um procedimento formal, para tanto se utiliza de métodos de pensamento reflexivo.

Neste diapasão:

“A pesquisa bibliográfica é o passo inicial na construção efetiva de um protocolo de investigação, quer dizer, após a escolha de um assunto é necessário fazer uma revisão bibliográfica do tema apontado. Essa pesquisa auxilia na escolha de um método mais apropriado, assim como num conhecimento das variáveis e na autenticidade da pesquisa”. CARVALHO, et al, 2004)

Utilizando ainda uma abordagem qualitativa, que segundo Chizzotti (1991, p. 79), pressupõe uma dinâmica entre a realidade objetiva em contrapartida aos sujeitos, ou seja, um vínculo indissociável entre o problema e as possíveis respostas.

Portanto, constitui o presente trabalho uma revisão bibliográfica da temática proposta, analisando seus aspectos e consequências legais, bem como se o instituto é constitucional, e como é aplicado no ordenamento jurídico brasileiro.

2. DA DELAÇÃO PREMIADA

Mas afinal o que é a delação premiada? Nas palavras do renomado doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2012, p.714):

“Delação premiada consiste na redução de pena (podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo a total isenção de pena) para o delinquente que delatar seus comparsas, concedida pelo juiz na sentença final condenatória, desde que sejam satisfeitos os requisitos que a lei estabelece. Trata-se de instituto importado de outros países, independentemente da diversidade de peculiaridades de cada ordenamento jurídico e dos fundamentos políticos que o justificam”.

O instituto da delação premiada possui previsão legal em inúmeras normas penais, estando prevista tanto no código penal, quanto em legislação esparsa. Defendem os estudiosos do direito que o instituto foi importado para o direito pátrio diante da ineficiência estatal na persecução penal, pois através da famigerada delação, o coautor ou participe que delatasse um colega, ganharia uma causa obrigatória de redução de pena, ou ainda de isenção de pena no caso do perdão judicial que pode ser oferecido nos crimes de menor potencial ofensivo.

O debate acerca da sua constitucionalidade ou não está fincado na seara do Estado, aquele que através do contrato social, assumiu para si o poder de punir, de certa forma premiar um criminoso que delatar o outro, reduzindo sua pena, ou ainda o isentando desta, pois assim estaria supostamente o Estado estaria incitando a imoralidade, e a traição premiada, o que não poderia ser admitido pelo ente detentor de todos os meios para reprimir tais ações. E ainda que supostamente violaria o devido processo legal, e a inderrogabilidade da jurisdição.

O surgimento da delação repousa nos Estados Unidos no decorrer das investigações contra a Máfia, a Casa Nostra e outras organizações criminosas, (ARANHA, 2006, p.136). No entanto, a delação premiada existente no direito Norte Americano é diferente da aplicada em nosso ordenamento, haja vista, que lá é possível à realização do acordo diretamente pelos órgãos de investigação, já no Brasil, este acordo, sua ideia pode até nascer ainda na fase investigatória, mas depende do reconhecimento pelo juiz na sentença condenatória.

O Brasil importou este instituto do direito alienígena, tendo sua previsão legal inicialmente na lei 8.072/90, em seu artigo 8º parágrafo único – a denominada lei dos crimes hediondos, que possui o seguinte dispositivo legal: “Art. 8º – Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.” (BRASIL, 1990).

Além da previsão legal da referida lei, a delação premiada possui previsão no código penal – no artigo 159 § 4º – Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços (BRASIL, 1940). Frisa-se que este parágrafo foi introduzido no código penal através de alteração legislativa pela lei 9.269/1996.

Fora as já citadas previsões legais, a delação premiada já foi lembrada em outras leis do nosso ordenamento jurídico. No entanto não é o que se busca no momento mencionar.

Ainda segundo os preceitos o Professor Adalberto Aranha, a delação premiada pode ser dividida em dois grupos do direito brasileiro:

“a) Num primeiro grupo temos o crime de extorsão mediante sequestro, cujo objetivo da delação é o de localizar o cativeiro da vítima, com a sua libertação. O § 4º do art. 159 do Código Penal estatui que: “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Pela redação verifica-se que o objetivo primeiro não foi o de colher provas sobre a organização criminosa, mas salvar a vítima sequestrada.

b) Num segundo grupo encontramos algumas legislações especiais, estas sim com o indisfarçável objetivo de colher provas e identificar os participantes, valendo-se de um delator.” (ARANHA. 2006. p 137).

Diante da citação acima, pode-se constatar que no ordenamento jurídico brasileiro, a delação tem fundamento dúplice, sendo por um lado um meio para colheita de provas (nos casos de organizações criminosas), e por outro lado, visando à colaboração do delator para proteger a vida da vítima do crime de sequestro, não possuindo como objetivo neste caso a produção da prova do delito, mas sim o da libertação da vítima do sequestro.

No caso do crime de extorsão mediante sequestro, os requisitos para o reconhecimento da delação, e a aplicação da causa de diminuição de pena é basicamente que a informação prestada pelo delator, auxilie na libertação da vítima, não importando o motivo que o levou a delatar, desde que a faça de maneira voluntaria livre de qualquer coação. Para quantificar o quantum de redução da pena, deve-se analisar a dimensão da colaboração do delator e o que dispõe o dispositivo legal, que delineia o mínimo e o máximo que pode o magistrado reduzir da pena, levando em consideração sua colaboração.

Diante da pluralidade de normas que contém o instituto da delação premiada, e a ausência de regulamentação no código penal ou de processo penal, cada norma deve ser apreciada no caso especifico, haja vista, que cada lei trata de um determinado crime, exemplo: Crime organizado, lei antidrogas, Código Penal (Extorsão mediante sequestro) para que se possa fazer uma análise precisa do instituto ora estudado.

3. REQUISITOS GENÉRICOS DA DELAÇÃO PREMIADA

A delação premiada possui inúmeras previsões legais e cada uma impõe ao réu delator requisitos para que seja validada sua delação, e por consequência o mesmo obtenha o benefício que a lei atribui a sua conduta.

Tais requisitos se extraem dos próprios conceitos de delação premiada, o qual me permito a transcrever novamente:

“A delação premiada, a despeito da ausência de previsão legal, deve ser voluntária, isto é, produto da livre manifestação pessoal do delator, sem sofrer qualquer tipo de pressão física, moral ou mental, representando, em outras palavras, intenção ou desejo de abandonar o empreendimento criminoso, sendo indiferentes as razões que o levam a essa decisão. Não é necessário que seja espontânea. […] O móvel, enfim, da decisão do delator – vingança, arrependimento, inveja ou ódio – é irrelevante para efeito de fundamentar a delação premiada, segundo, a ótica de uma sociedade imoral”. (BITENCOURT. 2012. p 717).

Como pode-se concluir pelo conceito do ilustre professor Bitencourt (2012), a delação premiada deve ser um ato de livre manifestação pessoal, sem pressão física, moral, mental, ou seja, não pode de maneira alguma partir de alguma coação, deve nascer do próprio delator a vontade de realiza-la. O motivo que levou o delator a realizar não importa para esfera jurídica, ou seja, se foi por arrependimento, ou por interesse no benefício que a lei propõe, tal motivo só pode ser questionado no âmbito moral, que não será abordado nesse trabalho.

Assim em suma esses são os requisitos genéricos da delação premiada: ato espontâneo, sem coação de qualquer maneira, e que haja previsão legal para que seja atribuído o benefício ao delator, uma vez que se a lei não trouxer tal previsão, não há como entende-la a outros casos.

4. DELAÇÃO PREMIADA NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO

Este tópico visa uma análise mais profunda do instituto da delação premiada em consonância com sua respectiva previsão legislativa, uma vez que o tema abordado no presente artigo, possui inúmeras previsões legais, e em cada norma penal existe a sua peculiaridade, em razão disso passamos a análise das principais normas penais que tem previsão do instituto da delação premiada.

4.1 DELAÇÃO PREMIADA NO CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO

Como exposto acima a delação premiada consiste em uma causa de redução de pena, que deve ser analisada pelo juiz no momento de dosar a pena do réu.

O instituto tem previsão legal no código penal, sendo aplicada especificamente no delito de extorsão mediante sequestro, o qual transcrevo abaixo:

“Art. 159 – Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90  (Vide Lei nº 10.446, de 2002)

§ 4º – Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)”. (BRASIL, 1940).

Em análise do artigo acima descrito, verificamos que, se o crime for cometido em concurso de pessoas, e o concorrente que denunciar/delatar o comparsa, e a informação prestada por este facilitar a libertação da vítima, este terá sua pena reduzida de um a dois terços, ou seja, para que o delator, seja premiado com a causa de redução de pena, não basta apenar denunciar o crime, sua informação deve ter fator determinante na libertação de quem está sendo privado de sua liberdade, uma vez que a lei traz requisitos cumulativos para concessão do benefício.

Sendo assim, o legislador nitidamente teve o intuito de beneficiar o réu que colaborasse com a investigação policial, oportunizando ao mesmo uma redução de sua pena.

Em apreço ao artigo previsto no código penal, verificamos somente a possibilidade de redução da pena, não podendo o magistrado aplicar outros benefícios, se não os previstos neste artigo, ou ainda na lei de proteção às testemunhas, neste caso visando a proteção do réu que delatar seus comparsas do crime.

4.2 DELAÇÃO PREMIADA NA LEI DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E NA LEI DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E ECONÔMICA

A lei 7.492 de 16 de junho de 1986, dispõe sobre os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Inicialmente a referida lei, não tinha previsão legal do instituto penal da delação premiada, sendo somente com o advento da lei 9.080/95, que o instituto passou a ter previsão legal para os crimes definidos na lei referida lei.

A lei 9.080/95 alterou o disposto no art. 25 da lei 7.492/86, lhe dando a seguinte redação:

“Art. 25 – § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”. (BRASIL, 1986)

Assim com a nova redação do § 2º do art. 25 da lei dos crimes contra o sistema financeiro nacional, foi instituída uma causa obrigatória de redução pena para quem praticar os crimes previstos naquela lei, desde que em quadrilha/co-autoria. Frisa-se que o próprio disposto legal deixa claro que deve ser um ato espontânea de confessar e revelar toda a trama delituosa.

A lei 9.080/95 além de alterar a lei dos crimes contra o sistema financeiro nacional, alterou também o artigo 16 parágrafo único da lei 8.137/86, que trata dos crimes contra a ordem tributária e econômica, trazendo a figura da delação premiada para os delitos previsto naquele caderno legal.

A tipificação legal, é bastante semelhante a citada a cima, mas para efeitos de conhecimento, segue abaixo transcrição do artigo da lei:

“Art. 16 Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”. (BRASIL, 1986).

O disposto legal é claro no que tange ao benefício que terá o colaborador que realizar o acordo da delação premiada.

4.3 LEI 9.613/98 – CRIMES DE OCULTAÇÃO DE BENS

O caderno legislativo acima intitulado traz a previsão da delação premiada em seu artigo 1º, que possui a seguinte redação:

“Art. 1º. A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, co-autores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”. (BRASIL, 1998).

Como pode-se concluir do texto legal, nos crimes previstos nesta lei, poderá o juiz aplicar a delação premiada como uma causa obrigatória de redução de pena, ou ainda, deixar de aplicar a pena, concedendo ao delator o perdão judicial, ou substituindo a pena restritiva de liberdade, por uma pena restritiva de direito.

Neste caso verifica-se uma mudança em relação as demais previsões legais do instituto, pois as legislações citadas até o momento, sempre traziam a previsão de diminuir a pena do réu delator, e está lei, possibilita ao magistrado conceder um benefício ainda maior ao delator/colaborador que realize o acordo de colaboração com o judiciário.

O perdão judicial consiste em uma causa de extinção da punibilidade. Somente pode haver o perdão nos casos previstos em lei, como determinado no art. 107, inciso IX  do Código Penal.

4.4 LEI DE PROTEÇÃO AS VÍTIMAS E TESTEMUNHAS – 9.807/99

A lei que regulamenta os programas de proteção de vítimas e testemunhas, traz a previsão legal da colaboração premiada em seus artigos 13 e 14:

“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;

II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”. (BRASIL, 1999).

Na lei em apreço, averígua-se que a delação premiada somente pode ser aplicada com uma causa de redução de pena. No entanto como a lei não traz sua aplicação em um tipo penal especifico, nem a uma determinada lei, pode-se concluir que o acusado que colaborar efetivamente com a investigação e o processo criminal em qualquer delito praticado em concurso de agentes, poderá ter a causa de redução ou até mesmo isenção de pena aplicada.

Nesse sentido:

“No Brasil a delação premiada demonstra ser um instrumento de combate a criminalidade, demonstra ser amplo por ser previsto em Leis esparsas e até mesmo poder ser prevista em qualquer crime em concursos de agentes, portanto, não exige arrependimento como na Espanha, tampouco foi feita ao combate de máfias como na Itália”. (CARDOSO, 2015)

4.5 DELAÇÃO PREMIADA NA LEI DE DROGAS

A lei 11.343/2006 além de reestruturar o sistema de combate as drogas, trouxe a previsão legislativa de delação premiada. O artigo 41 da referida norma, traz as hipóteses de aplicação do instituto dos crimes previstos no tipo penal da aludida lei.

“Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços”. (BRASIL, 2006).

A lei antidrogas conferiu ao delator unicamente o benefício de uma diminuição de pena, no entanto trazendo duas possibilidades de sua aplicação: a) Identificar coautores ou participes do crime; b) Recuperação total ou parcial do produto do crime.

Como se pode extrair da disposição legislativa ao contrário de outras previsões legislativas já mencionadas neste artigo, no caso de crimes previstos na lei 11.343/2006, não se exige que o crime seja praticado em associação criminosa, podendo apenas haver o concurso de pessoas, ou seja, basta que o delator ajude por exemplo, a identificar apenas mais um coautor ou partícipe, que já fara jus a redução da pena, nesse sentido vale citar o entendimento do Professor Jorge Vicente Silva:

“Na nova norma não se exige que tal benefício somente poderá ser aplicado nos casos de organização criminosa, quadrilha ou bando, bastando que haja a identificação dos demais agentes, ainda que seja apenas um, em razão da falta de previsão legal, como existia na lei anterior”. (SILVA, 2006, p. 155).

No tocante a esta mesma norma, o Professor Jorge, faz ainda o seguinte comentário:

“A citada norma exige “revelação eficaz dos demais coautores ou participes. Observe-se que não há necessidade de que um ou todos os integrantes da empreitada criminosa sejam presos, bastando a identificação dos outros integrantes desta modalidade de associação de infratores. Há necessidade de que “todos” sejam no mínimo identificados, independentemente de ser ou não instaurada a persecução penal.. Neste particular, é importante ser considerado que nestes requisitos somente se enquadram aqueles coautores, ou participe, cuja participação na empreitada criminosa o delator “sabia”, ficando excluídos desta exigência aqueles que, apesar dela participarem, lhe era desconhecida qualquer atuação no ilícito delatado”. (SILVA, 2006, p. 155).

Desta interpretação se extrai que, o delator que decidir colaborar com a investigação criminal, não poderá fazer uma delação seletiva, escolhendo quem o mesmo irá delatar, devendo o mesmo ao menos identificar todos os coautores/participes por ele conhecidos. Apesar desta previsão na teoria, é notório que na pratica, e difícil aplica-la, uma vez que se o Estado já está aceitando uma delação para identificar os autores de determinado crime, este não saberia se o delator está ou não identificando todos os coautores/participes que o mesmo tem conhecimento.

4.6 – DELAÇÃO PREMIADA NA LEI CONTRA O CRIME ORGANIZADO – 12.850/2013

A lei 12.850/2013 foi criada com o intuito de definir o que é organização criminosa e dispor sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

 A referida norma penal vem com o intuito de reprimir o crime organizado, trazendo condutas típicas ligadas ao crime organizado, visando assim reprimir e prevenir a ocorrência de crimes a serem praticados por estas organizações, bem como identificar e desmantelar as já existentes. Nesta seara o instituto da delação criminosa tem grande importância, uma vez que tem sido uns dos principais meios de obtenção de provas, e identificação dos associados dessas organizações.

Antes de adentrar ao instituto em si, deve-se conceituar organização criminosa:

“Art. 1 – § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. (BRASIL, 2013).

Como citado acima, a própria lei traz logo em seu artigo primeiro o conceito de organização criminosa, o qual deve-se ter em mente para o estudo da delação premiada para os crimes previstos nesta lei.

A lei de combate ao crime organizado traz a maior disposição legal e regulamenta de maneira mais clara o instituto trazendo maiores detalhes de como funciona o instituto.

A delação premiada está prevista no capítulo II, seção I da referida lei, mas precisamente em seu artigo quarto e seguintes:

“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada”. (BRASIL, 2013).

A lei de combate ao crime organizado trouxe uma vasta previsão legislativa do instituto, trazendo com maior clareza com funciona o procedimento da delação premiada na referida lei, uma vez que ao contrário das outras previsões legislativas do instituto, nesta a mesma possui regulamentações especificas de como é realizado o acordo, e quais as garantias e deveres do delator.

No art. 5º da lei 12.850/13 traz as garantias ao réu delator.

“Art. 5º  São direitos do colaborador:

I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;

III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

VI – cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados”.(BRASIL, 2013).

Os direitos do colaborador visam em suma sua proteção, pois é de se esperar que o réu delator venha sofrer retaliações dos outros associados, motivo pelo qual a delação corre em sigilo até o momento do recebimento da denúncia. O artigo acima mencionado prevê ainda que que o colaborador deve cumprir eventualmente sua pena em local diverso dos demais corréus, deixando claro o intuito de garantir a segurança do delator.

Com o intuito de facilitar a delação, no caso do réu colaborador que estiver em negociação dos termos do acordo para sua delação, a denúncia do mesmo poderá ter o prazo para seu oferecimento ser suspendo por 06 (seis) meses, prorrogáveis por igual período. Frisando que ocorrendo essa suspensão do prazo para o oferecimento da denúncia, haverá também suspensão do prazo prescricional, nos termos do § 3º do artigo 4 da lei 12.850/13.

Nos crimes tipificados nesta lei, poderá o juiz reduzir a pena do réu colaborador, substitui-la por pena diversa da privativa de liberdade, ou ainda conceder-lhe o perdão judicial, conforme disposto no caput do artigo 4. Em uma interpretação global do caderno legislativo, verifica-se claramente uma incitação à delação premiada, uma vez que oferece diversas vantagens ao réu delator.

Além das vantagens acima mencionadas, a delação premiada prevista nesta lei traz uma exceção ao princípio da obrigatoriedade do oferecimento de denuncia pelo ministério público, pois no § 4º do artigo 4, está previsto a possibilidade de o órgão ministerial deixar de oferecer a denúncia se o delator: Não for o líder da organização criminosa; for o primeiro a prestar efetiva colaboração. Salta-se os olhos as diversas vantagens que pode ser concedida ao colaborador, claro que todas devem passar pelo crivo do judiciário, uma vez que dependem de homologação do juízo.

Para avaliar se a colaboração do réu delator deve ser homologada, o magistrado deve inicialmente verificar se existe amparo legal no acordo realizado entre o ministério público e o delator, passado dessa fase, o juízo irá avaliar os critérios previstos no § 1º do artigo 4.

“Art. 4 – O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

 § 1o  Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”. (BRASIL, 2013).

Frisa-se que, o magistrado não participa da negociação do acordo por expressa vedação legal, uma vez que a lei atribui ao delegado de polícia, ao ministério público e ao advogado do colaborador pactuar os termos do acordo, conforme preconiza o § 6º do artigo 4.

“Art. 4 – § 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”. (BRASIL, 2013).

Normalmente o acordo é realizado durante as investigações policiais, ou mesmo no transcorrer do processo criminal, mas a lei prevê ainda a possibilidade da delação premiada ser realizada após a prolação da sentença condenatória. Caso ocorra de ação posterior a sentença, o colaborador poderá ter sua pena reduzida até a metade, ou ainda ser concedido ao mesmo a progressão de regime, mesmo que ausente o requisito objetivo para mesma, ou seja, o cumprimento de determinada parcela da pena como exige a lei de execuções penais, nos termos do § 5º do artigo 4 da lei em apreço.

No que tange ao valor probante da delação premiada, a lei é cristalina em dizer que a delação isoladamente não constitui prova, devendo a mesma ser corroborada com provas de suas alegações para poder embasar uma sentença condenatória, por força do disposto no art. 4 § 16º da lei 12.850/2013.

Conclui-se então que o legislador atribuiu grande importância para a figura do delator, permitindo que o colaborador tivesse inúmeros benefícios para colaborar com o processo criminal, visando atingir pelo um dos objetivos descritos no artigo quarto desta lei, mas suas alegações devem ser corroborados, não somente palavras lançadas ao vazio, pois assim poderia facilmente o delator prejudicar pessoas de seu interesse.

5 – CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A DELAÇÃO PREMIADA

No capítulo anterior, estudou-se as principais previsões legais do instituto analisado neste artigo, sendo possível constatar a colaboração premiada evolui muito desde sua primeira previsão leal em 1990, até a última em 2013, não digo uma evolução na essência do instituto, mas sim nos benefícios que pode o réu delator obter com sua colaboração, trazendo um rol maior de benesses que pode ser concedida ao mesmo.

Na maioria das previsões legais estudas, o benefício que é concedido ao réu é uma causa obrigatória de redução de pena, que será avaliada no momento em que o magistrado no sistema trifásico for realizar a chamada dosimetria da pena.

A dosimetria da pena é dividida em 3 três fases, no caso de uma eventual delação premiada, a mesma será avaliada na terceira fase, por se tratar de uma causa de redução de pena. Ou ainda se for o caso de uma substituição de pena privativa de liberdade ou restritiva de direito, ou caso de perdão judicial, o juiz irá aplicar o benefício somente após de fixado a pena definitiva do acusado.

Caso o magistrado for substituir a pena, logo após a fixação da pena definitiva, o mesmo irá substitui-la por uma restritiva de direitos. Se for caso de perdão judicial, o magistrado irá condenar o réu, para somente depois deixar de aplicar a pena.

Ressalta-se, o magistrado deve reter-se ao que dispõe a lei, então para saber qual será o benefício que o acusado tem direito terá que ser analisado, qual previsão legal deu amparo a sua delação premiada.

6. A CONSTITUCIONALIDADE DA DELAÇÃO PREMIADA

O problema principal que este artigo visa responder é se a delação premiada é ou não inconstitucional. Antes de adentrar neste tópico foi necessário o estudo do instituto em si, e suas previsões legais para que possamos responder tal indagação.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou acerca da constitucionalidade da delação premiada, não vendo óbice para sua aplicação ao caso concreto, tendo inclusive homologado recentemente alguns acordos realizados na operação lava-jato.

A delação premiada, apesar ser totalmente contrária a moralidade, uma vez que aplicando este instituto, está por via de consequência, incitando a chamada traição premiada, a delação premiada se faz um mal necessário para contornar a ineficácia estatal na persecução penal. Uma vez que nitidamente verificamos a deficiência do Estado nesse sentido.

Em razão disso a delação premiada, quando aplicada em consonância com os princípios constitucionais, e as previsões legais do instituto, não há de se falar em inconstitucionalidade, podemos sim, atacar sua moralidade, até que ponto pode o estado banalizar a moralidade pública e premiar criminosos para que estes colaborem com a persecução penal, mas o instituto em sua essência não é inconstitucional.

Continuado analise da constitucionalidade da delação é necessário fazer uma ressalva, uma coisa é o que traz a previsão legislativa outra é o que é realizado na pratica. O professor Bitencourt (2012), em seu artigo público na revista critica veementemente a delação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, pois segundo ele, o réu delator para que seu acordo fosse homologado deve que renunciar a inúmeros direitos e garantias constitucionalmente previsto, que feriria flagrantemente a constituição federal.

Abaixo segue transcrição de trecho do artigo do ilustre doutrinador:

“[…] a aplicação, in concreto, do instituto da “delação”, com certa deturpação interpretativa pode ampliar tais inconstitucionalidades, dependendo da forma como as autoridades colocam em prática a utilização do referido instituto […] Nesse sentido, pelas informações vazadas na mídia, essas nulidades e inconstitucionalidades são pródigas na “colaboração premiada” celebrada na “operação lava jato”, com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Trata-se, a rigor, de um “acordo de colaboração premiada” eivado de nulidades, mas nulidades absurdamente grotescas, ou seja, decorrentes de negação de garantias fundamentais impostas pelo Ministério Público (negociador da delação) a referido réu e ao seu defensor! […] Vejamos algumas pérolas de nulidades e inconstitucionalidades flagrantes que, segundo nos consta, existem nesse “acordo de delação premiada”:

1) o delator tem que desistir de todos os habeas corpus impetrados;

2) deve desistir, igualmente, do exercício de defesas processuais, inclusive de questionar competência e outras nulidades;

3) deve assumir compromisso de falar a verdade em todas as investigações (contrariando o direito ao silêncio, a não se auto incriminar e a não produzir prova contra si mesmo);

4) não impugnar o acordo de colaboração, por qualquer meio jurídico;

5) renunciar, ainda, ao exercício do direito de recorrer de sentenças condenatórias relativas aos fatos objetos da investigação”. (BITENCOURT, 2014).

A aplicação em concreto do instituto neste caso, se mostra totalmente deturpada, pois impõe ao colaborador condições que não estão previstas em lei, e ainda contrariam a Constituição Federal. Assim a ressalta-se que se faz a constitucionalidade da delação premiada é sua aplicação ao caso concreto, ou seja, não podem os operadores do direito usurparem o instituto, o aplicando de maneira diversa do que consta na lei.

No entanto há algumas ressalvas, o instituto não é inconstitucional, mas algum dos deveres do réu delator vão contrariamente ao que dispõe a constituição, por exemplo o § 14 do art. 4 da lei 12.850/2013, dispõe que “§ 14.  Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”, esta disposição legal, é totalmente incompatível, ao direito constitucional do réu em permanecer em silencio, e de não produzir provas contra si mesmo.

Em seu artigo o professor Bitencourt (2012), faz uma análise dessa previsão legal:

“Uma vez iniciado o processo, sendo o colaborador, induvidosamente, parte no processo, goza de pleno direito ao silêncio. A lei incorrendo em grave inconstitucionalidade estabelece em seu parágrafo 14º do artigo 4º, que o colaborador renunciará — utiliza-se voz cogente — ao direito ao silêncio, na presença de seu defensor. Ora, o dispositivo legislativo é claramente inconstitucional enquanto obriga (ou condiciona, o que dá no mesmo) o réu a abrir mão de um direito seu consagrado não apenas na constituição, como em todos os pactos internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário. Afinal, o réu simplesmente não está obrigado a fazer prova contra si em circunstância alguma, mesmo a pretexto de “colaborar” com a Justiça, ou seja, na condição de colaborador. Afinal, lhe interessa muito mais (lhe é muito mais benéfico) uma sentença absolutória, que a aplicação dos benefícios decorrentes da colaboração”. (BITENCOURT, 2014).

Nesta seara, é o posicionamento da Juíza Maria Lúcia Karam, (2016), que em eu artigo defende a seguinte tese:

“A famigerada delação premiada, entronizada nos procedimentos relacionados às ações penais de naturezas cautelar e condenatória, reunidas sob a midiática denominação de ‘operação lava-jato’, encerra uma valoração positiva de atitude profundamente reprovável no plano moral. Como também já assinalei anteriormente,[3] ao elogiar e premiar a delação, o Estado transmite valores tão ou mais negativos do que os valores dos apontados criminosos que anuncia querer enfrentar. Trair alguém, desmerecendo a confiança de um companheiro, pouco importando qual o tipo de companheirismo, é uma conduta reprovável no plano moral, devendo ser repudiada em qualquer sociedade que veja a amizade e a solidariedade como atitudes positivas e desejáveis para um convívio harmônico entre as pessoas. A premiação da delação faz com que a traição passe a aparecer como algo positivo, merecendo até mesmo um prêmio. Com o elogio e a recompensa à conduta traidora, o Estado nitidamente exerce um papel deseducador no âmbito das relações sociais. “

A lei de combate as organizações criminosas, trouxe regulamentações necessárias para o instituto da delação premiada, no entanto trouxe também novos benefícios para o réu colaborador que ultrapassam o limite do aceitável. Em seu § 4º do artigo 4, o caderno legal prevê que poderá o Ministério Público, deixar de oferecer a denúncia se o delator: “Não for o líder da organização criminosa ou for o primeiro a prestar efetiva colaboração”. Em que pese o entendimento do legislador, tal previsão vai em confronto com o princípio da inderrogabilidade de jurisdição e da obrigatoriedade da ação penal.

 Friso novamente o instituto não é inconstitucional, mas o benefício acima citado sim, uma vez que sua concessão é totalmente conflitante com princípios basilares do Direito Penal decorrentes da Constituição Federal.

A ação penal pública, é de titularidade do ministério público, o qual deve obedecer alguns princípios, dentre eles estão o da indivisibilidade e da obrigatoriedade. O princípio da indivisibilidade da ação penal consiste na ideia de que deverá o ministério público oferecer denúncia contra todos os acusados do suposto crime, não podendo ser oferecida a denúncia somente contra um ou outro dos acusados. O princípio da obrigatoriedade da ação penal vigora no sentido de que, havendo os requisitos para ação penal (justa causa) o ministério público é obrigado a oferece-la.

Diante desta exposição logo conclui-se que a previsão legal do referido artigo que possibilita o não oferecimento da denúncia atenta contra os dois princípios acima mencionados. Veja não há necessidade deste benefício, pois a lei já traz outros benefícios que seriam mais adequados, como redução de pena, conversão em restritiva de direitos ou até mesmo o perdão judicial.

Em um primeiro momento, tal benefício fere os princípios da ação penal, e em segundo momento fere a inderrogabilidade da jurisdição, pois, de acordo com este princípio constitucional nenhuma lesão ou ameaça de lesão deixará de ser apreciada pelo poder judiciário, ou seja, o colaborador cometeu um crime, assim houve uma lesão a um bem juridicamente tutelado através de sua conduta, então não pode o Estado deixar de levar a apreciação da tutela jurisdicional a lesão causada pelo delator, mesmo que depois aplique outro benefício para este.

Tal tese é defendida pelo Professor Jacinto Miranda Coutinho:

“Inconstitucional desde a medula, a sua prática, dentro de um sistema processual penal de matriz acusatória ofende 1º) o devido processo legal; 2º) a inderrogabilidade da jurisdição; 3º) a moralidade pública; 4º) a ampla defesa e o contraditório e 5º) a proibição às provas ilícitas. Só isso, então, já seria suficiente para que se não legislasse a respeito e, se assim não fosse, que se não aplicasse.” (COUTINHO, 2016).

Sendo assim conclui-se que o instituto é constitucional, mas sua aplicação ao caso concreto, e algumas disposições legais acima apontadas devem ser consideradas incompatíveis com a Constituição Federal não podendo ser aplicadas ao caso concreto, ou ser objeto do controle concentrado de constitucionalidade.

7. CONCLUSÃO

Como demonstrado o instituto da delação premiada está presente no ordenamento jurídico pátrio desde 1990, tendo sua primeira previsão legal na lei 8.072/1990, a lei dos crimes hediondos.

A delação premiada possui diversas previsões legais, chegando a níveis de banalidade. A natureza jurídica do instituto via de regra é de causa obrigatória de redução de pena, a qual será analisada na terceira fase da dosimetria da pena, mas em alguns casos poderá chegar a ser uma causa de isenção de pena, concedendo ao réu colaborador o perdão judicial.

O presente artigo estudou as principais legislações acerca do tema, expondo seus requisitos para a homologação do acordo, bem como quais os benefícios que o réu poderia ter caso o realizasse.

O problema principal deste artigo está consubstanciado na constitucionalidade do instituto, mas antes de poder responder essa indagação, foi necessário realizar um estudo metódico de cada previsão legal do instituto, para então concluir que o instituto em si, se mostra em acordo com a constituição federal, no entanto a lei de combate ao crime organizado, em alguns artigos mostra-se incompatível com a constituição ou quais deveriam ser apreciado pelo controle de constitucionalidade, seja de maneira concentrada (Supremo Tribunal Federal) ou de maneira difusa, pelos próprios juízes e tribunais.

Além das inconstitucionalidades legais, vemos que sua aplicação pratica pelos operadores do direito podem deturbar a finalidade do instituto, e usá-lo como forma de violar direitos e garantias fundamentais, neste caso ferindo flagrantemente a constituição, neste caso, quando houver vicio nos acordos, estes jamais poderiam ser homologados pelo judiciário como ocorreu no caso mencionado neste artigo.

Portando conclui-se que, o instituto delação premiada é constitucional, no entanto deve-se utiliza-lo com cautela para não violar direitos e garantias constitucionais.

 

Referências
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BITENCOURT, Cezar Roberto. TRAIÇÃO BONIFICADA Delação premiada na "lava jato" está eivada de inconstitucionalidades. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2014-dez-04/cezar-bitencourt-nulidades-delacao-premiada-lava-jato> acesso em 25 de agosto. 2016.
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BRASIL. Lei 7.492 de 16 de junho de 1986.
BRASIL. Lei 8. 137 de 27 de dezembro de 1990.
BRASIL. Lei 8.072 de 25 de julho de 1990.
BRASIL. Lei 9.080 de 19 de julho de 1995.
BRASIL. Lei 9.613 de 03 de março de 1998.
BRASIL. Lei 9.807 de 13 de julho de 1999.
BRASIL. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006.
BRASIL. Lei 12.850 de 2 de agosto de 2013.
CARVALHO, Daniel; CARNEIRO, Rafael; MARTINS, Helen Fernanda Alves; SARTORATO, Eduardo. Pesquisa Bibliográfica. Goiânia, 16 jun. 2004. Disponível em: http://pesquisabibliografica.blogspot.com.br. Acesso em 22 de abril. 2016.
CARDOSO. Fabio Fettuccia. A delação premiada na legislação brasileira. 2015. Disponível em <http://fabiofettuccia.jusbrasil.com.br/artigos/174959721/a-delacao-premiada-na-legislacao-brasileira>. Acesso em 25 de agosto. 2016.
CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1991.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Delação Premiada: posição contrária. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/delacao-premiada-posicao-contraria/13613> acesso em 22 abril. 2016.
LAKATOS, E. Maria; MARCONI, M. de Andrade. Fundamentos de metodologia científica: Técnicas de pesquisa. 7 ed. – São Paulo: Atlas, 2010.
KARAM, Maria Lúcia. A midiática ‘operação lava-jato’ e a totalitária realidade do processo penal brasileiro. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/a-midiatica-operacao-lava-jato-e-a-totalitaria-realidade-do-processo-penal-brasileiro/> acesso em 22 abril. 2016.
SILVA, Jorge Vicente. Comentários à nova lei antidrogas – manual prático: Direito material e processual penal. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2007.

Informações Sobre os Autores

João Paulo Costa Faria

Acadêmico do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel

Magna Boeira Bertusso

Especialista em Direito Civil e Processo Civil Professor do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel.


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