O novo Código de Processo Civil à luz da Constituição Federal: instrumento de efetivação às soluções pacíficas de conflito

Resumo: O presente estudo bibliográfico possui como cerne o novo Código de Processo Civil, à luz da Constituição da República de 1988, quanto às formas de soluções pacíficas de conflitos previstas por ela, expondo a efetivação que o novo estatuto processual concedeu à conciliação e mediação, bem como ressaltar as inovações e benefícios aos litigantes que buscam soluções consensuais para a resolução de seus conflitos, que não seja somente por meio de uma decisão de um magistrado. A Constituição da República de 1988 assegura a solução pacífica de conflitos, e, sendo assim, o novel diploma processual civil, em razão da constitucionalização do direito, isto é, os mandamentos contidos na Lei Maior, devem ser previstos nas demais legislações infraconstitucionais, assegurou de forma mais efetivada os métodos de conciliação e mediação como instrumento de solução pacífica para os litigantes colocarem fim ao conflito do que o Código anterior, visando, ainda, solucionar a crise numérica de processos do Poder Judiciário atualmente. Por fim, restará confirmado que os métodos pacíficos de solução de conflitos, na maioria dos casos, consistem na melhor forma para os litigantes estabelecerem fim à lide, pois, ao contrário da cultura da sentença já enraizada na comunidade brasileira, não é tão somente o Juiz apto a julgar a lide, mas as próprias partes envolvidas devem ter este poder. Deste modo, o novo Código de Processo Civil vai de encontro com os mandamentos que a Constituição previu, ao melhor efetivar as soluções consensuais de conflitos aos litigantes.

Palavras chaves: Solução pacífica. Conflitos. Cultura da sentença.

Abstract: This bibliographical study has as its core the new Civil Procedure Code, in the light of the Constitution of the Republic of 1988, on ways of peaceful resolution of conflict provided by it, exposing the realization that the new procedural status granted to conciliation and mediation, as well to highlight the innovations and benefits to litigants who seek consensual solutions to resolve their conflicts, it is not only through a decision of a magistrate. The Constitution of 1988 guarantees the peaceful settlement of conflicts, and thus the novel civil procedural law, due to the constitutionalizatio no flaw, thatis, the command ments contained in the highest law must beprovided in o the rinfraconstitutional legislation, assuredso more effective methods of conciliation and mediation as a peaceful tool for litigants put an end to the conflict than the previous code, aiming also solve the numerical crisis of the judiciary processes currently. Finally, remain confirmed that peaceful methods of conflict resolution, in most cases, consist of the best way for litigants establish order to deal, because unlike the ruling culture already rooted in the Brazilian community, is not that only the judge able to judge the deal, but the parties them selves involved should have this power. Thus, the new Civil Procedure Code  goes against the commandments that the Constitution provided, to bet tereffect consensual solutions to conflicts litigants.

Keywords: Peaceful solution. Conflicts. Sentence of culture.

Sumário: Introdução; 1 A constitucionalização dos métodos consensuais de conflitos por meio do processo civil; 1.2 Breves considerações quanto aos institutos da conciliação e mediação; 2 O incentivo à conciliação e mediação como fim da cultura da sentença; 3 Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Sendo o primeiro estatuto processual a ser promulgado em um regime democrático de direito, isto é, pós Constituição de 1988, o novo Código de Processo Civil há muito já estava em discussão na Câmara dos Deputados. Felizmente, após inúmeras discussões e alterações com o decorrer do tempo, em 16 de março de 2015 foi finalmente promulgado, deixando para trás o antigo CPC/73.

Inúmeras alterações foram trazidas por ele, outras de muito grato pelos operadores do Direito, e outras não muito bem vindas, ao menos até o momento.

Todavia, entre tantas mudanças, o que não se discute é que o novo Código de Processo Civil trouxe uma maior atenção aos meios consensuais para solução de conflitos, os quais podemos lembrar os institutos da mediação e conciliação. É claro que tais institutos já estavam sendo adotados nos processos judiciais antes mesmo de o novo estatuto entrar em vigor, contudo, há novas disposições e novos trâmites a serem seguidos, especialmente quanto a sua obrigatoriedade.

 Entendemos que essa necessidade de oferecer uma determinada autonomia aos litigantes chegarem a um consenso, deriva-se também de um número assustador de processos em andamento atualmente no país, muito em razão de uma cultura litigiosa já então enraizada.

É fato indiscutível que os conflitos são inerentes da sociedade; todo ser humano é movido de sentimentos e opiniões, as quais acabam esbarrando em outras pessoas que possuem sentimentos e opiniões diversas, causando, assim, o conflito. Ou seja, por mais que se busque uma sociedade totalmente pacífica, trata-se, infelizmente, de um sonho inexequível. Portanto, logicamente que os conflitos surgirão das mais variadas causas possíveis.

 Em razão disso, e cumulado com a necessidade de se resolver o conflito existente, o método até então mais utilizado para sanar tais discórdias, era por meio do processo judicial, no qual uma terceira pessoa decide pelos outros. Em outras palavras, em razão da discórdia envolvendo as partes, evita-se qualquer tipo de contato ou diálogo, concedendo, porém, o poder de decisão a uma terceira pessoa, qual seja, o Juiz. Tal situação foi aumentando cada vez mais, até chegar ao atual quadro, onde há um Poder Judiciário cada vez mais afogado numa quantidade excessiva de processos.

 Oportuno ressaltar que, atualmente, muito se fala em constitucionalização do direito, isto é, que os diplomas materiais e processuais estejam em perfeita consonância com o que determina a Constituição.

 A Constituição Federal, por sua vez, prevê acerca das soluções pacíficas de conflito, bem como um prazo razoável para a decisão dos conflitos. Desta forma, o Código de Processo Civil, sendo uma legislação infraconstitucional que é, deve dispor de métodos que ofereçam soluções pacíficas para a solução de conflitos, bem como garantir uma decisão aos litigantes em um prazo razoável.

 Assim, tratando-se o novo Código de Processo Civil de um estatuto processual totalmente moderno, com olhares voltados para o presente, e, sobretudo para o futuro, sendo escrito à luz da Constituição de 1988, não resta dúvida de que deu sim uma maior efetivação aos métodos consensuais de conflito, muito em razão da constitucionalização do direito e da necessidade de reverter o quadro numérico de processos em andamento.

Em razão de uma interpretação mais aprofundada que se dará ao tema, certamente se chegará a conclusão de que não há outra forma mais benéfica para as partes, que elas próprias possam, em conjunto, coloquem fim ao conflito que elas mesmo iniciaram. Ora, nada mais convincente que, as pessoas envolvidas que deram início ao conflito, sejam terminado por elas próprias.

 Deixando as peculiaridades e diferenças entre conciliação e mediação de lado, ao menos neste momento, o que vale salientar é que ambos os institutos – conciliação e mediação – buscam que ambas as partes colocam fim ao conflito existente, sem necessidade de percorrer, na maioria dos casos, anos e anos de um processo, para que seja finalmente resolvida a situação, que, eventualmente, pode vir a não satisfazer qualquer das partes envolvidas.

Temos, portanto, que o objetivo do presente trabalho, utilizando-se como metodologia a revisão bibliográfica e legislativa, é estudar a influência que a Constituição Federal possui no novo Código de Processo Civil, especialmente quanto à efetivação dos métodos consensuais de conflito, além de ressaltar que, os métodos de conciliação e mediação constituem a melhor forma de solução de conflitos entre os litigantes.

1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS MÉTODOS CONSENSUAIS DE CONFLITOS POR MEIO DO PROCESSO CIVIL

Atualmente, um tema cada vez mais lembrado é a influência da Constituição em relação aos demais diplomas de direito material e processual. Tal fato decorre de que a Constituição é o ápice das demais legislações, devendo elas estarem em consonância com os ditames da Lei Maior. Isso ocorre, por exemplo, em relação ao Direito Civil, ao Direito Processual Penal, Direito Tributário, entre tantos outros.

Em síntese, temos que se a Constituição dita algum mandamento, não pode outra legislação abaixo dela, dispor algo diverso ou que a contrarie, sob pena de se tornar inconstitucional. Por isso a necessidade de todas as legislações infraconstitucionais obedecerem seus mandamentos.

Como bem preceitua Silva (2011, p. 38), “quando se fala em constitucionalização do direito, a ideia mestra é a irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais aos outros ramos do direito”.

No magistério do constitucionalista e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso (2005), a constitucionalização do direito, em uma forma geral, preceitua que 

“Embora o fenômeno da constitucionalização do Direito, como aqui analisado, não se confunda com a presença de normas de direito infraconstitucional na Constituição, há um natural espaço de superposição entre os dois temas. Com efeito, na medida em que princípios e regras específicos de uma disciplina ascendem à Constituição, sua interação com as demais normas daquele subsistema muda de qualidade e passa a ter um caráter subordinante. Trata-se da constitucionalização das fontes do Direito naquela matéria. Tal circunstância, nem sempre desejável, interfere com os limites de atuação do legislador ordinário e com a leitura constitucional a ser empreendida pelo Judiciário em relação ao tema que foi constitucionalizado.”

Antes, muito se discutia a constitucionalidade de alguns dispositivos no Código de Processo Civil de 1973, tanto assim é que passou por inúmeras reformas com a decorrência dos anos. Todavia, mesmo com as alterações, o espírito de um código anterior à Constituição era o mesmo.

              Por 42 (quarenta e dois) anos, o sistema processual civil foi regido por um estatuto de origem não democrática. Podemos dizer, ainda, que o então Código de Processo Civil de 1973 já estava ultrapassado em razão das mais variadas formas de conflito e em razão da digitalização dos processos judiciais.

              Em razão disso, é que se faz necessário termos uma legislação processual em sintonia com a Constituição Federal. A respeito, Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p. 24) asseveram que:

“Hoje, acentua-se a ligação entre processo e Constituição no estudo concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico: é esse o caminho, foi dito com muita autoridade, que transformará o processo de simples instrumento de justiça, em garantia de liberdade”.

Felizmente, após tanto tempo, temos um novo Código de Processo Civil, redigido sob as normas e ditames constitucionais.

  Como dito anteriormente, se a Constituição preceitua determinada conduta, cabe as demais legislações infraconstitucionais, observar e regrar por tais determinações. É o que ocorre, no caso em estudo, com a resolução pacífica de conflitos.

  Pois bem. A Constituição da República de 1988, prevê a solução pacífica de conflitos em dois momentos: no preâmbulo, ressalta a busca comprometida pela solução pacífica das controvérsias. Posteriormente, no inciso VII, do artigo 4º, prevê a solução pacífica dos conflitos como princípio nas relações internacionais.

A interpretação a ser tirada é que, malgrado o surgimento dos conflitos no seio da sociedade, o Brasil buscará que tais dissensos sejam submetidos a uma solução de forma pacífica.

              É neste ponto que a constitucionalização do direito toma forma, a ponto de que, um Código de Processo Civil regule e efetive tais ditames constitucionais por meio do processo civil.

Nesse sentido, importante trazer a contribuição de Barbosa e Silva (2015):

“A Constituição brasileira de 1988, já no seu preâmbulo, destacou a Justiça como um dos valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada no comprometimento com a solução pacífica dos conflitos, salvaguardando o exercício dos direitos individuais e coletivos e suas garantias.

A República Federativa brasileira, constituída em Estado Democrático de Direito, erigiu, dentre seus pilares fundamentais, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Verificamos que o aludido Diploma Constitucional deu um passo marcante na história do Judiciário, ao traçar e imprimir as balizas de instrumentos eficientes e eficazes para o exercício democrático da cidadania – Os Meios Alternativos de Solução de Litígios, os quais foram consolidados, no âmago do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) numa nova realidade jurídica.”

Outrossim, ao efetivar a conciliação e mediação como formas de resolução de conflitos, outro princípio constitucional está sendo efetivado: a duração razoável do processo.

Isto porque, quando as partes resolvem seu conflito por meio da conciliação ou mediação, a lide é resolvida com uma duração muito menor do que se deixassem o processo correr, até a decisão de um magistrado.

Por fim, é perfeitamente possível dizer que o novo Código de Processo Civil é um importante exemplo quanto à constitucionalização do direito processual, pois efetiva, de forma muito clara, as soluções pacíficas de conflito, por meio dos institutos da conciliação e da mediação, e, consequentemente, havendo uma duração ainda mais razoável para o fim da lide.

1.2 BREVES CONSIDERAÇÕES QUANTO AOS INSTITUTOS DA CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO

Muito embora grande parcela da comunidade lidarem com a ideia de que a figura do magistrado é a única solução para resolver seus conflitos, o novo Código de Processo Civil tenta demonstrar o contrário.

Os institutos da conciliação e mediação é muito bem enfatizado no novo estatuto processual em comparação ao anterior, a ponto de prever que todos os operadores do direito envolvidos no processo, busquem a solução dos conflitos pacificamente.

A propósito, é o que determina o estatuto processual (Brasil, 2015):

“Art. 3 Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1 É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2 O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3 A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”

Ora, tal disposição mostra a importância que o novo Código dá às soluções consensuais de conflitos, a ponto de determinar a todos os atores envolvidos, tanto no processo judicial quanto fora dele, o incentivo a sua prática.

Ademais, o Código de Processo Civil não trouxe apenas ordens principiológicas, mas destinou um capítulo inteiro para regular os institutos da conciliação e mediação.

Nesse sentido, é o posicionamento do processualista Neves (2016, p. 4) sobre o assunto:

“(…) o diploma processual é inovador e sai da abstração do “conciliar é legal” para a criação de uma estrutura e de um procedimento que realmente possa incrementar a conciliação e a mediação como forma de solução do conflito e por consequência a extinção do processo por sentença homologatória da autocomposição.”

Portanto, a fim de discorrer um pouco mais sobre os institutos da conciliação e da mediação, necessário se faz diferenciá-los.

Em síntese, a conciliação é uma forma em que as partes podem, entre si, resolverem seus próprios conflitos com a orientação de um conciliador, o qual irá auxiliá-las a terem uma melhor comunicação entre si, sem a necessidade de passar por um extenso e demorado processo judicial, visando, portanto, um método consensual. No magistério de Bacellar (2012, p. 66) a conciliação pode ser definida como:

“(…) um processo técnico (não intuitivo), desenvolvido pelo método consensual, na forma autocompositiva, em que terceiro imparcial, após ouvir as partes, orienta-as, auxilia, com perguntas, propostas e sugestões a encontrar soluções (a partir da lide) que possam atender aos seus interesses e as materializa em um acordo que conduz à extinção do processo judicial.”

Desta forma, temos que um terceiro imparcial irá ajudar as partes buscarem uma solução para o conflito existente, ensejando um acordo para que as mesmas, em conjunto, possam resolver seus conflitos e não batalhar uma contra a outra do decorrer do processo judicial.

Outrossim, vale ressaltar que, muitas vezes, um acordo entre os litigantes poderá ser muito mais saudável e valoroso, pois as partes poderão, elas próprias, decidirem o que é justo para cada uma delas, a ponto de que ambas saem satisfeitas no final; o que com uma sentença judicial é bem mais difícil, podendo não agradar nenhuma das partes.

A propósito, é comum ver que, após a sentença do magistrado, ambas as partes no processo saem descontentes, o que não ocorrerá se utilizarem a conciliação ou mesmo a mediação para a resolução do conflito.

O instituto da mediação, por sua vez, vem a ser também um método de solução de conflitos, mas, vai além; soluciona uma relação continuada em que ambas as partes tinham, mas que de algum modo deixaram de ter em vista do conflito que se formou.

Por esse motivo, também há a participação de um terceiro, denominado mediador, o qual terá por objetivo fortalecer, unir e até mesmo preservar os laços de confiança existente entre ambas as partes.

A propósito, é que salienta Vasconcelos (2014, p.56):

“As mediações direcionadas à relação obtêm melhores resultados nos conflitos entre pessoas que mantêm relações permanentes ou continuadas. A sua natureza transformativa supõe uma mudança de atitude em relação ao conflito. Em vez de se acomodar a contradição para a obtenção de um acordo, busca-se capacitar os medianos em suas narrativas, identificar as expectativas, os reais interesses, construir o reconhecimento, verificar as opções e levantar os dados de realidade, com vistas, primeiramente, à transformação do conflito ou restauração da relação e, só depois, à construção de um acordo.”

Aqui, o principal foco é restabelecer uma comunicação rompida, uma amizade e um convívio anterior. A mediação, ao contrário da conciliação, é realizada extrajudicialmente ocorrendo de forma mais sigilosa, sendo assim é ressalvado o principio da confiabilidade.

No entanto, a conciliação de acordo com Bacellar (2012, p. 91) incide sobre uma causa ajuizada no ambiente do poder judiciário.

Em vista disso é realizada no tempo em que a pauta permitir, gerando, portanto, um pouco mais de limitação no tempo, diferente da mediação, que poderá ser realizada com mais atenção, pois não estará limitada ao tempo do judiciário.

Deste modo, temos que, apesar de certas particularidades de cada instituto, tanto a conciliação quanto a mediação, possuem como objetivos o acordo entre as partes, a ponto de deixá-las ambas satisfeitas com a decisão tomada, sem a necessidade de se esticar um longo processo judicial, com a decisão de uma pessoa outorgada pelo Estado.

2 O INCENTIVO À CONCILIÇÃO E MEDIAÇÃO COMO FIM DA CULTURA DA SENTENÇA

Atualmente, não se discute que vivemos em uma sociedade altamente complexa, com pessoas movidas por conflitos interpessoais. Viver em uma sociedade completamente harmoniosa é até difícil de se imaginar. Imaginar todas as pessoas vivendo em paz, como disse John Lennon, é algo que não passa de uma letra musical.

Isso ocorre em razão de que somos seres humanos, por isso, somos movidos pelo sentimento, e quando isso esbarra em algo diverso do que nós pensamos ou sentimos, queremos impor nossa vontade sobre o outrem, gerando, assim, o conflito.

É como salienta Vasconcelos (2012, p. 21), ao afirmar que “…o conflito ou dissenso é fenômeno inerente às relações humanas. É fruto de percepções e posições divergentes quanto a fatos e condutas que envolvem expectativas, valores ou interesses comuns”.

É um erro sonhar com uma sociedade completamente pacífica, porém, é um acerto resolver os conflitos de forma pacificada.

É claro que a atual sociedade complexa em que vivemos hoje muito colabora para o alto número de processos que o Poder Judiciário tem que lidar. Atualmente e infelizmente, o simples fato de ter sua opinião ser contrariada, é motivo para um processo judicial.

Imagine a seguinte situação: determinada pessoa, ao expor sua opinião sobre determinado assunto, acaba por ofender determinada pessoa, a qual, por sua vez, realmente se sentiu ofendida. Para a pessoa ofendida, com um sentimento de raiva, lhe ingressa uma ação judicial para se ver indenizada pelo dano.

Pois bem. Agora imagine isso ocorrer centenas de vezes por dias durante todos os anos. É essa a situação que nos deparamos atualmente, que, logicamente, não se resume só na situação apresentada, mas havendo também conflitos de todas as naturezas possíveis.

Nascido o conflito, as partes envolvidas nele não possuem o interesse de, por meio do diálogo, resolverem o problema. Para elas, a única forma de resolverem a questão, é com a sentença do Juiz.

Essa é a chamada cultura da sentença, onde a única forma de solução dos conflitos é por meio do processo judicial, e, consequentemente, com a sentença.

A cultura da sentença, ou também denominada como cultura do litígio, é muito bem conceituada por Santanna (2013), no Seminário Internacional de Mediação de Conflitos e Justiça Restaurativa:

“A sociedade brasileira busca na maior parte das vezes o Judiciário para solucionar os conflitos, apesar da crise da morosidade da prestação jurisdicional. Nesse ambiente cultural, a sociedade depende do Estado para resolver seus problemas, como rixas entre vizinhos, conflitos familiares e controvérsias no âmbito escolar”.

Ou seja, por todos os tipos de conflitos, das mais variadas áreas possíveis, busca-se o processo judicial. Para muitos, a sentença é a única e melhor forma para se resolver o conflito. Todavia, nem sempre é a melhor solução, como bem lembra Oliveira (2014, p. 63):

“Infelizmente, a sentença por si só não é suficiente para pôr fim À situação conflituosa, uma vez que sempre permanece a ideia de vencedor e vencido e, consequentemente, de insatisfação de uma das partes. Afigura-se, pois, indispensável o trabalho do conflito, de modo a garantir de forma efetiva a pacificação das partes, afastando-se da “cultura da sentença” e aproximando-se da “cultura da pacificação” (…).

Ocorre que, devido a demanda excessivamente alta de processos, o Poder Judiciário acaba não conseguindo lidar com tantos processos, vindo, consequentemente, a violar o princípio constitucional da duração razoável do processo. Infelizmente, a situação acaba se tornando normal, pois são tantos processos, que acaba se tornando impossível julga-los com certa celeridade.

Por isso, a busca por uma diminuição do número de processos judiciais é tamanha, que o Conselho Nacional de Justiça promove semanas nacionais de conciliação, sendo adotadas por diversos Tribunais de Justiça do país. Tudo, é claro, para solucionar nos conflitos sem a necessidade de uma sentença judicial.

Em complemento à essa ideia, é o que discorre Bacellar (2012, p. 46):

“Entretanto, para dar vazão ao volume de litígios familiares, empresariais, de vizinhança, ambientais, condominiais, previdenciários, comerciais, trabalhistas, eleitorais, criminais, dentre outros que afloram diariamente pelo País, há que se complementar a atividade jurídica típica.

Destaca-se aqui a necessidade de se trabalhar com meios complementares e consensuais para a solução desse grande número de controvérsias. Essas alternativas que melhor se ajustam à ideia de complementos à atividade jurisdicional podem ser exercitadas mediante métodos consensuais praticados dentro e ou fora do processo.”

Em razão de tudo isso, o novo Código de Processo Civil, preocupado com esse excessivo número de processos em andamento, intensificou a utilização das soluções pacíficas de conflito, por meio dos institutos já lembrados da conciliação e mediação.

Primeiramente, como bem lembra Nóbrega (2015), a nova regra trazida pela legislação supra é que a audiência de conciliação ou mediação ocorrerá antes de o réu apresentar sua contestação.

Desta forma, nota-se que a lei traz uma versatilidade, uma vez que o réu ainda não apresentou a sua defesa, ficando mais propício propor um acordo. É em razão disso que há uma persistência da realização de audiência de conciliação ou mediação.

Neste ponto, vale trazer a doutrina de Gonçalves (2015, p. 342):

“É a fase indispensável nos processos de procedimento comum. A sua designação no começo funda-se na ideia de que, após o oferecimento da resposta, o conflito poderá recrudescer, tornando mais difícil a conciliação das partes. A busca pela solução consensual dos conflitos vem prevista como norma fundamental no processo civil, no art. 3º, §§ 2º e 3º, do CPC. A eventual conciliação nessa fase ainda inicial do processo se ajusta ao princípio econômico, já que o poupará de avançar a fases mais adiantadas.”

Ressalta-se que a busca pela conciliação ou medição é tão nítida, que embora uma das partes não concorde com sua realização, apenas será cancelada caso ambas as partes demonstrem o desinteresse. Vejamos o que é disposto sobre isso (Brasil, 2015):

“Art 334 – Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

§ 4º A audiência não será realizada:

I – Se ambas, as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na          composição consensual;

II – quando não se admitir a autocomposição”.

Ora, é nítido que a lei é severa ao disciplinar acerca da audiência de conciliação ou mediação, deixando claro que se uma das partes demonstrar interesse, mas não comparecer injustificadamente, será aplicado uma multa de até 2% (dois por cento) sobre o valor da causa. Isto demonstra ainda mais que a legislação tem o interesse no acordo e de que as partes estejam presentes, pois se não houver uma rigidez o costume brasileiro de estar sempre litigando não se findará.

Quanto à essa obrigatoriedade da realização da audiência de conciliação ou mediação, entendemos como uma forma de haver o acordo entre as partes, sem a necessidade de apresentação da contestação, podemos verificar desde já o incentivo ao fim da cultura a cultura da sentença, onde, como já anteriormente discutido, as partes não conseguem resolver seus conflitos apenas com uma conversa, necessitam levar seu problema para um magistrado e sentirem o prazer de ver uma sentença favorável para terem uma comprovação de que estavam corretos.

Há tempos essa ideia é vista e colocada em prática no Brasil, porém não podemos deixar que as pessoas continuem com esses pensamentos, mas demonstrar que o acordo é o mais benéfico para ambas as partes.

Contudo, uma conversa onde as partes entram em um consenso poderá ser mais vantajosa, diminuindo raiva, ódio, dentre outros sentimentos que as partes carregam consigo, pois apresentada as negociações propostas as partes é quem decidem o que acreditam ser a melhor solução para seus conflitos, trazendo assim uma maior satisfação ao final do acordo.

Oportuno ressaltar que a realização de acordos, colabora para a diminuição do tempo de duração de uma lide – vindo de encontro com o princípio da celeridade processual – e reduz significamente o número de processos do Poder Judiciário. A questão econômica também possui grande interferência, pois quanto mais demorado o processo for, mais custoso ele será.

De qualquer forma, interessante é a ideia trazida por Didier (2015, p. 273) a respeito do assunto. Vejamos:

“Compreende-se que a solução negocial não é apenas um meio eficaz e econômico de resolução dos litígios: trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica que regula as suas relações. Neste sentido, o estímulo à autocomposição pode ser entendido como um reforço da participação popular no exercício do poder – no caso, o poder de solução dos litígios. Tem, também por isso, forte caráter democrático.”

Ora, faz todo o sentido o que discorre o mais conceituado doutrinador processual, pois, a partir do momento em que as pessoas envolvidas no conflito, passam elas mesmas decidirem, resolverem, pactuarem a solução da questão, estão exercendo o fundamento constitucional da cidadania, ao invés de colocar o seu poder de decisão nas mãos do Estado.

Vale alertar, entretanto, que em determinadas situações a autocomposição é incabível, muito em razão da natureza do direito que se discute, como em casos de direitos indisponíveis.

Os benefícios aos litigantes que entrarem em um acordo, seja por meio da conciliação ou mediação, são inúmeros, quais sejam, rápida solução da controvérsia, grande possibilidade de ambas as partes saírem satisfeitas, maior margem de liberdade para as partes, custo relativamente menor, entre outros.

Vejamos a doutrina de Tartuce (2008, p. 201) quanto aos benefícios dos métodos consensuais de solução de conflitos:

“As vantagens da adoção de tais mecanismos são várias: obtenção de resultados rápidos, confiáveis, econômicos e ajustados às mudanças tecnológicas em curso; ampliação de opções ao cidadão, que teria diversas oportunidades de tratamento de conflito; aperfeiçoamento do sistema de justiça estatal, tendo em vista a redução do número de processos em curso. Além disso, tais técnicas, se administradas de maneira eficiente, podem ensejar o estabelecimento de uma relação saudável entre os indivíduos, compondo aquela controvérsia já instalada e prevenindo a verificação de outras demandas.”

Portanto, temos que a conciliação e a mediação muito favorece para a diminuição do alto número de processos judiciais em andamento no país, e, consequentemente, para a mudança da cultura da sentença.

Com a obrigatoriedade da audiência de conciliação e mediação imposta pelo novo códex, muitos processos se encerraram ali, com o acordo. E não somente, com o devido incentivo que será dado, por todos os envolvidos no processo, o acordo poderá acontecer, sem a necessidade de se dar continuidade no processo.

Entendemos, por fim, que a necessidade de uma sentença só deverá ocorrer quando se esgotar todos os meios possíveis para a solução pacífica do conflito, isto é, quando o acordo realmente não for possível, pois, somente nessas situações, é que o Estado-Juiz deverá se pronunciar.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em razão de todo o exposto, temos que o novo Código de Processo Civil conseguiu cumprir o que buscou o constituinte originário, quanto as formas de solução pacífica das controvérsias, ao efetivar os institutos da conciliação e da mediação.

O novo estatuto processual visou, sobretudo, a celeridade processual. Ao prever a audiência de conciliação e mediação demonstra ser a primeira tentativa do judiciário como proposta de acordo e especialmente quanto a sua obrigatoriedade. Visando, portanto, a solução de conflitos existentes de maneira mais pacifica, expondo métodos consensuais para que as partes entre si resolvam seus próprios conflitos.

O incentivo de propostas de acordos tem como objetivo a retirada da cultura do litígio no Brasil, onde a sociedade tem se tornado totalmente dependente do Estado para resolver seus conflitos, afogando cada vez mais o Poder Judiciário nos processos ajuizados.

É neste momento em que os métodos consensuais, quais sejam, a conciliação e a mediação, tornam-se as soluções pacificas para ambas as partes, promovendo a ideia de que o acordo é a melhor opção.

Vários são os benefícios em que o acordo proporciona, seja a celeridade processual, obtendo uma diminuição do tempo da duração em que a lide pode ter, seja a questão econômica, pois, quanto mais rápido um processo se encerra menos oneroso será aos litigantes.

O acordo é a forma mais benéfica para as partes resolverem seus conflitos, pois, em conjunto tomam as decisões e colocam fim ao litígio existente. Ora, já que a sociedade não consegue ser completamente pacífica, possamos pelo menos resolver os conflitos nela existentes de forma pacífica.

A opção pelo acordo é muito positiva para todos os lados, seja por meio da conciliação ou mediação, tanto para as partes quanto para o Estado. Isto porque, para as partes, elas poderão ter um acordo rápido, menos custoso do que em relação ao término do processo, além de ambas as partes poderem sair satisfeitas, o que não ocorre com a sentença do magistrado. Já para o Estado haverá menos um processo para julgamento e menos tempo a ser utilizado pelo Juiz e seus servidores.

Os métodos consensuais de conflitos, como a conciliação e a mediação, são garantidos pela Constituição Federal, e efetivados pelo Código de Processo Civil, sendo assim, algo que deve ser utilizado pelas partes, deixando de lado os ressentimentos devidos em razão do conflito, a fim que ambas as partes possam chegar no melhor acordo possível para elas.

Portanto na maioria dos casos a melhor forma para a solução de conflitos é a conciliação e mediação, não somente por se tratar de um método pacífico, mas também por ser a única forma de satisfazer ambas as partes, e, aos poucos tornar a sociedade como um todo menos dependente do Estado-Juiz para a solução de seus problemas, deixando a ele, somente questões que sejam realmente necessárias, as quais não caibam autocomposição.

 

Referências
BARBOSA, Oriana Piske de Azevêdo; SILVA, Cristiano Alves da. Os Métodos Consensuais De Solução De Conflitos No Âmbito Do Novo Código De Processo Civil Brasileiro (Lei Nº 13.105/15). Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.  Distrito Federal. 2015. Disponívelem: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/arquivos/copy5_of_artigo.pdf. Acesso em: 11/08/2016.
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NOTA
Este trabalho foi orientado pelo Professor Mestre Luciano Henrique Diniz Ramires, professor de Direito Processual Civil pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha – UNIVEM, localizada no Município de Marília/SP.

Informações Sobre os Autores

Rafael de Oliveira Cita

graduando do curso de Direito pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha – Univem. É servidor público municipal pela Prefeitura Municipal de Garça atuando na Procuradoria Geral do Município

Lara Bianca Stefano

Acadêmica de Direito pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha – Univem


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