O PLP 268/2016 e o risco à Previdência Complementar. A sistemática de governança das entidades fechadas de previdência complementar vinculadas ao poder público e o Projeto de Lei Complementar nº 268/16

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Resumo. Este artigo tem como objetivo empreender uma análise crítica do Projeto de Lei Complementar nº 268/16, que modifica pontos importantes na sistemática de governança das entidades fechadas de previdência complementar vinculadas ao poder público. Nesse contexto, partiremos de uma descrição da atual estrutura de governança dessas entidades, segundo o que estabelece a Lei Complementar nº 108/01. Apresentamos, em seguida, as alterações constantes no Projeto de Lei Complementar nº 268/16. Finalmente, debateremos as consequências dessas alterações e os possíveis impactos no poder decisório dos participantes e assistidos, à luz dos princípios constitucionais da previdência complementar. [1]

Palavras-chave: Direito Previdenciário; Previdência Complementar; Entidades Fechadas de Previdência Complementar.

Sumário. Introdução. 1. Previdência complementar e as entidades vinculadas ao poder público. 1.1. Aspectos gerais. 1.2. Conselho deliberativo. 1.3. Conselho fiscal. 1.4. Diretoria-executiva. 2. As alterações previstas no Projeto de Lei Complementar nº 268/16. 3. Discussão das propostas do PLP nº 268/16. Conclusões.

Introdução

O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 268, de 2016, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, tem despertado intensas discussões entre os interessados na previdência complementar. O projeto promove uma série de alterações na Lei Complementar nº 108/01, modificando a atual sistemática de governança das entidades fechadas de previdência complementar vinculadas ao poder público.

O PLP nº 268/16 é originário do Projeto de Lei do Senado nº 78, de 2015, de autoria do senador Valdir Raupp, aprovado pelo plenário do Senado Federal em 06/04/2016 e então remetido à Câmara dos Deputados. O objetivo do projeto, segundo o senador propositor, seria o de “aprimorar os dispositivos de governança das entidades fechadas de previdência complementar vinculadas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas”.

Segundo a justificação de motivos do Projeto de Lei Complementar, tais mudanças são necessárias por conta de uma suposta ineficiência generalizada na aplicação dos recursos por parte das entidades fechadas de previdência complementar. As causas desse quadro fático seriam a falta de autonomia do órgão regulador e fiscalizador e a possibilidade de nomeações de conselheiros e diretores dos fundos de pensão por critérios políticos.

Nesse contexto, o presente artigo pretende analisar, de maneira crítica, as mudanças previstas no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 268/16 na vigente estrutura administrativa das entidades de previdência complementar ligadas ao poder público. Inicialmente, vamos esclarecer a atual estrutura de governança dessas entidades. Em seguida, serão apresentadas as mudanças constantes no Projeto de Lei Complementar nº 268/16. Finalmente, debateremos as consequências dessas alterações e os possíveis impactos no poder decisório dos participantes e assistidos.

1. Previdência complementar e as entidades vinculadas ao poder público

1.1. Aspectos gerais

No Brasil, de acordo com o esquema traçado pela Constituição Federal, coexistem três regimes previdenciários. Dois deles são obrigatórios e públicos: o Regime Geral de Previdência Social (art. 201, CF), administrado pelo INSS, destinado aos trabalhadores da iniciativa privada em geral, contribuintes facultativos, empregados públicos e servidores de entes federativos que não possuam Regime Próprio ou que sejam titulares de cargos temporários, entre outros; e o Regime Próprio de Previdência Social (art. 40, CF), destinado aos servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que tenham instituído tal regime em seu âmbito.

De outro lado, há o regime de previdência complementar (art. 202, CF), caracterizado por sua autonomia em relação aos dois regimes anteriores e pela facultatividade de participação. É composto por entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs), que oferecem planos de benefícios para um determinado grupo social (empregados de uma empresa ou servidores públicos, por exemplo) e as entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), que oferecem planos de benefícios acessíveis a qualquer pessoa física – é o caso da previdência administrada por instituições financeiras, como o Banco Itaú, por exemplo.

As entidades de previdência complementar vinculadas ao poder público – União, Estados, Municípios, Distrito Federal e suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e outros entes estatais – deverão ser estabelecidas na forma de entidades fechadas e regulamentadas por lei complementar, segundo o art. 202, §4º, da Constituição Federal. Esta lei complementar, editada em 2001, é a Lei Complementar nº 108/01, que estabelece diretrizes para a organização, administração e fiscalização dessas entidades e seus planos de benefícios.

Não se pode esquecer que a aplicação e interpretação da Lei Complementar nº 108/01 deve ser pautada pelos princípios elementares da previdência complementar, estabelecidos pelo art. 202, caput e §1º, da Constituição Federal: a) a autonomia jurídica, financeira e política em relação ao demais regimes previdenciários e facultatividade; b) constituição de reservas para a garantia dos benefícios contratados; c) direito à informação dos participantes e assistidos.

Com efeito, na medida em que a função primordial de uma entidade fechada de previdência complementar é a de oferecer ao participante uma proteção adicional em relação aos riscos sociais, a partir das contribuições vertidas por ele e pelo patrocinador, a participação e a transparência da entidade deve ser a maior possível. Por essa razão, Luís Carlos Cazzeta considera elemento nuclear da relação de previdência complementar o direito dos participantes e assistidos a participarem dos órgãos de administração e fiscalização da entidade por meio de seus representantes.[2]

A estrutura administrativa das entidades de previdência complementar vinculadas ao poder público é delimitada pelos artigos 10 a 23 da Lei Complementar nº 108/01. A estrutura básica dessas entidades é composta por três órgãos: 1) conselho deliberativo; 2) conselho fiscal; e 3) diretoria-executiva. Esses órgãos podem ser estruturados com uma certa variedade de configurações, mas a paridade de representação entre participantes/assistidos e patrocinadores deve ser sempre respeitada – essa característica, justamente, é que se encontra ameaçada pelo PLP nº 286/16.

1.2. Conselho deliberativo

O conselho deliberativo, segundo o art. 10 da Lei Complementar nº 108/01, é o órgão máximo da estrutura organizacional de uma entidade de previdência complementar, sendo responsável pela definição da política geral de administração da entidade e dos planos de benefícios operados por ela. A ele compete traçar as diretrizes para o cumprimento dos objetivos da entidade de previdência complementar, deliberando sobre as matérias mais importantes em termos de administração de uma entidade de previdência complementar.

Nos termos do art. 13 da Lei Complementar nº 108/01, ao conselho deliberativo compete deliberar sobre as seguintes matérias:[3]

“I – política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios;

II – alteração de estatuto e regulamentos dos planos de benefícios, bem como a implantação e a extinção deles e a retirada de patrocinador;

III – gestão de investimentos e plano de aplicação de recursos;

IV – autorizar investimentos que envolvam valores iguais ou superiores a cinco por cento dos recursos garantidores;

V – contratação de auditor independente atuário e avaliador de gestão, observadas as disposições regulamentares aplicáveis;

VI – nomeação e exoneração dos membros da diretoria-executiva; e

VII – exame, em grau de recurso, das decisões da diretoria-executiva”.

É composto por no máximo seis membros, escolhidos de forma paritária entre representantes dos patrocinadores e dos participantes/assistidos. Essa paridade de representação é inerente às entidades fechadas de previdência complementar vinculadas ao poder público: nas demais entidades, regulamentadas pela Lei Complementar nº 109/01, a forma de representação dos participantes/assistidos é prevista no estatuto de cada entidade, devendo respeitar o mínimo de um terço. Nessas entidades, portanto, o poder decisório dos participantes/assistidos pode ser elevado, paritário, ou restrito, a depender da previsão estatutária.

Os membros representantes dos participantes/assistidos são escolhidos por eleição direta entre seus pares e os demais membros são indicados pelo patrocinador, que também designará o presidente do conselho deliberativo. O presidente do conselho possui voto de qualidade, sendo responsável por resolver eventuais impasses nas votações do conselho. Desse modo, ainda que a representação seja paritária, cabe ao representante indicado pelo patrocinador a última palavra em caso de votações empatadas.

Para exercer o cargo de conselheiro deliberativo, é necessário atender a determinados requisitos de formação técnica. Segundo o art. 20, I a III, da Lei Complementar nº 108/01, o conselheiro deve demonstrar: a) experiência no exercício de atividade financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização, atuarial ou de auditoria; b) não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado; c) não ter sofrido penalidade administrativa por infração da legislação da seguridade e social, da previdência complementar ou do serviço público. Tais requisitos devem ser demonstrados à Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc, por meio de procedimento administrativo próprio, regulamentado pela Instrução MTPS/PREVIC nº 28, de 12 de maio de 2016.

 Os membros do conselho deliberativo, no desempenho de suas funções, cumprem mandato de quatro anos, com garantia de estabilidade, sendo permitida uma recondução. Só ocorre a perda do mandato em caso de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar (que pode ser instaurado pela própria entidade, quando houver regulamentação em seu estatuto).

1.3. Conselho fiscal

Trata-se do órgão que exerce o controle interno da entidade fechada de previdência complementar, fiscalizando a atuação do conselho fiscal e da diretoria-executiva. Sua função essencial é verificar a regularidade de todos os atos internos em relação às normas legais e estatutárias, tanto do ponto de vista formal quanto material – em relação a esse último aspecto, por exemplo, caberia avaliar se os objetivos fundamentais da entidade estão sendo perseguidos, como a constituição de reservas.

Há uma grande semelhança entre a composição do conselho fiscal e do conselho deliberativo – as diferenças básicas são a quantidade de membros que o compõe e a competência para escolher o presidente do conselho.

É composto por até quatro membros, de maneira paritária entre representantes de patrocinadores e de participantes e assistidos. Como o conselho fiscal tem uma função de contrapeso em relação ao conselho deliberativo, a escolha do conselheiro presidente, que também possuirá voto de qualidade, cabe aos participantes/assistidos. O mandato de seus membros é de quatro anos, sendo vedada a recondução. Os requisitos para exercer o cargo de conselheiro fiscal são os mesmos exigidos para os membros do conselho deliberativo.

1.4. Diretoria-executiva

A diretoria-executiva é o órgão responsável pela efetiva implantação das políticas gerais da entidade de previdência complementar traçadas pelo conselho deliberativo. Como a sua função é essencialmente executiva, exerce poder discricionário mitigado, de forma que seu espectro de escolha se encontra nas eventuais opções concretas de implantação das políticas estabelecidas pelo conselho deliberativo.

É composta por, no máximo seis membros, mas a quantidade de membros é definida de acordo com o patrimônio da entidade e o seu número de participantes e assistidos, embora a lei não estipule nenhum critério objetivo para tanto. Como já vimos, a nomeação dos diretores-executivos cabe ao conselho deliberativo. É necessário que a diretoria-executiva nomeie um dirigente responsável pelas aplicações dos recursos da entidade.

Para exercer o cargo de diretor executivo é necessário possuir, além dos requisitos para os cargos de conselheiro deliberativo e fiscal, formação de nível superior. O mandato dos membros da diretoria-executiva possui maiores restrições: é vedado, durante o mandato, exercer atividade simultânea no patrocinador e prestar serviço a instituições integrantes do sistema financeiro. Essa previsão busca resguardar a autonomia administrativa da entidade, evitando a ingerência do poder econômico e político nas decisões tomadas pelos diretores-executivos – embora a prática demonstre que nem sempre isso é obedecido.

Na mesma linha, a legislação prevê que, nos doze meses subsequentes ao término do cargo, os ex-diretores estarão impedidos de prestar qualquer tipo de serviço às instituições do sistema financeiro que impliquem a utilização das informações cujo acesso decorreu do próprio cargo exercido, sob pena de responsabilização civil e penal. Aliás, nota-se que a responsabilidade dos diretores-executivos é grande, estes respondem de forma solidária por quaisquer danos e prejuízos causados à entidade.

2. As alterações previstas no Projeto de Lei Complementar nº 268/16

Desde a edição da Lei Complementar nº 108, em 2001, a participação dos participantes/assistidos e dos patrocinadores nas entidades fechadas de previdência complementar vinculadas ao poder público é paritária. Esta não é a realidade, por exemplo, das demais entidades fechadas de previdência complementar, regulamentadas pela Lei Complementar nº 109/01, que possuem uma menor participação dos participantes/assistidos. Essa ideia de paridade existe desde a gênese da Lei Complementar nº 108/01, como se pode depreender da exposição de motivos da própria lei, em que se declarava a importância da inserção dos participantes nas instâncias decisórias e a divisão de responsabilidade entre patrocinadores, participantes e assistidos.[4]

Como já ressaltamos, entendemos ser essencial garantir aos participantes e assistidos o direito à informação e à participação nos órgãos de representação das entidades fechadas de previdência complementar. Quando maior a democratização, transparência e acesso, melhor – sendo que a participação do patrocinador pode servir como saudável contrapeso, sempre com vistas à melhor consecução dos objetivos primordiais da entidade.

Entretanto, esse ideal se encontra ameaçado pelo Projeto de Lei Complementar nº 268/16. Caso seja aprovado, o projeto irá alterar radicalmente toda a estrutura dos órgãos de representação delineada acima, diminuindo o poder decisório dos participantes e assistidos, em nome de uma alegada necessidade técnica. Vejamos como serão compostos esses órgãos caso o PLP nº 268/16 seja aprovado.

O conselho deliberativo continuará a possuir, no máximo, seis membros. Entretanto, o conselho será composto por representantes do patrocinador, participantes/assistidos e conselheiros independentes, de forma paritária. Havendo três membros, por exemplo, o conselho possuirá um representante de cada categoria – e percebe-se, de imediato, que os participantes/assistidos perderão expressivamente o poder decisório que anteriormente possuíam.

A exposição de motivos justifica a criação da figura do conselheiro independente como ponto chave para garantir uma atuação mais “crítica e objetiva”, cuja inspiração advém da experiência de “boas práticas de governança praticadas por várias empresas”. Estes serão por meio de processo seletivo conduzido por empresa especializada devidamente contratada para este fim, entre profissionais de “notória especialização”. Os critérios avaliativos certamente seriam “desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é o mais adequado à plena satisfação do processo seletivo”.

Além dos requisitos estabelecidos para o exercício do cargo de diretor-executivo, os conselheiros independentes não poderão i) ter qualquer vínculo com a entidade fechada de previdência complementar; ii) ter sido empregado, preposto ou dirigente de patrocinador ou de alguma de suas subsidiárias; iii) ser proprietário, dirigente ou empregado de sociedade ou empresa que ofereça serviços ou produtos à entidade fechada de previdência complementar ou ao patrocinador; iv) receber remuneração ou vantagem da entidade fechada de previdência complementar que não seja extensível aos demais membros.

A presidência do conselho continuará a ser exercida por membro representante do patrocinador, eleito pela maioria do conselho deliberativo, em mandato de dois anos, sendo permitida uma recondução consecutiva. Haverá, portanto, maior rotatividade nos membros que exercerão o cargo no conselho deliberativo.Ao mesmo tempo, será estendido o âmbito decisório do conselho deliberativo, que poderá dispor, além das matérias acerca das quais já delibera, sobre:

“VIII – aprovação dos planos de custeio e dos planos de benefícios;

IX – aprovação do orçamento anual e do balanço do exercício;

X – estabelecimento anual, por meio de contrato de gestão, de objetivos e metas de desempenho para a diretoria-executiva, cujo cumprimento orientará os processos de recondução e de demissão dos seus membros;

XI – aprovação de proposta de equacionamento de déficit atuarial, observadas as normas do órgão regulador”

Destacamos que o conselho passará a deliberar sobre a demissão de membros da diretoria-executiva, o que prescindirá da apresentação de qualquer justificativa. Receamos, portanto, que tal alteração legislativa crie uma permanente tensão, indesejável para o bom funcionamento da entidade, entre o conselho fiscal e a diretoria-executiva.

O projeto também promoverá alterações na estrutura do conselho fiscal, que poderá ser composto por até seis membros (como vimos, anteriormente o número máximo era quatro), de forma paritária entre representantes do patrocinador, participantes/assistidos e conselheiros independentes. A composição, portanto, passará a ser semelhante àquela do conselho deliberativo. No entanto, sua competência passará a ser delimitada com precisão, o que não ocorre atualmente. Caberá ao conselho fiscal:

“I – fiscalizar os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários;

II – opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do seu parecer as informações que julgar necessárias ou úteis à decisão do conselho deliberativo;

III – denunciar aos órgãos estatutários da entidade fechada de previdência complementar e ao órgão fiscalizador as irregularidades, inclusive aquelas relacionadas a processo seletivo de diretores e membros independentes dos conselhos, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências;

IV – analisar as demonstrações contábeis, financeiras e atuariais da entidade fechada e sobre elas produzir parecer a ser publicado nos sítios eletrônicos das entidades, no mínimo semestralmente;

V – supervisionar as atividades das entidades e dar parecer sobre seus processos decisórios, bem como sobre os procedimentos internos de conformidade adotados para o cumprimento das normas legais e regulamentares”.

Uma interessante proposta que consta do projeto é a impossibilidade de delegação da competência do conselho fiscal a qualquer órgão ou entidade. A presidência do órgão será exercida por representante dos participantes/assistidos, que será eleito pela maioria absoluta do conselho fiscal, pelo período de até dois anos, vedada a recondução consecutiva.

A maior alteração, talvez, seja na composição da diretoria-executiva, cujos membros serão escolhidos, em sua totalidade, por meio de processo seletivo público conduzido por empresa especializada para este fim. Os diretores-executivos passarão a ser “diretores independentes”, oriundos do mercado, sem qualquer relação com a entidade de previdência.

Também serão alterados os requisitos mínimos para a candidatura aos cargos do conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria-executiva. O acesso a esses cargos ficará, em tese, mais difícil. Além de demonstrar experiência no exercício de atividade financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização, atuarial ou de auditoria e não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado, será necessário atender ao seguinte rol de requisitos:

“II – não ter sofrido condenação transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado por:

a) crime contra o patrimônio público ou de entidade de previdência privada, o sistema financeiro ou o mercado de capitais;

b) crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

c) crime hediondo ou praticado por organização criminosa, quadrilha ou bando;

d) gestão temerária ou prática ilegal ou fraudulenta que resultarem em processo de intervenção e liquidação, judicial ou extrajudicial, extensível àqueles que estiverem com seus bens indisponíveis em virtude de decisão em processo ou inquérito administrativo que apure tais práticas;

e) práticas que determinaram demissão, destituição ou cassação de aposentadoria, no âmbito do serviço público;

III – não ter sofrido penalidade administrativa de suspensão ou de inabilitação por infração à legislação da seguridade social e da previdência complementar;

IV – possuir formação de nível superior em pelo menos uma das áreas de especialização para as quais seja exigida experiência comprovada, na forma do inciso I deste artigo;

V – não ser cônjuge ou parente até o terceiro grau de conselheiro, diretor ou dirigente da entidade de previdência complementar ou do patrocinador;

VI – não ter exercido atividades político-partidárias, na forma do § 1º deste artigo, em período inferior a 2 (dois) anos antes da data da contratação;

VII – não ter firmado contratos ou parcerias, como fornecedor, comprador, demandante ou ofertante de bens ou serviços de qualquer natureza, com a entidade fechada ou seu patrocinador em período inferior a 3 (três) anos antes da data da contratação;

VIII – não ter sido titular de cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou de cargo temporário, no patrocinador ou na administração direta do governo controlador do patrocinador, nos últimos 2 (dois) anos.”

As últimas disposições do projeto dizem respeito às responsabilidades e impedimentos. Os membros dos conselhos deliberativo e fiscal responderão solidariamente pelos danos e prejuízos resultantes da omissão no cumprimento de seus deveres e pelos atos praticados com culpa ou dolo ou com violação da legislação e do estatuto. Ex-membros do conselho deliberativo ou fiscal estarão impedidos de exercer atividades político-partidárias nos doze meses subsequentes ao término do exercício do cargo.

Há uma série de outras alterações constantes no projeto; acima, elencamos aquelas que julgamos mais expressivas no que diz respeito à estrutura administrativa dessas entidades. Outros enfoques podem ser dados; por exemplo, as alterações no sistema fiscalizatório e nos mecanismos de informações são aspectos que também merecem um enfoque.

3. Discussão das propostas do PLP nº 268/16

Antes de adentrar o mérito das propostas do Projeto de Lei Complementar nº 268/16, é interessante tecer algumas reflexões acerca do regime de urgência em que o projeto tramita na Câmara dos Deputados. A matéria submetida ao regime de urgência, previsto no art. 155 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (Resolução nº 17, de 1989), é votada de maneira expressivamente mais célere por dispensar algumas formalidades necessárias aos outros regimes.

Segundo a previsão regimental, tal regime é aplicável às matérias de “relevante e inadiável interesse nacional”. Em tese, seria o caso de matérias relacionadas à segurança nacional, a calamidades públicas, estado de defesa ou de sítio, entre outras – matérias que, caso não sejam apreciadas pela Câmara dos Deputados com a maior celeridade possível, possam ameaçar a própria existência do Estado e a garantia dos direitos fundamentais. Não é isto que ocorre na prática, entretanto. Como a previsão regimental é um tanto vaga (como conceituar com precisão este “relevante e inadiável interesse nacional”?), ocorre, na prática, um esvaziamento desse instituto.

Basta tomarmos o próprio PLP nº 268/16 como exemplo. Este projeto, como sabemos, promoverá alterações na estrutura organizacional de todas as entidades fechadas de previdência complementar vinculadas ao poder público. De acordo com o último relatório publicado pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar, são 88 entidades, que detém um ativo total de pouco mais de R$ 489 bilhões[5]. Se for aprovado, o projeto mudará a maneira com que se destinará esses recursos: quem decidirá e de que forma isso será decidido.

Mais ainda: esses recursos são, essencialmente, garantidores de aposentadorias e pensões de servidores públicos que contribuiram durante todo o seu período laborativo para a criação dessas reservas. O impacto social e econômico desse projeto é imenso – é uma matéria, portanto, que requer um debate cuidadoso e a efetiva participação popular na sua elaboração. Contudo, as pressões políticas e o regime de urgência na tramitação fazem com que o projeto esteja sendo levado à frente como se não promovesse nenhuma alteração expressiva na forma de governança dessas entidades em prejuízo dos participantes/assistidos. Tendo em vista os interesses em jogo, é de se desconfiar dos argumentos “técnicos” e dessa urgência que justificam o projeto.

Analisando o mérito do projeto, percebe-se, de maneira geral, que as propostas caminham na contramão da ideia de autogestão que se observava nos debates acerca da previdência complementar. A criação da figura do “conselheiro independente” e a progressiva perda de poder decisório por parte dos representantes dos participantes e assistidos apontam para uma estrutura de gerência mais autoritária, com menor participação daqueles a quem a previdência complementar mais interessa.

O objetivo primordial da previdência complementar é o de oferecer proteção social de forma complementar ao regime previdenciário público, por intermédio das entidades que administram e investem os recursos vertidos pelos patrocinadores e participantes. É dizer, por outro lado, que os fundos de pensão existem justamente em função de seus beneficiários e essa premissa básica não pode ser esquecida em nenhuma regulamentação jurídica subsequente.

Tendo isso em mente, a legislação deveria caminhar cada vez mais no sentido da autogestão e participação democrática dos participantes na entidade de previdência complementar, possibilitando o direito à informação e transparência na gestão dos recursos obtidos com o esforço do trabalhador. Afinal, é para o trabalhador, durante o período de inatividade ou afastamento, que esses recursos serão revertidos.

Apesar de submetidas ao regime jurídico de direito privado, as entidades (fechadas ou abertas) de previdência complementar são parte do sistema de seguridade social e submetem-se aos princípios a ele pertinentes.[6] Nesse contexto, urge rememorar o art. 194, parágrafo único, VII, da Constituição Federal, o qual dispõe que a administração da seguridade social deve possuir caráter democrático e descentralizado, com a participação dos trabalhadores, empregadores, aposentados e do Estado nos órgãos colegiados.

Coube às Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001, regulamentar essa previsão constitucional no âmbito da previdência complementar. Como vimos, no âmbito das entidades fechadas em geral (regulamentadas pela Lei Complementar nº 109/01), a representação mínima dos participantes e assistidos é de um terço. Esta previsão legislativa recebe críticas desde a edição das leis, apontando a evidente inconstitucionalidade em confronto com o art. 194, parágrafo único, VII, da Constituição Federal.

Como bem assevera Daniel Pulino, “(…) ainda que tenha sido dada alguma eficácia ao princípio constitucional no setor, parece-nos injustificável esse desbalanceamento das representações (…). Nesse contexto, pouco se pode esperar no sentido de que os conselhos estatutários seja, realmente, em todos os casos, um foro de discussão e formação de consensos nas variadas questões que gravitam a gestão dos fundos de pensão”.[7]

O PLP nº 268/16 é frontalmente oposto à determinação constitucional da administração democrática e descentralizada, em evidente inconstitucionalidade. Se nem a regulamentação atual garante a efetiva participação dos participantes/assistidos nos órgãos da entidade (seja nas entidades fechadas ou abertas), não é defensável que regulamentação superveniente, em nome de uma suposta tecnicidade, venha retirar esse direito.

Com efeito, se Wagner Balera, pouco após a edição das Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001, já se queixava da regulamentação que essas leis deram à previsão constitucional do caráter democrático e descentralizado da administração das entidades, afirmando que “os interessados principais perdem a posição de comando que lhes confere a Constituição, em tudo quanto diga respeito ao universo da seguridade social”, que se dirá, então, das propostas do PLP nº 268/16, que reduzem ainda mais a participação dos interessados, que são os participantes e assistidos.

O PLP nº 268/16 não aponta para autogestão ou para uma crescente democratização da estrutura administrativas. Como vimos, os participantes e assistidos perderão poder decisório, sendo que nas mais importantes decisões a serem tomadas pela entidade de previdência complementar sua participação será reduzida de metade para um terço. De outro lado, os “conselheiros independentes” e os patrocinadores possuirão dois terços dos votos, o que praticamente lhes confere todo o poder de decidir sobre os rumos da entidade.

Ao mesmo tempo, o poder decisório do conselho deliberativo será ampliado. Será permitido, por exemplo, decidir sobre a demissão de membros da diretoria-executiva, sendo desnecessário apresentar qualquer justificativa para tanto. Dessa forma, o perigo é que a gestão das entidades se torne cada vez mais autoritária, e a participação do participante e assistido seja diluída até se tornar ineficaz.

A qualquer momento o conselho deliberativo (no qual a participação dos participantes e assistidos será reduzida) poderá emitir um parecer no sentido do afastamento ou da demissão dos diretores-executivos. Como não existe previsão de que essa demissão ou afastamento sejam fundamentadas, ou que ocorra somente em caso de ilegalidade, na prática os diretores-executivos poderão ser afastados pela mera insatisfação dos conselheiros.

O PLP nº 268/16 tenciona, também, condicionar a escolha dos diretores-executivos, conselheiros fiscais e conselheiros deliberativos à homologação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC. Embora a intenção dessa proposta seja a de haver um melhor cuidado no que diz respeito às pessoas que irão desempenhar essas funções, o fato é que haverá uma intromissão desnecessária nas entidades, cujo caráter é constitucionalmente de direito privado.

Afinal, a mera obediência aos requisitos de caráter essencialmente técnico – que serão, ressaltamos mais uma vez, estreitados – não garante a qualidade da gestão. E, quanto a esse aspecto, não nos referimos somente à qualidade técnica, isto é, à capacidade de cumprir com diligência os objetivos ao qual a entidade se propõe, mas também uma gestão participativa e transparente, que garanta aos participantes e assistidos a efetiva representação de seus interesses.

Não podemos nos olvidar que a legislação atual já prevê uma série de requisitos de ordem técnica para que os cargos de conselheiro deliberativo, conselheiro fiscal e diretor-executivo sejam ocupados. E, ainda assim, verificou-se uma série de má gestões nas entidades de previdência complementar vinculadas ao poder público. Critérios técnicos não estão ontologicamente ligados a uma boa administração – eis algo que precisa ser definido de uma vez por todas.

O projeto possui, decerto, alguns méritos. Um deles é a delimitação da competência do conselho fiscal. Com efeito, a definição precisa das competências de cada órgão, bem como a criação de um mecanismo de freios e contrapesos cria um desejável ambiente de interação dentro de uma entidade, contanto que o cumprimento dos objetivos da entidade sempre permaneça em primeiro plano.

Conclusões

Assim, defendemos que o Projeto de Lei Complementar nº 268/16, tomado em seu conjunto, é um grave retrocesso no que tange aos direitos dos participantes e assistidos das entidades de previdência complementar vinculadas ao poder público. Embora a justificativa para a proposta pareça razoável, tendo em vista os diversos casos de gestão temerária nos fundos de pensão no Brasil, a maneira com que a proposta busca resolver essas questões é totalmente questionável.

Para uma melhor governança das entidades de previdência complementar, é essencial preservar o poder decisório dos participantes e assistidos, que serão os principais afetados em caso de má gestão do fundo. O caminho, portanto, é democratizar – e não impedir o acesso à informação e o poder decisório daqueles que são os principais destinatários da previdência complementar.

 

Referências
BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 5ª ed. São Paulo: LTR, 2009.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Mensagem nº 357, de 16 de março de 1999. Diário da Câmara dos Deputados, 17 de março de 1999, p. 09747.
______. Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001.
______. Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001.
______. Instrução MTPS/PREVIC nº 28, de 12 de maio de 2016.
______. Ministério da Fazenda. Superintendência Nacional de Previdência Complementar. Estatística Semestral – setembro de 2016.
CAZZETA, Luís Carlos. Previdência privada: o regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed, 2006.
PULINO, Daniel. Previdência complementar: natureza jurídico constitucional e seu desenvolvimento pelas entidades fechadas. São Paulo: Conceito Editorial, 2011.
 
Notas
[1] Trabalho orientado por Leandro Madureira Silva, Advogado e especialista em Direito Previdenciário.

[2] CAZZETA, 2006, p. 128.

[3] Ressalvamos que a deliberação sobre a alteração de estatuto e regulamento dos planos de benefícios, sua implantação e extinção e a retirada do patrocinador é condicionada à aprovação do patrocinador, conforme o parágrafo único do art. 13 da Lei Complementar nº 108/01.

[4] BRASIL. Câmara dos Deputados. Mensagem nº 357, de 16 de março de 1999. Diário da Câmara dos Deputados, 17 de março de 1999, p. 09747.

[5] BRASIL. Ministério da Fazenda. Superintendência Nacional de Previdência Complementar. Estatística Semestral – Setembro de 2016, p. 7.

[6] Nesse sentido: BALERA, 2009, p. 92-94.

[7] PULINO, 2011, p. 426-427.


Informações Sobre o Autor

Gabriel Rübinger-Betti

Acadêmico de Direito na Universidade de Brasília – UnB


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