A prática do crime do colarinho branco no brasil: uma análise segundo a visão de Sutherland e Friedrichs

Resumo: O objetivo deste ensaio é analisar as abordagens dos autores Edwin H. Sutherland e David O. Friedrichs sobre o Crime do Colarinho Branco e utilizá-las para o exame dos dados das pesquisas realizadas pela empresa Price Water House Coopers sobre a prática de crimes econômicos no Brasil e no mundo, comparando as conclusões das pesquisas com as abordagens feitas por aqueles autores.

Palavras-chave: Crime do Colarinho Branco; Mensalão; Lava Jato; Crime econômico.

Abstract: The aim of this essay is to analyze the perspectives of the authors Edwin H. Sutherland and David O. Fredrichs about the White Collar Crime and to use it for examining  data collected by Price Water House Coopers in researches about economic crimes in Brazil and worldwide, comparing the conclusions of these researches with the approaches made by the two authors.

Keywords: White Collar Crime; “Mensalão”; “Lava Jato”; Economic Crime.

Sumário: Introdução. 1. Abordagens sobre o Crime do Colarinho Branco. 1.1. O “White Collar Crime” segundo Edwin H. Sutherland. 1.2. O “White Collar Crime” segundo David O. Friedrichs. 2. O Crime do Colarinho Branco no Brasil. 2.1. Dados obtidos pela empresa Price Water House Coopers sobre a ocorrência de Crimes do Colarinho Branco no Brasil e ao redor do Mundo. Conclusão. Referências.

Introdução

Atualmente, as principais notícias dos jornais impressos e televisivos brasileiros estão relacionadas a crimes praticados por políticos e empresários, os quais, na área do direito penal, são chamados de crimes do colarinho branco (“White Collar Crime”).

As notícias sobre a prática dos crimes do colarinho branco não estão restritas ao Brasil. Com a globalização e o avanço da sociedade tecnológica, a criminalidade econômica aperfeiçoou-se e expandiu-se em um nível global e foi capaz, inclusive, de auxiliar no desencadeamento de crises econômicas e políticas.

Porém, apesar de estar atualmente em evidência, a prática desses crimes não é recente. O estudo do crime de colarinho branco (“White Collar Crime”) foi iniciado por Edwin Sutherland, em 1950. Em seu estudo, Sutherland trata, em síntese, sobre a dificuldade de se identificar a dimensão do dano causado pelo criminoso do colarinho branco, pois as consequências podem atingir uma sociedade inteira, mas de maneira indireta. Como exemplo, pode-se citar, a falta de investimentos em políticas públicas em razão da prática de crimes de corrupção por agentes da administração pública.

Outro estudioso importante do “White Collar Crime” foi David O. Friedrichs, que também diferenciou os criminosos do colarinho branco dos outros criminosos, quanto aos seus perfis. Características de um  criminoso do colarinho branco, em regra, são de um um indivíduo que não é jovem, tem anos de experiência no ambiente que viola, não é pobre (pois faz parte da classe média ou classe alta), e tem influência social. Características como as acima citadas  facilitam a prática do delito.

Em razão das diferenças acima descritas entre o crime do colarinho branco e os tipos penais comuns e pelos estudos sobre este crime terem se iniciado apenas no século passado, faz-se necessário o aprofundamento do estudo sobre o crime do colarinho branco e a análise de algumas estatísticas já auferidas por outros estudiosos. O aprofundamento desses estudos poderá esclarecer algumas das indagações que ainda recaem sobre esse tema, tais quais: como identificar o impacto que esse crime causa à sociedade, como localizar os criminosos de colarinho branco, qual a melhor pena a ser aplicada para esses crimes, quais seriam os métodos de prevenção da prática desses crimes, entre outras.

Além disso, apesar de já existir legislação que regula e sanciona esses tipos de delitos, ainda há dificuldade na identificação desses criminosos, por ser muito difícil arrecadar provas suficientes para um decreto condenatório, e questionamentos sobre as penas atualmente aplicadas.

Diante desse contexto, este trabalho abordará, por meio de revisão bibliográfica, algumas das conclusões feitas por dois importantes estudiosos sobre o tema, Edwin H. Sutherland e David O. Fredrichs, assim como examinará os dados coletados pela empresa Price Water House Coopers em pesquisas realizadas por ela nos anos de 2014 e 2016, comparando-os com as constatações dos autores ora mencionados.

1. Abordagens sobre o Crime do Colarinho Branco

1.1. O “White Collar Crime” segundo Edwin H. Sutherland

Quem utilizou a definição "White Collar Crime" pela primeira vez foi o sociólogo Edwin H. Sutherland baseando-se no sentido do livro de Albert Sloan e Boyden Saparkes que tratava dos altos executivos e homens de negócios, que denominavam "White Collar Man", tendo publicado a sua obra "White Collar Crime" em 1949.

O sociólogo iniciou seus estudos sobre o Crime do Colarinho Branco em 1935, na Universidade de Indiana, última instituição onde atuou como professor, na qual teve como discípulo Albert Cohen, que viria a se tornar o expoente mais importante da teoria das subculturas criminais[1].Foi um dos mais importantes sociólogos estudioso da prática de crimes. Foi um crítico da sociedade norte americana e a estudava com profundidade, analisando seus detalhes. Em sua percepção criminológica, descartava o determinismo biológico, a visão meramente individualista e a associação entre o crime e a pobreza[2].

Sutherland define o Crime do Colarinho Branco como um delito praticado por uma pessoa respeitada e com alto status social em sua ocupação. Dessa forma, o conceito do Crime do Colarinho Branco tem relação com o dinheiro, a educação, o status, mas cada um deles em grau relativo, pois o fator essencial é o poder. Além disso, ele afirma que a noção de Crime do Colarinho Branco está desassociada a pobreza, pois ocorre fora dela e das patologias sociais e biológicas associadas a ela.

Além de desassociar a pobreza com a noção de Crime de Colarinho Branco, ele também entende que a não é possível associá-la a criminalidade como um todo. Isso porque, ao analisar uma pesquisa feita em 1923 pelo Censo dos Estados Unidos, ele concluiu que em um mesmo grupo de pessoas que viviam em extrema pobreza, a maioria dos delinquentes eram homens e de uma região específica, não sendo a criminalidade uniforme entre todos que viviam na mesma situação. A partir disso Sutherland entendeu que o fator causal da criminalidade não é a pobreza, no sentido de necessidade econômica, e sim as relações sociais e interpessoais, que podem estar relacionadas com a pobreza, a riqueza ou até mesmo com ambas.

O autor também demonstra que durante toda história houve a prática do delito do Colarinho Branco e com muita frequência. Os "Barões Ladrões", exemplo dado por Sutherland em sua obra, da última metade do século XIX, mostra que os administradores de ferrovias explicitamente declaravam que não as administravam conforme as leis e agiam com má-fé, o que refletia diretamente na vida dos ferroviários. Além disso, James M. Beck, advogado americano da Pensilvânia, declarou publicamente no período de 1905-1917 que dificilmente se encontraria um homem honesto em "Wall Street".

Sutherland descreveu os criminosos do Colarinho Branco que atuavam na época dos seus estudos, de 1935 a 1949, como mais polidos e menos francos do que os “Barões Ladrões” que atuaram no século XIX, mas não menos delinquentes. Os delitos foram identificados por meio de investigações de repartições fiscais, ferrovias, seguros, bancos, serviços públicos, indústria petrolífera, indústria imobiliária e na política. Alguns, à época, declararam que se fossem fechar cada Indústria que tivesse irregularidade, todas estariam fechadas.

Em suas pesquisas, Sutherland concentrou-se, sobretudo, nos crimes de grandes empresas, afirmando que os crimes eram racionalmente elaborados, pois havia premeditação por parte dos criminosos e que, apesar de existirem de forma consistente, a sociedade não dava a importância necessária.

Para obter informação mais precisa em relação aos delitos praticados pelos integrantes da alta sociedade, Sutherland tentou reunir as decisões dos Tribunais e das Comissões administrativas das 70 maiores empresas produtoras, de mineração e comerciais. Assim, ele analisou a trajetória dessas 70 corporações e os seguintes tipos penais: concorrência desleal, publicidade enganosa, violação das normas das patentes, marcas comerciais e direitos do autor. Nesse estudo, ele concluiu que houve 980 decisões condenando essas 70 empresas por estes tipos.

Feito o estudo, Sutherland selecionou 3 das 70 corporações, em função dos pontos comuns que apresentavam seus registros. Foram elas: a “American Smelting and Refining Company”, que teve 14 decisões adversas; a “U.S. Rubber Company”, que teve 11 decisões adversas; e “Pittsburgh Coal Company”, que teve apenas uma decisão oficial contrária. Com isso, concluiu que o número de decisões contrárias a determinada empresa não é um bom índice para se analisar o cumprimento da lei, porque ao se levarem em conta outras evidências, ele percebeu que as três corporações quase não diferiam em suas violações a lei. Entretanto, a grande maioria dos estudos atuais sobre o crime do colarinho branco é baseada em decisões judiciais sobre o tema.

Portanto, em sua obra, Sutherland demonstrou que o crime econômico é um dos crimes mais difíceis de se provar, além de um dos mais complexos. Sua análise trouxe um grande avanço a criminologia, pois contribuiu para eliminar a ideia de que o criminoso era somente aquele que possuía determinadas características físicas, psíquicas ou sociais. O sociólogo defendeu que a delinquência não se verifica com a anormalidade ou a pobreza, pois existem muitos criminosos que fazem parte das elites e são extremamente bem integrados na sociedade, com níveis de educação extremamente elevados, membros da comunidade religiosa, com famílias bem constituídas e, na maioria dos casos, casados.

1.2. O “White Collar Crime” segundo David O. Friedrichs

Após os estudos realizados por Sutherland, muitos outros pesquisadores continuaram a escrever sobre o tema, dentre eles, o autor contemporâneo David O. Friedrichs, professor de Justiça Criminal na Universidade de Scranton. Ele redigiu o livro Trusted Criminals, entre os anos de 2008 e 2009, durante a maior crise econômica americana desde a grande depressão, crise que ocorreu em grande parte devido à ação de criminosos do colarinho branco[3].

Uma das principais razões pela qual Friedrichs se interessou pelos estudos do “White Collar Crime” foi a negligência de grande parte dos pesquisadores da área criminal em relação aos crimes praticados por este grupo, já que nem sempre as consequências desses crimes eram visíveis para a população. Com a obra dele, foi possível perceber que esses criminosos são os principais responsáveis pelas crises econômicas que vêm ocorrendo neste século.

Além de ilustrar algumas situações em que os atos do criminoso do colarinho branco refletem diretamente na vida da população sem que elas notem, ele descreve algumas teorias –  mais sociológicas do que jurídicas – que buscam explicar porque uma pessoa que tem bom status social, poder aquisitivo, com família e vida estável, pratica esse tipo de delito[4].

Primeiramente, ele estuda a natureza jurídica do crime do colarinho branco e o que diferencia o criminoso do colarinho branco de outras pessoas não criminosas com o mesmo status social, concluindo, resumidamente, que as pessoas se relacionam de forma diferente com a oportunidade de delinquir. Em outras palavras, durante o curso de uma atividade em que participa, o criminoso do colarinho branco analisa uma oportunidade de praticar um crime por meio de questões como a dimensão do ganho, a dimensão do risco, a compatibilidade com seus ideais e valores, e a comparação com outras oportunidades legítimas e ilegítimas.

Além disso, Friedrichs explica que, para que as oportunidades sejam exploradas, o criminoso precisa ter técnica. Cada crime praticado requer uma técnica diferente, podendo implicar apenas a utilização de um computador, escrever em um papel ou apenas telefonar, ou seja, não implica força física como na maioria dos crimes comuns.

A maioria desses criminosos não se incomodam com a prática de seus crimes, pois estão no seu próprio ambiente de trabalho, que é considerado normal, e estão separados das vítimas. Friedrichs concluiu que as técnicas mais importantes são a mentira ou fraude; o abuso de confiança; e a dissimulação ou conspiração.

Por fim, o autor afirma que a motivação unida à oportunidade e a técnica faz com que uma pessoa de bom status social pratique crimes econômicos. Na sociedade contemporânea, a ideia de sucesso está diretamente ligada ao sucesso material, o que motiva esses criminosos a praticarem crimes para obter vantagem e lucro diante das oportunidades que surgem diante deles.

Friedrichs também faz uma comparação sobre a visão da sociedade sobre o crime do colarinho branco antigamente e na sociedade atual, porque nos últimos 50 anos tem-se assistido escândalos sucessivos ao redor do mundo de pessoas que praticaram crimes de colarinho branco.

Aos poucos está ocorrendo uma degradação de confiança no sistema democrático, já que em diversos países restou comprovada a prática de crimes econômicos por importantes membros políticos, gerando, inclusive, crises econômicas em muitos países. Este contexto faz com que a mídia e sociedade como um todo deem mais atenção a esse tipo de crime e que os estudiosos da criminologia e do direito penal direcionem seus estudos para esse fenômeno.

Outro problema atual que Friedrichs expõe em sua obra é a dificuldade de mensurar o dano causado por estes criminosos. Por se tratarem de crimes complexos e que muitas vezes atingem uma série de pessoas que não percebem que são vítimas desses atos criminosos, estas pessoas raramente procuram a justiça.

Isso ocorre porque há falta de ligação entre o ato de infração e o dano causado à vítima, o que faz com que a sociedade não identifique o crime e não informe às autoridades competentes a sua investigação. Em alguns casos, a população até apoia o criminoso ou tolera porque acabam não sentindo os danos. Entretanto, a prática desses crimes pode gerar consequências gravíssimas e, dependendo do crime praticado, a consequência pode até desencadear conflitos armados ou desestabilizar toda uma nação.

Hoje em dia, o meio corporativo busca estabelecer códigos de ética empresarial dentro de suas empresas, na tentativa de modificar os valores da empresa e criar uma nova cultura, como forma de incentivar seus funcionários a não praticarem crimes do colarinho branco. Apesar de ser difícil identificar a diferença entre um ato ético e não ético, existem alguns termos globais que são considerados éticos para todos e podem ser aplicados em qualquer lugar do mundo.

Além disso, Friedrichs expõe em sua obra as diversas modalidades de crimes praticados por criminosos do colarinho branco, destacando, inclusive, alguns atos que as pessoas praticam em seu dia-a-dia que podem ser considerados delitos penais ou apenas atos antiéticos, mas são vistos pela sociedade como algo lícito e comum. Alguns exemplos são: os estudantes do meio acadêmico que pegam obras na biblioteca e tiram fotocópia integral do livro, sem pagar o valor do livro que seria direcionado ao autor e à editora; ou funcionários de uma empresa que se utilizam dos materiais do almoxarifado para uso pessoal e não para o exercício da profissão. Ou seja, são atos praticados pela grande maioria das pessoas, mas que não são corretos e acabam trazendo prejuízo para outras pessoas.

Por isso, a primeira mudança que deve ocorrer para a diminuição da pratica de delitos por criminosos de colarinho branco é na própria sociedade. É preciso mudar a cultura, para que não se busque vantagem econômica nas diversas oportunidades que surgem no cotidiano. Além disso, as pessoas devem buscar informação e notícias sobre o que acontece ao redor do mundo e em seus países, para que possam fiscalizar seus governantes e denunciar aqueles que praticam crimes em seu meio social.

Após este breve relato sobre estudos importantes relacionados aos Criminosos de Colarinho Branco durante a história, pode-se concluir que, apesar desses criminosos estarem presentes na sociedade e na história há muito tempo, os estudos e atenção das pessoas só se voltaram a eles nos últimos 50 anos, buscando-se uma maneira de aplicar o direito penal de maneira mais eficaz a esses criminosos.

2. O Crime do Colarinho Branco no Brasil

No Brasil, o tema Crime de Colarinho Branco vem chamando atenção assim como no resto do mundo. Nos últimos anos algumas pessoas importantes do âmbito político foram denunciadas por esquema de corrupção, além de alguns outros escândalos envolvendo grandes corporações. A maioria da população tem acompanhado e manifestado revolta com relação a esses acontecimentos.

O primeiro escândalo que veio à tona no noticiário brasileiro foi em 2007, quanto a um esquema envolvendo políticos brasileiros denominado “Mensalão”. Tratou-se de um esquema ilegal de financiamento político organizado, principalmente, pelo Partido dos Trabalhadores (“PT”), para corromper parlamentares e garantir apoio ao governo de Luiz lnácio Lula da Silva (“Lula”), então Presidente da República, junto ao Congresso Nacional, o qual motivou, inclusive, manifestações da população brasileira.

O Supremo Tribunal Federal foi o órgão competente para julgar os delitos praticados por esses criminosos, por se tratarem de delitos praticados por políticos com foro privilegiado. Em 2012, ao julgarem a “Ação Penal 470 Minas Gerais”, os Ministros condenaram 25 dos 37 réus envolvidos no escândalo do mensalão, ação que ainda prossegue, pois pendentes julgamentos de recursos interpostos pelos réus.

Nesse contexto, em 2013, foi sancionada a Lei n. 12.846/2013, também conhecida como Lei   Anticorrupção, que representou importante avanço na legislação brasileira, por prever a responsabilização objetiva, no âmbito civil e administrativo, de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira.

Contudo, passados alguns anos após o julgamento do esquema do “Mensalão” e menos de um ano desde a sanção da Lei Anticorrupção, mais precisamente em março de 2014, iniciou-se uma nova investigação pela Polícia Federal denominada “operação Lava Jato”. A “operação Lava Jato” é a unificação de quatro investigações que tinham o objetivo de apurar a prática de crimes financeiros e desvio de recursos públicos.

Essa investigação apreendeu materiais e constatou diversos indícios de que existia uma prática de agentes públicos que promoviam e facilitavam a contratação fraudulenta de bens e serviços por meio do pagamento de propina.

Contudo, a investigação constatou indícios de envolvimento de grande parte do alto escalão do governo e parlamento, assim como de alguns dos principais empresários brasileiros, relacionados a diversas empresas empreiteiras e outras grandes empresas correlacionadas. Os processos judiciais decorrentes da “operação Lava Jato” estão em andamento, sendo que alguns processos são de competência da Justiça Federal do Paraná e o outro processo, que é relacionado aos políticos com foro privilegiado, está em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, paralelamente ao início da investigação denominada “operação Lava Jato”, já se iniciava uma crise econômica no país, que se agravou muito com as prisões preventivas dos empresários brasileiros envolvidos na investigação e as acusações contra diversos políticos do alto escalão. Além disso, a maioria das empresas envolvidas passaram por uma imensa crise financeira e institucional, dentre elas – e, provavelmente, a principal – foi a empresa Odebrecht.

Portanto, já é constatado que os criminosos do colarinho branco não estão presentes apenas no âmbito político do país. É possível encontrá-los em todos os setores, inclusive no âmbito corporativo e no mercado financeiro, o que traz um imenso prejuízo para toda a sociedade, que não pode ser aferido, razão pela qual todos àqueles que sofreram os danos em decorrência desses atos criminosos, não possuem meios de serem ressarcidos por seu prejuízo.

Por isso, é necessário que os estudiosos do direito e de outras áreas se debrucem sobre o tema, para o fim de encontrar mecanismos aptos a, ao menos, diminuir a prática desses crimes e que a punição seja mais efetiva do que a pena atualmente aplicada, que é a restrição de liberdade.

2.1. Dados obtidos pela empresa Price Water House Coopers sobre a ocorrência de Crimes do Colarinho Branco no Brasil e ao redor do Mundo.

Com o intuito de contribuir com as pesquisas sobre os crimes econômicos globais, a empresa Price Water House Coopers (“PwC”) realiza pesquisas periódicas sobre a ocorrência de crimes econômicos no Brasil e no mundo, com o objetivo de demonstrar que os crimes econômicos que ainda afetam de forma significativa as organizações de todo o mundo, mesmo com os investimentos em ações de órgãos regulatórios e dos controles antifraudes implementados por essas organizações. Para ilustrar o exposto acima, apresentar-se-á os dados obtidos nestas pesquisas nos anos de 2014 e 2016.

Em 2014, como metodologia de pesquisa, a PwC entrevistou 5.128 executivos de mais de 95 países, 132 deles no Brasil, sendo 45% dos brasileiros entrevistados com cargos na alta administração das empresas. Através dessas entrevistas, a PwC obteve algumas das seguintes conclusões, que abrangem o período de 24 meses anteriores a pesquisa (2012 e 2013):

I. Se comparado com a pesquisa realizada em 2011, o percentual de empresas brasileiras que relataram ter sofrido algum tipo de crime econômico caiu de 33%, em 2011, para 27%, em 2014, enquanto no mundo, ao contrário, o índice aumento de 34% em 2011, para 37% em 2014;

II. Houve um aumento significativo da prática dos crimes de corrupção passiva e ativa entre 2009 e 2014. Nesses 5 anos, estes crimes passaram a ser o terceiro tipo mais comum de fraude financeira no Brasil, saltando de 7% em 2009, 18% em 2011, e para 28% em 2014;

III. 74% dos entrevistados brasileiros afirmaram que a oportunidade é o fator principal para se cometer um crime econômico; nesse mesmo sentido, responderam 72% dos emergentes; 77% da América Latina; e 73% a nível global, conforme se verifica na Figura 1 abaixo.

17137a

IV. Para 64% dos entrevistados brasileiros e 56% dos entrevistados totais, o responsável pelos crimes econômicos é interno à empresa;

V. As razões para as empresas não avaliarem o risco de fraude, segundo os entrevistados, são: a falta de conhecimento exato sobre a avaliação do risco de fraude; aparente falta de necessidade; custo; e outros; alguns afirmaram não saber as razões, conforme demonstra a Figura 2, abaixo;

17137b

VI. Os principais tipos de crimes econômicos praticados em 2014, à nível global, de acordo com os entrevistados, foram: roubo de ativos; fraude em compras; suborno e corrupção; crimes digitais; fraude contábil; fraude de recursos humanos; lavagem de dinheiro; violação de propriedade intelectual; fraude na hipoteca; fraude fiscal; insider trading; concorrência desleal/lei antitruste; espionagem; e outros; conforme apresentados na Figura 3;

17137c 

VII. Especificamente no Brasil, os tipos de fraude indicados pelos entrevistados foram os mesmos indicados pelos entrevistados à nível global, com exceção de fraude na hipoteca, conforme Figura 4.

17137d

VIII. Apesar de ter havido queda nas ocorrências de crimes econômicos no Brasil, a pesquisa constatou que o custo das fraudes aumentou desde 2011, para valores entre U$101 mil a 5 mi, conforme se verifica na Figura 5.

17137e

IX. Além disso, eles constaram que o prejuízo econômico não é a única preocupação que as empresas devem ter com relação às fraudes, pois existem outros danos que esse tipo de prática pode acarretar às empresas. Na Figura 6 são apresentados os principais impactos dos crimes econômicos nas organizações.

17137f

X. Quanto ao perfil do fraudador, a PwC concluiu que se tratam de homens de meia-idade, com ensino médio ou superior, com três a dez anos de trabalho na empresa. Na Figura 7 é possível visualizar o perfil do fraudador pelos critérios de tempo de serviço e grau de escolaridade;

17137g 

Ao se analisar os resultados da pesquisa realizada pela PwC, constata-se que os resultados são semelhantes às conclusões e ponderações de Sutherland e Friedrichs. Estes afirmam que o Criminoso do Colarinho Branco era uma pessoa com status social, com formação e vida estável, o que também foi constatado pela PwC, conforme se verifica no subitem X, acima.

Ademais, a PwC concluiu que o principal fator que leva os Criminosos do Colarinho Branco a praticarem crimes é a oportunidade, conforme subitem III, acima. Nesse mesmo sentido, Friedrichs afirma que o Criminoso do Colarinho Branco pratica o crime quando vê oportunidade, analisando questões como a dimensão do ganho, a dimensão do risco, a compatibilidade com seus ideais e valores.

Além de tratar sobre as oportunidades, Friedrichs também afirma que muitos desses criminosos não se incomodam com a prática de seus crimes por estarem dentro do seu próprio ambiente de trabalho e no mesmo sentido foram os resultados da empresa PwC, que constataram que a maioria dos Criminosos do Colarinho Branco são internos (vide subitem IV, acima).

Por fim, Friedrichs também relaciona a prática desses crimes com crises econômicas, por conta da degradação no sistema democrático. Apesar da pesquisa da PwC não tratar diretamente sobre esse tema, a partir dos dados obtidos em sua pesquisa é possível perceber que os prejuízos econômicos e colaterais dos crimes praticados por criminosos do Colarinho Branco são imensos e não se pode mensurar o nível do dano que eles causam às empresas em que são praticados e à população, como um todo.

Além da pesquisa acima exposta, em 2016, a PwC realizou nova pesquisa, com o mesmo objetivo da exposta acima, em que foi constatada a redução da prática de crimes econômicos do Brasil.

Em função dessa redução, o Brasil passou a integrar o grupo de países com índices mais baixos de crimes econômicos do mundo. Apenas 12% dos entrevistados relataram terem sido vítimas de algum tipo de crime econômico nos 24 meses anteriores à pesquisa (2014 e 2015).

Os pesquisadores atribuem essa redução às investigações ocorridas no país (“operação Lava Jato”), além da pressão crescente dos reguladores e da entrada em vigor da Lei Anticorrupção citada no item 2, acima. Na Figura 8, é possível visualizar a queda vertiginosa da prática desses tipos criminais no Brasil:

17137h

Esta redução é apenas uma das demonstrações de que o aprofundamento da pesquisa sobre o tema, com as consequentes alterações legislativas para a criação de punições específicas e efetivas para esses tipos penais, assim como a prevenção deste tipo de crimes dentro das empresas, são necessários para que esses crimes diminuam ao redor de todo mundo.

Conclusão

Foi demonstrado neste trabalho, em síntese, qual o perfil dos criminosos do Colarinho Branco, os quais são, no geral, adultos com anos de experiência no ambiente em que eles praticam os crimes, com bom status social, poder aquisitivo, além de fazerem parte da classe média ou alta, o que os ajuda na pratica de delitos econômicos.

Além disso, foram analisados e comparados os dados obtidos pela empresa Price Water House Coopers sobre a prática dos crimes econômicos na sociedade e comparados com as constatações dos autores Edwin H. Sutherland e David O. Fredrichs.

A partir da análise do entendimento dos autores mencionados e dos dados da pesquisa feita pela PwC, conclui-se que, apesar dos grandes avanços e da redução da criminalidade econômica no Brasil, é necessário o aprofundamento da pesquisa sobre esse tema, para que seja possível a aplicação de penas adequadas a esses tipos de criminosos, que possuem um perfil específico e costumam praticar crimes no ambiente em que eles já estão familiarizados.

Paralelamente, o ambiente privado deve continuar investindo em meios para a prevenção desses crimes, pois as empresas podem sofrer danos muito maiores além da perda financeira pelas práticas desses crimes.

Por fim, também é necessário o estudo de novos mecanismos aptos a mensurar, de modo mais exato, quais os danos efetivamente causados por estes criminosos fora do âmbito corporativo. Isso porque, em regra, é muito difícil a constatação da ocorrência desse tipo crime pelas vítimas, que podem alcançar a população de um país inteiro e não podem ser tuteladas juridicamente, por não ser possível a mensuração do dano efetivamente causado.

 

Referências
Livros
FRIEDRICHS, David O, Trusted Criminals: White Collar Crime in Contemporary Society, 4th Edition, 2010.
SUTHERLAND, Edwin H., White Collar Crime, The Uncut Version, Yale University, New Heaven and London, – tradução em espanhol – "El delito de cuello blanco", Editorial bdef, Montevideo – Buenos Aires, 2009.
SILVA SANCHEZ, Jesús-María, A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais – tradução Luiz Otávio de Oliveira Rocha – 3ª ed. rev. atual., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
COSTA, José Faria, Direito Penal e a Globalização, 1ª Ed., Coimbra Editora, abril de 2010.
Endereços eletrônicos
Pesquisas sobre Crimes Econômicos, Brasil, 2014
Pesquisas sobre Crimes Econômicos, Brasil, 2016:
http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato (Acesso em 19 de abril de 2017)
http://lavajato.mpf.mp.br/ (Acesso em 19 de abril de 2017)
 
Notas
[1] SUTHERLAND, Edwin H., "El delito de cuello blanco",2009, pág. XVIII.

[2] SUTHERLAND, Edwin H, "El delito de cuello blanco",2009, pág. XIX.

[3] FRIEDRICHS, David O., Trusted Criminals: White Collar Crime in Contemporary Society, 4th Edition, 2010, págs. IV e XXI.

[4] FRIEDRICHS, David O, Trusted Criminals: White Collar Crime in Contemporary Society, 4th Edition, 2010, capítulo 1.


Informações Sobre o Autor

Marina de Campos Pinheiro da Silveira

Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


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