O segurado especial e o descumprimento do princípio da contributividade: o caráter assistencial

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Resumo: Para ser concedido algum benefício para o segurado especial é necessária a comprovação de que tem a atividade rural como meio de subsistência. Diferente dos segurados urbanos, que desde os primeiros dias laborais, iniciam a contribuição para a Previdência Social, os segurados especiais não necessitam de contribuição com o objetivo de obter, por exemplo, uma aposentadoria. Diferença essa que traz o descumprimento do Princípio da Contributividade por parte do segurado especial, já que não ocorre o caráter contributivo elencado no art. 201 da Constituição Federal. Por isso se faz necessária à ajuda dos trabalhadores urbanos, baseando-se no Princípio da Solidariedade. Como essa prestação se distingue das demais prestações pecuniárias advindas pelos demais segurados, caracteriza em termos práticos, que a concessão de benefícios aos segurados especiais reflete uma prestação de natureza assistencial.[1] ¹

Palavras-chave: Segurado Especial. Natureza Previdenciária. Princípios. Caráter Assistencial. Benefícios.

Abstract: In order to be granted some benefit to the special insured it is necessary to prove that rural activity is a means of subsistence. Unlike the urban insurers who, since the first working days, started to contribute to Social Security, special insurers do not need to contribute in order to obtain, for example, a pension. This difference causes the non-compliance of the Principle of Contribution by the special insured, since the contributory character listed in art. 201 of the Federal Constitution. That is why it is necessary to help urban workers, based on the Principle of Solidarity. Since this benefit differs from the other cash benefits provided by other insured persons, it is a practical feature that the granting of benefits to special policyholders reflects a provision of assistance.

Keywords: Special Insured. Nature of Social Security. Principles. Assisting character. Benefits.

INTRODUÇÃO

O sistema previdenciário brasileiro, sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988, regulado, sobretudo, pelas leis 8.212 e 8.213, ambas do ano de 1991, encontra-se sob forte questionamento no que tange à sua sustentabilidade financeira, considerando a alteração de aspectos sociais, econômicos e culturais, relacionados à expectativa de vida, nível empregatício e a redefinição conceitual da idade de trabalho.

Inserido neste sistema, encontra-se a política de inclusão e proteção da população rural, decorrente do processo de urbanização da população brasileira, e o consequente isolamento da parcela daqueles que optaram por continuar exercendo o seu labor e convivência social no campo.

No inciso II, do parágrafo único do art. 194 da Carta Magna, foi instituído o princípio prevendo a igualdade na concessão dos benefícios previdenciários concedidos para às populações urbanas e rurais. Também na Carta Magna, tem-se o princípio da isonomia previsto no art. 5º, caput, através do qual garantiu-se a proteção previdenciária do trabalhador rural.

Outro princípio que se mostra relevante, quanto ao sistema de proteção da previdência social aplicado ao trabalhador rural, refere-se à contributividade, representado no artigo 201 da CRFB/88, que reforça o caráter oneroso da previdência, condicionando a aquisição e mantença da condição de segurado ao pagamento contínuo da contribuição previdenciária.

Pois bem, diante da realidade sócio-cultural da população rural brasileira no momento imediatamente antecedente à promulgação do texto constitucional de 1988, e da total informalidade que se encontrava inserida, em nome do impositivo tratamento isonômico e do risco de exclusão de grande parcela da população do país, o legislador optou por admitir a inserção dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário brasileiro, independente da prévia contribuição, substituindo esta condição à comprovação do tempo de trabalho rural, o classificando como segurado especial.

Ocorre que a sistemática estabelecida no momento da inserção deste tipo de trabalhador junto ao sistema previdenciário ainda prevalece até os dias de hoje, admitindo a concessão e benefícios previdenciários àqueles que nunca contribuíram para o sistema, ou o fizeram de forma insuficiente. Por esta razão, não pode-se afirmar que exista uma forma de custeio específico que supra totalmente os benefícios percebidos pelos rurícolas. Em nome de outro princípio constitucional aplicado ao sistema previdenciário brasileiro, o da Solidariedade, pode-se concluir que grande parte dos recursos despendidos para o custeio dos benefícios pagos aos segurados especiais advém dos pagamentos efetivados pelos trabalhadores urbanos.

Por tudo isso, torna-se necessário confrontar a natureza jurídica dos benefícios previdenciários, sobretudo as aposentadorias, destinadas aos segurados especiais que não contribuíram suficientemente para o Regime Geral de Previdência Social. Através deste trabalho, a inclusão desta modalidade segurado será analisada sob o prisma dos princípios já mencionados.

A partir da fundamentação teórica que será apresentada, sustentada nos dados estatísticos igualmente retratados, a ideia de que os benefícios direcionados aos segurados especiais sem a prévia contribuição possuem natureza jurídica assistencial será advogada como sendo aquela que melhor se enquadra quanto aos aspectos legislativo e orçamentário.

Por esta razão, torna-se relevante abordar a Proposta de Emenda Constitucional nº 287 (PEC 287), enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional no início de dezembro de 2016, como hipótese de racionalização dos gastos previdenciários, adequando o sistema à realidade orçamentária, levando-se em consideração o que de fato se dispende de recursos públicos no tocante ao pagamento dos benefícios que, de fato, possuem natureza previdenciária e não assistencial.

1 NOÇÕES GERAIS SOBRE SEGURIDADE SOCIAL

A Seguridade Social foi estabelecida na Constituição Federal de 1988, tendo como objetivo a ser alcançado pelo Estado brasileiro, atuando nas áreas da saúde, assistência social e previdência social.

“A seguridade social pode ser conceituada como a rede protética formada pelo estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações positivas no sustento à manutenção de um padrão mínimo de vida digna”. (IBRAHIM, 2011, p.05)

Um dos direitos assegurados pela Seguridade Social é a Assistência, que ganhará um tópico específico, Martinez apresenta um breve conceito sobre a Assistência Social, dizendo que a mesma pode ser conceituada como o conjunto de atividades particulares e estatais com o objetivo de alcançar os mais carentes, consistindo os bens oferecidos em prestações mínimas em dinheiro, serviços de saúde, fornecimento de alimentos e outras que possibilitem o mínimo de subsistência aos considerados hipossuficientes. (MARTINEZ, 2013, p. 182).

Já em relação a saúde, Wladimir Novaes Martinez (2013, p. 188), afirma que consideram-se ações de saúde, no sentido de instituição securitária, um conjunto de normas e medidas governamentais, ações públicas e privadas, direcionadas para a prevenção de doenças. A Saúde é lembrada no artigo 196 da Constituição Federal do Brasil, onde diz que é direito de todos e dever do Estado, ou seja, independentemente de contribuição qualquer pessoa tem direito de obter atendimento na rede pública de saúde. Na visão de IBRAHIM:

“A saúde é segmento autônomo da seguridade social, com organização distinta. Tem o escopo mais amplo de todos os ramos protetivos, já que não possui restrição à sua clientela protegida – qualquer pessoa tem direito ao atendimento providenciado pelo Estado – e, ainda, não necessita de comprovação de contribuição do beneficiário direto” (IBRAHIM, 2011, p.7).

Vislumbra-se como terceiro direito assegurado pela Seguridade Social, tem-se a Previdência Social, tradicionalmente definida como seguro sui generis, pois é de filiação obrigatória para os regimes básicos (RGPS e RPPS), além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais, sendo assim, de suma importância.

Além disso, IBRAHIM afirma que a previdência social é a técnica protetiva mais evoluída no Brasil, veja:

“Todavia, a previdência social é técnica protetiva mais evoluída que os antigos seguros sociais, devido à maior abrangência de proteção e à flexibilização da correspectividade individual entre contribuição e benefício. A solidariedade é mais forte nos sistemas atuais. A seguridade social, como última etapa ainda a ser plenamente alcançada, abrangendo a previdência social, busca a proteção máxima, a ser implementada de acordo com as possibilidades orçamentárias”. (IBRAHIM, 2011, p.27).

Assim, a previdência também poderá ser conceituada como um seguro público compulsório, coletivo, mediante contribuição e que visa cobrir os riscos sociais imprevisíveis, e os previsíveis, como a idade avançada, tempo de contribuição, encargos da família, morte.

Alude o artigo 201 da Constituição Federal de 1988, que a Previdência Social será organizada sob forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei: a cobertura de eventos com doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda.

Existe a obrigatoriedade de filiação e o caráter contributivo do regime da Previdência Social, excluindo desta maneira, os segurados especiais que de maneira geral, não se encaixam neste seguimento, pois, em sua grande maioria, não são filiados e não contribuem com esse regime, estando encaixados simplesmente na assistência social, ou em um regime de economia familiar, o qual será abordado nos próximos tópicos.

2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL

A Assistência Social vem elencada no art. 203 da Constituição Federal, onde afirma que será prestada a quem dela necessitar, ou seja, para aquelas pessoas que não possuem condições de manutenção própria. Igualmente a saúde, a Assistência Social independe de contribuição direta do beneficiário, onde o requisito para o auxílio assistencial é a necessidade do assistido.

 Assistência Social se opõe à Previdência porque nela não há participação do beneficiário no custeio, assim, não ocorrendo o Princípio da Contributividade. Na Assistência Social o beneficiário recebe o serviço sem nenhuma contribuição de sua parte para a acumulação dos recursos, com parte dos quais é favorecido. Abordando mais entre a distinção da proteção previdenciária e a proteção assistencial pelo aspecto da contributividade:

“O seguro social é um seguro obrigatório. O indivíduo sujeito ao risco, ou alguém por ele, é forçado a contribuir para um fundo no seio do qual se opera uma comunhão de riscos. A entidade que gere esse fundo e que terá obrigação de efectivar a prestação quando se verifique o evento típico encontra-se, mesmo antes disso, em relação jurídica com o segurado perante o qual, aliás, ou perante terceiro por causa dele, também tem direitos. No caso da prestação não contributiva, a relação jurídica só surge quando da verificação do evento e trata-se de uma relação jurídica simples, que se analisa num só direito subjectivo e no correspondente dever, respectivamente atribuídos ao assistido e à instituição assistencial. O beneficiário é investido a título gratuito num direito, pois que a este não corresponde qualquer obrigação de uma contraprestação patrimonial. Não há aqui qualquer mecanismo de seguro. Se quiséssemos procurar algum paralelismo entre esta relação de direito público e uma relação de direito privado, esta última seria a obrigação de alimentar e não a que resulta de um contrato de seguro”. (CORREIA, 1968, p. 13-14).

Para Sérgio Pinto Martins (2005, p. 498) a Assistência Social:

“É um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por meio de atividades particulares e estatais, visando à concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição por parte do próprio interessado”.

No caso da Assistência Social, a pessoa que é dotada de recursos para a sua manutenção, logicamente, não será destinatário das ações estatais da área assistencial, onde não é possível o fornecimento de benefício assistencial pecuniário a esta pessoa.

O Benefício de Prestação Continuada é um dos benefícios da Assistência Social, ele é abordado na Lei 8.742/93 – LOAS. Segundo o artigo 20 da Lei n° 8.742/93, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Atualmente, nos termos da Lei no 12.435/11, se entende que compõe a família, além do requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Entende-se que pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. A lei define como impedimentos de longo prazo aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de dois anos. O conceito de deficiência da lei não confunde-se com o de deficiência física. É evidentemente mais amplo; assim, o benefício não é devido somente aos portadores de deficiência física. Nesse sentido, o seguinte julgado:

“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, § 2o DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.

I – A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados frequentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família – tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.

II – O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo – o que não parece ser o intuito do legislador.

III – Recurso desprovido”. (STJ – REsp: 360202 AL 2001/0120088-6, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 04/06/2002, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.07.2002 p. 377 RADCOASP vol. 41 p. 27 RSTJ vol. 168 p. 508).

Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 do salário-mínimo.

A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do INSS. Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.

A renda familiar mensal deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.

A legislação não especifica como se dá a divisão de valores entre a Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Porém, de um modo geral, na seguridade social, não só o próprio titular do direito contribui – nas situações em que isso é possível –, mas toda a sociedade, imprimindo-lhe caráter induvidosamente solidário.

A captação de recursos para a Assistência Social é feito através de repasse de parcelas dos orçamentos dos entes federativos, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, recolhidas do acordo com o artigo 195 da Constituição Federal de 1988, e que passam a integrar o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), antigo FUNAC.

O FNAS recebe recursos de várias fontes, sendo: as dotações orçamentárias da União; as doações, contribuições em dinheiro, valores, bens móveis e imóveis recebidos de entidades nacionais ou estrangeiras, bem como de pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras; a contribuição social dos empregadores (COFINS), incidente sobre o faturamento e o lucro (CSLL); os recursos provenientes de concursos de prognósticos, sorteios e loterias, no âmbito do Governo Federal; as receitas de aplicações financeiras de recursos do FNAS realizadas na forma da lei; as receitas provenientes da alienação de bens móveis da União, no âmbito da assistência social; e as transferências de outros fundos.

Gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Fundo Nacional de Assistência Social, foi criado pela Lei 8.742/93, e em seu artigo 27, tem como objetivo fornecer recursos e meios ao financiamento das prestações assistenciais, bem como apadrinhar programas e projetos ligados à Assistência Social, tais como o bolsa-família, o bolsa-escola, o fome-zero, o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), entre outros programas do Estado em parceria com os entes federativos.

3 OS PRINCÍPIOS DA CONTRIBUTIVIDADE E DA SOLIDARIEDADE

Os princípios são à base de toda a legislação infraconstitucional e da própria interpretação constitucional, não obstante seria também os princípios da Seguridade Social a base da legislação que trata sobre a Assistência Social, a Previdência Social e a Saúde.

Alguns sistemas de proteção social têm no sentimento de solidariedade seu principal fundamento. Um exemplo são os benefícios voltados aos segurados especiais, que embora marcados pela contributividade da Previdência Social, ostentam fortes traços de solidariedade.

  De acordo com o art. 201 da Constituição Federal de 1988, a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (BRASIL, 1988)

Sabe-se que a contributividade é da essência da previdência social, e tal restou expressamente declarado nos arts. 40 e 201 da Constituição Federal. Afirmar que a previdência social é um sistema contributivo significa reconhecer a obrigatoriedade de recolhimento da contribuição por parte do segurado.

Cabe à legislação ordinária dos regimes previdenciários (no caso do Regime Geral da Previdência Social, a Lei n. 8.212/91; no caso dos regimes próprios de agentes públicos, a lei de cada ente da Federação) definir como será a participação dos segurados, fixando hipóteses de incidência, bem como, alíquotas de contribuição e bases de cálculo, obedecendo, em todo caso, às regras gerais estabelecidas no sistema tributário nacional – previstas, atualmente, na Constituição e no Código Tributário Nacional.

Não existe regime previdenciário na ordem jurídica brasileira que admita o recebimento de benefícios sem a contribuição específica para o regime, “salvo quando a responsabilidade pelo recolhimento de tal contribuição tenha sido transmitida, por força da legislação, a outrem que não o próprio segurado”. (PARREIRA, 2010).

Para Wladimir Novaes Martinez (2012), solidariedade tem uma grande importância, vejamos:

“Solidariedade quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em certos casos, da totalidade em direção à individualidade. Dinâmica a sociedade, subsiste constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado momento, todos contribuem e, noutro, muitos se beneficiam da participação da coletividade. Nessa ideia simples, cada um também se apropria de seu aporte. Financeiramente, o valor não utilizado por uns é canalizado para os outros”. (MARTINEZ, Wladimir, 2012, p. 117).

A Solidariedade espalhou-se sobre todo o ordenamento jurídico protetor, justificando inúmeras regras jurídicas. Como exemplo temos o custeio dos benefícios dos trabalhadores rurais, que, na sua quase totalidade, depende da dos trabalhadores urbanos. Ou na assistência social, já que o fornecimento de serviços ou o pagamento de benefícios independem de contribuição prévia do assistido (art. 203, CF), mas arcados por toda a sociedade.

Tal princípio impõe uma obrigação social, qual seja todos contribuíram para a manutenção da seguridade social. Isso posto, toda a sociedade, é obrigada a contribuir independentemente de esta contribuição gerar ou não algum benefício.

A própria Constituição aborda a solidariedade quando diz constituir um dos objetivos de nossa República (art. 3°): “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I), “erradicar a pobreza e a marginalidade e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III) e “promover o bem de todos…” (inciso IV). O art. 194 ressalta para a solidariedade do sistema quando prescreve que “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Para Kerlly Huback Bragança (2012), a lógica do seguro social não é a mesma do seguro privado, porquanto a obrigação de contribuir não implica necessariamente a contrapartida pessoal por conta do sistema protetivo. Na solidariedade substitui-se o provérbio “Cada um por si e Deus por todos” por “Um por todos e todos por um”.

4 SEGURADO ESPECIAL E O SEU CARÁTER ASSISTENCIAL

O segurado especial tem sua definição no próprio texto Constitucional, o qual diz que tal segurado tem tratamento diferenciado:

“O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei” (art. 195, § 8£, da CRFB/88).

Assim, o segurado especial é o pequeno produtor rural e o pescador artesanal. A Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008 trouxe algumas mudanças para o segurado especial, a qual passou a admitir a contratação de mão de obra remunerada eventual pelo segurado especial, sem que este perca esta qualidade. A lei ainda vai mais longe, admitindo mesmo o exercício de outras atividades remuneradas, o que costuma ser fundamental para a sobrevivência destas famílias, especialmente em época de entressafra.

Percebe-se que muitas vezes por possuírem poucos meios de subsistência, a produção do trabalho é voltada tão somente para a subsistência familiar, fazendo com que os quais muitas vezes não possuam condições de efetuar suas contribuições mensalmente ao regime de previdência social, como ocorre com os segurados urbanos.

Ainda, cumpre pôr em relevo a previsão do artigo 9ª da Lei 11.718/08 que:

 “Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”.

Vislumbra-se que a “prova” é o que separa o trabalhador rural do estado de segurado especial do INSS, é a maneira que faz o rurícola ter direito aos benefícios da previdência social. Esta transposição só é possível caso o segurado consiga constatar através de prova documental e testemunhal que praticou a atividade agrícola em período, não necessariamente, imediatamente anterior ao pedido da concessão.

Nesse sentido, o INSS é o órgão responsável pela aprovação dos pedidos de benefícios do trabalhador rural. Em sua grande maioria, as cartas de indeferimento vêm negando o beneficio por não reconhecer quem o requisitou como trabalhador rural. Assim, o resultado é o ingresso na Justiça Federal, competente nas lides contra o INSS, pleiteando o benefício via judicial, ou seja, o Estado gasta duas vezes para deferir ou não um benefício, uma na esfera administrativa e outra na esfera judicial.

O benefício do segurado especial tem caráter assistencial, pois não tem filiação obrigatória e não tem caráter contributivo, que são características especificas dos filiados ao Regime Geral da Previdência Social. Já para o rurícola resta provar, que tem ou teve a condição de trabalhador rural para que seja enquadrado como segurado especial do artigo 201, § 7º, II da Constituição Federal de 1988, acrescido pela Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998.

Ao incluir o trabalhador rural no rol constitucional de segurado especial, o legislador fez uso do Princípio da Solidariedade, procurando dar dignidade a quem sofre com as dificuldades do “campo”. Assim, se configura o assistencialismo com a ausência de contribuição específica que cubra os gastos com os benefícios despendidos ao segurado especial, vindo este custo do montante arrecadado de outros setores, vindo a prejudicar tais setores.

5 GASTOS E CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA RURAL

Inicialmente compreende-se que não existe uma forma de custeio específico que supra totalmente os benefícios percebidos pelos rurícolas. O impasse com o custeio da Previdência Rural acontece por incapacidade de autofinanciamento, pois com os futuros beneficiários não existe a obrigatoriedade da contributividade, como foi relatado.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez uma pesquisa, onde relatou que em 2013 havia 13,5 milhões de brasileiros com mais de 15 anos de idade trabalhando no campo. Desses, 1,6 milhões tinham carteira assinada. Os outros não tinham carteira assinada ou trabalhavam por contra própria ou então eram empregadores.

Frisa-se que hoje a única contribuição específica ao benefício rural é a contribuição sobre a venda da produção primária, que se destina ao custeio dos benefícios previdenciários rurais, e é insignificante. O rurícola, classificado como segurado especial, é praticante da agricultura familiar e de subsistência, sendo, portanto, impraticável o excedente de produção, consequentemente a venda de produção primária. O que é produzido pelo rurícola supre somente a sua subsistência e de sua família, assim, dificilmente sobra uma renda para que ocorra uma suposta contribuição.

Entre os anos de 2009 e 2015, a arrecadação da previdência urbana foi maior do que as despesas com o pagamento das aposentadorias dos trabalhadores dessa categoria. Entretanto, o resultado do RGPS como um todo foi negativo porque, na previdência rural, a arrecadação sempre foi muito inferior às despesas.

De acordo com dados oficiais, em 2015 o valor arrecadado com a contribuição dos trabalhadores rurais representou 2% da receita total do INSS, enquanto os gastos com o pagamento das aposentadorias a essa categoria foram equivalentes a 22,5% do total.

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Portanto, o déficit do INSS, está ligado principalmente à aposentadoria rural. Em 2015, o sistema rural registrou déficit de R$ 91 bilhões, enquanto o urbano teve um superávit de R$ 5 bilhões. Assim, o Estado faz uso do Princípio da Solidariedade, onde usando capital das contribuições dos trabalhadores urbanos, paga os benefícios dos trabalhadores rurais já que ocorre uma incapacidade de autofinanciamento por parte dos rurícolas.

6 A PEC 287 E OS REFLEXOS PARA O SEGURADO ESPECIAL

Sabe-se que a Proposta de Emenda Constitucional nº 287 (PEC 287), enviada pelo governo ao Congresso Nacional no início de dezembro de 2016, altera diversas regras relacionadas aos benefícios da Previdência e da Assistência Social. As mudanças propostas para a Previdência incidem tanto sobre o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que protege os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos que não contam com regimes próprios, quanto sobre os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), voltados a atender as necessidades dos servidores públicos, federais, estaduais ou municipais.

Certamente um grande reflexo para o segurado especial na proposta da PEC é que terão que atingir a idade de 65 anos para se aposentar. Com isso, desaparece a aposentadoria com idade antecipada em cinco anos para os trabalhadores rurais e a distinção de sexo, também de cinco anos. Além disso, há o aumento de 15 para 25 anos no tempo de contribuição ou de atividade agrícola.

Acrescenta-se também que outra grande mudança para os segurados especiais, é a introdução da exigência de contribuição social, com uma alíquota favorecida a ser definida em lei, em substituição ao recolhimento que hoje incide sobre a comercialização da produção. Hoje, a contribuição de 2,1% sobre a produção comercializada e a comprovação da atividade agrícola por, no mínimo, 15 anos garantem ao produtor familiar e a família dele os benefícios previdenciários. A PEC, em substituição a esse sistema, exige contribuição em caráter individual, a ser feita pelo trabalhador e cada um dos membros da família.

Desta forma a aposentadoria poderá ficar mais distante para os trabalhadores rurais, tanto os segurados especiais quanto os assalariados. O pagamento monetário poderá ser inviável para agricultores de menor renda, pois a atividade que eles exercem tende a estar bastante sujeita a interrupções por fatores sazonais, meteorológicos e de mercado. Por outro lado, existe a necessidade de racionalização dos gastos previdenciários, adequando o sistema à realidade orçamentária. Além disso, a contribuição deverá ser individual, o que pode dificultar a filiação à Previdência de mais de um membro da família e impedir a busca do direito ao benefício na justiça.

Contudo, nem todos os segurados estarão imediatamente enquadrados nessas novas regras trazidas pela PEC 287, caso seja aprovada, em razão da chamada regra de transição. Essa regra de transição tem uma finalidade básica, atenuar os efeitos da reforma para aqueles que já estão inseridos no sistema previdenciário com as regras atuais, vigente nesse momento e, portanto, possuem uma expectativa de direito que não pode ser violado, o chamado de direito adquirido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta vereda, foi mostrado que os benefícios disponíveis aos segurados especiais não exigem do segurado a contribuição do período de carência, mas tão somente a prova do labor em regime de economia familiar. Assim, indo contra ao princípio da contributividade, representado no artigo 201 da CRFB/88, que reforça o caráter oneroso da previdência.

Por isso, é aceitável a teoria apresentada de que os benefícios voltados para os segurados especiais possuem natureza jurídica assistencial, representando a que melhor se enquadra aos aspectos legislativos e orçamentários.

Desse modo, como a seguridade social é formada por um tripé composto pela assistência social, saúde e Previdência Social garantindo a ordem social, e levando em conta o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, os benefícios dos rurícolas não deixam de ser benefícios previdenciários, considerando suas disposições na lei da previdência, mas avaliando seus requisitos percebe-se a natureza jurídica assistencial

É de suma importância o uso do princípio da solidariedade por parte do governo em relação aos benefícios dos rurícolas, pois não existe uma forma de custeio específica e que supra totalmente os gastos, onde a arrecadação sempre foi muito inferior às despesas, carecendo da ajuda dos trabalhadores urbanos.

Por fim, abordou-se a importância da adequação do sistema previdenciário à realidade orçamentária, onde se torna relevante a Proposta de Emenda Constitucional nº 287 (PEC 287), enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional no início de dezembro de 2016, como hipótese de racionalização dos gastos previdenciários.

 

Referências
VIANNA, João Ernesto Aragonês. Curso de direito previdenciário. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
BRAGANÇA, Kerlly Huback. Manual de direito previdenciário. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
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Nota
[1] 1 Trabalho orientado pelo Prof. Fábio Barbosa Chaves, Professor do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins; Doutor em Direito pela PUC Minas, Mestre em Direito pela PUC Goiás.


Informações Sobre o Autor

Luiz Felipe Iaghi Saboia

Acadêmico de Direito da Faculdade Católica do Tocantins


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