A exposição da empresa pelo empregado nas redes sociais

Resumo: Em virtude da exposição indevida da imagem da empresa através de postagens dos seus funcionários nas redes sociais, considerando que, tanto a liberdade de expressão do empregado como a imagem da empresa se contrapõem, questiona-se se é possível ao empregador aplicar uma sanção disciplinar ao autor destas postagens difamatórias. O objetivo principal do presente trabalho é verificar a constitucionalidade da aplicação da rescisão por justa causa ao empregado que difama o seu empregador nas redes sociais da Internet. Utiliza-se o método dialético por meio do estudo das contradições entre os direitos fundamentais em conflito quando da ocorrência destas postagens difamatórias. Após este estudo, verificou-se que, para além de uma mera aplicação automática de qualquer medida sancionatória, é essencial, a partir da ideia de proporcionalidade, que haja um contraponto entre a liberdade de expressão do empregado e o direito à imagem e reputação da empresa, sempre levando em consideração as peculiaridades do caso concreto, que sofre influências do avanço das tecnologias informacionais.

Palavras-chave: direito à imagem da pessoa jurídica; redes sociais; liberdade de expressão; justa causa.

Abstract: By the improper exposure of the company’s image through its employees posts on social networks, considering that both employee’s freedom of expression as the company's image are opposed, we question if it is possible for the employer to apply a disciplinary sanction to the author of these defamatory posts. The main objective of this work is to verify the constitutionality of applying termination for just cause to the employee who slanders his employer on Internet social networks. We use the dialectical method by studying the contradictions between the fundamental rights that conflict upon the occurrence of these defamatory posts. After this study, we observed that, beyond a mere automatic application of any punitive measure (from the idea of proportionality), a counterpoint between employee’s freedom of expression and the company’s right of image and reputation is essential, always considering the peculiarities of the case, which is influenced by the advance of information technologies.

Keywords: legal entity’s right of image; social networks; freedom of expression; just cause.

Sumário: Introdução; 1 O dever de respeito pelo empregado ao direito à imagem da empresa: um estudo sobre a lealdade nas relações de trabalho; 1.1 O direito à livre manifestação do pensamento do empregado em face do dever de respeito à imagem do empregador; 1.2 O direito à imagem da pessoa jurídica empregadora frente aos efeitos negativos causados pelo mau uso das redes sociais pelos seus empregados; 2 As relações trabalhistas e as novas tecnologias: A possibilidade de aplicação de um direito trabalhista sancionatório no caso de atos dos empregados em redes sociais da internet; 2.1 Aplicação da estrutura de direitos e deveres construída na sociedade industrial às relações sociais trabalhistas que se estabelecem na sociedade de informação. 2.2 Possibilidade jurídica de rescisão por justa causa do contrato de trabalho em decorrência da exposição negativa do empregador pelo empregado nas redes sociais; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

As regulamentações das relações de trabalho foram forjadas em uma realidade completamente diversa daquela que se estabelece na atualidade, ou seja, elas surgem com vistas a solucionar conflitos inerentes de uma sociedade eminentemente industrial, e atualmente são o principal instrumento para solucionar conflitos da sociedade informacional.

Portanto, as soluções jurídicas partiram de uma noção de direito imersa em uma realidade industrial, enquanto que as novas tecnologias informacionais impulsionaram uma sociedade que é pós-industrial e informacional.

O uso das redes sociais digitais tanto no ambiente de trabalho quanto fora dele se tornou uma prática habitual entre os empregados das mais diversas empresas, uma vez que as inovações tecnológicas proporcionaram a eles o acesso ilimitado às estas redes.

Considerando que estas relações trabalhistas devem pautar-se por um padrão de comportamento probo e honesto, enfim, por um comportamento de boa-fé, como dimensionar a situação da exposição do empregador pelo empregado nas redes sociais? E em decorrência desta situação, como identificar as consequências jurídicas no contrato de trabalho decorrentes da exposição indevida da imagem da empresa por meio do conteúdo das postagens dos seus funcionários em redes sociais da Internet?

Assim, dentre as consequências para o empregado, sem dúvida a mais drástica seria a possibilidade de aplicação de sanções disciplinares, tais como advertência, suspensão e dispensa por justa causa, na forma do artigo 482 da CLT.

E, para evitar que esta aplicação viole a liberdade de expressão constitucionalmente garantida aos funcionários, como a quaisquer cidadãos, é essencial verificar se ocorre a violação do direito de imagem da empresa quando os seus funcionários publicam postagens difamatórias dentro de ambientes públicos na rede social Facebook.

O poder punitivo do empregador deve ser repensado em face das relações informacionais e de forma a possibilitar um ambiente de trabalho sadio, no qual os direitos fundamentais dos empregados sejam garantidos, mas onde os direitos do empregador também sejam respeitados.

Assim, surge a problemática de se identificar se é juridicamente possível, e constitucionalmente adequado, aplicar uma sanção como decorrência de postagens ofensivas à imagem do empregador, e assim responder se existem consequências jurídicas para o empregado que expõe negativamente o empregador nas redes sociais?

O grande objetivo do presente texto é verificar a legalidade e a constitucionalidade da aplicação de medidas disciplinares a empregados em razão de postagens difamatórias em seu perfil nas redes sociais da Internet.

Para a solução desta problemática e para que o objetivo possa ser atingido, adotou-se a abordagem dialética, a partir da verificação das contradições e confluências entre os princípios que regem o direito à imagem do empregador e aqueles relativos ao direito fundamental à liberdade de expressão do empregado.

Desta contradição entre dois valores constitucionais que se contrapõem e se complementam, pretende-se enfrentar a questão da possibilidade de aplicação de medidas disciplinares aos empregados por atos difamatórios cometidos nas redes sociais.

Como métodos de procedimentos, foi utilizado o comparativo, quando será feita a comparação entre a aplicação das medidas disciplinares por atos no mundo físico e a possibilidade de aplicação destas medidas em razão de atitudes no mundo virtual; e o monográfico, quando da análise especifica do direito à imagem da empresa empregadora em face da evolução propiciada pelas novas tecnologias informacionais.

Como técnicas de pesquisa, haverá a análise da legislação constitucional e infraconstitucional que regulamenta a proteção ao direito à imagem da empresa e a liberdade de expressão do empregado, com vistas à aplicação de sanções disciplinares.

Ainda, será feito de forma sucinta, respeitando as dimensões do presente trabalho, um estudo teórico dos efeitos que as novas tecnologias informacionais tiveram sobre as relações de trabalho.

E, por fim, será selecionada jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região sobre o tema de aplicação de sanções disciplinares a empregados em decorrência da prática de atos no ambiente virtual.

No primeiro capítulo, serão abordadas as questões pertinentes aos direitos fundamentais da imagem da empresa empregadora em conjunto com o direito à liberdade de expressão do empregado, a partir dos seus fundamentos legais e constitucionais em complementação com o pensamento doutrinário sobre estes elementos.

No segundo capítulo, tendo os elementos estabelecidos efetivamente, haverá o contraponto destes princípios constitucionais com base na análise da constitucionalidade de aplicar-se uma medida sancionatória ao empregado que difama ou atinge a honra da empresa a partir das suas postagens em ambientes públicos das redes sociais da Internet.

1 O DEVER DE RESPEITO PELO EMPREGADO AO DIREITO À IMAGEM DA EMPRESA: UM ESTUDO SOBRE A LEALDADE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Inicialmente, cumpre destacar que será realizada uma breve conceituação do que sejam os direitos da personalidade, para somente após caracterizar o direito de imagem da pessoa jurídica, norte central deste trabalho.

A proteção constitucional prevista no inciso X do art. 5º da Constituição de 1988 – a inviolabilidade da imagem das pessoas – refere-se tanto a pessoas naturais quanto às pessoas jurídicas, detentoras de direitos e obrigações. Assim, a pessoa jurídica também pode ter sua imagem violada.

Como afirma Mauricio Godinho Delgado (2014, p. 642), “dano à imagem é todo prejuízo ao conceito, valoração e juízo genéricos que se tem ou se pode ter em certa comunidade. No tocante a presente noção, não há dúvida de que abrange também as pessoas jurídicas”.

Nesse sentido, a boa-fé constitui um dos princípios que regem o contrato de trabalho. Esse princípio se caracteriza por seu alto sentido moral e alcança ambos os sujeitos da relação de trabalho – o empregado e o empregador.

Ainda se pode destacar o direito à liberdade de expressão como um direito fundamental subjetivo assegurado a todo cidadão, consistindo na prerrogativa de manifestar livremente o próprio pensamento, através da palavra, como se vê no art. 5º, IV, da Constituição de 1988.

Ocorre que atualmente, com a expansão do uso da internet e do acesso a ela, seja nas redes sociais, blogs ou outros espaços de atuação e interação, a violação à imagem pode se dar por esse meio virtual, o que amplia as possibilidades da prática de condutas que violem os direitos da personalidade, bem como o alcance desta  violação.

Assim, através do presente estudo, leva-se em consideração o fato de que a legislação trabalhista não está em perfeita consonância com as novas tecnologias, uma vez que não há previsão normativa para estabelecer regras de uso de redes sociais dentro ou fora do ambiente de trabalho entre os sujeitos desta relação.

Nesse contexto é imprescindível que se faça um estudo detalhado em busca de uma solução a tal conflito que resguarde ambos os direitos, e que leve em consideração cada caso concreto.

1.1 O DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO DO EMPREGADO EM FACE DO DEVER DE RESPEITO À IMAGEM DO EMPREGADOR.

O texto constitucional assegura o direito à livre manifestação do pensamento como garantia fundamental, no já citado art. 5º, em seu inciso IV, onde consta que é direito de todas as pessoas “a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”.

De acordo com Alexandre de Moraes (2003, p. 72), este é um direito fundamental, contudo:

“Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com a consequente responsabilidade civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e controle da matéria que divulga”.

Assim, o direito à liberdade de expressão é constitucionalmente garantido a todo o individuo em qualquer ambiente comunicacional, seja um espaço físico ou uma rede social virtual. Tal direito obviamente se estende aos empregados, porém, o abuso deste direito pode ocorrer, a depender da situação quando a imagem da pessoa jurídica empregadora é atingida.

Cumpre lembrar, como ensina Paulo Bonavides (2004, p. 563), que “os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o individuo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico”.

Com base neste contexto, é possível destacar que os direitos à liberdade de expressão do pensamento, manifestação e comunicação não podem sofrer restrição, além de certos limites que tem fundamento na boa-fé contratual, na lealdade, na confiança empresarial e no respeito aos demais direitos fundamentais.

José Afonso da Silva (2005, p. 241), por sua vez, opina que a liberdade de pensamento “se caracteriza como exteriorização do pensamento no seu sentido mais abrangente. É que, no seu sentindo interno, como pura consciência, como pura crença, mera opinião, a liberdade de pensamento é plenamente reconhecida, mas não cria problema maior.”.

Para Edilsom Pereira de Farias (2000, p. 161) toda pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou ideias sem que possa haver ingerência de autoridades publicas e sem consideração de fronteiras.

Para que uma correta interpretação das relações de trabalho e para que as reais finalidades da legislação protetiva (que regulamenta estas relações) sejam efetivadas, é essencial um filtro principiológico que presume ser importante destacar os princípios básicos como a proteção, a irrenunciabilidade de direitos, a razoabilidade e a boa-fé, entre outros, conforme sistematizado por Américo Plá Rodriguez (2000).

Américo Plá Rodriguez (2000, p. 422) preleciona que a boa-fé, entendida no significado objetivo de cumprimento honesto e escrupuloso das obrigações contratuais, distingue-se da boa-fé subjetiva ou psicológica abrangente do erro ou falsa crença.

Nesse sentido, a lição de Süssekind (2003, p. 146) é que a boa-fé tem ampla aplicação nas relações de trabalho, em virtude do intenso e permanente relacionamento entre o trabalhador e o empregador, ou seus prepostos, assim como entre as partes envolvidas na negociação coletiva.

A boa-fé, no âmbito do direito do trabalho, é o principio responsável por regular as relações de trabalho. Tal princípio deve imperar na relação estabelecida perante o contrato de trabalho e deve ser respeitada por ambos os sujeitos. Américo Plá Rodriguez (2000, p. 421) defende a ideia de Krotoschin de que:

“[…] no fundo, a fidelidade, não apenas etimológica, mas também materialmente, é outra expressão daquela boa fé que tanta importância tem no contrato de trabalho e que, portanto engloba todo um conjunto de deveres recíprocos, emanados do espírito de colaboração e confiança que também no terreno interindividual caracteriza a relação de trabalho.”

Entretanto, é importante analisar o direito à imagem da pessoa jurídica frente ao dever de lealdade do empregado.

Para Arion Sayão Romita (2008, p. 91):

“A execução de boa-fé constitui um dos princípios que regem o contrato de trabalho. Esse princípio se caracteriza por seu alto sentido moral e alcança ambos os sujeitos de relação – o empregado e o empregador. Exerce seu império sobre todas as fases do contrato, dominando a formação, a execução e também o término. Se, em qualquer dessas etapas algum dos contratantes exceder os limites do exercício social de seus direitos em face do outro, deve responder civilmente. Os princípios da responsabilidade civil encontram plena aplicação no campo do Direito do Trabalho que, como se sabe, constitui mero direito especial quando confrontado com o direito comum”.

Nesse entendimento, Carmem Camino (1999, p. 62) defende em decorrência do art. 482 da CLT, que fere o principio da boa-fé o empregado que pratica ato de improbidade, mau procedimento, exerce concorrência desleal com o empregador, divulga segredos legítimos da empresa, ofende física ou moralmente o empregador.

A amplitude do termo boa-fé requer que se considerem as diversas vertentes do principio, para conceituar os direitos da personalidade.

Portanto, existe a necessidade de regular, dentro da esfera do contrato de trabalho, a melhor forma de proteger a imagem do empregador frente aos comentários que atentam contra a imagem da empresa, quando expostos por seus funcionários em redes sociais, dentre as quais o Facebook[1].

Tal conflito se dá em razão da linha tênue existente entre o direito à liberdade de expressão do empregado e o direito à imagem da empresa – trabalhado mais à frente, visto que a liberdade de expressão daquele deve ser ponderada em face do direito alheio.

Percebe-se, portanto, que, embora o empregado possua o direito à livre manifestação do pensamento, é importante frisar que o ele deve ter o bom senso e evitar o mau uso das ferramentas digitais contra o seu empregador.

Nesse viés, o principio da boa-fé que envolve o contrato de trabalho pressupõe, necessariamente, que exista, entre os sujeitos da relação empregatícia, um dever de respeito mútuo.

É necessário, assim, que se observe o que consta no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, as seguintes hipóteses:

“Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: […]

b) incontinência de conduta ou mau procedimento; […]

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.”

Esse dispositivo elenca o direito do empregador de caracterizar a justa causa quando o empregado incorre nas hipóteses acima (dentre várias outras); no entanto, não há previsão legal que relacione à exposição feita pelo empregado por qualquer meio, inclusive nas redes sociais, com o intuito de denegrir a imagem do empregador.

No entendimento de Carmen Camino (1999, p. 170), “perante o empregado existem obrigações acessórias a serem cumpridas, como vertentes da natureza do contrato de trabalho, identificadas como dever de obediência, fidelidade, assiduidade, pontualidade e diligência”. Nesse sentido, ao discorrer sobre as obrigações do empregado, Alice Monteiro de Barros (2007, p. 604) afirma que:

“O contrato de trabalho gera direitos e obrigações não só de cunho patrimonial, mas também de caráter pessoal, em que se insere o aspecto ético, cujo dever de fidelidade é uma das manifestações. Esse dever é a conduta humana honrada, que pressupõe o agir com retidão, em virtude não só do interesse do empregado, como também da harmonia que deverá existir na organização que ele integra.”

Essas obrigações acessórias vinculadas ao contrato de trabalho são necessárias para a melhor e fiel execução das obrigações contratuais existentes e, além disso, dizem respeito ao fazer com obediência, diligência, fidelidade e adequada conduta social.

Sergio Pinto Martins (2005, p. 168) destaca que “o trabalhador que pratica ato lesivo à honra ou à boa fama do superior hierárquico ou de outra pessoa, atenta contra a disciplina que deve existir na empresa. Viola a regra de ser um homem civilizado e educado”.

No âmbito do direito do trabalho, as normas devem ser interpretadas sempre com base nos preceitos constitucionais e de acordo com as necessidades das partes da relação, ou seja, o empregador, por intermédio do contrato de trabalho, pode postular dos seus funcionários condutas e posturas frente ao uso das tecnologias informacionais, como forma de garantir seus direitos fundamentais.

Wagner D. Giglio (2000, p. 109) afirma que “constitui mau procedimento todo e qualquer ato faltoso grave, praticado pelo empregado, que torne impossível, ou sobremaneira onerosa, a manutenção do vínculo empregatício, e que não se enquadre na definição das demais justas causas.”.

Considerando este conflito de direitos em face do conteúdo que empregados postam em seu perfil na rede social Facebook, que diversas vezes viola a imagem dos empregadores com quem eles mantêm um contrato de trabalho, é juridicamente possível, e constitucionalmente adequado, aplicar uma sanção disciplinar – advertência, suspensão ou despedida por justa causa – em face de postagens ofensivas à imagem do empregador?

Ao solucionar este questionamento deve-se atentar para o fato de que ele desvela a existência ou não de consequências jurídicas para o empregado que expõe negativamente o empregador nas redes sociais.

Em linhas gerais, o poder de comando do empregador possui o caráter pedagógico de disciplinar o empregado, porém este poder deve ser exercido de forma a não ferir a liberdade de expressão deste funcionário, que afinal é um cidadão e merece que os seus direitos constitucionais sejam respeitados.

A existência do poder disciplinar/pedagógico está implícita no contrato individual do trabalho, por duas razões lógicas: em primeiro lugar porque quem assume o risco pelo empreendimento é o empregador, e em segundo lugar para a além da obrigação do empregado de prestar trabalho, ele deve respeitar os direitos da sua empresa empregadora, dentre os quais o direito à imagem.

1.2 O DIREITO À IMAGEM DA PESSOA JURÍDICA EMPREGADORA FRENTE AOS EFEITOS NEGATIVOS CAUSADOS PELO MAU USO DAS REDES SOCIAIS PELOS SEUS EMPREGADOS.

Como todas as pessoas reconhecidas com personalidade jurídica, as pessoas jurídicas detêm uma série de direitos personalíssimos próprios, direitos estes que decorrem de previsões de direitos fundamentais, dentre os quais o direito à imagem.

Enquanto que para as pessoas naturais o objeto de proteção é a sua privacidade, intimidade e vida privada, garantindo uma proteção integral da personalidade individual; para as pessoas jurídicas, este direito também é de suma importância, pois envolve questões tais como a sua reputação, a sua credibilidade, e porque não dizer, a sua sobrevivência econômica no mercado.

Segundo o ensinamento de Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 96):

“É preciso ter em conta, entretanto, que a pessoa jurídica é uma das mais extraordinárias criações do Direito. Não tem vida física, mas tem existência jurídica, mais duradoura que as pessoas naturais que a criaram; não tem vontade própria (ato de querer, próprio do ser humano), mas atua no mundo socioeconômico pela vontade dos seus órgãos dirigentes. Dessa maneira, o Direito faculta-lhe adquirir e exercer direitos e contrair obrigações – enfim, proceder no mundo jurídico como ser dotado de patente autonomia. Há pessoas jurídicas que são economicamente mais fortes e poderosas que muitos Estados. E, se o Direito assim trata a pessoa jurídica, é preciso reconhecer que ela, embora despida de certos direitos que são próprios da personalidade humana – tais como a integridade física, psíquica e da saúde – é titular de alguns direitos especiais da personalidade, ajustáveis as suas características particulares, tais como o bom nome, a imagem, a reputação, o sigilo de correspondência etc.”

Todos, em tese, devem respeitar este direito à imagem, porém este respeito deve ser mantido, sobretudo por aqueles indivíduos cujo seu sustento e de sua família dependem do sucesso econômico e financeiro da empresa, além disto, estes empregados devem proceder de boa-fé na execução do contrato de trabalho.

Conforme se depreende da leitura do artigo 5º, inciso X, da Constituição de 1988, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”.

Essas inviolabilidades como os demais direitos fundamentais estendem-se às pessoas jurídicas por estas serem titulares de direitos personalíssimos, e também pela expressa previsão do artigo 52 do Código Civil brasileiro: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”.

Sobre esta extensão de direitos, Carlos Bittar (2004, p. 13) aponta que:

“[…] são eles plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (Código Civil, arts. 40 e 45), fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra”.

Neste contexto, Cristiano Farias e Nelson Rosenvald (2006, p. 253) sustentam que “a decorrência do reconhecimento de personalidade jurídica à pessoa jurídica é o seu reconhecimento como sujeito de direito pela ordem jurídica, passando a ter a suscetibilidade de titularizar relações jurídicas como as próprias pessoas humanas.”.

Especificamente o direito à imagem, previsto no dispositivo constitucional citado, é regulamentado pelo art. 20 do Código Civil Brasileiro que estabelece:

“Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Tal previsão infraconstitucional trata de diversas questões referentes ao direito à imagem, dentre as quais a da cessão de imagem, utilização indevida, eventual reparação ou mesmo a sua utilização quando fundamentada no interesse da coletividade.

Este dispositivo, no entender de Carlos Roberto Gonçalves (2002, p. 202),

“[…] prescreve que tais atos poderão ser proibidos, a requerimento do autor e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais, salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou a manutenção da ordem pública.”

Assim, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2007, p. 142) esclarecem que a pessoa jurídica, apesar de não ter vida privada, tem direito de zelar pelo seu nome e imagem perante o seu público alvo, sob pena de perder para a sua concorrência significativas parcelas do mercado, portanto:

“[…] se é obvio que o dano moral, como dor íntima e sentimental, não poderá jamais atingir a pessoa jurídica, não podemos deixar de colocar que o dano à honra ou à imagem, por exemplo, afetará valores societários e não sentimentais, pelo que não se justifica a restrição, sob pena de violação do principio maior do neminem laedere”[2].

Com base nessas premissas, deve-se destacar que as pessoas jurídicas possuem direito à imagem, como uma decorrência da extensão de titularidade dos direitos da personalidade.

Além disto, este direito, no ambiente corporativo, está intrinsecamente ligado à reputação da empresa, de modo que, ao ter a sua imagem denegrida, ela pode sofrer diversos prejuízos, tendo em vista que a sua marca e a forma como o público alvo a reconhece, estando diretamente atrelado a sua imagem.

Favorável a esse entendimento, Farias e Nelson Rosenvald (2006, p. 253) ilustram que em favor das pessoas jurídicas deve ser reconhecido “direito ao nome, à marca, à honra objetiva, à imagem e ao direito autoral, por via indireta, quando a invenção ou o modelo de utilidade decorrem de contrato de trabalho ou prestação de serviços.”.

Todavia, é necessário diferenciar dentro dos direitos da personalidade, dois importantes atributos, a honra objetiva e subjetiva. A honra objetiva é o conceito externo, o que os outros pensam de uma pessoa; a honra subjetiva é a sua estima pessoal, o que ela pensa de si própria.

Somente a honra objetiva é atribuída às pessoas jurídicas, para defesa de sua reputação. O dano moral pode ser subjetivo, ensejando a dor física e o abatimento de ânimo do lesado, e objetivo, consistente em ofensa ao bom nome e a reputação.

A partir disso criou-se um novo conceito jurídico, o de honra objetiva da pessoa jurídica, que, desconsiderando os aspectos subjetivos do dano moral, estes, sim, inerentes à pessoa natural, confere às pessoas morais o direito de exigir reparação pecuniária quando agravadas em seu bom nome. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), mediante a Súmula 227, elidiu qualquer dúvida a respeito, ao dizer: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

Contudo, é possível concluir que as pessoas jurídicas possuem existência distinta da de seus membros, portanto, possuem uma individualidade própria, que não se confundem com as pessoas naturais de seus sócios, apesar de estes agirem em nome daquela. Leciona Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 97), que:

“[…] a honra tem dois aspectos: o subjetivo (interno) e o objetivo (externo). A honra subjetiva, que se caracteriza pela dignidade, decora e autoestima, é exclusiva do ser humano, mas a honra objetiva, refletida na reputação, no bom nome e na imagem perante a sociedade, é comum à pessoa natural e a jurídica. Quem pode negar que uma noticia difamatória pode abalar o bom nome, o conceito e a reputação não só do cidadão, pessoa física, no meio social, mas também de uma pessoa jurídica, no mundo comercial? Indiscutivelmente, toda empresa tem que zelar pelo seu bom nome comercial”.

Por outro lado, o dever de respeito e lealdade nas relações de trabalho preside uma discussão que possui extrema relevância jurídica na atualidade, pois confronta o direito à liberdade de expressão do empregado, consagrado pela Constituição de 1988, com o direito à imagem do empregador.

Este confronto também é travado no uso das redes sociais no meio ambiente de trabalho, vez que ele diz respeito à intensidade em que as postagens publicadas pelos empregados nestas redes atingem os direitos dos empregadores, e assim alteram o paradigma das relações de trabalho.

Tal realidade é agravada pelo fato de que o uso destas redes pelos empregados – assim como para todos os individuos – se tornou uma prática habitual, além do que as inovações trazidas pelo avanço das Tecnologias Informacionais (TIC[3]) foram pouco regulamentadas pelo Direito, apesar de iniciativas como da professora Patrícia Peck (2002, p. 74), que defende a criação de um “Direito Digital”.

Sob este aspecto é necessário analisar as implicações e consequências para as relações de trabalho, onde os empregados se utilizam das redes sociais com o intuito de difamar a empresa no meio virtual, tornando-se necessário verificar o meio adequado para coibir este tipo de prática.

As relações de trabalho foram forjadas em uma realidade completamente diversa daquela que é estabelecida na atualidade, foram tradicionalmente regulamentadas por um Direito – imerso em uma realidade com estruturas pensadas para a sociedade industrial – enquanto que as TIC impulsionaram uma sociedade que, para além destas estruturas, denomina-se pós-industrial.

Hoje as relações de trabalho estão inseridas na sociedade informacional, onde as interações entre os seus sujeitos modificaram-se. Nesta realidade Manuel Castells (2005, p. 40) afirma que:

“Nas relações interpessoais, e dentre elas, as relações de trabalho, surge um novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma língua universal digital e está promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens da cultura atual, como que os personalizando ao gosto das identidades e humores dos indivíduos”.

Em decorrência desta nova forma de relações interpessoais e como forma de garantir direitos de ambos os polos da relação de trabalho, há necessidade de que se pense em uma prática, autorizada pelas normas jurídicas, que obrigue o empregado a manter certos limites ao fazer comentários ofensivos por meio das redes sociais.

Assim sendo, a sociedade informacional para Castells (2005, p. 65) pode ser definida como a característica ou atributo “de uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico.”.

As interações realizadas por intermédio das redes sociais transformaram as relações entre os sujeitos. Entre estas transformações tem-se o que ocorreu com as comunidades virtuais. Estas comunidades possuem regulamentações ainda pouco usadas pela maioria dos usuários, e disto decorrem exposições que poderiam ser evitadas se o usuário restringisse a sua privacidade somente aos seus “amigos” do ambiente virtual, utilizando-se das regulamentações existentes.

Contudo, há a necessidade de proteger o direito à imagem de determinadas pessoas específicas, as pessoas jurídicas empregadoras, sobretudo frente aos comentários que atentam contra a sua imagem, perpetrados por seus próprios funcionários.

Quanto às comunidades virtuais Castells (2003-A. p. 98) afirma que:

“A emergência da Internet como um novo meio de comunicação esteve associada a afirmações conflitantes sobre a ascensão de novos padrões de interação social. Por um lado […] ela foi interpretada como a culminação de um processo histórico de desvinculação entre localidade e sociabilidade na formação da comunidade. Por outro lado […] alguns sustentam que a difusão da Internet esta conduzindo ao isolamento social, a um colapso da comunicação social e da vida familiar, na medida em que indivíduos sem face praticam uma sociabilidade aleatória, abandonando ao mesmo tempo interações face a face em um ambiente real”.

Para a compreensão desta questão, é essencial uma analise estrutural da arquitetura da rede (Internet). Quando a esta estrutura, Patrícia Peck (2002, p. 14) afirma que ela “consiste na interligação de milhares de redes de computadores no mundo inteiro, através de protocolos (IP – abreviação de Internet Protocol), ou seja, essa interligação é possível porque utiliza um mesmo padrão de transmissão de dados.”.

O Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.br), com o propósito de promover a conscientização sobre o uso seguro da internet, criou o fascículo Redes Sociais (CERT.BR, 2012) onde consta:

“Preserve a sua privacidade: após uma informação se propagar, não há como controlá-la e aquilo que era para ser uma brincadeira entre amigos pode ser acessado por outras pessoas e usado contra você, agora ou futuramente. Considera que você está em um local público, que tudo que você divulga pode ser lido ou acessado por qualquer pessoa.”

Com isso, pode-se afirmar que o poder punitivo do empregador deve ser repensado em face das relações informacionais de forma a possibilitar um ambiente de trabalho sadio, no qual os direitos fundamentais dos empregados sejam garantidos.

Assim, é necessário analisar as novas relações de trabalho, onde os empregados se utilizam das redes sociais para difamar a empresa no meio virtual, verificando-se qual o meio adequado para coibir este tipo de prática.

Porém, é essencial visualizar outro direito fundamental envolvido nestes comentários difamatórios, o direito à liberdade de expressão do funcionário, que foi tratado na parte anterior do trabalho.

Nesse sentido, passa-se a abordar, no próximo capítulo, se o poder punitivo do empregador deve ser repensado em face das relações informacionais, de forma a possibilitar um ambiente de trabalho sadio, no qual os direitos fundamentais dos empregados e do empregador sejam garantidos.

2 AS RELAÇÕES TRABALHISTAS E AS NOVAS TECNOLOGIAS: A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE UM DIREITO TRABALHISTA SANCIONATÓRIO NO CASO DE ATOS DOS EMPREGADOS EM REDES SOCIAIS NA INTERNET.

Em uma realidade como a informacional, onde a maioria dos conceitos tendem a tornarem-se mais fluidos e as estruturas tradicionais deixam de cumprir os seus papeis, é essencial proteger os direitos fundamentais dos entes naturais, como a liberdade de expressão do usuário de uma rede social, e dos entes jurídicos, como a imagem e reputação empresarial de um empregador.

A solução para esta proteção perpassa a proporcionalidade entre estes bens jurídico-constitucionais, e esta proporcionalidade de dar-se caso a caso, sempre levando em consideração as peculiaridades do caso concreto, dentre as quais o fato deste caso concreto ocorre em meio à revolução das novas tecnologias informacionais.

Enfim, o que se esta tentando demonstrar com o presente texto é que os valores constitucionais, dentro da sociedade informacional, devem ser protegidos na medida em que não violem os demais direitos fundamentais de outros titulares, ainda mais considerando uma relação que deve efetivar-se a partir da boa-fé e da lealdade, como é a relação de emprego.

As estruturas tradicionais tendem a responder prontamente aos casos concretos, porém esta forma de solução para os conflitos da sociedade informacional tende a ser ineficaz.

Neste caso, simplesmente aplicar uma justa causa ao empregado que viola a honra da sua empresa em uma rede social, fora do ambiente de trabalho, encontra barreira na sua liberdade de expressão, e deixaria completamente de lado o direito à imagem e reputação da empresa.

Portanto, este capítulo pretende construir uma possibilidade de aplicação viável do direito do trabalho sancionatório para a solução destes conflitos surgidos eminentemente da sociedade informacional.

2.1. APLICAÇÃO DA ESTRUTURA DE DIREITOS E DEVERES CONSTRUÍDA NA SOCIEDADE INDUSTRIAL ÀS RELAÇÕES SOCIAIS TRABALHISTAS QUE SE ESTABELECEM NA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO.

Nas últimas décadas do século XX, o avanço das novas tecnologias de comunicação e informação, TICs, ocasionaram importantes transformações entre os indivíduos e os atores da relação de emprego já existentes desencadeando um novo cenário às relações trabalhistas atuais.

Para Manuel Castells (2005, p. 57) “As novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalidade. A comunicação mediada por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais”.

Estas transformações ocorrem nos contratos de trabalho, conforme esclarece Juliana Pinheiro Neta (2009, p. 204):

“O contrato de trabalho é um pacto sinalagmático, de execução continuada, consensual, personalíssimo em relação ao empregado, oneroso e requer a subordinação jurídica do obreiro. Decorre do sinalagma, direitos e deveres às partes, empregado e empregador. Ao primeiro compete a entrega da força de trabalho e ao segundo o pagamento do salário. Para a boa condução das atividades, o empregador possui os poderes diretivo, regulamentar, de fiscalização e disciplinar”.

Está-se diante, portanto, de uma importante alteração do meio ambiente de trabalho que, inevitavelmente, encontra-se em um processo de transição, tendo em vista que o direito do trabalho precisa adequar-se às novas relações de trabalho, surgidas do avanço das novas tecnologias, conforme explicita Maria Helena Diniz (2000, p. 19): “no alvorecer do novo milênio, surge o Direito da Internet como um grande desafio para a ciência jurídica, por descortinar, como diz Huxley, ‘um admirável mundo novo’, diante do enorme clamor ao levantar questões polêmicas de difícil solução”.

A autora (2000, p. 19) continua afirmando que esta inter-relação entre o “Direito na Internet tem grande relevância na atualidade, não só pela sua complexidade, como também pela riqueza de seu conteúdo técnico-científico e pelo fato de não estar, normativa, jurisprudencial e doutrinariamente bem estruturada”.

No aspecto organizacional, as rotinas de trabalho foram profundamente modificadas, alteradas; as sociedades empresariais estão em processo de readequação; materiais antes impressos passaram a ser digitalizados e armazenados em arquivos digitais e não mais físico.

Desse modo, as TICs são um instrumento inovador que possui grande relevância no mundo empresarial, a mudança do paradigma empresarial.

As relações trabalhistas e as novas tecnologias trazem consigo uma preocupação com a capacidade de o sistema trabalhista tradicional solucionar os conflitos surgidos com a utilização massiva das novas TICs pelos sujeitos da relação de trabalho.

De acordo com Alexandre Agra Belmonte (2013, p. 137):

“Outrossim, na vida profissional os direitos e liberdades têm por limites a reputação alheia, a finalidade da empresa e as características do contrato de trabalho, não podendo o empregado assacar contra a imagem da empresa, a honra de seus dirigentes e colegas de trabalho, ou atentar contra a boa-fé e lealdade contratuais quer tornando públicas informações sigilosas, quer desrespeitando ou expondo o empregador, quer praticando atos incompatíveis com a ideologia de eventual organização de tendência para qual trabalhe.”

Considerando-se os desafios existentes para inserção das novas tecnologias no âmbito do trabalho, a sociedade empresarial implementou métodos de utilização das TICs para conseguir suprir as novas demandas do mercado, além disso, houve a necessidade de qualificar a mão de obra, através de treinamentos e capacitações de funcionários.

Como se pode compreender, o dever de fiscalização do empregador encontra-se em fase de transição, as formas de gerencia modificaram-se.

Segundo entendimento de Carmen Camino (1999, p. 111):

“Uma das faces do poder de comando do empregador expressa-se na faculdade de impor medidas disciplinares ao empregado. Essa faculdade está implícita no contrato individual de trabalho, no momento em que nasce para o empregado a obrigação de prestar trabalho (mais, precisamente, de se tornar disponível para que o empregador possa usufruir da sua força de trabalho), com as consequentes obrigações acessórias de o fazer com obediência, diligência, fidelidade e adequada conduta social. A infração dessas obrigações por parte do empregado autoriza a ação disciplinadora do empregador, que poderá se direcionar tanto para uma ação educativa”.

O acesso aos meios informacionais possibilitou ao empregador fiscalizar os seus funcionários, através de mecanismos de controle, como o ponto eletrônico usado para registrar a jornada de trabalho de seus funcionários, câmeras de vigilância, monitoramento do correio eletrônico, dentre outros.

Desse modo, é possível verificar a existência de novas obrigações decorrentes do processo evolutivo das relações laborais, que passam a transcorrer em meio à revolução informacional.

Sobre o dever de fidelidade, nestas relações, Alice Monteiro de Barros (2007, p. 604) entende que o instrumento base da relação de trabalho, isto é, o contrato de trabalho, gera direitos de índole extrapatrimonial, direito de caráter pessoal, dentre os quais o dever de fidelidade que decorre do aspecto ético deste pacto, enfim “esse dever é a conduta humana honrada, que pressupõe o agir da retidão, em virtude não só do interesse do empregado, como também da harmonia que deverá existir na organização que ele integra.”.

A colisão de direitos existente entre a utilização das redes sociais, seja no ambiente de trabalho ou no acesso privado, deve ser regulada, para que não haja a violabilidade de direitos de ambas as partes.

A rede social – facebook é uma estrutura social que possui diversas relações estabelecidas entres os indivíduos, conectados por diferentes razões, seja com o objetivo de compartilhar informações de ordem pessoal, valores, objetivos em comum, ou expor opiniões públicas.

As postagens são feitas em tempo real, onde todos os usuários desta rede poderão ter acesso as suas postagens, ressalvada a hipótese da opção de “privacidade”, ou seja, restrição da visualização do conteúdo de suas mensagens às pessoas adicionadas ao perfil do autor.

Após uma postagem ser veiculada em sua página no facebook, o autor desta postagem não mais detém o poder sobre ela, tendo em vista que se torna pública e poderá ser compartilhada em tempo real por um número incalculável de usuários.

Por tal razão, é importante que os usuários desta rede tenham ciência de que as suas opiniões, expressadas em seu perfil, podem ocasionar danos a outrem, e principalmente que as soluções adotadas a partir das estruturas tradicionais do direito do trabalho, dentre as quais o direito sancionatório – a exemplo das hipóteses de rescisão por justa causa do contrato de trabalho do art. 482 da CLT – levem em conta as transformações ocasionadas pelo avanço das novas tecnologias, e, sobretudo que respeitem os direitos constitucionais em conflito, o que será melhor delineado no próximo ponto.

2.2 POSSIBILIDADE JURÍDICA DE RESCISÃO POR JUSTA CAUSA DO CONTRATO DE TRABALHO EM DECORRÊNCIA DA EXPOSIÇÃO NEGATIVA DO EMPREGADOR PELO EMPREGADO NAS REDES SOCIAIS.

O poder punitivo do empregador é um importante pressuposto da relação de emprego, e deve ser repensado em face das relações informacionais e de forma a possibilitar um ambiente de trabalho sadio, no qual os direitos fundamentais dos empregados sejam garantidos, mas onde os direitos do empregador também sejam respeitados.

No entendimento de Valdete Souto Severo (2001, p. 182) do direito fundamental à relação de emprego em face da despedida arbitrária decorre o reconhecimento de um dever de proteção diretamente exigível de qualquer dos entes, empregador ou Estado, em qualquer dos seus níveis, “o primeiro, com a função de agir explicitando o motivo da denúncia e o segundo com a atribuição de garantir que esse dever do empregador seja efetivamente cumprido.”.

Não há expressamente uma sanção que obrigue o empregado a manter certos limites ao fazer comentários ofensivos por meio das redes sociais, comentários que podem ocasionar diversos prejuízos à empresa, inclusive a perda da credibilidade comercial e por fim colocar em risco a sua clientela.

 Em suma, é possível constatar que a legislação trabalhista não está em perfeita consonância com as novas tecnologias, uma vez que não há previsão normativa para estabelecer regras de uso de redes sociais no ambiente de trabalho ou mesmo fora do ambiente de trabalho entre os sujeitos desta relação.

De acordo com Patricia Peck (2002, p. 71):

“Sabemos que o efeito de um conteúdo mentiroso ou calunioso na Internet pode ser muito mais devastador do que em qualquer outro veículo. Mesmo que uma notícia falsa possa ser rapidamente apagada de um site, por exemplo, ela já pode ter sido copiada inúmeras vezes e disponibilizada em muitas outras páginas. Se é difícil valorar um conteúdo virtual, igualmente difícil é avaliar o tamanho do dano causado por ele quando é passada uma informação errada, uma calúnia, um manifesto contra determinada empresa. É praticamente impossível de mensurar a extensão do dano; não há controle de tiragem, nem se sabe quantas vezes esse conteúdo foi duplicado […]”.

As condutas inapropriadas cometidas pelos empregados, compartilhando e ou postando mensagens nas redes sociais com o intuito de denegrir a imagem da empresa, devem ser responsabilizadas, uma vez que tais postagens podem acarretar graves prejuízos ao empregador.

Logo, devem ser imputadas consequências jurídicas ao acesso desregrado às novas tecnologias, ocorrido dentro ou fora do ambiente de trabalho pelo empregado.

Patrícia Peck (2002, p. 71) preleciona que qualquer notícia ou informação, independentemente da sua veracidade ou não

“[…] será lida como verdadeira todas às vezes em que for acessada, mesmo que seja em sites diferentes daqueles que a divulgou originalmente e ainda que aquele a tenha excluído de todas as suas páginas. Uma vez copiada, essa notícia já se espalhou inevitavelmente pelo mundo virtual”.

O direito à liberdade de expressão do funcionário não pode ultrapassar o preceito do dever de fidúcia com o seu empregador, visto que os direitos e liberdades têm por limites a reputação de outrem.

A rede social – facebook é uma estrutura social que possui o fim especifico de interligar as pessoas, através de grupos, afinidades e interesses em comum, mas também pode ser utilizada para violar os direitos fundamentais dos titulares das relações de trabalho.

Segundo Roberta Coltro Gerhardt (2002, p. 108) “Apesar do advento da Internet e das novidades que insere na relação de emprego, o poder diretivo do empregador permanece, pois, inerente ao empreendimento”.

Ademais, o empregado tem o direito constitucional à liberdade de expressão e a manifestação do pensamento assegurado desde que este não se sobreponha ao direito à imagem da empresa, desde que sejam estabelecidos limites.

Gerhardt (2002, p. 109) classifica a utilização do poder disciplinar pelo empregado:

“Os empregados devem seguir as normas ditadas, expressas no regulamento da empresa ou em comunicados, avisos, memorandos, dentre outros. Sob essa ótica, os empregados estão hierarquicamente subordinados ao empregador. Do poder de direção decorre, naturalmente, um poder discricionário de fiscalizar as atividades desenvolvidas pelos empregados, chamado pela doutrina de poder disciplinar. Este cria a faculdade ao empregador de impor aos empregados que não cumprem com suas obrigações contratuais, regulamentares, convencionais e costumeiras, as sanções admitidas pelo Direito do Trabalho. Tudo com equilíbrio entre o ato faltoso e a intensidade da punição”.

Portanto, os conflitos existentes no ordenamento jurídico devem ser resolvidos por intermédio do princípio da proporcionalidade[4], pois este é o meio mais adequado e correto para analisar as divergências entre direitos fundamentais, com a finalidade de buscar a solução mais justa ao caso concreto.

Ainda, segundo Eduardo Milléo Baracat (2008, p. 234):

“Discute-se a licitude da advertência dada ao trabalhador, em razão de ato realizado fora da jornada e do local de trabalho, quando esse comportamento afetar, mesmo indiretamente, interesses da empresa. Argumenta-se que o comportamento extra laboral do empregado gerador de prejuízo ao empregador, resulta na violação do dever de fidelidade e colaboração, considerados pela doutrina como elementos de moral e deveres éticos da prestação do trabalho.”

Tal solução pode ser encontrada com a criação de uma norma que vise à proteção do direito à imagem das pessoas jurídicas perante as relações de trabalho, ou ainda, com a extensão, como tem feito a jurisprudência dos tribunais trabalhistas, das previsões da CLT, sobre a relação disciplinar entre os sujeitos da relação de emprego.

Há nesse sentido, decisões recentes do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, reconhecendo à pessoa jurídica os direitos da personalidade da empresa no tocante ao direto a imagem.

O critério temporal da pesquisa deu-se da seguinte forma: foram pesquisadas decisões julgadas entre 04 de novembro de 2013 e 04 de novembro de 2014; palavras chave: foram utilizadas as expressões “JUSTA CAUSA” e “FACEBOOK”; data da pesquisa: 04 de novembro de 2014. Dos 22 resultados encontrados, entretanto verifica-se que dois julgados relatam como causa de justa causa o mau uso da rede social facebook. Em um período de um ano e é possível constatar que as relações empregatícias estão passando por mudanças pontuais no tocante a má utilização das redes sociais.

Neste sentido, o acordão proferido pela 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, onde o magistrado ilustra que a postagem realizada na rede social Facebook, pode acarretar ato lesivo à honra e à boa fama do empregador preenchendo os requisitos necessários à despedida do empregado por justa causa.

“JUSTA CAUSA. ATO LESIVO À HONRA E À BOA FAMA DO EMPREGADOR E DE SUPERIOR HIERÁRQUICO. Justa causa configurada pela prática de ato lesivo à honra e à boa fama do empregador e de superior hierárquico. Aplicação do artigo 482, "k", da CLT”. Os termos da postagem são lesivos à honra e à boa fama do encarregado Cleiton e da própria empresa, ao contrário do mencionado no recurso, por ser identificável, motivo pelo qual incide à espécie o artigo 482, "k", da CLT, e não deve ser acolhida a tese do recorrente no particular. […] Observo, ainda, que as redes sociais não são espaço privado, mas praticamente público, porquanto mesmo que uma pessoa não faça parte da sua rede de "amigos", tem acesso a qualquer dos seus comentários, postagem de fotos, vídeos, etc. por intermédio de terceiro. Não raro se verifica nas postagens do Facebook, a seguinte expressão "Fulano, amigo de beltrano, compartilhou o seu link"; ou "Fulano, amigo de sicrano, também comentou a foto de beltrano" e assim por diante. Os comentários feitos em rede social não se destinam apenas aos vinculados à rede de determinados amigos, porquanto esses têm outros tantos amigos, e aqueles outros tantos, o que permite que o conteúdo originalmente para determinado grupo insertas na conta seja reproduzido para um número indeterminado de pessoas. Registro que eu, particularmente, tenho uma conta na rede social do Facebook e sempre tenho muito cuidado com o que posto a título de comentários ou mesmo conteúdo. Na minha conta são exatos trezentos e quarenta e nove "amigos". Em uma postagem realizada, esta recebeu não menos do que quatrocentas e oitenta e oito "curtidas" e um grande número de comentários, alguns completamente estranhos. “E outra, as fotos receberam oitocentas e sessenta e duas “curtidas”, o que bem ilustra o fato de que nas redes sociais inexiste privacidade, à exceção de comando específico para tal finalidade”. O fato de a postagem ter sido feita em computador pessoal, fora do horário do trabalho, em nada favorece o autor, na medida em que lançados comentários desabonadores tanto para a empresa quanto para outro empregado em rede social, cuja abrangência, em alguns casos, pode atingir milhões de pessoas. Com esse tipo de comunicação, não há privacidade, como já referido, e também indicativo que a sociedade está em rede, muito próxima do que o escritor George Orwell previa em 1949 no seu livro "1984” […]. TRT4-RO-886-66.2012.5.04.0252 (BRASIL, 2014-a).”

Desta forma visualiza-se que a honra e imagem da empresa foram contrapostas com a liberdade de expressão do funcionário para que o magistrado verificasse a legalidade da imposição da sanção de rescisão do contrato por justa causa. Desta forma, os tribunais trabalhistas têm buscado solucionar estes novos conflitos a partir da perspectiva de proteção dos direitos fundamentais dos titulares da relação de trabalho, o que se coaduna com a presente pesquisa.

O diferencial desta decisão é a referência do magistrado que ele próprio tem uma conta na mesma rede social e, no entanto, toma cuidado com as postagens que realiza considerando a quantidades de contatos (amigos) e visualizações das postagens que realiza.

Em outra decisão, o magistrado João Batista de Matos Danda da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, entendeu que as injúrias proferidas pelo empregado foram graves, restando autorizado o rompimento do ajuste com amparo na alínea “k” do art. 482 da CLT, tal qual procedido pela reclamada:

“JUSTA CAUSA. Correta a despedida do reclamante, por justa causa, quando resta demonstrado que, sem qualquer motivo, o autor difamou a empresa em rede social. Ato lesivo à honra ou boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos. Recurso provido apenas para assegurar férias e natalinas proporcionais”. […] Ato lesivo à honra ou boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos. A alegação, neste particular, é de que o reclamante teria difamado a empresa em publicação veiculada em rede social. Tal qual a origem, entendo que a prova produzida ampara o enquadramento procedido para fins de rescisão motivada. […] Vieram às fls. 63-70, cópias da página do autor no facebook. Consigna, a qualificação profissional, a condição de "Escravo na empresa escravo.com" Na identificação de "Trabalho e educação" (fl. 64), ainda, indica como empresa "escravos.com" e, como função, "Escravo". A fl. 65 consigna a seguinte publicação "Eu preciso de um advogado, quem souber me comunique, por favor. Tenho que, fazer algo, contra os abusos, ocorridos, na empresa em que trabalho. Persegição, constrangimento e até rascismo sofri lá dentro."  (transcrição textual). Houve publicidade, sendo que algumas pessoas curtiram e comentaram. As ultimas intimidações são suspenções, descabidas, acarretando descontos gigantescos no meu salário, me tirando as condições mínimas de subsistência. Estamos a merce de um déspota arrogante e prepotente, intitulado diretor geral. Se você acha isso injusto compartilhe, por justiça. (transcrição ipsis litteris). TRT4-RO-285-48.2013.5.04.0471” (BRASIL, 2014-b).

     A decisão é interessante, pois contrapõe além da liberdade de expressão também a privacidade do usuário, de forma a sopesar os valores constitucionais em conflito ao julgar a licitude da imposição da justa causa.

     Ainda em decisão relatada pelo Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz da 2ª turma, ele entendeu que a liberdade de expressão deveria prevalecer e determinou a reversão de uma justa causa imposta a um empregado que teria feito uma piada com o pagamento de determinadas verbas:

“RECURSO ORDINÁRIO PRINCIPAL DA RECLAMADA. RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO RECLAMANTE. Matéria comum. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. INVALIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Controvérsia pertinente à validade do afastamento por justa causa implementado pela ré, frente à conduta do reclamante em publicar em sítio de relacionamento na internet manifestação de desapreço em relação à empresa, notadamente em razão de não haver percebido a verba "PPR". Conquanto não louvável a atitude do autor, ao postar, em sua página do "Facebook", manifestação representada em forma de "piada" sobre o fato de não haver a demandada adimplido a parcela relativa à participação nos lucros, igualmente reprovável o proceder da empresa, ao instituir a mencionada verba, e não efetuar o pagamento a seus empregados sob a justificativa, não comprovada, de que estes não cumpriram as metas estabelecidas. Conduta do reclamante que, no entanto, não enseja a dispensa por justa causa, por desproporcional à falta praticada, sendo confirmada a decisão que reverteu a despedida por justa causa, transformando-a em afastamento sem motivo juridicamente relevante. Indevida, porém, a indenização por danos morais postulada pelo demandante, pois a reversão da justa causa, por si só, não autoriza tal reparação. Para o deferimento da pretensão, cabia ao reclamante provar situação humilhante ou vexatória pela qual passou por conta da "dispensa" operada, ônus do qual não se desincumbiu a contento. Apelos negados. RECURSO ORDINÁRIO PRINCIPAL DA RECLAMADA. ADICIONAL NOTURNO. JORNADA REALIZADA APÓS AS CINCO HORAS DA MANHÃ. Reclamante que faz jus ao pagamento de adicional noturno sobre as horas trabalhadas após as cinco horas da manhã, conforme disposto no parágrafo 5º do art. 73 da CLT e Súmula 60, II, do TST. Apelo não provido. RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO RECLAMANTE. INTERVALO ENTREJORNADAS. INOBSERVÂNCIA. HORAS EXTRAS. O serviço prestado com prejuízo do intervalo obrigatório entre duas jornadas deve ser remunerado como extraordinário, não se tratando de mera infração administrativa. Inteligência da Súmula nº 110 do C. TST, aplicável analogicamente, e da Orientação Jurisprudencial 355 da SDI-1 do TST. Recurso do autor provido, no aspecto. TRT-04 0001169-85.2012.5.04.0512 RO” (BRASIL, 2014-C).

Nesta decisão houve a manutenção da reversão da despedida por justa causa aplicada pela empregadora quando o empregado postou piada sobre o pagamento de determinada verba em uma rede social, inclusive na sentença foi referido expressamente que:

“Assim, para analisar a justa causa aplicada, impõe-se cotejar o direito à honra e à imagem da empresa com a liberdade de informação e expressão do reclamante. A honra e a imagem são direitos fundamentais assegurados no art. 5º, X, da Constituição Federal, aplicados à pessoa jurídica. De outro lado, a liberdade de manifestação do pensamento, expressão e informação também estão asseguradas constitucionalmente no art. 220 da Constituição Federal. […] Neste contexto, o reclamante publicou no Facebook a imagem com os dizeres constante do impresso da fl. 205 dos autos. Assim, a publicação revelou-se em mero exercício regular do direito à livre manifestação do pensamento e liberdade de expressão e informação. […] Concluo, portanto, pela nulidade da dispensa por justa causa, revertendo para dispensa sem justa causa de iniciativa da empregadora.”

Dessa forma visualiza-se que neste caso houve o contraponto entre a liberdade de expressão do empregado, autor das postagens ofensivas, e a honra e imagem da empresa ofendida, e o tribunal entendeu que a aplicação da sanção por justa causa não se mostrava proporcional, solução que se coaduna com a temática do presente trabalho.

Quanto ao resultado da pesquisa – os demais 19 julgados – tratam basicamente das mesmas questões pelo que, considerando as dimensões deste trabalho, não serão pormenorizadamente analisados.

Dessa forma visualiza-se que o Tribunal Regional do Trabalho não tem aplicado de forma massiva a proporcionalidade proposta no presente texto entre o direito à liberdade de expressão do empregado e à honra e imagem da empresa, algo que se sustenta constitucionalmente, pois protege os titulares da relação de trabalho.

E também soluciona os novos conflitos surgidos do avanço das tecnologias informacionais que podem ora maximizar estes direitos, pensando sob a ótica da liberdade de expressão, ou torná-los mais vulneráveis, como no caso da honra e imagem da empresa.

O que também se conclui com a diversidade de soluções apontadas pelos julgados é que as peculiaridades de cada caso concreto influenciaram a decisão, o que também se coaduna com a construção de soluções jurídicas adequadas aos conflitos da sociedade informacional.

Ora o Tribunal entende manter a rescisão do contrato de dispensa por justa causa, protegendo a imagem e reputação do empregado de forma mais contundente; ora o Tribunal entende por não limitar a liberdade de expressão do empregado, revertendo tal sanção aplicada pelos empregadores.

CONCLUSÃO

A presente temática partiu de uma preocupação com a aplicabilidade das estruturas jurídicas do direito do trabalho tradicional, dentre as quais o direito sancionatório, aos novos conflitos surgidos do avanço das novas tecnologias.

Além disto, como todo o ramo infraconstitucional o direito do trabalho também tem um papel de proteção e promoção dos direitos fundamentais das pessoas, sejam físicas ou jurídicas.

Para o presente trabalho foram elencados os direitos à imagem da empresa e à liberdade de expressão do empregado, quando este realiza postagens difamatórias e ofensivas à empresa onde trabalha, dentro do seu perfil pessoal nas redes sociais da Internet.

Outra questão que foi trazida para a presente temática é a necessidade de boa-fé e lealdade entre os titulares da relação de trabalho, algo que denota as clássicas lições de Plá Rodriguez.

No decorrer do presente trabalho buscou-se pontuar conceitos necessários para entender o direito a liberdade de expressão do empregado em face do direito a imagem do empregador.

Assim, constatou-se que a mera aplicação de uma sanção disciplinar quando da ocorrência de conflitos no ambiente virtual não seria suficiente para melhorar o convívio nas relações de trabalho, pois em um eventual questionamento judicial provavelmente esta sanção seria revertida como decorrência da liberdade de expressão do empregado, como ocorreu no julgado nº 0001169-85.2012.5.04.0512.

Portanto, a melhor solução seria partir de uma proporcionalidade, entre esta liberdade de expressão e o direito à imagem da empresa, para que no caso concreto a aplicação da sanção tenha uma justificativa jurídica que se sustente.

Apesar de ser a solução que melhor privilegia os direitos fundamentais em conflito, esta proporcionalidade não é aplicada de forma tão massiva pelas jurisprudências do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, encontrando apenas o julgado nº 0001169-85.2012.5.04.0512, que expressamente refere este conflito, o que demonstra um posicionamento clássico sobre a aplicação da sanção de justa causa.

 

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PINHEIRO NETA, Julieta. Ofensa ao direito de imagem do empregador e resolução do contrato de trabalho por justa causa. In: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO, Escola Judicial do. Estudos de administração judiciária: reflexões de magistrados sobre a gestão do Poder Judiciário. Porto Alegre: HS Editora, 2009, p. 200-208, disponível em <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/EscolaJudicial/OutrasPublicacoes>. Acesso em 10. Set. 2014.
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Notas

[1] Conforme a “Declaração de Direitos e Responsabilidades” esta rede social basicamente “envolve os recursos e serviços que disponibilizamos inclusive através de (a) nosso site www.facebook.com e qualquer outro site da marca Facebook ou sites de marca compartilhada (incluindo subdomínios, versões internacionais, widgets e versões para celulares); (b) nossa plataforma; (c) plug-ins sociais, como o botão Curtir, o botão Compartilhar e outras ofertas similares (d) e outras mídias, softwares (como uma barra de ferramentas), dispositivos ou redes já existentes ou desenvolvidos posteriormente.” (FACEBOOK, 2014).
[2] Expressão latina que significa basicamente “a ninguém ofender” e como esclarece Plácido e Silva (1999, p. 554) “fundando um dever social, elementar a própria ordem jurídica, impõe em princípio, que não se deve lesar a ninguém, respeitando os direitos alheios, como os outros devem respeitar os direitos de todos.”
[3] Abreviatura que passará a ser utilizada com a finalidade de identificar as Tecnologias Informacionais e Comunicacionais desenvolvidas no início da década de 70 do século XX, tais como os processadores, computadores, redes, internet, etc.
[4] Para Humberto Ávila (2006) consiste na escolha de meios adequados, necessários e proporcionais para a realização dos fins almejados, ou seja, o meio deve promover o fim desejado, sendo, portanto adequado, dentre todos os adequados para promover tal fim, ser o menos restritivo em relação aos direitos fundamentais, sendo o necessário, e por fim, as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca, sendo proporcional em sentido estrito.

Informações Sobre o Autor

Liana Silva de Araujo

Pós-graduanda em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Franciscano


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