O Complexo Hidrelétrico de Garabi-Panambi e os conflitos do desenvolvimento

Resumo: O presente estudo tem como objetivo a análise e reflexão acerca da possível construção de um complexo hidrelétrico denominado Garabi-Panambi, no rio Uruguai, que engloba um projeto binacional entre Argentina e Brasil, e os conflitos do desenvolvimento que esta envolve. Para tanto, contextualiza-se a realidade da região que será afetada pela obra trazendo esta ao encontro de pensamentos literários que rodeiam o tema. Ao entender que a sociedade apresenta-se cada vez mais em uma situação de objeto e menos de sujeito do seu destino, percebe-se que os ideais individuais sejam por vezes conflitantes com os comunitários. Conclui-se, então, que é somente por intermédio da informação, inclusão de todos os indivíduos e grupos que serão afetados, tanto de maneira negativa quanto positiva, por tal obra e esclarecimentos sobre o empreendimento em questão que se possibilita à sociedade a oportunidade de transformação e desenvolvimento de uma maneira ética e justa.

Palavras-chave: Comunidades Ribeirinhas; conflitos do desenvolvimento; participação popular.

Abstract: The objective of this study is to analyze the possible construction of an hydroelectric complex named Garabi-Panambi in the Uruguay River, which includes a binational project between Argentina and Brazil, and the development conflicts that this proposal involves. Therefore, the reality of the region that will be affected is contextualized by the construction, gathering along literary thoughts that surround the subject. Understanding that society presents itself more and more in a situation of object and less as subject of its destiny, makes it perceivable that the individual ideals are sometimes conflicting with the community’s. It is concluded, then, that it is only through information, inclusion of all groups and individuals that will be affected (both negatively and positively) by this construction and through clarifications on the enterprise in question that enables society the opportunity to transform and develop in an ethical and fair way.

Key-words: Riverside communities; development conflicts; popular participation.

Sumário: Introdução. 1.2. Contextualização do tema: O Complexo Hidrelétrico de Garabi-Panambi e os Conflitos do Desenvolvimento. 2. Resultados e Discussões. Conclusão. Referências.

Introdução

Este ensaio tem como objetivo analisar e refletir acerca da possível construção de um complexo hidrelétrico denominado Garabi-Panambi, no rio Uruguai, que engloba um projeto binacional entre Argentina e Brasil, e os conflitos de desenvolvimento que envolvem a questão. As usinas hidrelétricas atingirão os territórios brasileiros das cidades de Alecrim e Garruchos, no Rio Grande do Sul. O conflito se estabelece no fato de que os efeitos aos atingidos nem sempre são revelados em sua totalidade, apenas as consequências positivas são apontadas, de modo que os ribeirinhos não possuem conhecimento do que realmente acarretará nas suas vidas com o impacto das hidrelétricas. É preciso que haja esclarecimentos sobre os efeitos positivos e negativos que atingirão todos os envolvidos, o que possibilita a participação da totalidade dos indivíduos afetados, para que assim se obtenha uma decisão justa e equitativa, e não uma imposição de cunho, exclusivamente, econômico.

1.2 Contextualização do tema: O Complexo Hidrelétrico de Garabi-Panambi e os Conflitos do Desenvolvimento

Desde que iniciaram os estudos ambientais para a construção das hidrelétricas de Panambi e Garabi, no rio Uruguai, muitas discussões são promovidas tanto nas regiões que serão afetadas, como em ambientes acadêmicos, políticos e sociais, para promover a divulgação dos possíveis impactos positivos ou negativos decorrentes da construção e implantação das referidas usinas hidrelétricas, que serão localizadas na fronteira entre o Brasil e a Argentina, propriamente, em terras brasileiras, nas cidades de Alecrim e Garruchos/RS, .

Complementando as inúmeras informações referentes aos efeitos refletidos pela construção das barragens, o então diretor de Geração da Eletrobrás, Valter Cardeal, afirmou aos prefeitos das cidades que podem ser atingidas pela obra que esta só seria, efetivamente, realizada caso promovesse a melhora na qualidade de vida da população local. Porém, da declaração de Cardeal se extrai, justamente, um dos pontos mais complexos no estudo sobre o desenvolvimento das hidrelétricas, qual seja, o aumento, ou não, da qualidade de vida. Essa complexidade se dá em razão da subjetividade que o termo engloba.

A transição do pensamento mecanicista e cartesiano, proposto pelo filósofo René Descartes, para o pensamento complexo do sociólogo Edgar Morin (MORIN, 2006), induz a considerar mais de uma das perspectivas envolvidas em qualquer situação e, como era de se esperar, se aplica no tema em questão.

A ideia de desenvolvimento compreendida apenas se considerando o crescimento econômico é um equívoco comum, que por vezes se imagina e se repete em diversas circunstâncias, resultado do senso comum difundido nas esferas sociais sem acesso ou com pouco conhecimento. Lipovetsky (2004) aborda a ideia de que não, necessariamente, existe uma maneira certa ou errada de agir, contudo, o conhecimento a respeito do assunto que se trata é fundamental, de maneira que só assim é possível se desenvolver autonomia.

É por meio dessa questão que se indaga se população que habita a região que será potencialmente afetada pela construção das barragens possui o conhecimento adequado sobre todos os efeitos causados pelos empreendimentos, e se existe a autonomia para uma decisão coerente e apropriada, considerando todos os prós e contras que se apresentam. Nem tanto se questiona a positividade ou negatividade de tal empreendimento, mas sim a autonomia – ou falta desta – demonstrada pelos indivíduos que habitam essas regiões, visto que é somente o conhecimento e a autonomia sobre a possibilidade de decidir que concede a eles a capacidade de transformação de seu meio social.

Se sabe que a demanda de energia elétrica em todo o cenário nacional é crescente, e tende a continuar assim, contudo, a construção de uma barragem para este fim impõe questionamentos de difícil resposta, gerando uma constante inquietude: afinal, quem ganha e quem perde (e o que perde) com a construção de uma barragem?

Atualmente, os estudos ambientais para a construção das barragens de Panambi e Garabi, no rio Uruguai, encontram-se paralisados por determinação da justiça, e a Eletrobrás, empresa brasileira responsável pelas obras, não tem se manifestado sobre a liminar que determinou a suspensão dos estudos ambientais para o prosseguimento da obra, tampouco tem comparecido às audiências públicas para discussão da viabilidade dos empreendimentos hidrelétricos.

Segundo Valter Cardeal, o complexo hidrelétrico Garabi-Panambi tem um custo previsto de US$ 5,2 bilhões, e gerará 2.200 MW de energia elétrica, sendo que tudo será dividido igualmente entre Brasil e Argentina. Além disso, há previsão de geração de 12,5 mil empregos entre as 2 cidades, com a proposta de que 70% destas vagas sejam ocupadas por mão de obra local, o que aparenta uma alternativa interessante para o crescimento da região, com novos empregos e novas fontes de renda.

2. Resultados e Discussões

Contudo, como já referido, em razão da falta de conhecimento e, consequentemente, de autonomia, os dados apontados demonstram a realidade para a população nas regiões afetadas? Como garantir que os empregos gerados serão ocupados pela mão de obra local, e que a construção não ocasionará uma migração temporária de trabalhadores para o local, o que acarretaria em um desequilíbrio social e econômico nas regiões em questão? Como analisar, nessa perspectiva, a questão ética, conforme apontado por Beck ( 2011), ao tratar da sociedade de risco em função da constante busca pela geração de riquezas, se cada vez mais a neo-individualização comanda a tomada de decisões, manipulando a opinião pública por meio de informações tendenciosas e por vezes até falsas.  

Além das consequências positivas sugeridas por Cardeal, também seriam consequências da construção do complexo hidrelétrico Garabi-Panambi o alagamento de diversas áreas nos municípios da região, como é o caso de Porto Mauá, cidade de fronteira no Noroeste do estado, que teria cerca de 65% da sua zona urbana alagada e, igualmente, 38% da sua zona rural; além da ruptura do equilíbrio ecológico e o desaparecimento do Salto do Yucumã – em razão do alagamento formado pela barragem – que é considerada a maior cachoeira longitudinal do mundo, e está localizado ao norte do território onde foi planejada a barragem, no município de Derrubadas/RS.

Diante da complexidade que a questão abarca, infere-se que a situação não é de fácil resolução. Em função do contexto que a sociedade atual está inserida, com um consumo irrefreável e a demanda cada vez maior de energia elétrica, questiona-se a quem cabe o ônus disso tudo? 

O comportamento consumista, segundo aponta Bauman (2008), coloca a sociedade cada vez menos em uma condição de sujeitos e cada vez mais como objetos de consumo propriamente, onde tudo o que se faz e a maneira com a qual se faz tem como objetivo a geração de lucros, onde a ideia de indivíduo supera a ideia de grupo e comunidade.

Enquanto a cultura do medo, projetada pela segregação e pelo “complexo de vira-lata” aos cidadãos, dominar as tomadas de decisão fazendo com que se busque a aceitação individual, não será possível, enquanto sociedade, viver e conviver juntos, como sugere Tiburi (1970), e a perspectiva do ambiente será sempre entendida como um espaço à disposição dos interesses dos detentores de maior capital, não dos que deste ambiente vivem, os ribeirinhos.

Conclusão

O tema abordado não se soluciona como uma questão de múltipla escolha, onde existe apenas uma alternativa correta, contudo, é preciso que haja autonomia nas decisões e escolhas, bem como conhecimento e participação de todos os atores sociais envolvidos no desenvolvimento do complexo hidrelétrico em questão, sejam eles a população em geral, a população atingida direta e indiretamente pelo empreendimento, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), poder público e privado e demais grupos sociais envolvidos, a fim de proporcionar um debate esclarecedor para se buscar a melhor alternativa para todos. 

Desse modo, como apontado por Lipovetsky e já destacado anteriormente, é somente por intermédio da informação, inclusão de todos e esclarecimentos sobre o empreendimento que se possibilita à sociedade a oportunidade de transformação de uma maneira ética e justa, mantendo a “qualidade de vida” proposta por Cardeal sob a perspectiva do pensamento complexo de Morin – ou seja, analisando, concomitantemente, as questões sociais, econômicas e ambientais, buscando sempre uma alternativa equilibrada e que se ajuste na reais necessidades dos atores envolvidos.

 

Referências
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: Rumo a uma Outra Modernidade. 2 Ed. São Paulo, 2011.
LIPOVETSKY, Gilles. Metamorfoses da cultura: ética, mídia e empresa. Tradução Juremir Machado da Silva – Porto Alegre: Sulina, 2004.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007.
PORTAL BRASIL. Diretor da Eletrobras apresenta projeto das hidrelétricas Garabi e Panambi. (2014). Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/04/diretor-da-eletrobras-apresenta-projeto-das-hidreletricas-garabi-e-panambi> Acesso em: 10 mar. 2017.
TIBURI, Marcia. Filosofia Prática. 3. ed. – Rio de Janeiro: Record, 2016.

Informações Sobre os Autores

Bruno Nonnemacher Buttenbender

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Taquari, Mestre em Ambiente e Desenvolvimento pela UNIVATES, Graduado em Administração pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

Marcele Scapin Rogerio

Doutoranda em Ambiente e Desenvolvimento pela UNIVATES, Mestra em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, Especialista em Educação Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria, Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ

Ana Christina Konrad

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Taquari, Mestra em Ambiente e Desenvolvimento, graduada em Direito (UNIVATES); Bolsista PROSUC/CAPES


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