Adequações típicas da “sextorsão” na República Federativa do Brasil

Resumo: O presente trabalho tem por escopo fazer uma análise acerca das adequações típicas da “sextorsão” na República Federativa do Brasil. Para tanto, serão consideradas correntes doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. Adequações típicas serão consideradas enquanto enquadramentos típicos do fato e “sextorsão”, como chantagem online para a obtenção de vantagens sexuais e afins para guardar sigilo de imagens e vídeos íntimos da vítima. Afinal, as vantagens sexuais exigidas seriam suficientes para a configuração do crime de estupro previsto no artigo 213, do Código Penal brasileiro? E se a vantagem fosse de cunho pecuniário ou qualquer outra de ordem patrimonial, por qual crime o agente responderia? E se o comportamento ocorresse entre o subordinado e superior hierárquico, estaríamos diante do assédio sexual?

Palavras-chave: Sextorsão; Vantagem Sexual; Código Penal Brasileiro; Extorsão; Adequações Típicas.

Abstract: The present work has the purpose of analyzing the typical adjustments of "sextorsão" in the Federative Republic of Brazil. For that, doctrinal and jurisprudential currents will be considered on the subject. Typical adaptations will be considered as typical framing of the fact and "sextorsão", as online blackmail to obtain sexual advantages and the like to keep secrecy of images and intimate videos of the victim. After all, would the sexual advantages required be sufficient for the configuration of the rape crime provided for in article 213 of the Brazilian Penal Code? And if the advantage was pecuniary or any other patrimonial, by what crime would the agent respond? And if the behavior happened between the subordinate and superior hierarchical, would we face sexual harassment?

Keywords: Sextorsão; Sexual Advantage; Brazilian Penal Code; Extortion; Typical Adequations.

Sumário: Introdução. 1.“Sextorsão”: Conceitos e Contexto Histórico. 1.1 Conceito e Definição de “Sextorsão”. 1.1.1 Sexting e Sextorsão. 1.1.2 Contexto Histórico da Sextorsão. 1.2 “Sextorsão” sob a óptica da Associação Internacional de Mulheres juízas (IAWJ). 2. Adequações típicas da “sextorsão” na República Federativa do Brasil. 2.1 Da novidade do termo ao Direito penal garantista. 2.2 Adequações típicas da sextorsão no ordenamento jurídico brasileiro. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Em meio aos inúmeros benefícios trazidos pelas inovações tecnológicas no campo das comunicações e que hoje nos permitem o estreitamento de distâncias, interações com informações, notícias e outras pessoas em tempo real, práticas abusivas e perniciosas são praticadas com o intuito de violar direitos e causar danos irreparáveis ao psicológico das vítimas.

Do envio de fotografias e vídeos a sites de pornografia, com o intuito de ridicularizar, á exposições não consensuais do corpo e órgãos sexuais de outrem, temos percebido o aprimoramento das condutas com o passar dos anos e destacado a urgente necessidade de que o Estado faça uso dos instrumentos que dispõe para reprimir e punir seus agentes.

E nessa linha de aprimoramento das condutas acima descritas, é que se desenvolveria em meados de 2010, embora haja controvérsias sobre seu conceito, o que comumente se denominaria na República Federativa do Brasil de “sextorsão”, uma chantagem online para a obtenção de vantagens sexuais e afins com vistas a não exposição de vídeos e, ou, imagens íntimas da vítima.

E em que pese essa chantagem se voltasse inicialmente à exigência de vantagens sexuais, casos mais recentes enumeram que também nesse aspecto a conduta tenha evoluído, vez que seus agentes já começam a destacar outros pedidos, desde a reivindicação de recursos materiais a constrangimentos a fazer ou deixar de fazer algo.

Neste sentido, o presente trabalho sem a intenção de esgotar a problemática abordará a questão da “sextorsão” e suas adequações típicas na República Federativa do Brasil em dois capítulos.

No primeiro deles, descrevendo o conceito e definição de “sextorsão”, a relação entre “sexting” e sextorsão, o contexto histórico da sextorsão e a sextorsão na concepção da Associação internacional de mulheres juízas (AIWJ).

E no segundo, dos amoldamentos das condutas do agente que pratica a sextorsão na República Federativa do Brasil, ressaltando desde a novidade do termo ao direito garantista.

Afinal, que adequações típicas seriam possíveis na República Federativa do Brasil a essa conduta? Caberia sua adequação no crime de injúria? Diante das vantagens sexuais se configuraria o crime de estupro? E se a vantagem fosse de cunho pecuniário ou qualquer outra de ordem patrimonial, por qual crime o agente responderia? E se o comportamento ocorresse entre o subordinado e superior hierárquico seria praticado o crime de assédio sexual?

1. “SEXTORSÃO”: CONCEITOS E CONTEXTO HISTÓRICO

1.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO DE “SEXTORSÃO”

Considerando que o objetivo do presente trabalho seja discorrer acerca das adequações típicas da “sextorsão” na República Federativa do Brasil, é importante que preliminarmente façamos um breve estudo sobre seu conceito e definição.

Contudo, devemos alertar o leitor de que o conceito e definição apresentado nesse tópico é ainda controvertido na doutrina e jurisprudência dada a novidade do tema e, sobretudo, pela exposição de uma outra ideia sobre ele apresentada pela Associação Internacional das Mulheres Juízas (AIWJ).

Em que pese à terminologia “sextorsão” indique um neologismo quando propõe a junção entre as palavras sex e corruption, com vistas a indicar situação na qual uma relação de poder é utilizada como instrumento para a obtenção de vantagem sexual, no âmbito interno da República Federativa do Brasil ao ser traduzida para a língua portuguesa seria adaptada a combinação entre os termos “sexo” e extorsão”.

Para a promotora de justiça Ana Lara Camargo de Castro e Spender Toth Sydow (2016, p.12), “sextorsão”, trata-se de expressão que assinala exploração sexual através do constrangimento de uma pessoa á prática sexual ou pornografia em troca da preservação de sigilo de imagem, vídeo ou correlatos da vítima em nudez ou durante a relação sexual.

Neste diapasão, o jurista Jorge Fernandez salienta que:

(…) uma imagem ou seqüência íntima ou comprometedora em vídeo pode se converter em um pesadelo se chega a mãos inadequadas. Quando quem a possui submete a pessoa que a protagoniza a chantagem sob a ameaça de que mostrará a alguém ou a tornará pública, estamos diante de um caso de sextorsão (…). (FERNADEZ, 2013, p.84).

Observe que da narrativa dos autores acima referidos é possível destacar a chantagem, a exposição da intimidade da vítima e a vantagem como pontos centrais da prática da “sextorsão”, não obstante essa última, inicialmente dirigida à sexualidade, venha dividindo lugar com outras vantagens.

Para o promotor de justiça Rogério Sanches (2017), em vídeo divulgado no youtube sob o título “adequação típica- sextorsão”, a par da evolução dessa prática seria possível ao agente auferir vantagens não apenas patrimoniais, mas semelhantemente favores pessoais, injúrias a vítima, a realização constrangimentos e outros, daí ressaltando as inúmeras adequações típicas a essa conduta em nosso ordenamento jurídico.

Assim, o conceito e definição de “sextorsão” é aquele do qual se depreende a prática de uma chantagem online da vítima para auferir vantagens sexuais ou outras de cunho patrimonial, de favorecimentos para a não exposição de imagens e vídeos íntimos comprometedores.

1.1.1.Sexting e Sextorsão

Apresentado o conceito e definição de sextorsão como chantagem para a obtenção de vantagens sexuais e outras afins para a não exposição de material íntimo da vítima, a seguir, trataremos do “sexting” e sextorsão.

Segundo a promotora de justiça Ana Lara Camargo Castro e Spender Toth Sydow (2016, p.12), a terminologia “sexting” é semelhantemente a “sextorsão” um neologismo advindo de palavras inglesas que foram difundidas no meio jurídico mundial no contexto de cyberstalking e cyberbulling, como a prática de troca de mensagens e fotografias de cunho sexual.

Abordada inicialmente nos Estados Unidos da América pela junção dos termos sex e texting, para as juristas Flach e Deslandes (2017, p.10), a terminologia indicaria o envio de textos, fotografias e vídeos de conotação sexual, destacando-se a nudez do sujeito exposta a agente determinado ou multidão.

Como se denota, trata-se, da exposição da intimidade realizada por ato de seu próprio detentor a um ou mais indivíduos, sem a intervenção ou violação de intimidade pela quebra de sigilo, mantendo a partir daí um paralelo com a ideia de sextorsão acima transcrita.

Diz – se paralelo, pois o sexting pode dar lugar para a prática da sextorsão, quando tais imagens e vídeos íntimos são utilizados por outrem para chantagear a vítima que, anteriormente tenha as cedido. Em outras palavras, o envio de nudes, imagens de pessoa semi-nua e vídeos correlatos que são utilizados por ex-namorados, namorados, hackers para chantagear a vítima.

Logo, sexting e sextorsão como neologismos advindos do berço americano enumeram uma relação de proximidade, quando a exposição de conteúdos materiais íntimos compartilhada de forma consensual é utilizada, posteriormente para chantagear outrem com vistas a obtenção de vantagens pelo agente criminoso.

1.1.2 Contexto Histórico da “Sextorsão”

Feita uma análise do sexting e sextorsão como expressões que mantém estrita relação, neste tópico, passaremos a tratar do contexto histórico da sextorsão.

Segundo apontamentos da promotora de justiça Ana Lara Camargo Castro e Spender Toth Sydow (2016, p.19), o termo “sextorsion” teria surgido propriamente dito a partir de investigações promovidas pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), no ano de 2010, quando da análise de um caso envolvendo um hacker que controlava a webcam e conversas de suas vítimas para, posteriormente, as extorquir sexualmente.

E não obstante tal prática nos seja conhecida recentemente, a par das inovações tecnológicas, frisa André Almeida (2017, s/p), que é possível averiguar aprimoramentos na Ásia oriental pela implantação de malwares para androids, que ao copiarem contatos da agenda do telefone intensificam a ação dos agentes ao envolverem amigos e familiares da vítima.

Na República Federativa do Brasil, não tão diferente dos outros países, tal prática tem se intensificado rapidamente de modo a promover discussões sobre o tema nos meios sociais e jurídicos, bem como a assinalar a necessidade de inserções legislativas sobre o tema.

Notadamente poderíamos citar aqui inúmeros casos já vislumbrados em nosso país, mas optamos por transcrever a necessidade de uma reforma dentre os crimes contra a dignidade sexual para adequá-la aos instrumentos e realidade contemporânea, na qual mulheres e homens são vítimas de pornografias de revanche, de violações aos seus direitos sexuais em ônibus e metrôs e da própria “sextorsão”.

Assim, o contexto histórico da sextorsão indica a prática de ações prejudiciais a liberdade e direitos sexuais dos indivíduos, a par das inovações tecnológicas e, cuja nomenclatura foi cunhada nos Estados Unidos da América, quando da investigação da Federal Bureau of Investigation (FBI), ano de 2010.

1.2 “SEXTORSÃO” SOB A ÓPTICA DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE MULHERES JUÍZAS (IAWJ)

Comentado o contexto histórico da sextorsão, a seguir, passaremos a análise da “sextorsão” sob a óptica da Associação Internacional de mulheres juízas (IAWJ).

Denotará o leitor que a proposta da Associação Internacional de mulheres juízas (IAWJ), ao promover um estudo sobre a sextorsão transcreve em linhas gerais um conceito diferente do trazido pelo FBI, sobretudo, pelo emprego da palavra “corruption” como algo estragado, com a integridade afetada.

Patrocinada pela Holanda e em parceria com a Tailândia, Filipinas e Bósnia Herzegovina, a referida associação, no ano de 2012, concluiria que o que hoje chamamos de sextorsão consistiria em um conceito com duplo componente, qual seja; a corrupção associada ao sexo na forma de exercício abusivo do poder. (CASTRO; SYDOW, 2016, p.12-13).

Em outras palavras, segundo as juízas a prática da sextorsão exigiria para a sua concretização três elementos: o abuso de autoridade, a troca quid pro quo e o emprego de coerção psicológica e não física, salientando que quem exige, aceita ou solicita deve estar em posição dominante em relação á vitima, seja homem ou mulher, novo ou velho. (CASTRO; SYDOW, 2016, p.12-13).

Atente-se que diferente do conceito cunhado no ano de 2010, e diga-se o mais moderno e conhecido atualmente, o trazido pela associação de juízas exige a relação de superioridade entre os sujeitos agente e vítima, aproximando-se do que chamamos em nosso ordenamento jurídico de “assédio sexual”.

Observe ainda que tal conceito englobaria apenas parcela ou parte dos casos, deixando de compreender casos corriqueiros que não envolvessem superioridade na relação entre os sujeitos.

Desse modo, a sextorsão sob a óptica da Associação Internacional de mulheres juízas (AIWJ), indica uma corrupção sexual ligada ao exercício abusivo do poder.

2. ADEQUAÇÕES TÍPICAS DA “SEXTORSÃO” NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

2.1 DA NOVIDADE DO TERMO AO DIREITO PENAL GARANTISTA

Salientada a sextorsão sob a concepção da Associação Internacional de Mulheres Juízas (AIWJ), a seguir, comentaremos a incidência da sextorsão na República Federativa do Brasil, inicialmente, abordando alguns pontos da novidade do termo á ideia de um direito penal garantista.

Segundo a promotora de justiça Ana Lara Camargo Castro e Spender Toth Sydow (2016, p.15), a sextorsão debatida por nós até o referido momento leva a comunidade jurídica, legislativa e a própria sociedade a enfrentar três situações distintas; a da não familiaridade com o tema, o ideal da cifra negra e o direito penal garantista.

A não familiaridade de que trata a referida autora salienta que nem os agentes públicos, tão pouco as vítimas sabem manejar os instrumentos legais para coibir e punir as práticas de chantagens sexuais, isto é, ainda temos dúvidas quanto às quais ou qual tipo penal incidiria no caso em concreto, sobretudo, pela redação de nosso Código penal datar de 1940, quando não havia tecnologia tal como hoje.(CASTRO; SYDOW, 2016, p.15).

A cifra negra, outra situação descrita pela promotora expressaria a vergonha da vítima e os preconceitos do homem médio com relação à exposição por ter sido constrangido. (CASTRO; SYDOW, 2016, p.15).

Infere-se aqui também a culpa que recai nos ombros da vítima, sobretudo, se ela cedeu consensualmente material de cunho erótico a outrem e foi chantageada posteriormente, bem como aos julgamentos e falácias sobre sua conduta, comportamentos que parecem mais atestar terem sido eles fundamentos para o criminoso praticar a ação, do que a gravidade elucidada pela violação de direitos.

Infelizmente nossa sociedade é ainda muito machista e preconceituosa com relação aos direitos sexuais e liberdades dos indivíduos, sobretudo, das mulheres, o que fica latente frente a essas perniciosas violações.

Por fim, destaca o direito penal garantista que dentre outras coisas ressaltaria a legalidade, a reserva legal e a subsidiariedade (CASTRO; SYDOW, 2016, p.15), constituindo o que na prática nos encaminha para a não punição e julgamento das práticas ao sentimento de impunidade, tal como ocorrido no caso do agente que “ejaculou” no pescoço de vítima em ônibus em São Paulo recentemente.

O que se pretende enfatizar é que o sistema ao qual aderimos garante ao agente uma proteção contra qualquer fato que não esteja previsto em lei, deixando por outro lado a vítima frente a tal contexto isolada da realidade legal, desacreditada da justiça.

Observe que não estamos aqui defendendo o fim do garantismo penal, elemento importante para o processo penal e julgamento dos agentes frente ao Estado-Juiz, mas, destacando em contrapartida as dificuldades enfrentadas pelas vítimas em face de muitas atitudes novas e prejudiciais que hoje não se encontram disciplinadas pelo legislador infraconstitucional, ou, tão pouco encontra guarida em outras normas para terem satisfeitas suas pretensões punitivas em face de seu agressor.

Assim, a novidade do termo “sextorsão” ao direito penal garantista enumera que necessitamos estudar a referida prática a fundo e transcrevê-la na norma penal, com vistas a garantir efetivamente os direitos sexuais e o respeito à dignidade da pessoa humana, bem como da realização de inovações no campo da educação para influenciar a consciência humana.

2.2 ADEQUAÇÕES TÍPICAS DA SEXTORSÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Consubstanciadas as situações ilustradas pela “sextorsão”, por derradeiro, comentaremos as adequações típicas desse comportamento no ordenamento jurídico brasileiro, considerando não haver norma penal específica a respeito.

Contudo, preliminarmente alertamos o leitor de que a prática ora comentada poderá englobar fatos típicos, ilícitos e culpáveis não referidos nesse artigo, tendo em vista a novidade do tema e a falta de consenso a respeito de seu conceito e características primordiais.

Tomando por base os ensinamentos do promotor de justiça Rogério Sanches Cunha em vídeo divulgado no Youtube em 2017, bem como em artigo veiculado na Revista Liberdades no ano de 2016, de autoria da promotora de justiça Ana Lara Camargo Castro e de Spender Toth Sydow, analisaremos as possíveis incidências nos crimes de extorsão, estupro, constrangimento ilegal, assédio sexual e injúria, destacando ainda impossibilidades quanto aos crimes de violação sexual mediante fraude, concussão e corrupção passiva.

No que tange ao crime de extorsão previsto no artigo 158, do Código Penal brasileiro, assevera Rogério Sanches (2017), que a exigência operada pelo agente recairá na obtenção de vantagens econômicas para si ou para outrem.

Como lembra Thiago Minagé (2013, s/p), o crime de extorsão embora se assemelhe ao crime de roubo, destaca-se pela finalidade específica de obter vantagem econômica, e do qual se depreende a atuação da vítima intimamente ligada a um constrangimento, quando um indivíduo obriga outro a entregar-lhe objeto de valor econômico ou efetuar, tolerar o que está sendo obrigado.

Observe que se a sextorsão é uma chantagem para obtenção de vantagens, o tipo penal da extorsão se ajustaria a conduta quando o constrangimento da vítima, mediante grave ameaça ou violência, se dirigisse à obtenção de vantagens econômicas pelo agente para si ou para outrem, se consumando independentemente da efetiva vantagem. Em outras palavras, quando exigisse dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial para a não exibição das fotos e vídeos íntimos da vítima em rede mundial de computadores.

Em se tratando do delito penal previsto no artigo 213, do Código Penal brasileiro, elucida Rogério Sanches Cunha (2017), que seria possível a configuração do crime de estupro frente à prática de chantagem para a obtenção de vantagens sexuais de conjunção carnal ou ato libidinoso, mediante grave ameaça ou violência.

Como ensina o repositório do Supremo Tribunal Federal, divulgado no site oficial do órgão, as conjunções carnais normais não são proibidas por lei, sendo caracterizado o delito penal de que trata a norma penal do artigo retrocitado quando alguém mediante o emprego violência ou grave ameaça obrigue a vítima a ter conjunção carnal, praticar, ou, permitir que com ele se pratique ato libidinoso. Nessa linha, assevera ainda, que embora a falta de consentimento seja um elemento essencial para que o crime se consume, deve-se expor ao leitor de que nem sempre haverá contato físico, a exemplo, do autor que constranja a vítima a masturbar-se, enquanto ele permanece exercendo atividade meramente contemplativa. Isto é, embora não haja contato físico entre vítima e agente a prática se consumaria no momento em que o agente coagiu outrem a praticar atos de libidinagem em seu próprio corpo.

Atente-se que nesse caso a configuração da “sextorsão” ocorreria frente ao constrangimento da vítima a satisfazer lascívia do agente, em seu próprio corpo, ou, no de seu agressor, ou seja, a obtenção de vantagem aqui seria eminentemente sexual.

E não obstante se mostre possível a adequação típica da “sextorsão” ao crime de estupro, devemos ressaltar que quanto ao crime de violação sexual mediante fraude, ou, comumente conhecido como “estelionato sexual”, a doutrina entende que não seria possível.

Segundo Ana Lara Camargo Castro e Spender Toth Sydow (2016, p.15), a razão de ser dessa impossibilidade ocorria porque o estelionato sexual pressupõe-se uma fraude, tal como previsto na redação da norma penal do artigo 215, ou seja, o emprego de artifício, engano, fato que na prática não poderia englobar a sextorsão, pois não há falsa percepção da situação pela vítima, mas uma real e potencial chantagem, uma verdadeira extorsão.

Advirta que no estelionato sexual há um engano da vítima quanto à percepção dos fatos, distanciando-se da concepção de chantagem para a obtenção de vantagens, caracterizadora da “sextorsão”.

A integrante do parquet e Sydow, outrossim, enumeram que o amoldamento da prática objeto do presente artigo poderia vir a ocorrer em relação aos crimes previstos nos artigos 316 e 317, do Código Penal brasileiro, respectivamente, os delitos penais de concussão e corrupção passiva, se fossem dirigidos a dignidade sexual e não expusessem crimes próprios. (CASTRO; SYDOW, 2016, p.18).

Sendo admissível se cogitar da adequação típica da conduta em relação ao crime de assédio sexual, transcrito no artigo 216 A, do Código penal brasileiro, sobretudo, por trazer o duplo componente, corrupção e sexo, a promotora de justiça Ana Lara Camargo Castro e Spender Toth Sydow (2016, p.16), fazem uma pequena ressalva quanto a sua aplicabilidade apenas aos casos que envolvam uma superioridade hierárquica.

Definido pela doutrina de Rodolfo Pamplona (2005, s/p), como uma conduta de natureza sexual não desejada pela vítima e reiterada pelo agente para cercear a liberdade sexual, o crime de assédio embora transcreva na norma penal "quando praticada no âmbito das relações de trabalho”, pode ocorrer em diversos segmentos sociais, englobando desde a alunos e professores, á médicos e enfermeiros.

Note que nesse tipo penal o agente constrange outrem com o intuito de obter vantagens ou favorecimentos sexuais, prevalecendo-se da condição de superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função, sendo perfeitamente possível seu enquadramento na prática de sextorsão, embora não abarque outras situações que não envolvam a superioridade hierárquica.

Como figura subsidiária, ou, comumente um soldado de reserva, o crime de constrangimento ilegal transcrito na norma do artigo 146, do Código Penal brasileira, poderia vir a configurar a prática da sextorsão, como ensina Rogério Sanches Cunha (2017), quando mediante violência ou grave ameaça, o agente obrigasse outrem a fazer ou deixar de fazer algo.

Segundo Guilherme Moreira Porto (2002, s/p), como um tipo penal que não admite cogitação frente a vexames, vergonhas e escândalos corriqueiros da vida, a conduta de constranger alguém pressuporia uma violação ao princípio da legalidade, quando se obriga alguém a fazer ou deixar de fazer algo não imposto por lei contra sua vontade.

Como se denota, o amoldamento de tal constrangimento a prática da sextorsão elucida uma obrigatoriamente a fazer ou deixar de fazer algo não requerido em lei, mediante violência ou grave ameaça, para que as fotos e vídeos não sejam divulgados, ou seja, o agente sem respaldo legal e com intenções prejudiciais obriga seu semelhante a praticar ações ou tolerar que se pratique em relação a ele.

Ressaltamos ainda que a prática da sextorsão poderá vir a se adequar aos crimes contra a honra objetiva, a exemplo, dos crimes de injúria, difamação, quando salientar uma ofensa a honra objetiva da vítima,tal como ocorre na pornografia da revanche, quando divulgado informação ou fato ofensivo.

Desse modo, as adequações típicas da sextorsão na República Federativa do Brasil são diversas e variadas, podendo englobar crimes de extorsões, estupro, constrangimento ilegais e outros, a par das chantagens onlines realizadas para a mantença do sigilo de vídeos e, ou, imagens da vítima.

3. CONCLUSÃO

Concluímos o presente trabalho afirmando que nossa pretensão não se voltou ao esgotamento do tema, mas a fomentar discussões sobre essa prática que tanto tem violado direitos pelo mundo afora.

Nosso objetivo principal foi destacar a existência da prática de chantagens sexuais e afins em troca do sigilo de fotos e vídeos íntimos da vítima e a necessidade de que o legislador infraconstitucional disponha de instrumentos para reprimir e punir tais práticas na República Federativa do Brasil.

Do mesmo modo que é preciso intensificar ações voltadas à educação e ao uso consciente das tecnologias que hoje estreitam distâncias e nos possibilitam comunicações mais ágeis, aproximando indivíduos, oportunizando o conhecimento.

A sextorsão é uma prática perniciosa que viola direitos fundamentais e humanos dos indivíduos, ao se operar a chantagem para auferir recursos financeiros, favores sexuais e outros em troca de sigilos de imagens e vídeos íntimos. É um mal que precisa ser extirpado!

 

Referências
ALMEIDA, André. “sextorsão” já evoluiu e já exige dinheiro em troca de imagens de vítimas. 2017. Disponível em:< https://dedf5.jusbrasil.com.br/noticias/427674965/sextorsao-evolui-e-ja-exige-dinheiro-em-troca-de-imagens-das-vitimas> Acesso em: 20.set.2017.
CAMARGO, Ana Lara.; SYDOW, Spender Toth. Sextorsão. In: _______. Revista Liberdades. Edição 21, Jan-abril. 2016. Disponível em:http://www.revistaliberdades.org.br/_upload/pdf/26/Liberdades21_ok.pdf> Acesso em: 09.set. 2017.
CUNHA, Rogério Sanches. 2017. Adequação Típica- Sextorsão. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=RPxHYKQC0bs> Acesso em: 08. Set. 2017.
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FERNANDEZ, Jorge Flores. Sexting, Sextorsão e Grooming. In: _______. Vivendo esse mundo digital:impactos na saúde, na educação e nos comportamentos sexuais. Porto Alegre: Artmed, 2013.
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PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio sexual: questões conceituaisRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10n. 7049 jun. 2005. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/6826>. Acesso em: 24 set. 2017.
PORTO, Guilherme Moreira. Constrangimento Ilegal. 2002. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI365,11049-Constrangimento+ilegal> Acesso em: 23.set. 2017.

Informações Sobre o Autor

Bruna Conceição Ximenes de Araújo

Advogada. Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas de Três Lagoas AEMS. Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera- Uniderp


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