Responsabilidade civil por perda de uma chance no direito brasileiro e sua aplicação nos tribunais pátrios

Resumo: O presente estudo visa à análise da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, criada na França na década de 60 com intuito de acabar com a ideia de não só existir dano apenas quando a pessoa tiver seu patrimônio lesado, mas também pela possibilidade real disso acontecer. Quanto a tal teoria em questão, nos dias de hoje, vê-se até uma crescente aplicação da mesma nos Tribunais do Brasil, porém, muitas vezes sendo utilizada pela parte lesada como institutos mais antigos e conhecidos, como: o dano emergente, lucro cessante, mero agregador do dano moral, sendo até mesmo nem utilizada. Essa conduta que pode ser justificada, porque não, por se tratar de uma teoria nova, cuja primeira aparição em território tupiniquim se deu apenas em 1990. Será visto no presente estudo, a análise da responsabilidade civil por perda de uma chance no direito brasileiro e sua aplicação nos tribunais pátrios, de modo ao qual, tentar enquadrar a perda de uma chance em uma natureza jurídica, mostrar o caminho aqui entendido como correto para sua aplicação e quantificação, recorrendo por vezes às doutrinas de Itália e França. Por fim, dar motivos para a aceitação e consolidação da teoria por perda de uma chance no Brasil. Para tanto será utilizado, o método de pesquisa analítica, tendo como base de estudo livros de renomados doutrinadores em direito, explorando principalmente seus entendimentos acerca da teoria da perda de uma chance, bem como jurisprudências e quaisquer pesquisas que venham enriquecê-lo, objetivando tirar conclusões ao final de premissas já verdadeiras e conhecidas.

Palavras-chaves: Perda de uma chance. Dano emergente. Lucro cessante. Dano moral. Natureza jurídica. Tribunais pátrios.

Abstract: This study concerns the analysis of the theory of liability po loss of a chance, created in France in the 60s with the aim of ending the idea of ​​not only exist damage only when the person has injured his heritage, but also by the real possibility that happening. Such as the theory in question, nowadays, one sees even a growing application of the same in Brazil Courts, however, often being used by the injured party as the oldest and most known institutes, such as: damages, lost profits, mere aggregator moral damage, and even not used. This approach can be justified, why not, because it is a new theory, whose first appearance in tupiniquim territory occurred only in 1990. It will be seen in the present study, the analysis of liability for loss of a chance in Brazilian law and its application in patriotic courts in order to which, try to frame the loss of a chance in a legal, lead the way here understood as correct for your application and quantification, sometimes resorting to the doctrines of Italy and France. Finally, give reasons for the acceptance and consolidation theory for loss of a chance in Brazil. For that will be used, the analytical research method, based on studies of renowned scholars books in law, mainly exploring their understanding about the theory of loss of chance as well as case law and any research that will enrich it, in order to take conclusions at the end of longer true and known premises.

Keywords: Loss of a chance. Damage emerging. Loss of profits. Moral damage. Legal nature. Patriotic courts

Sumário: Introdução 1. Responsabilidade civil – Breve síntese 1.1 Evolução histórica da responsabilidade civil 1.1.1 Da responsabilidade civil no direito brasileiro 1.2 Conceito de dano 1.2.1 Dano como fato gerador da obrigação de indenizar 2. Responsabilidade civil por perda de uma chance 2.1 Conceito (teoria clássica) 2.2 Teoria clássica da perda de uma chance v. seara médica (menção da teoria) 2.3 Origem e evolução da responsabilidade civil por perda de uma chance 2.4 perda de uma chance na França 2.4 Perda de uma chance na Itália 2.6 Origem da perda de uma chance no direito brasileiro 2.7 Enquadramento da indenização decorrente da perda de uma chance no direito brasileiro 2.7.1 Perda de uma chance como lucros cessantes 2.7.2 Perda de uma chance como dano emergente 2.7.3 Perda de uma chance como categoria autônoma 2.7.4 Perda de uma chance e dano moral 2.8 Da seriedade das chances vs. Mera possibilidade 2.9 Dos julgamentos do STJ 2.9.1 RESP 788.459/BA – caso “Show do Milhão” 2.9.2 Resp n. 821.004/mg 2.9.3 Resp n. 1.22.911/rs 2.9.4 consolidação da perda de uma chance no STJ 3. Motivos para admissão da teoria da perda de uma chance no brasil 3.1 cláusula geral de responsabilidade civil como cláusula aberta. 2 3.2 princípio da reparação integral dos danos e a superação da má interpretação do art. 944 do código cívil brasileiro. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Cotidianamente, com a vida corrida, fazem-se necessários compromissos com o intervalo de tempo cada vez menor. Imagina-se aqui, um caso em que haja uma colisão de veículos sem graves danos físicos.                    

A título de exemplificação, suponha-se que um dos motoristas, corretor de imóveis, não teve absolutamente nenhuma culpa, mas que por ter que fazer os procedimentos de praxe no caso de colisão de veículos, acaba perdendo uma reunião com um cliente disposto a fechar um negócio milionário que só estaria no país até aquele dia.

Ora, percebe-se com o supracitado caso fictício que diante de um ato ilícito, uma pessoa teve um prejuízo, o que, ignorando aqui qualquer dano ao veículo, perdeu a chance de fechar um importante negócio.

Nesse caso, a parte lesada não tem como provar que o negócio seria fechado, pois foi impossibilitada de ir à reunião, porém, tinha em mãos, nesse encontro com o cliente, uma grande chance de êxito.

Casos com esse tipo de perda, sem serem indenizados, exatamente pelo pedido impossível de se provar que o que não aconteceu aconteceria da maneira esperada, foram o que fizeram na década de 60, na França, ser criada a chamada: teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.

A presente teoria veio com o intuito de não indenizar o resultado esperado e sim a frustração por não ter acontecido esse resultado. Como requisitos, a chance esperada deve ser séria e com grande probabilidade de êxito.

No Brasil, a presente teoria é ainda mais nova, e por isso, o enfoque do presente trabalho será traçar um caminho para admissão e consolidação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.

A título de ilustração, a perda de uma chance é assim conceituada por Sérgio Cavaliere Filho, renomado doutrinador pátrio (2012, pág, 81):

“Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilita um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.”

Ora, como afirmar, com certeza, que, sem o ato do ofensor, a vantagem seria obtida? Vê-se assim, um tipo inovador de responsabilidade civil, que carece de um profundo conhecimento de cada caso apresentado como se fosse único. Porém, com a evolução do estudo das estatísticas e probabilidades, há uma facilitação para o julgador lidar com os mais complexos casos de perda de uma chance.

Insta salientar que a teoria da perda de uma chance, trata tanto dos casos em que a vítima é impossibilitada de conseguir um resultado esperado, por ter sofrido um dano injusto (chamada teoria clássica), quanto dos casos em que a vítima de um ato ilícito perde a chance de cura ou sobrevivência, assim sendo, lidando mais com causalidade do que dano em si, tendo em vista que o dano aqui é comprovado. (Teoria da perda de uma chance na seara médica).

 Para tanto, tendo em vista a diferença da aplicação das difusões da teoria da perda de uma chance supracitadas, não se almejará com o presente trabalho o esgotamento do tema. Será analisado aqui, tão somente a forma clássica da teoria da perda de uma chance, deixando de lado os casos da perda de uma chance na seara médica ou responsabilidade civil por perda de chance de cura ou sobrevivência.

Para um melhor entendimento da teoria, far-se-á no capítulo 1, uma breve introdução sobre a responsabilidade civil, bem como sua evolução desde a época da pena de Talião até a responsabilidade civil objetiva, de modo a mostrar a evolução da sociedade e enfatizar a necessidade da criação de novos danos, de modo que não haja impunidade aquele que causar dano a outrem.

No capítulo 2, será feita uma breve conceituação da teoria por perda de uma chance com um enfoque na teoria clássica, não deixando de lado a menção da teoria da perda de uma chance na seara médica. Será tratado também da origem da responsabilidade civil por perda de uma chance, tomando como foco, as doutrinas francesa e italiana, seguindo com a proposta do presente trabalho, que é, a análise da perda de uma chance no direito brasileiro e sua aplicação nos tribunais pátrios. É aí que serão colocados entendimentos doutrinários, modo de aplicação da teoria, bem como uma boa análise do entendimento do STJ, quando teve que lidar com a teoria perda de uma chance.

Por último, no capítulo 3, tratar-se-á dos motivos para ser utilizada a teoria da perda de uma chance no Brasil, não se esquecendo de que o primeiro capítulo também tem suma importância para a aceitação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, que apenas só não adentrou aqui, por uma questão de escolha, acreditando-se ser essa divisão a de melhor didática.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL – BREVE SINTESE

A responsabilidade civil tem sua origem no direito romano, devendo-se ter inicialmente a ideia de restauração do equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo do autor do dano (Gonçalves, Carlos Roberto. 2013, pág. 19).

Permitindo-se ainda observar as ideias do respeitável doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2013, pág. 21), nota-se a importante distinção entre obrigação e responsabilidade civil, sendo a primeira um vínculo jurídico entre credor e devedor e determinada prestação. Já no que tange a segunda, toma-se como um dever jurídico sucessivo.

Assim, a título de reforço, cita-se aqui um trecho da obra do brilhante Flávio Tartuce (2013, pág. 213): “A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida (…)”.

 Com essa breve introdução, pode-se então passar para a evolução da responsabilidade civil nos anais da história, de forma a compreendê-la desde o seu nascedouro.

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil é oriunda do direito romano. Sendo evoluída constantemente, superou precipuamente a “Lei de Talião” (podendo ser entendida como lei do retorno do mal causado), em seguida evoluiu de intuito de vingança para reparação pecuniária do mal causado por ato ilícito.

Sobre o tema, escreveu assim o excelentíssimo Gustavo Tepedino (2001, págs. 174, 175):

“A ideia de responsabilidade civil relacionava-se, tradicionalmente, com o princípio elementar de que o dano injusto, ou seja, o dano causado pelo descumprimento de dever jurídico deve ser reparado. Nas sociedades primitivas, a regra de Talião – dente por dente, olho por olho _, absorvida pela Lei das XII Tábuas, determinava o nexus corporal do violador perante o ofendido. Pouco a pouco, todavia, separou-se a responsabilidade civil da criminal, consagrando-se a Lex Petela Papilia (326 a.C.), a contenção da responsabilidade civil patrimonial – O Senado romano teria se sensibilizado com a comoção popular suscitada pelos castigos corporais impostos ao jovem Caio Publilio, em estado de nexus em virtude de débito contraído por seu pai (…)”

O sucessor e aperfeiçoador, quanto a evolução do direito romano foi o direito francês (Código Civil Francês), como bem cita o ilustríssimo Carlos Roberto Gonçalves (2013, pág. 20), foi o direito deste país que estabeleceu importantes princípios, como: direito a reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante ao Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprirem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da imprudência.

Nota-se que pela doutrina francesa, o que aqui se observa, o Código de Napoleão de 1804 (precursor em codificação de leis na humanidade) trouxe as inovações supramencionadas, consolidadas na inteligência do seu art. 1.382. Nesta redação, tem-se por elementos da responsabilidade civil, a conduta do agente (comissiva ou omissiva), culpa em sentido amplo (englobando o dolo e a culpa stricto sensu), o nexo de causalidade e o dano causado.

Tal regra da responsabilidade civil com culpa (subjetiva), constante no direito civil francês, apesar de constar evoluções significativas no que tange a ideias socializantes, historicamente falando, não conseguiu agradar totalmente as resistências doutrinárias. E foi diante destas resistências, que o próprio direito francês, a partir de 1897, pelos estudos de Saleilles e Josserand sobre a teoria do risco, começou a admitir a responsabilidade civil sem culpa, denominada: objetiva.

Neste ínterim, transcreve-se abaixo um trecho do livro do autor cada vez mais seguido em bancas de concursos, Flávio Tartuce (2013, pág. 214).

“O estrondo industrial sentido na Europa com a segunda revolução industrial, precursora do modelo capitalista, trouxe consequências jurídicas importantes. De acordo com a aclamada teoria do risco iniciaram-se os debates para a responsabilização daqueles que realizam determinadas atividades em relação à coletividade. Verificou-se, a par dessa industrialização, uma maior atuação estatal, bem como a exploração em massa da atividade econômica, o que justificou a aplicação da nova tese de responsabilidade sem culpa. Mesmo com resistências na própria França, à teoria da responsabilidade sem culpa prevaleceu no direito alienígena, atingindo também a legislação do Brasil.”

Observa-se que tudo até aqui escrito, atingiu a legislação brasileira, sendo assim, a evolução da responsabilidade civil em nosso direito pátrio, o enfoque do próximo subtópico.

1.1.1. DA RESPONSABILDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO

Num primeiro momento, a responsabilidade civil no país era condicionada a condenação na esfera penal, isso até a criação do Código Civil de 1916 (Gonçalves, Carlos Roberto, 2013, pág. 27).

Com a criação do Código Civil de 1916 houve a “independência” do direito civil em relação ao direito penal. O Código na época se filiou à teoria subjetivista, exigindo com isso a comprovação de no mínimo culpa ou dolo para que o causador do dano ser obrigado a repara-lo. (Gonçalves, Carlos Roberto, 2013, pág. 27).

“Com o surto de progresso, o desenvolvimento industrial e a multiplicação dos danos acabaram por ocasionar o surgimento de novas teorias, tendentes a propiciar maior proteção às vítimas” (Gonçalves, Carlos Roberto, 2013, pág. 27).

A teoria criada denomina-se teoria do risco, a qual não visa substituir a responsabilidade subjetiva, mas apenas “cobrir” as hipóteses em que tal forma de responsabilidade se mostrar insuficiente (Gonçalves, Carlos Roberto, 2013, pág. 27).

Insta salientar que o Código Civil de 2002, hoje em vigor, ainda tem como principal regra a responsabilidade subjetiva, porém recepcionou a ideia da responsabilidade objetiva para os casos específicos.

Não será adentrado aqui o assunto de responsabilidade objetiva, pois no item “1. 2. 1.” será dada ênfase ao tema.

1.2. CONCEITO DE DANO

Conforme é cediço, a responsabilidade civil se baseia na obrigação de indenizar um dano, sendo desta feita, o dano indenizável o relevante para o presente objeto de estudo.

Não apenas por isso, não será separado tópico para a culpa e para nexo causal. Mesmo este último tendo séria relevância para a teoria da perda de uma chance por erro médico, não se opta nesta oportunidade, por um estudo aprofundado da mesma. Será tratado assim com mais afinco a teoria clássica da perda de uma chance, a qual se baseia no dano.

Para o ilustríssimo doutrinador, Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 303), dano indenizável é todo aquele que traz prejuízo resultante da perda, deterioração ou depreciação de um bem, pouco importando se o dano é contratual ou extracontratual, sendo este último apenas mais difícil quanto a quantificação, no que tange a reparação do dano.

Pensamento semelhante possui, a não menos ilustríssima, Maria Helena Diniz (2006, pág. 64), uma vez que acredita ser impossível falar em responsabilidade civil sem que haja a ocorrência de um dano, já que este é pressuposto da responsabilidade civil indispensável para sua caracterização, pois pode haver responsabilidade sem culpa, mas nunca sem dano.

Pode-se então definir dano, civilmente falando, como um prejuízo ocasionado a determinado bem patrimonial ou extrapatrimonial, por uma conduta comissiva ou omissiva, sendo indenizado, dependendo do caso, mesmo que sem culpa do causador do mesmo.

1.2.1. DANO COMO FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR

Notório é que a responsabilidade civil surge quando há um dano (artigo 927 do CCB/02), este podendo ser decorrente de uma conduta comissiva ou omissiva de outrem, denominando-se a prática de tal conduta de ato ilícito, nos moldes do artigo 186 do CCB/02, podendo ser dispensada a culpa nos casos do artigo 927, parágrafo único, o qual se transcreve: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Assim sendo, entendimento já pacificado na doutrina, existem três pressupostos para configurar a responsabilidade civil, os quais: a) conduta do agente (omissiva e comissiva); b) dano; c) nexo de causalidade entre ação e dano. Porém, por ser tratado aqui apenas da teoria clássica da perda de uma chance, nessa oportunidade, será analisado apenas o dano.

Apesar de serem relevantes, tais pressupostos podem ser dispensados em um ou outro caso, com exceção do dano, visto que não se pode falar em obrigação de indenizar sem a ocorrência do mesmo. Como já dito, por ser analisada apenas a teoria clássica da perda de uma chance, não serão visto os outros pressupostos nesta oportunidade.

Não obstante ao exposto, cita o doutrinador, Carlos Roberto Gonçalves (2013, pág. 24): “A responsabilidade civil se assenta, segundo a teoria clássica, em três pressupostos: um dano, a culpa do autor e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano”.

Insta salientar que não importa a natureza do dano, podendo ser ele patrimonial ou extrapatrimonial, não sendo exagero dizer então que “o dano é o grande vilão da responsabilidade civil”. .

Desta feita, o dano se apresenta como o pressuposto fundamental da obrigação de indenizar, assim sendo, responsabilidade civil.

A respeito do tema, posiciona-se Silvio de Salvo Venosa, grande doutrinador pátrio:

“Dano consiste no prejuízo sofrido pelo o agente. Pode ser individual ou coletivo, moral ou imaterial ou melhor, econômico e não econômico. A noção de dano sempre foi objeto de muita controvérsia. Na noção de dano está sempre presente a noção de prejuízo. Nem sempre a transgressão de uma norma ocasiona dano. Somente haverá possibilidade de indenização, como regra, se o ato ilícito (186 do Código Civil) ocasionar dano. Cuida-se, portanto de dano injusto (…).” (2012, pág. 37).

Vemos com isso que não é qualquer dano que gera obrigação de indenizar, e sim o dano injusto, sendo indenizável até mesmo quando falamos em dano moral (ou extrapatrimonial). Nestes, sendo indenizável o dano que ocasiona a vítima uma dor psíquica, um desconforto atual e certo, não admitindo a obrigação de indenizar danos hipotéticos (no que tange a não indenização por danos hipotéticos, o entendimento doutrinário é pacífico).

Apesar de possuímos em nosso ordenamento pátrio três pressupostos que configuram a obrigação de indenizar (responsabilidade civil), apenas o dano é indispensável para tanto, uma vez que em casos como da responsabilidade civil objetiva, tomando como exemplo uma pessoa jurídica, ver-se que esta é responsável por reparar o dano mesmo não sendo a perpetradora da conduta a qual trouxe prejuízo a vítima.

Assim, como é a empresa quem assume o risco (Teoria dos Risco) por sua prestação de serviços, deve por isso reparar o dano que seus empregados causarem a outrem, uma vez que não trabalham em nome próprio, ofertando sua mão de obra em nome da empresa o qual são contratados.

Quanto ao falado, mister se faz uma ilustração de um caso concreto para melhor entendimento da aplicação da teoria acima mencionada:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. FURTO EM AGÊNCIABANCÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. EXISTÊNCIA DO DANO.SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Tendo o Tribunal de origem decidido pela existência do dano e pelo dever de indenizar à luz dos elementos fático-probatórios dos autos, a reforma do julgado esbarra necessariamente no óbice da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 2. A instituição bancária possui responsabilidade civil objetiva em relação aos bens guardados em seu cofre. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido”. (STJ – Ag Rg no Ag: 1185283 SP 2009/0083354-4, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 20/09/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: REPDJe 19/10/2012)

Nota-se que o presente recurso é uma ótima ilustração para o que foi dito sobre a responsabilidade sem culpa ou objetiva. Nesse caso concreto apesar de o banco ter sido furtado, a obrigação de indenizar é do próprio, pois possui responsabilidade objetiva de guarda dos bens de seus clientes. Então mesmo que faltem pressupostos para configurar responsabilidade civil, no caso a culpa, inegável a existência de dano.

Assim sendo, há casos em que o dano é incontestável, porém tão difícil de provar a sua culpa, que se mostrou a necessidade de fixar desde logo o responsável pela obrigação de indenizar. A obrigação de indenizar um dano injusto foi preponderante para a responsabilidade independentemente da conduta culposa.

Não por acaso, tal tema foi colocado quando do capítulo que versa sobre A Evolução da Responsabilidade Civil no Direito e suas Controvérsias na Atividade Estatal, no livro Temas de Direito Civil, do importantíssimo e renomado doutrinador, Gustavo Tepedino (2001, pág. 173):

“(…). Pouco a pouco, contudo, percebeu-se a insuficiência da técnica subjetivista, também chamada aquiliana, para atender a todas as hipóteses em que os danos deveriam ser reparados. Procedeu-se, primeiramente, por obra da jurisprudência, a uma expansão da responsabilidade subjetiva para hipóteses em que se presumia a culpa do agente. Em etapa sucessiva, veio o legislador a regular, mediante expressa previsão legislativa, hipóteses em que a reparação se impõem independentemente de conduta culposa do responsável, associando a reparação não já a seu comportamento, mas ao risco provocado pela atividade da qual resultou o dano”.

Nota-se aqui a bela evolução do pensamento jurídico, o qual acompanhou os serviços que oferecem danos à população. Uma evolução já consolidada, que serve de espelho para termos uma maior consolidação quanto a Teoria da Perda de Uma Chance no nosso ordenamento pátrio.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE

2.1. CONCEITO (TEORIA CLÁSSICA)

Não há motivos para extensão em conceitos, porém não se pode aqui deixar de transcrever a conceituação do ilustríssimo Sérgio Cavaliere Filho (2012, pág, 81):

“Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilita um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.”

Semelhante opinião possui o ilustre Flávio Tartuce (2013, pág. 294):

“A perda de uma chance está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal. A partir dessa ideia, como expõem os autores citados, essa chance deve ser séria e real.”

O que se nota com essas brilhantes conceituações é que foi dada ênfase nos exemplos da teoria clássica da teoria da perda de uma chance, a qual será também a ênfase do presente tópico e trabalho como um todo.

2.2. TEORIA CLÁSSICA DA PERDA DE UMA CHANCE V. SEARA MÉDICA (MENÇÃO DA TEORIA).

Dada a conceituação da perda de uma chance acima, ressalta-se aqui mais uma vez, que os dois conceitos focam em exemplos da teoria clássica da perda de uma chance.

Ao saber da existência da teoria clássica, haveria alguma outra? Bom, para explicar melhor, utilizar-se-á aqui a obra do doutrinador Rafael Peteffi da Silva, a qual se recomenda leitura para aprofundamento no assunto.

 O que se vê pela conceituação dada no item anterior do presente trabalho é que para a teoria clássica a resolução para todos os casos da perda de uma chance estão simplesmente focadas na seriedade e razoabilidade do resultado esperado pela vítima, que só não ocorreu em virtude de um dano, denominado dano final.

Entretanto, surgiu uma nova posição doutrinária, majoritária na França, alegando não ser a teoria clássica suficiente para resolver todas as questões referentes à perda de uma chance. Tratava-se da perda de uma chance na seara médica (Da Silva, Rafael Peteffi, 2013, pág. 104).

Em verdade, os que defendem a teoria clássica por si só a consideram suficiente para resolução dos casos de perda de uma chance. Por outro lado, a perda de uma chance na seara médica veio a difundir a teoria, por considerarem que para resolver casos em que houvesse uma possibilidade de cura ou sobrevivência, haveria que ser utilizada a causalidade parcial para uma correta operação (Da Silva, Rafael Peteffi, 2013, pág. 110).

Neste caso, o processo aleatório em que se encontrava a vítima não é totalmente interrompido pela conduta do réu (há um dano final), aonde se busca medir o grau de culpa do mesmo e sua real contribuição para a caracterização do resultado.

Para o ilustríssimo Fernando de Noronha, há ainda uma subdivisão no que tange a segunda teoria. Por esta razão, transcreve abaixo um trecho do importante trabalho monográfico do não menos importante Sérgio Savi (2012, pág. 45)

“Fernando de Noronha parece admitir esta divisão e defender a aplicação da noção de perda de uma chance tanto nos casos de um dano específico como naqueles em que se faz necessário o recurso à causalidade parcial. Para Fernando de Noronha, a teoria da perda de uma chance estaria também dividida nas seguintes modalidades: “frustração da chance de obter uma vantagem futura”, “frustração da chance de evitar um prejuízo futuro”, e “frustração da chance de evitar um dano que aconteceu”, sendo que esta última modalidade estaria subdividida em “perda de uma chance de evitar que outrem sofresse um prejuízo” e a perda de uma chance por falta de informação”.

Como já explicado desde o introito do presente trabalho, o enfoque aqui será na teoria clássica, desta feita, apenas a menção da existência de outra teoria, por mais que majoritária na França (doutrina importante para o tema em voga), faz-se suficiente.

2.3. ORIGEM E EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE.

Como já feita uma sucinta explanação sobre a origem da responsabilidade civil e assuntos tratados para um melhor entendimento do enfoque central do presente estudo, possa-se então ao mesmo de vez.

Seguindo a linha da criação da responsabilidade civil, a responsabilidade por perda de uma chance também visa à reparação por um mal (dano) causado por outrem. Porém, esse mal é pela perda da possibilidade de obtenção de lucro, e não, da efetiva perda do mesmo. (Chamada teoria clássica).

Não muito raro é ver como exemplo em doutrinas, o advogado que perde prazo para recorrer, prejudicando assim o seu cliente. Sendo assim, a maior preocupação, seria a de analisar a chance do provimento de um recurso, por exemplo, devendo ser a mesma, real e séria (vide, Savi, Sérgio, 2012, pág. 1).

Entretanto, nesses casos, exigiam os Tribunais a prova de que se o recurso fosse interposto em tempo hábil, seria com certeza, provido (Savi, Sérgio, 2012, pág. 1).

Ora, como pode se ter certeza de que algo que não aconteceu, aconteceria de tal forma? A respeito disso, o brilhante Sérgio Savi cita em sua obra: Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance (2012, pág. 2):

“(…) se fosse possível afirmar que o recurso seria provido pelo Tribunal, teríamos a prova da certeza do dano final e, com isso, o ofensor seria condenado ao pagamento de todos os benefícios que o cliente iria auferir com a vitória no processo judicial, Se, por outro lado, fosse possível demonstrar que o recurso não seria provido, teríamos a certeza da inexistência do dano final e, assim, o advogado negligente estaria liberado da obrigação de indenizar.”

Com essa exigência que era feita pelos Tribunais, não seria errado dizer que a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance não era indenizada por haver impossibilidade probatória, uma vez ser impossível provar a certeza de que algo que não aconteceu, aconteceria de tal maneira.

Pioneiros na criação teoria da perda de uma chance, os franceses na década de 1960, começaram a se dedicar, tanto em suas doutrinas, quanto jurisprudências pátrias, aos casos onde a vítima tinha uma possibilidade de obter um lucro ou evitar uma perda, o que não ocorreu por motivo de ter sofrido prejuízo ocasionado por outrem (Savi, Sérgio, 2012, pág. 3).

Tamanha dedicação dos franceses fez com que o tema chegasse a Corte de Cessação, que passou a conhecer a indenização de tal natureza, contribuindo assim com a evolução dessa nova ótica de dano, expandindo-a por toda a Europa. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 4),

Apesar de uma resistência precípua, a Itália aderiu tal teoria, muito pelas consistentes manifestações favoráveis de renomados juristas, como Adriano Cupis e Maurizio Bocchiola.

A respeito do entendimento dos franceses e italianos, cita Sérgio Savi (2012, pág. 4):

“Assim como na França, doutrina e jurisprudência italianas passaram a visualizar um dano independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Passou-se, então, a admitir o valor patrimonial da chance por si só considerada, desde que séria, e a traçar os requisitos para o acolhimento da teoria. Em vez de enquadrar o dano material causado pela perda de uma chance como espécie de lucros cessantes, passou-se a considerá-lo como dano emergente e, assim, a superar o problema da certeza do dano para a concessão de indenização”.

Nota-se aqui um dado curioso na citação acima. A aplicação da teoria na Itália não trata a perda de uma chance como espécies de lucros cessantes, como vinha sendo utilizada, a colocando assim, como dano emergente.

Já no Brasil, a teoria da perda de uma chance é relativamente nova, uma vez que o primeiro acórdão se deu nos anos 90. Percebe-se ainda que a teoria em questão não está consolidada, tendo-se poucos trabalhos sobre a mesma. Todavia, já há entendimentos jurisprudenciais facilmente vistos na maioria dos Tribunais, acolhendo um valor patrimonial a teoria da perda de uma chance, muito embora, ainda sem uniformidade.

Observar a teoria da perda de uma chance, bem como sua origem e evolução, é como se fosse outra introdução, porém, necessária para um melhor entendimento no que tange ao escopo da teoria objeto de análise. Desta feita, será analisado rapidamente a perda de uma chance na França, Itália, suas formas de aplicação e quantificação do dano, antes de adentrarmos no estudo no Brasil.

2.4. PERDA DE UMA CHANCE NA FRANÇA

O ilustre Rafael Peteffi da Silva, referência no presente trabalho, será ainda mais utilizado aqui, muito por falar bastante da doutrina francesa em sua obra Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance.

O doutrinador trata o direito francês como o mais criativo quanto à utilização da teoria da perda de uma chance, desde o seu primeiro acórdão, datado ainda no final do século XIX (Peteffi da Silva, Rafael, 2013, pág. 155).

Tal rótulo é realmente merecido, uma vez que os franceses lidam com um grande leque de hipóteses variadas, indo desde a chance de se lograr êxito num jogo de azar até a perda de uma chance em matéria empresarial (analises jurisprudências: Peteffi da Silva, Rafael, 2013, págs. 158 a 176).

“A jurisprudência francesa também se sente a vontade para conferir reparações pela perda de uma chance quando esta constitui um prejuízo futuro. Assim, em alguns casos, observa-se a reparação pela perda de uma chance de auferir melhor condição social, como no caso em que a Corte de Cassação, no início da década de 1970 do século passado, concedeu reparação a uma jovem viúva que perdeu o marido, um brilhante médico residente, pela conduta culposa do réu.” (LE TOURNEAU, Philippe. J.C.P., 1970. II. 16456, Peteffi da Silva, Rafael, 2013, pág. 156).

Defensor da difusão da teoria da perda de uma chance, como já explicado no item 2.2. do presente trabalho, o brilhante Rafael Peteffi da Silva criticou a falta de menção quanto a aplicabilidade da teria da causalidade parcial para a aplicação de casos na “seara médica”, porém cita decisões que comprovam que a não observância de tais conceitos de nada afeta a aceitação de tais casos nos Tribunais. (Peteffi da Sila, Rafael, 2013, pág. 157).

Quanto à quantificação da indenização nos casos em que houver perda de uma chance, é pacífico o entendimento de que a indenização pela perda de uma chance sempre deverá ser inferior à vantagem esperada. Afinal, há um problema de certeza e a indenização é feita por probabilidade de que a vantagem esperada ocorreria (Nesse mesmo sentido: DOUCLOS, JOSÉ. Le regime de responsabilité du banquier et La décharge dês cautions. J.C.P., 1984. II. 20237 observations, CHARTIER, Yves. J.C.P., 1985. II, 20360, 2º espécie; MAZEAUD, Henri; LEON, Jean; CHABAS, François, 1998, p. 428; Viney, Geneviève; JORDAIN, Patrice, 1998, pág. 84, e LE TOURNEAU, Philippe; CADIET, Loic, 1998, pág. 213. Citados por Peteffi da Silva, Rafael, 2013, pág. 143).

Há sim uso de estáticas para mensurar a quantificação da indenização por perda de uma chance, porém essa operação matemática deve ser vista caso a caso. Deve-se analisar a porcentagem da chance de que o acontecimento esperado era realmente possível e tinha grande chance de acontecer (Peteffi da Silva, Rafael, 2013, pág. 144).

“(…) Como bom exemplo desta afirmação tem-se aquele proprietário de um cavalo que esperava ganhar a importância de R$ 20.000,00 (vantagem esperada), proveniente do primeiro prêmio da corrida que seu cavalo participaria não fosse a falha do advogado, o qual efetuou a inscrição do animal de forma equivocada. Se as bolsas de apostas mostravam que o aludido cavalo possuía vinte por cento (20%) de chances de ganhar o primeiro prêmio da corrida, a reparação pelas chances perdidas seria de R$ 4.000,00.”

Toma-se aqui esta quantificação da teoria da perda de uma chance como a correta. Utilizada de forma análoga, como será visto em tópico próprio, num dos casos mais importantes da perda de uma chance no Brasil (“Show do Milhão”).

2.5. PERDA DE UMA CHANCE NA ITÁLIA

Antes mesmo da teoria da perda de uma chance “ganhar corpo”, principalmente na França, já havia um estudo sobre a mesma na década de 1940, com o professor Giovanni Pacchioni, professor da Universidade de Milão. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 7).

Apesar de considerar a perda de uma chance, Pacchioni, em sua obra, Diritto Civili Italiano, não vê uma forma de a mesma ser indenizada, muito por não ter valor de mercado, tendo posteriormente seu pensamento acompanhado por Francesco Donato Busnelli, que a essa altura, condenava toda e qualquer aplicação favorável à perda de uma chance na França. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 8).

Evoluindo no raciocínio, o professor Adriano De Cupis, professor da Università di Perugia, publicou em 1966, IL Danno: Teoria Generale Della Responsabilità Civile, aonde para Sérgio Savi, o qual aqui se segue, com a correta aplicação da responsabilidade civil por perda de uma chance. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 10).

Em sua obra, o autor entende que a chance perdida pode ser sim indenizada, desde que séria e real, sendo o problema quanto a sua indenização resolvido com a incorporação da perda da vítima ao seu patrimônio (dano emergente), e não lucro cessante, como vinha sendo considerada a teoria em questão. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 10).

O último importantíssimo autor que vale a pena frisar aqui é Maurizio Bocchiola. Apesar de seguir as ideias de De Cupis, o autor é citado em algumas folhas na obra do autor Sergio Savi (2012, págs. 12 a 25).

Sergio Savi em sua obra cita várias premissas do autor, dentre as mais relevantes à diferenciação de lucros cessantes e perda de uma chance, e de que forma deve ser indenizada a mesma. Quando a chance é séria e real? (Savi, Sérgio, 2012, pág. 12 a 25).

Assim, o professor Maurizio Bocchiola resolveu a questão da seriedade das chances com um cálculo de probabilidade. Por este, seriam indenizadas as chances superassem 50% de se concretizarem caso não ocorresse o evento danoso que interrompeu o seu resultado. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 23).

 É bem verdade que na França temos uma vasta gama de possibilidades e indenizações utilizando a teoria da perda de uma chance. Porém, como já falado, concorda-se com a quantificação da chance perdida deste país. Considera-se a quantificação do professor Bocchiola muito severa e arriscada, podendo causar decisões injustas, não atendendo com isso ao princípio da razoabilidade e reparação integral dos danos.

Entretanto, críticas a essa forma de quantificação serão mostradas em item próprio (item 2.8), enfatizando principalmente o pensamento brilhante do doutrinador Rafael Peteffi.

2.6.  ORIGEM DA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO.

Antigamente, não há muito tempo, observando-se doutrinas de ilustres juristas brasileiros, viam-se apenas breves comentários a respeito da teoria da perda de uma chance, muito embora possa ser consequência do pouco tempo da criação da mesma.

Entretanto, graças ao avanço do tempo e casos corriqueiros de pessoas que haviam por ter perdido a possibilidade de um ganho futuro por ter sofrido um dano, começou-se o estudo em nosso país iniciado por Rafael Pettefi da Silva, em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E justamente por essa importante contribuição que hoje já se pode ver que grandes discussões e aceitação da teoria da perda de uma chance.

Quanto às decisões dos Tribunais, o primeiro acórdão no Brasil sobre o tema foi decidido recentemente, em 1990, tendo como relator o então Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ruy Rosado de Aguiar Júnior (TJRS, 5° Câmara Cível, Apelação Cível n° 598.069.996, Rel. Des. Ruy Rosado Aguiar Júnior, julgado em 12/6/1990). Porém no acórdão houve apenas menção a teoria da perda de uma chance, menção esta que serviu justamente para dizer que não cabia no caso concreto.

Tratava-se de ação indenizatória decorrente de erro médico, onde a autora objetivava cirurgia para corrigir sua miopia em grau quatro, cirurgia essa que resultou em uma hipermetropia em grau dois, além de cicatrizes na córnea.

Todavia, entendeu o Tribunal que as consequências da cirurgia eram diretas e imediatas, não havendo motivo para utilização da teoria da perda de uma chance, Assim sendo, houve nexo causal entre a conduta e o resultado final, por conta do erro do médico.

Cerca de um ano depois, o mesmo Desembargador, teve outra oportunidade de relatar em um caso de perda de uma chance, agora por motivo de advogado que foi negligente. O qual merece ser ilustrado no presente trabalho, e por isso, se segue:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. AGE COM NEGLIGÊNCIA O MANDATÁRIO QUE SABE DO EXTRAVIO DOS AUTOS DO PROCESSO JUDICIAL E NÃO COMUNICA O FATO Á SUA CLIENTE NEM TRATA DE RESTAURÁ-LOS, DEVENDO INDENIZAR Á MANDANTE PELA PERDA DA CHANCE.” (Apelação Cível Nº 591064837, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Julgado em 29/08/1991)

No caso concreto, houve extravio dos autos, não chegando ao cartório ao qual a ação fora distribuída. Apesar de o advogado saber do extravio, não informou tal fato a sua cliente, nem providenciou a restauração dos autos, impedindo que a autora tivesse a chance de ver seu pedido, o qual, recebimento de pensão previdenciária, apreciado.

Não obstante ao exposto, o relator entendeu pelo conhecimento do recurso, uma vez que a negligência do advogado para com o seu cliente, resultou um prejuízo a este, já que não teve a chance de ver o seu pedido apreciado.

Essas duas decisões expostas acima, foram as duas pioneiras no Brasil, as quais, importantíssimas para o alcance que a teoria da perda de uma chance possui hoje no Brasil.

2.7. ENQUADRAMENTO DA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO

Importante antes de adentrar no tema tópico, uma sucinta compilação de ideias de renomados doutrinadores acerca do tema em voga, vendo-se com isso, a dificuldade quanto à pacificação de enquadramento da mesma em uma natureza jurídica.

O ilustre Sergio Cavalieri Filho em sua obra Programa de Responsabilidade Civil (2012, pág. 84), sendo acompanhado de perto por Sílvio de Salvo Venoza em sua obra, Responsabilidade Civil (2012, pág. 304), classifica a teoria da perda de uma chance como um tipo de dano, este um dos pressupostos da responsabilidade extracontratual subjetiva, ao lado da culpa e nexo causal, como sendo um terceiro gênero de indenização, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante.

Diferente opinião possui a brilhante Maria Hela Diniz (2006, pág. 73), que trata perda de uma chance é uma consequência do lucro cessante, que pode ou não ocorrer.

Já Sérgio Savi (2012, pág. 122), enquadra a teoria em voga como uma subespécie do dano emergente, sustentando que o sujeito não requer a indenização pela chance perdida, mas sim pela possibilidade de conseguir tal vantagem.

Não obstante a perda de uma chance deve-se olhar a chance como a perda da possibilidade de conseguir um resultado ou de se evitar um dano, visando à indenização por sua vez, a perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 2).

Um exemplo famoso, dado por muitos autores em livros, monografias, teses de mestrado e doutorado, etc., é o do advogado que perde o prazo para recurso. Nesse caso a indenização não será pela vitória auferida caso a vítima tivesse o seu pedido julgado procedente, e sim pelo fato de ter perdido a chance de recorrer e ter o seu pedido julgado procedente. Na verdade a indenização no caso é pela perda da possibilidade da vítima ver o seu recurso apreciado e julgado pelo Tribunal competente combinado com a real probabilidade de êxito.

No que concerne ao já exposto, cita o doutrinador Sérgio Cavaliere Filho sobre a questão: “A reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo.” (2012, pág, 81).

Para o renomado doutrinador Caio Mário (2002, pág. 42), para haver uma correta aplicação da perda de uma chance, necessário se fazer a ponderação do caso, deve ser utilizado o princípio da razoabilidade, sendo a chance perdida séria e real, que teriam proporcionado ao lesado grande chance de ter obtido êxito na sua situação futura esperada.

Não podemos ignorar também as supracitadas (item 2.2.) ideias brilhantes dos doutrinadores Rafael Peteffi da Silva e Fernando de Noronha quando a difusão da teoria da perda de uma chance, difusão esta a qual aqui se está de acordo. Porém apenas não será tratada nesta oportunidade, todavia, reforça-se aqui a indicação para leitura.

Parecendo acompanhar esta aplicação e divisão da teoria, bem como toda a questão da seriedade das chances, o doutrinador Flávio Tartuce também dedicou seu tempo, mesmo que em poucas linhas, a falar da responsabilidade civil por perda de uma chance. (2013, págs. 422 a 430).

Das oito páginas escritas, destaca-se a citação que fez da doutrinadora Regina Beatriz Tavares da Silva sobre o acontecido com o corredor Vanderlei Cordeiro de Lima nas Olimpíadas de Atenas de 2004 (2013, pág. 424).

“Bem diferente esse exemplo do caso sob análise, em que se evidencia a perda de uma chance. Como dizem os doutrinadores franceses, a reparação da “pert d’ une chance” fundamenta-se numa probabilidade e numa certeza de que a vantagem perdida resultou em prejuízo (Caio Mário da Silva Pereira, ob. Cit., p. 42). A certeza da perda de uma chance é tanto maior quanto mais o dano esteja próximo da ação ilícita. Bem próximo do evento lesivo estava o dano futuro no caso apresentado. O atleta brasileiro não era um simples coelho, assim chamado aquele que dispara na frente em uma corrida longa distância para atrapalhar os adversários de um determinado competidor ou somente porque não tem o treinamento exigido para evoluir na corrida com o ritmo adequado. Vanderlei havia se submetido a treinamento rigoroso, de cerca de quatro anos voltados à Olimpíada; sua performance na parte final da prova demonstrava ser um verdadeiro atleta; mesmo após a violência sofrida, voltou à prova e terminou e terceiro lugar”.

Vê-se claramente com essa pequena explanação de ideias de renomados doutrinadores, a dificuldade de se enquadrar a responsabilidade civil por perda de uma chance em uma natureza jurídica.

2.7.1. PERDA DE UMA CHANCE COMO LUCROS CESSANTES

Há casos em que a jurisprudência enquadra o dano da perda de uma chance como lucro cessante, ainda que não se refira expressamente à teoria.

Com base na melhor doutrina, a teoria da perda da chance perdida, visa reparar a perda da oportunidade de conseguir uma vantagem, e não a perda do ganho esperável. Este sim, capaz de configurar o lucro cessante.

Sergio Cavalieri Filho (2012, pág. 81), em sua obra Programa de Responsabilidade Civil, admite que haja certa semelhança entre a perda de uma chance e o lucro cessante uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve seu início na década de 60 do século passado, também se utiliza de casos em que o ato ilícito tira da vítima uma oportunidade de obter uma situação mais favorável.

Não obstante a perda de uma chance deve-se olhar a chance como a perda da possibilidade de conseguir um resultado, ou de se evitar um dano, visando à indenização por sua vez, a perda da oportunidade de obter uma vantagem, e não pela perda da própria vantagem, como no lucro cessante. (Cavaliere Filho, Sérgio, 2012, pág. 82).

Quanto à distinção entre os conceitos de lucro cessante e perda de uma chance, Cavaliere (2012, pág. 84) cita a obra Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance de Sergio Savi, este que ensina ser possível estabelecer tal distinção entre a conceituação dos dois institutos, uma vez que a perda de uma chance decorre de uma violação a um mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um interesse subjetivo.

Todavia, é inegável que os dois institutos possuem semelhanças, tanto que para doutrinadora, Maria Helena Diniz (2006, pág. 73), ao se admitir a indenização por lucro cessante, procura-se na razão do juízo de probabilidade, averiguar a perda de uma chance ou de oportunidade de acordo com o desenrolar dos fatos. Desta forma nota-se que para Maria Helena a perda de uma chance é uma consequência do lucro cessante que pode ou não ocorrer.

Para rechaçar de vez a ideia de tal utilização, também seguida por autores como Carvalho Santos, Aguiar Dias e Sergio Novais Dias (Savi, Sérgio, 2012, pág. 36 a 46), irá aqui se recorrer ao direito italiano, mas precisamente da menção do autor Maurizio Bacchiola feita por Sérgio Savi (Savi, Sérgio, 2012, pág. 17 e 18).

“Assim como no direito brasileiro, na Itália o autor deve fazer prova do fato constitutivo do seu direito. A prova da existência de um dano incumbe, assim, ao autor da ação indenizatória” (Savi, Sérgio, 2012, pág. 17).

“No caso de lucros cessantes, o autor deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para a verificação deste lucro. Já nas hipóteses de perda de uma chance, estaremos sempre no campo do desconhecido, pois em tais acasos, o dano final é, por definição, de demonstração impossível, mesmo sob o aspecto dos pressupostos de natureza constitutiva.” (referente as ideias de Bocchiola, Maurizio, Perdita di una chance, cita Savi, Sérgio, 2012, pág. 17 e 18).

Nota-se aqui que além das diferenças supracitadas, surge como a mais importante à questão do ônus da prova. Acompanham-se no presente estudo as ideias apresentadas contra a utilização da perda de uma chance como lucros cessantes.

2.7.2. A PERDA DE UMA CHANCE COMO DANO EMERGENTE

A perda de uma chance como dano emergente, pode ser a diferenciação mais complexa, uma vez que quem adere tal natureza jurídica à perda de uma chance, incorpora a chance perdida ao patrimônio da vítima, acabando assim com o juízo de probabilidade que tanto afligia os doutrinadores e julgadores na Itália. (vide item 2.5 do presente estudo).

Um dos defensores de tal enquadramento da perda de uma chance é o ilustre doutrinador Sérgio Savi, mas uma boa citação a respeito do tema é a que o ilustre Sérgio Cavaliere Filho faz em sua obra, em cima das ideias expressas do autor Italiano Adriano De Cupis, encontrada na doutrina de Sérgio Savi (2012. Pág. 10), a qual transcreve-se abaixo (2012, pág. 84):

“(…) a perda de uma chance deve ser considerada em nosso ordenamento jurídico uma subespécie de dano emergente. Sustenta que a chance deve ser considerada uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre a lesão e que, ao se inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial)… Assim, não se concede a indenização pela vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e a chance de conseguí-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo.”

Inegável que tal enquadramento da teoria objeto do presente estudo é válida, uma vez que, como já dito acima, acaba com uma das maiores incertezas, que é o juízo de probabilidade. Porém, não parece ser uma “formula mágica”, vinda a indenizar todo e qualquer caso de perda de uma chance.

É claro que em casos como o impedimento de um cavalo, líder no ranking de apostas, em participar de uma corrida com um premio já quantificado, por negligência da organizadora do evento, a utilização da perda de uma chance dessa forma é plenamente aceitável. Obviamente, que sabendo quanto seria dado ao vencedor, poder-se-ia chegar a uma indenização razoável para o caso hipotético em comento.

O que se entende aqui, é que trazer a perda de uma chance como subespécie do dano emergente, seria assustadoramente complexo no caso de perda de uma chance por “erro medico” ou “chance de sobrevivência”. Ora, quanto valeria a vida ou a recuperação de uma pessoa? De onde deve vir o ponto de partida para uma indenização por perda de uma chance?

Diante dessa crítica, surge uma nova corrente da perda e uma chance como categoria autônoma, porém ainda não pacificada e nem mesmo muito rica em detalhes. Assim sendo, se entende aqui, que a utilização da perda de uma chance como dano emergente, não excluindo o dano moral como um agregador da indenização, sendo a principal forma de utilização da perda de uma chance.

2.7.3. A PERDA DE UMA CHANCE COMO CATEGORIA AUTONOMA

Após explanação de ideias a respeito da perda de uma chance como lucro cessante e dano emergente, necessário se faz falar sobre a perda de uma chance como categoria autônoma. Para isso, importante expressar as ideias de dois importantes doutrinadores que defendem tal premissa, dos quais, os já muito citados no presente estudo, Sérgio Cavaliere Filho e Sílvio de Salvo Venoza.

Para melhor elucidação dessa inovadora ideia de classificar a teoria da perda de uma chance como categoria autônoma, por necessidade, será repetido o dito no presente trabalho, quando tratado no item 2.5:

“Sergio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil (2012, pág. 84), sendo acompanhado de perto por Sílvio de Salvo Venoza (2012, pág. 304), em sua obra Responsabilidade Civil, classifica a teoria da perda de uma chance como um tipo de dano, este um dos pressupostos da responsabilidade extracontratual subjetiva, ao lado da culpa e nexo causal, como sendo um terceiro gênero de indenização, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante.”

Para eles, a perda de uma chance é um terceiro gênero de indenização, ao lado do dano emergente e lucro cessante. Acreditando que há uma enorme tendência para que seja esse o pensamento dos tribunais e doutrinários futuramente.

Já há uma tendência nos tribunais pátrios no que tange a aplicação de tal teoria, como elucida a presente ementa abaixo:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE EQUIVOCADAMENTE CONCLUIU PELA INACUMULABILIDADE DOS CARGOS JÁ EXERCIDOS. NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. HIPÓTESE EM QUE OS CARGOS PÚBLICOS JÁ ESTAVAM OCUPADOS PELOS RECORRENTES. EVENTO CERTO SOBRE O QUAL NÃO RESTAM DÚVIDAS. NOVA MENSURAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO. 1. A teoria da perda de uma chance tem sido admitida no ordenamento jurídico brasileiro como sendo uma das modalidades possíveis de mensuração do dano em sede de responsabilidade civil. Esta modalidade de reparação do dano tem como fundamento a probabilidade e uma certeza, que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo. Precedente do STJ. 2. Essencialmente, esta construção teórica implica num novo critério de mensuração do dano causado. Isso porque o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo que "há que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. 3. Esta teoria tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também em sede de responsabilidade civil do Estado. Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar de determinado benefício. 4. No caso em tela, conforme excerto retirado do acórdão, o Tribunal a quo entendeu pela aplicação deste fundamento sob o argumento de que a parte ora recorrente perdeu a chance de continuarem exercendo um cargo público tendo em vista a interpretação equivocada por parte da Administração Pública quanto à impossibilidade de acumulação de ambos. 5. Ocorre que o dano sofrido pela parte ora recorrente de ordem material não advém da perda de uma chance. Isso porque, no caso dos autos, os recorrentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma regular, sendo este um evento certo sobre o qual não resta dúvidas. Não se trata de perda de uma chance de exercício de ambos os cargos públicos porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal implicou efetivamente em prejuízo de ordem certa e determinada. A questão assim deve continuar sendo analisada sob a perspectiva da responsabilidade objetiva do Estado, devendo portanto ser redimensionado o dano causado, e, por conseguinte, a extensão da sua reparação. 6. Assim, afastado o fundamento adotado pelo Tribunal a quo para servir de base à conclusão alcançada, e, considerando que a mensuração da extensão do dano é matéria que demanda eminentemente a análise do conjunto fático e probatório constante, devem os autos retornarem ao Tribunal de Justiça a quo a fim de que possa ser arbitrado o valor da indenização nos termos do art. 944 do Código Civil. 7. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta extensão, provido”.(STJ – REsp: 1308719 MG 2011/0240532-2, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 25/06/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2013)

Trata o presente acórdão, de responsabilidade objetiva do Estado, nos moldes do art. 37 §6°, por ter decidido pela inacumulabilidade de cargos públicos já exercidos.

Apesar da responsabilidade civil por perda de uma chance ter sido afastada no julgamento, já que os servidores estavam exercendo os cargos, houve na decisão um bom espaço falando do instituto em voga, admitindo a força que vem ganhando o mesmo nos tribunais pátrios como uma nova espécie de dano, detalhando como deve ser a aplicabilidade da chance perdida, tratando-a como uma perda de oportunidade, desde que séria e provável.

Espera-se aqui que essa nova visão da perda de uma chance seja a correta, e que possam ter cada vez mais trabalhos e decisões defendendo essa forma de aplicação. Por hora, não se estendeu no assunto, justamente por falta de conteúdos maiores e métodos de aplicação dessa forma.

2.7.4. A PERDA DE UMA CHANCE E DANO MORAL.

Para que seja feita a diferenciação prometida no caput desse tópico, faz-se a conceituação do que é dano moral, assim, informa Silvio de Savio Venoza:

“Dano moral consiste em lesão ao patrimônio psíquico ou ideal da pessoa, à sua dignidade, enfim, que se traduz nos modernos direitos da personalidade. Somente a pessoa natural pode ser atingida nesse patrimônio” (2012, pág. 46).

Já a teoria em voga se baseia na perda de uma chance, esta podendo lesar a vítima tanto patrimonialmente, quanto moral ou psiquicamente, podendo dessa forma a perda em alguns casos ser agregada ao dano moral, como se pode perceber da análise da ementa transcrita abaixo:

“PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. – A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. – Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frusta as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de uma simples esperança subjetiva”, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. – A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. – A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. – A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7, STJ. – Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STF. Recurso Especial não conhecido”.(STJ – REsp: 1079185 MG 2008/0168439-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/11/2008, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/08/2009)

No presente caso de responsabilidade civil do advogado desidioso, o relato da Ministra Nancy Andrighi é de que o fato trata de perda de uma chance do cliente do mesmo, e que deve ser indenizado, pois a obrigação do advogado é uma obrigação de meio, e não de resultado. Desta forma, como foi perdido o prazo para um recurso, a punição ao advogado seria não por ter perdido a ação, mas sim, por ter perdido a possibilidade de êxito na mesma.

Outro ponto importante do relato da Ministra relatora é quando informa que a perda de uma chance pode ser aplicada tanto ao dano material, quanto ao dano moral. Entretanto apesar de admitir tal hipótese, o recurso não foi conhecido, uma vez que o dano material já tinha sido atingido por ação autônoma e o dano moral não poderia ser majorado por deficiência de fundamentação do recurso especial, uma vez que pela súmula 7 do STJ não seria possível o recurso especial por simples pretensão de reexame de prova.

Bem verdade, que a perda de uma chance é a perda de se obter um ganho futuro, desde que a chance seja real e séria, podendo dessa forma ser dito, sem exagero, que caso não acontecesse o dano antes do obtimento da vantagem esperada, e sim, após o acréscimo da mesma no patrimônio do lesado, falar-se-ia em dano material. Porém, não há espanto quanto à ideia de que a perda dessa chance real e séria possa ocasionar dano extrapatrimonial à parte a qual sofreu um ato ilícito, assim sendo, dano moral.

Neste sendtido, Sérgio Cavaliere Filho, em sua obra: Programa de Responsabilidade Civil ensina:

“A chance perdida reparável deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de fato consumado, não hipotético. Em outras palavras, é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória (…)” (2012, pág. 81).

Apesar de ter sido mostrado nesse item apenas uma decisão, entendida como a aplicação correta da perda de uma chance, vale ressaltar a crítica do autor Sérgio Savi, quanto à utilização da perda de uma chance apenas como agregador do dano moral.

Para ele, os Tribunais devem abolir qualquer tipo de aplicação que colocam a responsabilidade civil por perda de uma chance apenas como “agregador” do dano moral. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 50).

Por derradeiro, recomenda-se a leitura do item 2.2.1 (A perda de uma chance apenas como um agregador de dano moral) da obra Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance do supramencionado autor.

2.8. DA SERIEDADE DAS CHANCES PERDIDAS VS. MERA POSSIBILIDADE.

Importante tópico do presente estudo, objeto de preocupação e dedicação aprofundada dos doutrinadores Sérgio Savi e Rafael Peteffi, a seriedade das chances perdidas é por vezes interpretada de forma a utilizar a teoria da perda de uma chance como modo de indenizar meras possibilidades.

Não à toa, o renomado doutrinador Sérgio Cavaliere filho ensina (2012, pág. 81):

“A chance perdida reparável deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de fato consumado, não hipotético. Em outras palavras, é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou não passaria de mera possibilidade aleatória.”

Em sua obra, Responsabilidade Civil por Perda de uma chance, Sérgio Savi cita vários exemplos de decisões que indenizam com fundamento na perda de uma chance, casos onde não há a menor razoabilidade ou mínima chance de certeza de que o resultado esperado ocorreria, caso não houvesse um ato ilícito obstrutor.

Dentre os casos citados em sua obra, o que mais chamou atenção aqui foi o da Apelação Cível, n. 598.460.244, o qual será analisando abaixo. (Savi, 2012, pág. 62).

O caso supracitado versa sobre o caso de uma jovem de 19 anos, que revendia produtos de beleza e pretendia cursar pedagogia ou informática, porém foi atropelada e ficou impossibilitada de sozinha, exercer atividades que lhe eram habituais, como: ler, escrever, caminhar. (Savi, 2012, pág. 63).

Neste ínterim, requereu a jovem em seara judicial, indenização pelos danos sofridos cumulado com uma pensão vitalícia, com base na expectativa de seu crescimento profissional, a qual em primeira instância conseguiu parcialmente: o ressarcimento pela metade dos gastos passados, presentes e futuros com o tratamento médico, medicamentos, etc., e a pensão vitalícia com base na expectativa de ascensão profissional (base no salário médico de uma pedagoga) e compensação de 300 salários mínimos pelos danos morais sofridos. (Savi, 2012, pág. 63).

O Tribunal ainda negou provimento ao recurso da ré, baseando-se no fato de que a autora foi privada de uma chance real de ascensão profissional em médio prazo. (Savi, 2012, pág. 63).

Importante transcrever aqui também o comentário que fez o doutrinador usado até aqui sobre esta decisão: “(…) a autora tinha 19 anos, nem sabia o que queria fazer da vida, não estava prestando nenhum vestibular e não havia como ter certeza de que ela se formaria. Ate então sua profissão era de revendedora de produtos de beleza” (Savi, 2012, págs. 63,64).

O presente caso remete ao belo exemplo na doutrina francesa dado por Rafael Peteffi, tirado de Yves Chartier. Neste, a Corte de Cessação impediu que o autor, um menino de nove anos de idade, recebesse reparação pela perda da chance de auferir profissão bem remunerada. (Rafael Peteffi, 2013, pág. 140).

O motivo da demanda foi um acidente que comprometeu o bom desempenho escolar que a vítima sempre obteve, uma vez que o autor ficou impossibilitado de realizar certas tarefas manuais. Entretanto, o Tribunal negou provimento ao pedido com o principal motivo de falta de comprovação de certeza. (Peteffi, 2013, pág. 141).

Com este exemplo, fica nítida a importância e rigor dado pelos franceses a seriedade das chances perdidas para uma indenização justa.

Neste sentido, escreveu Peteffi (2012, pág. 140):

“A jurisprudência francesa costuma analisar com maior rigor a seriedade das chances perdidas quando estas representam danos futuros. Nesse sentido, quando os efeitos da chance perdida vem a se materializar em momento posterior à decisão do magistrado, o caráter de certeza do prejuízo encontra maiores dificuldades de ser provado”.

Nota-se com isso, uma grande diferença entre casos semelhantes, no sentido de seriedade da chance de se auferir o resultado esperado. Porém a jurisprudência brasileira, apesar de ainda estar no caminho para uma melhor aplicação da teoria da perda de uma chance, parece acompanhar o direito francês nesse quesito, vide Enunciado 443, art. 927 da V Jornada de Direito Civil do Conselho Federal:

“Enunciado 443, art. 927: A responsabilidade civil por perda de uma chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.”

Por causa da última parte do artigo supracitado, é que, Rafael Peteffi, em sua obra: Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance coloca a aplicação italiana da teoria em estudo, como sem respaldo pela jurisprudência e doutrina brasileiras. (Peteffi, 2013, pág. 142).

Tudo ocorre pela forma como a doutrina italiana trata a seriedade das chances, colocando-as como sérias, apenas as chances com no mínimo 50% de probabilidade de êxito. E é neste ínterim, que se entende como necessária a crítica do doutrinado Rafael Peteffi (2013, pág. 142):

“Se a tendência encontrada no direito italiano fosse apoiada, casos que tratam da perda da chance de obter aprovação em concurso ou licitação pública, comuns no ordenamento francês e norte-americano, somente poderiam ser admitidos se restassem apenas dois concorrentes, pois somente dessa maneira a vítima poderia obter mais de 50% de chances de logra êxito no certame público”.

 Apôs todo esse aparato, transcreve-se abaixo uma interessante decisão brasileira, que não só toma como relevante a seriedade das chances, mas como também, pela análise do caso concreto, deixa de aplicar a teoria da perda de uma chance por insuficiência probatória.

“AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. PRETENSÃO DO AGRAVANTE QUE SE ENCONTRA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE SOBRE O TEMA. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE RESTOU ASSIM EMENTADA: "APELAÇÃO CÍVEL. EXTRAVIO DE SEDEX RECEBIDO POR PREPOSTO DO CONDOMÍNIO ONDE RESIDE O AUTOR. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. Comprovado o ato ilícito consistente na conduta culposa do preposto do Condomínio ante o extravio da correspondência dirigida ao autor, cinge-se a controvérsia em determinar se a situação é suficiente para a caracterização do dano moral. Nem todo ilícito enseja a indenização por dano moral. É imprescindível que o ato seja capaz de se propagar para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de forma significante. Autor que embasou o seu pedido indenizatório na Teoria da Perda de uma Chance. Há que se analisar a potencialidade da perda, porquanto a teoria invocada tem por pressuposto a constatação da existência de uma chance real de obtenção de um benefício que teria sido neutralizada por uma conduta ilícita. No caso concreto, embora evidente a negligência, o autor sequer tinha conhecimento do conteúdo da correspondência extraviada, não sendo possível indenizar uma perda meramente hipotética. Precedentes do STJ. Súmula 75 TJRJ. RECURSO PROVIDO NOS TERMOS DO ART. 557 § 1º-A DO CPC". Agravante que não trouxe qualquer argumento novo capaz de ilidir os fundamentos da decisão agravada. DESPROVIMENTO DO RECURSO” (TJ-RJ – APL: 00737995120128190002 RJ 0073799-51.2012.8.19.0002, Relator: DES. JORGE LUIZ HABIB, Data de Julgamento: 02/07/2013, DÉCIMA OITAVA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 24/07/2013 15:51).

A presente ação versa sobre o extravio de correspondência do autor por negligência do preposto do condomínio. Por esse ato ilícito, o autor requereu compensação por danos morais, embasando-se na teoria da perda de uma chance.

Abaixo, a brilhante fundamentação da decisão do agravo interno n. 0073799-51.2012.8.19.0002 do ilustríssimo Desembargador Jorge Luiz Habib sobre a possibilidade de indenização da perda de uma chance:

“Sobre o tema, leciona o insigne mestre Sergio Cavalieri Filho, na obra “Programa de Responsabilidade Civil”, 5ª edição, p. 90/91: “A doutrina francesa, aplicada com frequência pelos nossos Tribunais, fala na perda de uma chance (perte d’une chance) nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, arrumar um novo emprego, deixar de ganhar uma causa pela falha do advogado etc. É preciso, todavia, que se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada.O mestre Caio Mário, citando Yves Chatier, enfatiza que a “reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza: que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo”.

O pedido do autor foi negado, tendo em vista que apesar da ocorrência do ato ilícito, não é qualquer ilícito que é passível de resultar em indenização por danos morais. Além do mais, o próprio autor não trouxe provas suficientes para afirmar que perdeu uma chance de obter uma vantagem, não sabendo nem ao menos o conteúdo da correspondência.

A alegação do Tribunal, aqui entendida como correta, é que no presente caso, a indenização desejada pelo autor é de cunho meramente hipotético, sendo este tipo de indenização vedado pelo direito brasileiro.

Com esta decisão, vê-se claramente a importância que o direito brasileiro começou a dar à seriedade das chances perdidas, adotando com isso a aplicação francesa, dando certo rigor à probabilidade de certeza. Porém, sem descuido de uma análise aprofundada do caso concreto.

2.9. DOS JULGADOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Começa-se este falando das pesquisas do livro do Ilustre Sérgio Savi, o qual no tópico: O acolhimento da teoria da responsabilidade da perda de uma chance pelo Superior Tribunal de Justiça, escrito em seu livro: Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance, em sua 1º edição apontava apenas cinco afrontamentos da teoria pelo STJ. (Savi, 2012, pág. 74).

Já em suas 2º e 3º edições, foram encontrados mais cinco importantes acórdãos, que ajudaram a delimitar contornos precisos para a aplicação da teoria por perda de uma chance. (Savi, 2012, pág. 75).

Hoje, numa breve pesquisa feita para o presente tópico do Tribunal de da Cidadania (www.stj.jus.br, acesso em 09/02/2015), nota-se um belo crescimento em julgados que tratam da teoria da perda de uma chance, no total de 36 decisões.

Com o animador crescimento de decisões proferidas pelo STJ, se verá a seguir três importantes acórdãos, que não são apenas relevantes ao estudo, como também, vistos com destaque em doutrinas específicas, como as de Sérgio Savi e Rafael Peteffi da Silva. São eles: RESP 788.459/BA, RESP N. 821.004/MG e 1,190,180/MG.

2.9.1. RESP 788.459/BA – CASO “SHOW DO MILHÃO”

Antes de adentrar a análise do RESP 788.459/BA, importante ressaltar que tal acórdão é tão relevante para o presente trabalho, que o doutrinador Sérgio Savi o considera como o verdadeiro leading case em matéria de responsabilidade civil por perda de uma chance (Savi, 2012, pág. 75).

Cuida-se de ação de indenização proposta por ANA LÚCIA SERBETO DE FREITAS MATOS, perante a 1ª Vara Especializada de Defesa do Consumidor de Salvador – Bahia – contra BF UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA, empresa do grupo econômico "Sílvio Santos"

A autora participou do programa SHOW DO MILHÃO, pelo qual o participante, através de um jogo de perguntas e respostas, pode ganhar até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reias) em barras de ouro.

Ocorre que, a autora, pessoa de alto grau de conhecimentos gerais, respondendo as perguntas uma a uma, chegou ao momento da pergunta “milhão”, e vendo que não havia resposta correta, resolveu desistir de responder e parar com o prêmio que havia garantido até então, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em barras de ouro.

Não obstante ao ocorrido, resolveu então a autora, demandar judicialmente em fase da BF UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA, requerendo a indenização por dano material (na importância do montante restante do milhão, que teria ganhado caso acertasse a pergunta) e extrapatrimonial.

O presente acórdão está assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido” (STJ, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 08/11/2005, T4 – QUARTA TURMA).

A pergunta era a seguinte: “A Constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território brasileiro?” Como respostas, o programa apresentava as seguintes opções: a) 22%; b) 2%; c) 4% e d) 10%.

A autora alegou que a pergunta não tinha como ter resposta correta, pois nem no art. 231 da CRFB/88 há menção expressa a tal porcentagem. Indo de encontro ao pensamento autoral, a ré, em contestação, alegou ser possível a resolução da questão e que para isso, a autora teria que saber a extensão do território nacional, a redação do art. 231 da CRFB/88 e a quantidade de terras indígenas ocupadas em solo nacional.

Então, o Juízo competente de 1 Grau, por meio de sua cognição, concluiu aqui entendida como decisão correta, que não havia como a autora responder a questão apresentada, pois não há resposta correta, uma vez que pela redação do art. 231 da CRFB/88, compete a União demarcar as terras ocupadas pelos indígenas, o que até hoje não foi possível de ser feito pelo ente responsável.

Assim, a pretensão autoral foi julgada procedente em parte, condenando a ré apenas a condenação de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) com a devida correção e juros. Porém, com o indeferimento quanto ao pedido de danos morais.

Irresignada, a parte ré interpôs Apelação, sendo negado o seu provimento pelo Tribunal de Justiça da Bahia.

Ainda assim a ré resolveu interpor recurso especial, alegando violação ao art. 1.059 do Código Civil de 1916, vigente na época do ocorrido. Tal artigo tinha a seguinte redação: “Salvo as exceções previstas neste Código, de modo expresso, as perdas e danos devidos as credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

A ré então, requereu que fosse minorada a condenação, utilizando-se da lógica, defendeu a tese de que a autora teria uma chance em quatro de acertar a pergunta proposta, caso houvesse resposta correta.

Baseando-se no requerimento da recorrente, o Ministro Fernando Gonçalves entendeu que o caso era de perda de uma chance, onde não haveria certeza de que a autora acertaria a pergunta caso houvesse resposta correta. Porém, é inegável que o direito da autora foi obstaculizado por conduta ilícita da ré. Assim, acolheu o recurso especial e minorou a condenação para ¼ do valor que a autora deixou de ganhar.

Assim, transcreve-se aqui parte do acórdão:

“Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente – ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso – que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à "pergunta do milhão".(…)Resta, em consequência, evidente a perda de oportunidade pela recorrida, seja ao cotejo da resposta apontada pela recorrente como correta com aquela ministrada pela Constituição Federal que não aponta qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas, seja porque o eventual avanço na descoberta das verdadeiras condições do programa e sua regulamentação, reclama investigação probatória e análise de cláusulas regulamentares, hipóteses vedadas pelas súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça.Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao Tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado de outra.A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) – equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma probabilidade matemática"de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens) reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$_TTREP_1446” (cento e vinte e cinco mil reais).         

Conforme exposto ao longo desse trabalho, a indenização pela perda de uma chance será sempre inferior ao montante que a parte receberia se a oportunidade de um ganho não tivesse sido perdida e o ganho tivesse se verificado. Como jamais se teria a certeza absoluta de que a autora acertaria a pergunta que lhe fosse apresentada, a indenização jamais poderia ser no valor de quinhentos mil reais (Savi, 2012, pág. 77).

Por derradeiro, aplaudisse aqui a decisão do Ministro Fernando Gonçalves, sendo perfeita para o que se entende aqui pela aplicação correta da teoria da perda de uma chance, analisando não só a seriedade da chance, mas como também analisando a fundo a problemática apresentada.

2.9.2. RESP N. 821.004/MG

A demanda judicial que será analisada aqui (MARCELO SILVA VITOR AMARAL X RÁDIO CAPARAÓ LTDA E OUTRO) tem como motivo caracterizador, o fato do autor ter sido candidato ao cargo Vereador e as emissoras de rádio um dia antes da eleição ter veiculado a falsa notícia de que o autor havia tido a sua candidatura cassada.

Ocorre que o candidato em questão era seu homônimo e filiado ao mesmo partido, e ao ser apurado os resultados da eleição, viu-se que o autor a perdeu por apenas 8 (oito) votos. Sentindo-se prejudicado pela notícia imprudente das emissoras de rádio, resolveu então, demandar judicialmente contra a mesma.

Em sede de 1º Grau, o Juízo condenou as rés ao pagamento de indenização fixada no valor equivalente a 30 (trinta) salários mínimos a título de danos morais e a título de danos materiais, o cálculo com base no valor do subsídio mensal do cargo de Vereador pelo período de 4 (quatro) anos de mandato.

Inconformadas com a decisão, as até então rés, interpuseram apelação, que foi julgada parcialmente procedente pra reduzir o valor da indenização por danos materiais para R$ 41.472,00 (quarenta e um mil e setenta e dois reais) correspondente à metade do tempo de mandato.

Em sede de recurso a Instância Superior (RESP N. 821.004/MG), importante destacarmos alguns trechos, que aqui, entendidos como corretíssimos, como a parte em que o Excelentíssimo Relator ressalta a brilhante fundamentação da decisão a qual foi requerida a reforma:

"Na hipótese em comento, a primeira vista, poder-se-ia acreditar que não seria possível à condenação das apelantes ao pagamento da indenização por danos materiais, visto que, não sendo possível se ter certeza de que o apelado de fato seria eleito, não seria certo que receberia os proventos referentes ao cargo de vereador, e por isto não haveria razão para se falar em dano, o que impossibilitaria o acolhimento do pedido indenizatório. Também não se poderia falar em condenação dos recorrentes ao pagamento do valor despendido pelo recorrido para patrocinar sua campanha pelo mesmo motivo retro mencionado."Assim, de acordo com este pensamento, só se poderia condenar as apelantes ao pagamento da indenização na hipótese de, já tendo o apelado tomado posse no cargo de vereador, ele tivesse tido o seu mandado cassado em virtude da notícia veiculada, não lhe sendo mais possível perceber os salários; neste caso seria sim possível o pagamento de indenização, visto que o dano estaria causado de forma certa e atual."No entanto, a meu sentir, apesar de não ter absoluta certeza de que o recorrido seria eleito, e de que perceberia seus proventos mensais, tenho que o direito ao recebimento da indenização pelos danos materiais existe em razão de um terceiro gênero de indenização denominado perda da chance."A perda da chance é terceira modalidade de indenização e, conforme leciona Sérgio Severo, visa possibilitar indenização de "um dano causado quando a vítima vê frustrada, por ato de terceiro, uma expectativa séria e provável, no sentido de obter um benefício ou de evitar uma perda que a ameaça" (Os Danos Extrapatrimoniais, 1ª ed., Saraiva: São Paulo, 1996, pág. 11.). (…)."Desta forma, a possibilidade de o apelado ser indenizado pelos gastos que teve com a sua candidatura, bem como pelos proventos que deixou de perceber, tem como fundamento a perda da chance de ele ser eleito, ou seja, a frustração da sua eleição em virtude da notícia veiculada pelas recorrentes."Fala-se que o recorrido não foi eleito em razão da notícia veiculada pelas apelantes em razão de dois motivos: conforme afrimado na petição inicial, a não-eleição do apelado ocorreu pela falta de apenas oito votos; as testemunhas informaram em seus depoimentos que elas e parte de seus familiares não votaram no recorrido apenas em razão do que foi noticiado pelas apelantes, conforme se verifica:(…)"Ora, se bastavam apenas mais oito votos para que o recorrido fosse eleito, e tendo restado demonstrado que estes votos poderiam ser obtidos caso parte do eleitorado não tivesse ouvido a notícia veiculada pelas apelantes, resta claro que é objetivamente provável que o recorrido seria eleito vereador da Comarca de Carangola, e que este fato só restou frustrado em razão da conduta ilícita das apelantes." Conforme se verifica, de acordo com as provas que foram trazidas aos autos, é muito provável que o recorrido seria eleito vereador, e por esta razão torna-se possível o seu direito de ser indenizado. Claro que se a possibilidade fosse remota, esta circunstância de fato, elidiria do direito retro mencionado, o que não é o caso, tendo em vista os elementos de prova trazidos aos autos. Assim, em virtude da perda da chance de ser eleito por culpa dos apelantes, o recorrido pode ser indenizado pelos gastos de sua campanha, e pelos proventos que deixou de perceber.( STJ , Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 – TERCEIRA TURMA)

Após concordar e ressaltar a decisão da Apelação, o Ministro Sidnei Beneti, transcreveu uma série de precedentes do STJ, destacando inclusive o famoso caso do “SHOW DO MILHÂO”, aqui já analisado. Posteriormente, rejeitou o Recurso Especial interposto pelas emissoras de rádio.

2.9.3. RESP N. 1.22.911/RS.

Decisão ainda mais recente do que as anteriormente citadas é a do RESP n. 1.220.911/RS. Coloca-se o mesmo no presente estudo, não só pela forma de ser pensar o direito no Rio Grande do Sul, Estado importantíssimo não só para a teoria da perda de uma chance, mas para direito como um todo, mas também por ser este acórdão muito importante para dar ênfase no já falado sobre chance séria e real.

O acórdão segue assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. PRESSUPOSTOS INDENIZATÓRIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL. DANO MATERIAL HIPOTÉTICO. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. ACÓRDÃO A QUO BASEADO NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA Nº 07/STJ. 1. Cuida-se, na origem, de ação ordinária por meio da qual pretende o agravante ser indenizado pela União, em face dos danos materiais e morais sofridos em decorrência da sua reprovação no exame psicotécnico, com a consequente exclusão no concurso público destinado ao provimento de vagas para o cargo de Policial Rodoviário Federal. 2. O agravante logrou aprovação apenas na prova de conhecimento. Dessarte, ficaram pendentes as quatro fases seguintes da primeira etapa, compreendendo os seguintes exames: psicotécnico (considerando a inexistência de resultado válido), médicos, capacidade física e motricidade; e, ainda, a segunda etapa, de caráter eliminatório – Curso de Formação. 3. A pretensão não encontra amparo na "teoria da perda de uma chance" (perte d'une chance) pois, ainda que seja aplicável quando o ato ilícito resulte na perda da oportunidade de alcançar uma situação futura melhor, é preciso, na lição de Sérgio Cavalieri Filho, que: "se trate de uma chance real e séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada" (Programa de Responsabilidade Civil, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 92). 4. Ademais, não se admite a alegação de prejuízo que elida um bem hipotético, como na espécie dos autos, em que não há meios de aferir a probabilidade do agravante em ser não apenas aprovado, mas também classificado dentro das 30 (trinta) vagas destinadas no Edital à jurisdição para a qual concorreu, levando ainda em consideração o nível de dificuldade inerente aos concursos públicos e o número de candidatos inscritos. 5. De mais a mais, o próprio autor afirma que não pretendia a investidura no cargo de Policial Rodoviário Federal, em face da sua nomeação para o de Procurador Federal. A pretensão não encontra guarida na teoria da perda de uma chance, aplicada somente "nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, arrumar um novo emprego" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., pp. 91-92), dentre outras. 6. Indevida indenização por dano moral, à míngua de efetiva comprovação, eis que o reexame dos aspectos de fato que lastreiam o processo, bem como sobre os elementos de prova e de convicção, encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ, pois não há nos autos informação que justifique a condenação nessa verba. 7. Agravo regimental não provido”. (STJ , Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 17/03/2011, T2 – SEGUNDA TURMA)

A presente ação versa sobre indenização requerida pelo demandante em face da União por reprovação injusta do Exame Psicotécnico para Policia Rodoviário Federal.

O certame contém duas fases, sendo a primeira dividida em cinco etapas: 1) Prova de Conhecimentos, com questões subjetivas de múltipla escolha; 2) Exame Psicotécnico; 3) Exames Médicos (Biométrico e Clínico); 4) Provas de Capacidade Física; 5) Prova de Motorismo.

A segunda etapa, de caráter eliminatório, consiste no Curso de Formação.O candidato que não obtiver , no mínimo, 60% (sessenta por cento) do total de pontos do Curso de Formação ou que não obtiver, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da freqüência no Curso será considerado reprovado, não cabendo recurso na Área Administrativa.

Não obstante a classificação, o autor ainda teria que ficar entre os trinta primeiros colocados, vaga disponível para o cargo. Visto isso, é que se cita aqui, um trecho do relatório do Excelentíssimo Ministro Relator, Castro Meira:

“(…)Como trazido a cotejo pelo agravante, o caso do "Show do Milhão", em que esteSuperior Tribunal reconheceu a perda da chance da participante em face de uma questão mal formulada, concluiu-se que, em condições normais, a probabilidade de acerto seria de 1 em 4 (em face do número de alternativas possíveis). Mas o paradigma trazido à balha não guarda, é evidente, a mesma premissa fática dados autos, tanto por não se tratar de concurso público, como também pela viabilidade em demonstrar-se a existência de uma chance real e séria da parte autora em obter a vantagem almejada. Em suma, para fins de aplicação da teoria, não se admite a alegação de prejuízo queelida um bem hipotético, como no caso dos autos, em que não há meios de aferir probabilidade do agravante em ser não apenas aprovado, mas também classificado dentro das 30 (trinta) vagas destinadas no Edital à jurisdição para a qual concorreu, levando ainda em consideração o nível de dificuldade inerente aos concursos públicos e o número de candidatos inscritos (…).”

Com apenas esse trecho da para entender que a decisão de negar seguimento ao agravo, foi, ao ver do presente estudo, correta.

2.9.4. CONSOLIDAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE NO STJ.

Apesar da teoria da perda de uma chance ainda ser por muitos desconhecida e sendo uma nova vertente no campo responsabilidade civil, nota-se com uma breve avaliação de casos julgados pelo STJ uma certa padronização e, ao entender do presente estudo, aplicações corretas quanto a utilização da teoria em voga.

O que mais é visto nessa padronização do STJ ao julgar, se deve ao fato dos julgadores se apoiarem em doutrinas específicas, como as de Sérgio Savi, Rafael Peteffi, Sérgio Cavaliere, dentre outros doutrinadores, que mesmo mais conservadores, buscaram se especializar e aprofundar estudos visando à evolução do direito, mas restritamente aqui, da responsabilidade civil.

O que se pode retirar aqui em comum das decisões supramencionadas para uma consolidação da aplicação da teoria da perda de uma chance é, principalmente o fato da cobrança de ser a chance perdida séria e real para ser passível de indenização.

Importante salientar que o julgamento justo e razoável é a busca do judiciário para a resolução dos casos concretos. Entende-se aqui que as decisões apresentadas neste tópico vão de encontro com a correta aplicação da perda de uma chance.

3. MOTIVOS PARA ADMISSÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO BRASIL

Aqui tomar-se-á como base a obra: Responsabilidade Civil por Perda de Uma Chance do brilhante doutrinador Sérgio Savi, muito pela compatibilidade de ideias com o supracitado doutrinador, no que tange a admissão da aplicabilidade da teoria da perda de uma chance no Brasil.

Desta feita, serão escritos abaixo, dois importantes capítulos, não só para admissão da teoria, mas como também, para finalizar o presente trabalho.

Importante salientar que um dos mais importantes motivos, se não o maior, por questão de didática foi colocado no inicio do trabalho. Trata-se da evolução histórica da responsabilidade civil até a tão chagada responsabilidade objetiva, assim sendo, o tópico 1 do presente trabalho.

3.1. CLÁUSULA GERAL DE RESPONSABILIDADE CIVIL COMO CLÁUSULA ABERTA

Conforme é cediço, o Código Civil Brasileiro sofre importantes influências dos Códigos Civis da França e da Itália. Em tais países, impera a cláusula geral de responsabilidade civil como um conceito aberto, assim sendo,

Na França tal previsão está regida pelo art. 1.382 e na Itália, art. 2.043. A ideia desta cláusula é a de que todo dano deve ser reparado pelo seu causador, que com no mínimo dolo ou culpa o fez (Savi, Sérgio, 2012, pág. 103).

Mantendo este ideal, é que o Código Civil Brasileiro estabelece em seu art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e art. 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (Savi, Sérgio, 2012, 104).

O ilustríssimo Sérgio Savi então cita o renomado doutrinador Clóvis do Couto e Silva, indagando o seguinte: “qual seria o motivo então para o tratamento diferenciado da perda de uma chance nos ordenamentos franceses e italianos com o brasileiro. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 104).

O supracitado doutrinador afirmou que o motivo pelo qual a jurisprudência brasileira não acolhia plenamente a responsabilidade civil por perda de uma chance, era pelo fato do art. 159 do Código Civil de 1916 enumerar, no arts. 1.537 a 1.554, os bens protegidos pelo ordenamento jurídico. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 104).

Entretanto, pelo já falado no presente item, com o Código Civil de 2002, a doutrina brasileira passou a aderir o conceito de cláusula geral de responsabilidade civil aberta, não havendo com isso uma taxatividade, quanto aos bens jurídicos a serem reparados pelo causador do ato, que por culpa ou dolo, causou dano a outrem.

3.2. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL DOS DANOS E A SUPERAÇÃO DA MÁ INTERPRETAÇÃO DO ART. 944 DO CÓDIGO CÍVIL BRASILEIRO.

De forma a complementar a cláusula geral de responsabilidade civil, veio o art. 402 do Código Civil Brasileiro de 2002, assim como dizia o art. 1.059 do Código Civil anterior: “salvo exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Com essa redação, ainda que implicitamente, o legislador acabou por positivar o princípio da reparação integral dos danos (Savi, Sérgio, 2012, pág. 106).

Apenas a título de ilustração, recomenda-se a leitura do livro do brilhante Flávio Tartuce, especificamente aqui quando o mesmo fala da reparação integral dos danos na seara do direito do consumidor, o qual, por não ser o objetivo não será explicado nessa oportunidade (Tartuce, Flávio, 2013, pág. 489).

Por se tratar de um princípio infraconstitucional, haviam ainda decisões judiciais que ainda o ignorava. Todavia ao ser estabelecido na nossa Carta Magma o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CRFB/88), bem como a consagração como um dos objetivos fundamentais da república a construção de uma sociedade livre e solidária (art. 3º, I da CRFB/88), acabou-se dando constitucionalidade ao princípio da reparação integral dos danos, e com isso, resolvendo a questão da sua ainda contestada aceitação (Savi, Sérgio, 2012, pág. 108).

Ora, se tais princípios constitucionais tutelam uma sociedade livre e solidária, ressaltando a dignidade da pessoa humana, e por assim dizer, constitucionalizam o princípio da reparação integral dos danos, não há como se ignorar a perda de uma chance.

Apesar de parecer se tratar de princípio já pacificado, surgiu, por intermédio de alguns autores, dentre eles, Carlos Roberto Gonçalves e Sergio Cavaliere Filho, a ideia de que tal dispositivo poderia gerar injustiças, pois nesse caso um dano gerado por uma culpa tênue, seria indenizado com o mesmo rigor de uma conduta com culpa mais gravosa (ideias de Gonçalves, Carlos Roberto e Sérgio Cavaliere Filho, Sérgio, expressadas na obra de Peteffi, Rafael da Silva, 2013, pág, 232).

Neste ínterim, para uma maior proteção, o legislador projetou o Art. 944 do CCB/2002: “A indenização mede-se pela extensão do dano Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.

Ocorre que após calorosos debates quanto à constitucionalidade de tal dispositivo, veio o Enunciado 46, extraído da Jornada de Direito Civil, realizada pelo encontro de Estudos do Conselho de Justiça Federal, em setembro de 2002. De modo a assegurar uma correta aplicação do dispositivo com a Constituição, dispõe o seguinte (Peteffi, Rafael da Silva, 2013, pág. 232):

“Art. 944. A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva’.

Todavia, sucedendo o enunciado 46 I Jornada de Direito Civil, veio o Enunciado 380 da IV Jornada de Direito Civil, realizada em 2007. E neste, foi dada nova redação ao Enunciado 46, cortando a sua parte final: “não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”.

“Entende-se de extrema importância a antiga alusão à impossibilidade de aplicação da referida regra aos casos de responsabilidade objetiva. È evidente que nos casos em que o réu deverá responder pelo dano criado, baseado na teoria do risco (responsabilidade objetiva), a análise do grau da culpa resta absolutamente inadequada, ou mesmo impossíve, já que a conduta antijurídica é suficiente para gerar total responsabilização do agente, sem a necessidade de culpa ou ilicitude. Portanto, em uma espécie de responsabilidade civil que prescinde da culpa – ou seja, tem-se reparação integral do dano com culpa “zero” – torna-se absurdo falar em desproporção entre dano e a culpa.”

O que se entende aqui é que o dispositivo deve ser interpretado de forma sistemática, de acordo com a Constituição, não havendo com isso, conflito de normas. Tal é o pensamento também do doutrinador Sérgio Savi.

Ou seja, ao se deparar com uma ação de responsabilidade civil, mas especificamente aqui, de perda de uma chance, o julgador deverá sempre atender ao princípio da reparação integral dos danos, não o fazendo somente, em casos em que houver relevante desproporção entre culpa e dano. Daí sim, o juiz deve se utilizar do parágrafo único do art. 944 do Código Civil Brasileiro de 2002. (Savi, Sérgio, 2012, pág. 109).

CONCLUSÃO

A perda de uma chance é aqui entendida como uma teoria já consolidada quanto a sua aceitação, tanto em doutrina, quanto nos Tribunais pátrios. Sendo a grande controvérsia do presente estudo, o modo de aplicação da mesma: qual o seu enquadramento numa natureza jurídica? Qual sua forma de quantificação? Como considerar um dano que independa de um resultado final?

Foi visto que o enquadramento da perda de uma chance em natureza jurídica é algo extremamente complexo e de brilhantes fundamentações de renomados autores, tanto nacionais, como estrangeiros.

Compactua-se com o entendimento da doutrina italiana, a qual aplica a perda de uma chance como uma subespécie do dano emergente, incorporando ao patrimônio do lesado, a sua chance, oportunidade perdida em decorrência de um dano. Indeniza-se a perda de obtenção do resultado esperado (perda da chance de concorrer a um concurso), e não a perda da vantagem em si (ser classificado pelo certame), acreditando-se, acabar com a incerteza quanto à ocorrência do dano.

Enfatiza-se que, apesar de esse ser o entendimento acompanhado no presente trabalho, imagina-se que daqui a algum tempo, ganhe força o entendimento da perda de uma chance como categoria autônoma, caminhando entre o lucro cessante e o dano emergente, muito pela dificuldade de tal quantificação em casos mais complexos da perda de uma chance, como os que são apresentados na seara médica (chance de cura ou sobrevivência).

Lembra-se também, que, segundo a melhor doutrina, a perda de uma chance pode dar origem a duas espécies de dano – patrimoniais e extrapatrimonias.

No que tange a perda de uma chance, é pacífico o entendimento de que a mesma para ser indenizada tem que atender ao princípio da razoabilidade, sendo uma chance com grande probabilidade de êxito, chamada de chance séria e real.

Não se entende aqui como correta nesse caso, a aplicação da teoria na Itália, aonde só se indeniza as chances com probabilidade de êxito maior do que 50 %. Ora, imagine um quadrangular para decidir o campeão de um torneio estadual de futebol, e que um desses times tenha perdido de W.O. por negligência da empresa de ônibus, que não chegou a tempo para levar os atletas até o estádio.

Analisando o caso hipotético supracitado, entende aqui como melhor solução, uma indenização pela real possibilidade probalística de vitória do time prejudicado, a qual se entende por ¼. Assim sendo, o time prejudicado, teria direito a indenização por perda de uma chance séria e real, considerada como já falado, uma subespécie do dano emergente, em ¼ do prêmio que ganharia sendo campeão do quadrangular.

E é com esse entendimento, que se tomou como necessário falar dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, quando este teve que lidar com as problemáticas a respeito da perda de uma chance, uma vez que além do crescente número de decisões, vem aplicando a teoria da forma correta, principalmente no que se refere a seriedade, probabilidade e quantificação das chances.

Por derradeiro, não faltam argumentos para a incorporação da responsabilidade civil por perda de uma chance no direito pátrio, uma vez que o direito brasileiro trabalha com a cláusula aberta de responsabilidade civil, bem como o princípio da reparação integral dos danos. Não se esquecendo do papel da sociedade, que evolui e faz com que o próprio direito como um todo evolua junto, não sendo diferente com a responsabilização civil do sujeito que causar dano a outrem.

 

Referências
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SAVI, Sergio. Responsabilidade Civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2012. 
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STJ – REsp: 1079185 MG 2008/0168439-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/11/2008, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/08/2009.
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(STJ, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 08/11/2005, T4 – QUARTA TURMA)
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TJRS, 5° Câmara Cível, Apelação Cível n° 598.069.996, Rel. Des. Ruy Rosado Aguiar Júnior, julgado em 12/6/1990.
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TJ-RJ – APL: 00737995120128190002 RJ 0073799-51.2012.8.19.0002, Relator: DES. JORGE LUIZ HABIB, Data de Julgamento: 02/07/2013, DÉCIMA OITAVA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 24/07/2013 15:51, acesso em 31/01/2015.


Informações Sobre o Autor

Raphael Moreira da Hora

especializado em direito privado pela Universidade Federal Fluminense UFF


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