A Suprema Corte Americana e o devido processo legal em sentido material

Resumo: O artigo analisa parte do desenvolvimento da teoria do devido processo legal em sentido substantivo pela Suprema Corte dos Estados Unidos.

Palavras-Chave: Constituição; Devido Processo Legal; Suprema Corte.

Abstract: The article analyses the development of the substantive due process of law theory bz the United States Supreme Court.

Keywords: Constitution; Due Processo of Law; Supreme Court.

Sumário: 1. Introdução; 2. Histórico; 3. Críticas; 4. Conclusões; 5. Bibliografia.

1. Introdução

A função jurisdicional do Estado é tratada de modo bastante diverso nos dois grandes sistemas de direito atuais. Na civil law, o Judiciário é visto com os olhos da desconfiança e do receio, visão esta que não encontra paralelo nos sistemas da common law. Tal receio tem raízes históricas que se estendem desde a revolução francesa até a utilização do Fürherprinzip na Alemanha nazista.[1] John Henry Merryman, da Stanford Law School, ensina que, ao contrário dos países pertencentes à tradição do direito continental europeu, “os Estados Unidos e a Inglaterra têm uma história do direito diversa, na qual o poder Judiciário se encontrava tradicionalmente ao lado do cidadão contra o arbítrio do poder Estatal. O Poder Judiciário não foi o principal inimigo da revolução inglesa ou daquela americana. Aliás, os juristas da common law também não tiveram de suportar mais de vinte anos de governo totalitário, com os seus constantes ataques às barreiras postas em seu caminho por um ordenamento jurídico de caráter liberal.”[2]

O maior poder dado à Jurisdição é, sem dúvida, o de controlar a constitucionalidade dos atos normativos. Assim, quando pensadas nesta perspectiva, as diferenças entre as duas visões de Judiciário se tornam ainda maiores. Desde que o Justice Marshall proferiu sua opinião no célebre caso Marbury v. Madison,[3] não restam dúvidas de que a Supreme Court dos Estados Unidos da América se tornou um órgão extremamente importante dum ponto de vista político.[4]

 Mesmo com tanto poder concentrado na Jurisdição, o entendimento pré-constituição americana, e que ainda se mantém, já era o de que o Judiciário sempre será o ramo menos perigoso dos poderes do Estado (the least dangerous branch).[5] Como explica o eminente Alexander Hamilton, “quem quer que atentamente considere os diferentes departamentos do poder, tem de perceber que em um governo no qual eles estão separados uns dos outros, o Judiciário, pela natureza de suas funções, sempre será o menos perigoso para os direitos políticos da Constituição, porque ele será o de menor capacidade em ofendê-los ou feri-los.”[6] Comentando o posicionamento dos Founding Fathers da Constituição Americana, o grande Rui Barbosa assim afirmou que: “[s]e manuseardes O Federalista, vereis como Hamilton advoga ali essa autoridade extraordinária, que os patriarcas da grande república entregavam à justiça federal sobre os atos do Congresso e do Executivo. O Judiciário, observava o célebre americano, é o mais fraco dos três ramos do poder e, conseguintemente, o menos propenso a usurpar, não tendo influência alguma sobre a espada ou a bolsa pública, não podendo, assim, tomar nenhuma deliberação ativa, e dependendo, até, afinal do Governo para a execução das próprias sentenças. Dele pois não é de temer que empreenda nada contra as liberdades constitucionais. Todas as cautelas, pelo contrário, deve adotar o povo, para que o Judiciário não seja suplantado pelos outros dois poderes, e, quando entre as duas opressões houvéssemos de optar, menos grave seria sempre a dos tribunais que a dos governos ou a dos congressos.”[7]

Apesar de todo este poder, visando manter sua própria legitimidade, bem como as bases do princípio da separação das funções do Estado – mesmo após o instituição da judicial review–, utilizou a Suprema Corte de certas técnicas de autolimitação de seus próprios poderes, com base em algumas premissas fundamentais: “a presunção de constitucionalidade; a abstenção nas chamadas ‘questões políticas’; a necessidade de configuração de um ‘caso’ ou ‘controvérsia’; a exclusão do julgamento dos motivos, da justiça ou da sabedoria da lei; a persistência das partes da lei não-abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade e o princípio cada vez mais limitado do stare decisis ou da obrigatoriedade dos precedentes.”[8]

Ao menos com relação ao julgamento da razoabilidade (reasonableness) dos atos do Legislativo, a Suprema Corte rompeu de um modo exagerado com as próprias premissas que havia estabelecido. De que forma? Mediante o uso não autorizado e pernicioso da teoria do devido processo material ou substancial. Como explica Lêda Boechat Rodrigues, o que os Justices da Suprema Corte “principalmente fizeram, dos fins do século XIX até 1937, foi julgar dos motivos do legislador e da justiça e sabedoria das leis, através da interpretação dada à cláusula de due process of law, com desvirtuamento dos critérios puramente judiciais e a invasão de atribuições de outros poderes, sobretudo do Legislativo.”[9]

Por centenas de vezes entendeu a Suprema Corte que a inconstitucionalidade dos atos normativos e executivos correspondia a uma ofensa ao devido processo substantivo.

A cláusula do devido process legal está prevista nas Emendas Quinta e Décima Quarta da Constituição americana.[10] Se existe algum ponto pacífico na doutrina do devido processo legal, é o de que, por ocasião da inclusão da cláusula na Bill of Rights, ela se referia exclusivamente às garantias processuais.[11] A existência de um conteúdo processual ou procedimental (procedural) na cláusula do devido processo nunca gerou maiores controvérsias. Mesmo antes da Convenção da Filadélfia, Alexander Hamilton já esclarecia que: “as palavras ‘due process’ têm uma significação técnica precisa e, são somente aplicáveis aos processos e procedimentos das Cortes de justiça; elas nunca podem ser referidas a um ato do legislador.”[12]

 Por alterar o curso histórico e exegeticamente adequado da due process clause, a Suprema Corte a ela conferiu um sentido substantivo (ou material). A razão para tanto é que em determinadas circunstâncias, a Corte americana simplesmente não dispunha de uma argumentação jurídica sustentável para suas opiniões políticas e, tal senso substancial era uma panacéia para tais problemas. O raciocínio no qual está ancorada a teoria é o seguinte: se o devido processo legal protege a vida, a liberdade e a propriedade, então toda vez que o legislador promulgar um ato normativo, não poderá fazê-lo se tal intervenção privar qualquer cidadão de sua vida, liberdade ou propriedade de um modo arbitrário; não razoável. Conforme expressam Daniel Farber, William Eskridge Jr. e Philip Frickey, “a teoria por detrás do devido processo ‘substantivo’ é a de que alguém é privado de sua propriedade sem o devido processo legal se tal privação é embasada em um decreto legislativo arbitrário.”[13]

 Esta teoria ampara os aspectos mais controversos da tese da judicial review, pois a Corte, ao seu bel-prazer, diz quais leis violam o trinômio vida – propriedade – liberdade de uma forma não razoável, com amparo na regra da razão (rule of reason), ou no critério da razoabilidade (standard of reasonableness).[14]

O momento é de reflexão. A doutrina e, mais recentemente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, têm feito alusões à vigência do devido processo legal substantivo no Brasil. O fato da Constituição de 1988 ter sido a primeira a prever de modo expresso a cláusula não parece autorizar a conclusão de que ela foi recepcionada em ambos os sentidos (procedural e substantive), seja pela incoerência da própria doutrina do sentido substancial, seja pela inutilidade de sua presença no ordenamento jurídico brasileiro.

 Desde logo se adota uma postura crítica em relação aos desenvolvimentos dados pela Suprema Corte americana a esta faceta substancial do devido processo. Juristas de diferentes correntes têm se oposto à doutrina do substantive due process. Neste contexto atua destacadamente John Hart Ely, da Harvard Law School, defendendo que, “em verdade, esta interpretação da cláusula – como incorporando um mandado geral para rever o mérito substantivo da legislação e outros atos governamentais – não somente poderia ter sido evitada, mas ela era provavelmente errada. A cláusula do devido processo legal da 14.ª emenda tem origem em idêntica disposição que a da 5.ª emenda, salvo que esta última é aplicável ao governo federal. Existe um consenso geral que a primeira delas era compreendida, ao tempo de sua inclusão, para se referir exclusivamente a procedimentos legítimos.”[15]

 Dentre os inúmeros juristas norte-americanos que opõem sérias restrições a esta doutrina encontram-se, v.g., Raoul Berger[16] e Laurence Tribe[17] – ambos da Harvard Law School –, o Justice Hugo Black[18] e o Justice Antonin Scalia[19].

2. Histórico

A expressão ‘devido processo legal substancial’ é uma contradição em termos.[20] Como pode um instituto processual ser ao mesmo tempo substancial? Seria o mesmo que dizer que o ambiente está escuramente iluminado. O próprio aspecto lingüístico já constitui per se uma barreira instransponível.[21] Porém, haja vista a notória utilização da doutrina pela Suprema Corte, não se prenderá a exposição em tais argumentos de pouca valia. Ao invés disto, optar-se-á por demonstrar alguns aspectos bastante interessantes sobre a história do desenvolvimento da doutrina do substantive due process, aspectos estes capazes de muito revelar sobre seu conteúdo.

2.1 O caso Dred Scott

Questão que chama a atenção é o fato dos autores brasileiros que defendem a vigência e a utilidade do sentido material do due process no Brasil terem buscado no modelo norte-americano só o que quiseram, como se fosse possível, numa doutrina jurídica, importar o que é bom, deixando no país de origem o que é prejudicial. Por exemplo, no Brasil, não se costuma citar o caso Dred Scott[22] como sendo a primeira decisão da Suprema Corte Americana a acolher a tese de devido processo substantivo.

 Esta famosa, porém, infame, decisão da Suprema Corte, tinha o seguinte pano de fundo: Dred Scott era negro e escravo no Estado do Missouri. Entre os anos de 1833 até 1843, ele residiu no Estado de Illinois (um Estado livre) e, em uma área do Território da Louisiana, onde a escravidão era proibida pelo Missouri Compromise de 1820. Depois de retornar ao Missouri, Scott propôs ações nas Cortes do Estado em busca de sua liberdade, alegando que, o fato de ter residido em um território livre fez dele um homem livre. Por não obter sucesso na Jurisdição estadual, Scott propôs uma nova ação em uma Corte Federal. O dono (master) de Scott sustentou que nenhum descendente de ‘Negro Africano’ de puro-sangue, ou descendentes de escravos, poderiam ser cidadãos, no sentido do Artigo III da Constituição americana. A questão posta para julgamento foi: Dred Scott era um homem livre ou um escravo? A Corte decidiu que ele era um escravo. Debaixo dos artigos III e IV, decidiu que, ninguém, senão um cidadão dos Estados Unidos, poderia ser cidadão de um Estado e, que, somente o Congresso poderia conferir cidadania nacional. O Chief Justice Taney – até hoje uma das figuras mais impopulares de toda a história americana – chegou à conclusão que nenhuma pessoa descendente de um escravo americano jamais foi cidadão no sentido do artigo III da Constituição. A Corte então entendeu que o Missouri Compromisse era inconstitucional, por violar o devido processo legal em sentido substantivo, privando os donos de escravos de suas propriedades de um modo irrazoável.

 De tão vexatória que foi, a decisão do caso Dred Scott não foi citada nos anais dos cem anos da Corte, conforme informa Louis B. Bodin, em clássica obra.[23] Foi um começo e tanto para esta doutrina extremamente controvertida! Desde que o caso Dred Scott foi decidido em 1857,[24] a cláusula do devido processo legal tem sido incorretamente interpretada, como tendo um sentido substantivo. Porém, como ressalta o Justice Antonin Scalia, por si só, o devido processo é incapaz de conferir novas liberdades aos cidadãos:

“As palavras realmente têm um alcance limitado de significado, e nenhuma interpretação que vá para além deste alcance é admissível. Meu exemplo favorito de ponto de partida – e certamente o ponto de partida que possibilitou aos ao juízes atuarem como legisladores extremamente livres – pertence à Cláusula do Devido Processo encontrada na Quinta e na Décima Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que diz que ninguém será ‘privado da vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal.’ Ela foi interpretada para prevenir que o governo retirasse certas liberdades para além destas, tal como a liberdade de expressão (free speech) e de religião, que são especificamente mencionadas na Constituição. (Aliás, o primeiro caso da Suprema Corte a usar a Cláusula do Devido Processo neste sentido foi Dred Scott – um parentesco não desejável). Bem, pode ou não ser uma coisa boa garantir liberdades adicionais, mas a Cláusula do Devido Processo muito obviamente não suporta esta interpretação. Em seus inescapáveis termos, ela garante somente processo.”[25]

O uso desenfreado da doutrina substantive due process transforma o Judiciário num super-Legislativo. O memorável Justice Louis Brandeis, ao proferir opinião discordante em Jay Burns Baking Co. v. Bryan,[26] entendeu que, decidir determinadas questões com base no devido processo substantivo, é “um exercício dos poderes de uma super-legislatura – não o cumprimento da função constitucional de judicial review.”[27]

2.2 The Slaughter-House Cases

Após a guerra civil americana e a ratificação de novas Emendas, importante papel tiveram os casos do matadouro; os Slaughter-House Cases.[28] A importância de tal decisão residia no fato de que seria a primeira vez que a Suprema Corte interpretaria o conteúdo da então novel Décima Quarta Emenda.[29] Conforme destacam Gerald Gunther e Kathleen Sullivan – da Stanford Law School – “os casos do matadouro tiveram como preocupação imediata um esforço a fim de que se visse nas Emendas um conteúdo substantivo, ao invés de processual (procedural): o empenho tinha por objetivo utilizar as Emendas como arma em apoio à livre iniciativa (free enterprise) e contra a legislação que estabeleceu o monopólio estatal.”[30]

 Os açougueiros de Nova Orleans tentaram sua sorte invocando três fundamentos constitucionais: a cláusula do devido processo; a cláusula da igual proteção das leis e; a cláusula dos privilégios e imunidades (privileges or immunities),[31] todas constantes da Décima Quarta Emenda.

 Importa dizer que, ao menos de forma temporária, a Corte demonstrou todo o receio que tinha em aceitar a teoria do substantive due process (talvez por medo de repetir a desastrada decisão Dred Scott). O Justice Miller, dando a opinião da Corte, sobre a doutrina do substantive due process, afirmou, “é suficiente dizer que, debaixo de nenhum tipo de construção desta provisão constitucional [Due Process Clause] que já tenhamos visto, ou que julgamos admissível, pode a restrição estabelecida pelo Estado da Louisiana no exercício de seu intercâmbio com os açougueiros de Nova Orleans, ser tida com a privação de propriedade, dentro dos limites desta provisão.”[32] O caso foi julgado ainda na judicatura do Chief Justice Chase (1864 – 1873), mas, mesmo durante a judicatura do Chief Justice Morrison Waite (1874 – 1888), a Suprema Corte houve por bem se recusar a invalidar leis dos Estados da Federação com base em substantive due process.[33]

Não se pretende enxergar tal inicial resistência à doutrina do substantive due process como sendo a interpretação mais adequada que a Suprema Corte já deu à Décima Quarta Emenda da Constituição. Muito pelo contrário, os Slaugther-House Cases tiveram uma conseqüência nefasta para o devido processo e para todo o desenvolvimento da judicial review nos Estados Unidos. Explica-se: ao julgar improcedente o pedido de fiscalização da constitucionalidade feito pelos açougueiros com base nos três fundamentos supracitados, a Suprema Corte não só deixou de enxergar substância no devido processo, mas, principalmente, mediante uma interpretação restritiva, transformou a cláusula de privilégios e imunidades num verdadeiro defunto.[34]

A cláusula de privilégios e imunidades havia sido inserida na Constituição com o objetivo específico de servir de canal de abertura de novos direitos materiais.[35] Isto quer dizer que: direitos, tais quais a liberdade e a privacidade, supostamente não deveriam ter sido protegidos pela devido processo substantivo, mas, sim, pela cláusula de privilégios e imunidades. Só não o foram porque a Suprema Corte ‘matou’ esta última nos casos do matadouro. Como explicam Gunther e Sullivan: “[o] que explica a relutância da Corte em dar um conteúdo mais alargado à cláusula de privilégios e imunidades da Décima Quarta Emenda? Pode-se dizer que, um esforço por uma leitura ampla de tal cláusula, rejeitada nos casos do matadouro, tornou-se desnecessária quando posteriores Cortes enxergaram as cláusulas do devido processo e da igual proteção expansivamente.”[36]

 Assim, a Suprema Corte, nos Slaughter-House Cases, acabou por entrelaçar o destino da cláusula do devido processo e da cláusula de privilégios e imunidades, conferindo à primeira poderes que indubitavelmente deveriam pertencer à segunda. Porém, conforme ressaltado por Laurence Tribe, da Harvard Law School, tal entrelaçamento tem gerado problemas:

“Não obstante o fato de a cláusula de o devido processo estar, num sentido muito grosseiro, presentemente alcançando os resultados que a Décima Quarta Emenda foi escrita para atingir mediante a cláusula de privilégios e imunidades, o uso da cláusula do devido processo como veículo para a incorporação de direitos substantivos – incluindo direitos enumerados nas primeiras oito Emendas – apresenta vários problemas significativos (…). Para alguns distintos estudiosos da Constituição, estes problemas – em especial, a ginástica textual necessária para encontrar proteção de direitos substanciais em uma provisão cujas palavras parecem muito evidentemente preocupadas com processo – se tornaram insuperáveis.”[37]

A cláusula do devido processo legal ‘teve’ de ser lida pela Suprema Corte num sentido substantivo, haja vista que ela própria desintegrou a cláusula dos privilégios e imunidades, ao qual havia sido designado tal papel.[38] Em conclusão: o devido processo usurpou uma função que não lhe cabia. Como salienta Laurence Tribe, “[t]alvez o aspecto mais desgraçado da inteira história do tratamento miserável que a Corte tem dado à cláusula dos privilégios e imunidades (ao menos anteriormente à 1999) é que, não fosse a decisão nos casos do matadouro, a doutrina do devido processo substantivo jamais teria sido necessária para realizar o objetivo claramente contemplado pela Décima Quarta Emenda – a saber, a proteção constitucional de direitos individuais substantivos (incluindo, mas não se limitando, àqueles garantidos na Bill of Rights) contra a usurpação estatal.”[39]

2.3A ascensão e o declínio do substantive due processLochner v. New York

Anos após ter rejeitado a doutrina do devido processo substantivo – e ter reduzido a nada a cláusula dos privilégios e imunidades – nos Slaughter-House Cases, emergiu no cerne da Suprema Corte um movimento que visava a anular tal postura, a fim de que se fizesse o controle de constitucionalidade dos atos normativos dos Estados com base na cláusula do devido processo.[40] Tal movimento teve seu zênite no julgamento do célebre caso Lochner v. New York,[41] marco principal da doutrina do devido processo substancial.

 Lochner tem como pano de fundo uma lei – decretada pelo Estado de Nova Iorque – que proibia os padeiros de trabalharem mais de 60 horas por semana, ou 10 horas por dia. A Corte considerou inconstitucional a lei. Por maioria – a opinião da Corte foi dada pelo Justice Peckman – se entendeu que a lei interferia na liberdade de contratar e, conseqüentemente, violava o direito à liberdade garantido a empregadores e empregados debaixo da cláusula do devido processo legal. A Corte viu na lei de Nova Iorque uma norma trabalhista na qual o Estado não tinha nenhum fundamento razoável (reasonable ground) para interferir na liberdade e, determinar quantas horas se podia trabalhar.

Tamanho foi o impacto causado por tal decisão que, tal período de tempo, compreendido entre os anos de 1895 e 1937, ficou conhecido como o ‘Governo dos Juízes’, dado o poder da Corte nesta era também denominada de era Lochner.[42] Tal enorme poder era justamente amparado na doutrina do devido processo legal substantivo.

 Razão assistia ao notável Justice Oliver Wendell Holmes Jr., quando proferiu voto discordante neste célebre caso, Lochner v. New York:[43] “Máximas gerais não decidem casos concretos. A decisão dependerá de um julgamento ou intuição mais sutil que qualquer premissa maior articulada. Mas eu penso que esta máxima como foi colocada, se for aceita, nos conduzirá para muito além deste objetivo. Toda opinião [da Corte] tende a se tornar lei. Eu penso que a palavra ‘liberdade’, na 14.ª Emenda, é deturpada quando utilizada para prevenir o resultado natural de uma opinião dominante, a não ser que se possa dizer que um homem racional e justo necessariamente iria admitir que a lei proposta iria infringir princípios fundamentais, na forma em que eles foram compreendidos pelas tradições de nosso povo e de nosso direito.”[44]

A era Lochner foi um desastre em termos de legitimação da atuação da Suprema Corte. Porém, como destacam Gunther e Sullivan, “a Corte moderna ainda não retirou de Lochner a lição de que todas as intervenções judiciais via devido processo substantivo são inconvenientes. Antes, ela desistiu de fazer um exame cuidadoso na maior parte das áreas econômicas, mas, aumentou sua intervenção no que se refere ao alcance de interesses extrapatrimoniais não explicitamente protegidos pela Constituição.”[45] A Suprema Corte passou a entender que apenas pelo fato de fazer um exame minucioso das leis estaduais, isto já era motivo mais do que suficiente para que julgasse da sabedoria de tal lei, anulando-a quando não gostasse dela e deixando-a viger quando gostasse.

Na era Lochner, a Suprema Corte anulou mais de 200 atos normativos estaduais, principalmente relacionadas a atividades econômicas, a sindicatos e à regulamentação da economia. Foi feita uma interpretação extremamente larga dos termos ‘liberdade’ e ‘propriedade’ protegidos pelo devido processo, com base nos quais a Corte traçava uma relação de meio e fim com as leis promulgadas nos Estados.[46]

A defesa de um determinado modelo econômico – laissez faire – pela Jurisdição representada na Suprema Corte, colocava em cheque a divisão dos poderes e, impôs grandes obstáculos à governabilidade no período da grande recessão.[47] Devidos às pressões internas e externas, ocorreu o inevitável declínio do ‘Governo dos Juízes’. Graças às opiniões discordantes de grande Justices – tais como Holmes, Brandeis, Cardozo, Hughes e Stone –, a Suprema Corte conseguiu reverter o movimento e abandonar os males de tal intervenção indevida no âmbito econômico.[48]

De acordo com o decidido em Ferguson v. Skrupa,[49] quando a opinião da Corte foi dada pelo Justice Hugo Black, “a doutrina que prevaleceu em Lochner, Coppage, Adkins, Burns e, em casos similares – que o devido processo autoriza as Cortes a declararem inconstitucionais as leis quando elas acreditarem que o legislador agiu tolamente – desde há muito foi descartada. Nós retornamos à proposição constitucional original de que as Cortes não devem substituir as crenças sociais e econômicas dos corpos legislativos, que são eleitos para elaborar leis, por suas próprias convicções.”[50]

2.4 A renovação – Griswold, Roe, Glucksberg e Lawrence v. Texas

Com o fim da era Lochner, a Suprema Corte praticamente deixou de se imiscuir na condução das políticas econômicas do Executivo e do Legislativo. Entretanto, isto não significou – como seria bom que tivesse significado – o fim do uso de devido processo como direito material. Ficando de lado as doutrinas econômicas, a atenção da Corte se voltou para os direitos individuais.[51]

 A situação ainda era alarmante. A Suprema Corte continuava a se utilizar do devido processo substantivo para algo que a cláusula não havia sido projetada. O estado de coisas no período posterior à segunda guerra mundial pode ser capturado com nitidez na opinião discordante do Justice Hugo Black, no caso Adamson v. California[52] – segundo ele próprio, a decisão mais importante de sua carreira. Merece citação trecho profundo desta magnífica opinião:

“É preciso reconhecer, é claro, que a fórmula direito-natural-devido-processo, a qual a Corte hoje reafirma, foi interpretada para limitar substancialmente o poder desta Corte de prevenir violações estatais às liberdades civis individuais garantidas pela Bill of Rights. Mas esta fórmula também já foi usado no passado e pode ser usada no futuro, para permitir a esta Corte, ao julgar legislações reguladoras, a vagar pelos vastos campos da política e da moral, e a invadir, muito livremente, o domínio legislativo dos Estados, bem como do Governo Federal. Desde que Marbury v. Madison foi decidido, a prática ficou firmemente estabelecida, para o bem ou para o mal, que Cortes podem derrubar leis que violem a Constituição. Este processo, é claro, envolve interpretação e, como palavras podem ter muitos significados, interpretação obviamente pode resultar em limitação ou ampliação do propósito original de uma cláusula constitucional e, por meio disto, influenciar questões políticas. Mas declarar a inconstitucionalidade de lei sob a perspectiva dos princípios enumerados na Bill of Rights e em outras partes da Constituição é uma coisa; invalidar leis por causa da aplicação do ‘direito natural’ que se crê ser superior e não definido pela Constituição é uma outra. ‘Neste caso, cortes procedendo dentro dos claros limites constitucionais buscam executar políticas contidas na Constituição; no outro perambulam com vontade própria na ilimitada área de suas próprias convicções sob a forma da razoabilidade (reasonableness) e realmente selecionam políticas, uma responsabilidade que a Constituição incumbiu aos representantes legislativos do povo’.”[53]

 Convencido de seu posicionamento em Adamson v. California, o Justice Black combateu os abusos da doutrina do devido processo substantivo até o fim de sua carreira na Suprema Corte. Em outra decisão importante, desta feita já em 1965, Black sustentou, em Griswold v. Connecticut,[54] que: “Eu não acredito que nos tenha sido outorgado pela cláusula do devido processo ou qualquer outra provisão ou provisões constitucionais, o poder de medir a constitucionalidade, com base em nossas próprias convicções, de que a legislação é arbitrária, caprichosa ou irrazoável, ou que visa a propósitos não justificáveis, ou que é ofensiva às nossas próprias noções de ‘modelos civilizados de conduta’. Uma tal avaliação da sabedoria da legislação é um atributo do poder de fazer leis, não do poder de interpretá-las. O uso por cortes federais de tal fórmula ou doutrina ou outras coisas semelhantes para vetar leis federais ou estaduais simplesmente retira do Congresso e dos estados o poder de fazer leis baseadas nos seus próprios julgamentos de eqüidade e sabedoria e, transfere este poder para esta Corte para final determinação – um poder que foi especificamente negado às cortes federais pela convenção que estruturou (framed) a Constituição.”[55]

 A Corte que decidiu os casos relativos ao New Deal de Roosevelt e, a Corte presidida por Earl Warren,[56] trouxeram a doutrina do substantive due process para um patamar menos autoritário e mais adequado à separação das funções estatais, pondo um fim a era Lochner, que foi perdendo sua força,[57] até ser considerada praticamente morta na Suprema Corte.[58]

 Porém, a doutrina ganhou força novamente – já na corte Burger – na ainda muito controversa decisão da Suprema Corte em Roe v. Wade,[59] peça central do direito ao aborto nos EUA. Comentando esta tendência, Frank R. Strong corretamente entendeu que: “o devido processo substantivo da 14.ª Emenda não ofereceu nenhum fundamento para Griswold ou Roe, salvo um desculpa para que os Justices pudessem atuar em favor de seus próprios valores.”[60]

 A Corte Warren foi a mais bem sucedida da história na defesa das liberdades civis. Boa parte de suas importantes decisões foi tomada com amparo na doutrina do devido processo substantivo, o que demonstra que ela também tem um lado positivo.

Porém, é de se notar que, qual a reação da Corte Warren ao se ver acuada pela falta de expressa disposição constitucional que permitisse impor sua visão de que, p. ex., o aborto era correto? Decidiu com base no devido processo substantivo. Não se está aqui julgando o acerto ou o erro daquela Corte em garantir o direito ao aborto, o que se está a analisar é o fato de que a Constituição americana, em nenhuma provisão específica, garante tal direito. Ao invés de se tentar uma leitura inepta da cláusula do devido processo, a Corte, ao se defrontar com tais situações teria, como ensina Laurence Tribe, duas saídas: ou reverte os casos do matadouro e se utiliza da cláusula de privilégios e imunidade, ou se utiliza da cláusula do direitos não enumerados.[61]

 A Corte Rehnquist julgou dois casos importantes em matérias de devido processo substantivo, são eles: Washington v. Glucksberg,[62] de 1997 e, Lawrence v. Texas,[63] talvez a mais importante decisão do ano de 2003. No primeiro caso, a Suprema Corte deixou bastante clara a verdadeira natureza jurídica do substantive due process ao responder o questionamento de quais direitos podem ser vistos como componentes da noção de due process. A resposta foi a seguinte, dada pelo Chief Justice Rehnquist, que forneceu a opinião da Corte: “nós temos regularmente observado que a Cláusula do Devido Processo protege especialmente aqueles direitos e liberdades fundamentais, que estão, objetivamente, ‘firmemente enraizados na história e na tradição da nação’, id., at 503 (opinião plural); Snyder v. Massachusetts, 291 U.S. 97, 105 (1934) (‘tão enraizados nas tradições e na consciência de nosso povo de modo a ser tomado como fundamental’), e ‘implícito no conceito de liberdade ordenada’, de modo que ‘nem liberdade nem justiça existiriam se eles fossem sacrificados,’ Palko v. Connecticut, 302 U.S. 319, 325, 326 (1937).”[64]

3. Críticas

As posições daqueles que criticam a doutrina do devido processo substantivo – principalmente as defendidas pelo Justice Black – têm de ser lidas adequadamente, haja vista que se considera correta a função jurisdicional do Estado de controlar a razoabilidade das leis; não se nega que é papel de uma corte constitucional tomar importantes decisões políticas,[65] principalmente quando atua como verdadeiro órgão contra-majoritário.[66] O que se nega é que se possa basear tal controle de razoabilidade na cláusula do devido processo legal em senso substantivo, ou seja, em última análise, com base num critério metajurídico e discricionário inventado pela Suprema Corte. Do posicionamento de Black, o que realmente se pode retirar é que as teses elaboradas pela Suprema Corte americana para embasar o devido processo substantivo incorporam ultrapassadas doutrinas de direito natural e, concedem à Corte – e à Jurisdição – poderes que pertencem exclusivamente ao Legislativo e ao Executivo, em seus respectivos espaços de atuação. Não se pode negar que os limites entre as funções do Estado formam uma zona de penumbra, mas não é por causa disto que se deve admitir um ‘mundo onde as Cortes não sejam em nada diferentes do Legislativo’.[67]

 Não se pode admitir que o mérito legislativo seja aferido ao bel-prazer dos juízes que componham uma Corte Constitucional, mas é exatamente assim que se comporta(va) a Suprema Corte americana. Segundo o Justice Black, “talvez a mais clara, franca e breve explicação de como esta visão do devido processo funciona encontra-se em uma declaração julgada hoje no sentido de que esta Corte pode invocar a cláusula do devido processo legal para por abaixo procedimentos ou leis estaduais aos quais ‘não pode tolerar’.”[68]

 A única leitura aceitável do conteúdo da cláusula do devido processo legal é a que enxerga ali a necessidade de que o processo deve ser procedimentalmente justo.[69] Ao analisar a due process clause, o Justice Antonin Scalia – pregando a interpretação textualista – entende que as “palavras têm sim um alcance limitado de significado e, nenhuma interpretação que vá além deste alcance é aceitável.”[70]

 São exatamente a estas mesmas conclusões que chegou o mestre do direito comparado, o emérito Mauro Cappelletti ao examinar os precedentes da Suprema Corte sobre o substantive due process:

“É claro, todas as leis pressupõem desigualdades e restringem as liberdades de algumas pessoas, não obstante, obviamente, todas as lei não ofendem conceitos de due process ou de igual proteção. Já que nenhuma das cláusulas aparenta oferecer ajuda clara na distinção entre a lei constitucional daquela inconstitucional, ao interpretar estas cláusulas, o juiz é compelido ao risco de tornar-se um one-man legislature, repesando ele mesmo os concorrentes interesses individuais e sociais que anteriormente haviam sido balanceados no curso do processo legislativo. Basicamente por acatar eslicada às questões de regulação econômica estatal – buscou esquivar-se de um princípio da ‘proporcionalidade’ muito flexível, que usute processo, a Suprema Corte, em sua jurisprudência do devido processo substantivo e igual proteção – particularmente como aprparia a função do legislativa de sopesar os concorrentes interesses sociais e individuais afetados pelas escolhas legislativas.”[71]

4. Conclusões

Independentemente do modo como decidem os Tribunais, a malsinada teoria do devido processo substancial não deveria ser aceita como forma de justificar decisões judiciais no Brasil porque é per se inconsistente. Uma teoria jurídica é inconsistente quando, conforme ensina Claus-Wilhelm Canaris, “contém uma contradição lógica, que leve por si mesma a uma contradição valorativa insustentável”.[72]

Uma contradição lógica aflige uma teoria quando “se pode deduzir dela qualquer proposição e, inclusive, a preposição contraditória oposta.”[73] Canaris afirma que as contradições lógicas são raras na ciência jurídica, porém, o mesmo não ocorre com as contradições valorativas decorrentes da contradição lógica.[74] Estas contradições são facilmente perceptíveis na história da doutrina do devido processo legal substantivo, já que absolutamente recheada de exceções sem nenhuma causa, como se viu das decisões supracitadas. Um teste de razoabilidade aleatório não tem condições de legitimar nenhuma decisão. Como ensina Canaris sobre tais teorias, “haja vista que se ela dá lugar a uma exceção gratuita, não se vê porque não se está facultando também para propor uma segunda, e assim sucessivamente outras exceções, sem precisar de razão alguma. Dado que uma teoria assim é, em última análise, «compatível» com qualquer solução, a mesma não está, certamente, em condições de legitimar a nenhuma solução em absoluto.”[75]

 O melhor para a interpretação da Constituição brasileira é que não se fale em devido processo substantivo em momento algum, para que sejam evitadas confusões conceituais. Entretanto, a única hipótese aceitável de se trabalhar o tema seria importar não o devido processo substantivo em si – já que instituto inútil no Brasil –, mas os primorosos testes de razoabilidade que a Suprema Corte americana tem utilizado mais recentemente para identificar violações a direitos fundamentais.[76]

 

Referência
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Notas
[1] MERRYMAN, John H. “Lo «stile italiano»: la dottrina”, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile. Milano: Giuffrè, 1966, p. 1.203.

[2] MERRYMAN, John H. “Lo «stile italiano»: la dottrina… op. cit., p. 1.204. Tradução livre do original: “Gli Stati Uniti e l’Inghilterra hanno una storia del diritto diversa, in cui il potere giudiziario si è tradizionalmente trovato a fianco del cittadino contro l’arbitria del potere statale. Il potere giudiziario non fu il principale nemico della rivoluzione inglese o di quella americana. Né, d’altro canto, i giuristi di common law hanno dovuto recentemente sopportare più di venti anni di governo totalitario, con i suoi costanti attacchi alle barriere poste sul suo cammino da un ordinamento giuridico di carattere liberale.”

[3] 5 U.S 137 (1803). Este fascinante caso tem como ponto de partido o dia 2 de março de 1801, quando um desconhecido Federalista, William Marbury, foi designado juiz de paz no Distrito de Columbia. Marbury e diversos outros foram nomeados para cargos governamentais criados pelo Congresso nos últimos dias do mandato presidencial de John Adams, mas as nomeações de última hora nunca foram plenamente finalizadas. Os descontentes nomeados invocaram uma decisão legislativa (act) do Congresso e acionaram a Suprema Corte em busca de seus cargos. A questões postas para julgamento são as seguintes: Tem Marbury o direito ao seu cargo? A sua ação judicial é a via adequada para consegui-lo? É a Suprema Corte o local para Marbury obter o remédio que ele requisita? A Suprema Corte respondeu que sim; sim e; depende. Mediante os poderosos argumentos do Justice Marshall, os Justices entenderam que, em última análise, a Constituição era “a fundamental e soberana lei da nação” (“the fundamental and paramount law of the nation”) e, que, “um ato do legislativo contrário à Constituição é inválido” (“an act of the legislature repugnant to the constitution is void”). Em outras palavras, quando a Constituição – a lei mais alta da nação – entra em conflito com um ato do legislativo, este ato é inválido. Este caso adquiriu vital importância – constituindo verdadeiro divisor de águas -, pois estabeleceu o poder de judicial review da Suprema Corte americana. Porém, o pano de fundo histórico, social e político é muito mais complexo do que aparenta ser. Sobre o tema vide, principalmente, o texto de Sanford Levinson – da Texas Law School – e Jack M. Balkin – da Yale Law School: LEVINSON, Sanford; BALCKIN, Jack M.. What are the facts of Marbury v. Madison, disponível na internet: http://www.yale.edu, acesso em 11 de maio de 2004.

[4] Como afirma Paulo Bonavides, a tarefa do controle de constitucionalidade é ‘substancialmente política’: “O controle material de Constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais. É controle criativo, substancialmente político” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 12.ª ed.. São Paulo: Malheiros: 2002, p. 269/270).

[5] É claro que se fala da concepção norte-americana de separação dos poderes do Estado, sendo certo que, na Europa, o Judiciário era visto como inimigo do povo e, portanto, deveria ser um poder nulo, de acordo com a conhecida concepção de Montesquieu.

[6] HAMILTON, Alexander. The federalist papers, e-book edition. Bantam Classic, 2003, p. 1.338. Tradução livre do original: “Whoever attentively considers the different departments of power must perceive, that in a government in wich they are separeted from each other, the judiciary, from the nature of its functions, will always be the least dangerous to the political rights of the constitution; because il will be least in a capacity to annoy or injure them.”

[7] BARBOSA, Rui. “Discurso de posse de Rui Barbosa, como presidente, no Instituto dos Advogados, em 19 de novembro de 1914”, História da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília: OAB-Ed., 2003, vol. 3, p. 218/219.

[8] RODRIGUES, Lêda Boechat. A Corte Suprema e o direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 15.

[9] RODRIGUES, Lêda Boechat. A Corte Supremaop. cit., p. 16.

[10] “Quinta Emenda – Nenhuma pessoa deve ser (…) privada de sua vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal (…). Décima Quarta Emenda – (…) Nenhum estado deve (…) privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal; nem negar a qualquer pessoa dentro dos limites de sua jurisdição a igual proteção das leis.” Tradução livre do original: “Amendment V. No person shall be (…) deprived of life, liberty, or property, without due process of law (…). Amendment XIV. (…) No state shall (…) deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.”

[11] ELY, John Hart. Democracy and distrust – a theory of judicial review, 13.ª ed.. Cambridge: Harvard University Press, 2001, p. 15

[12] HAMILTON, Alexander. The papers of Alexander Hamilton, apud BERGER, Raoul. Government by judiciary: the transformation of the fourteenth amendment. Cambridge: Harvard University Press, 1977, p. 194. Tradução livre do original: “The words ‘due process’ have a precise technical import, and are only applicable to the process and proceedings of the courts of justice; they can never be refered to an act of the legislature.”

[13] FARBER, Daniel A.; ESKRIDGE JR., William N.; FRICKEY, Philip P.. Cases and materials on constitutional law – themes for the constitution’s third century. Saint Paul: West Publishing, 1993, p. 386. Tradução livre do original: “The theory behind ‘substantive’ due process is that someone is deprived of their property without due process of law if the deprivation is based on arbitrary legislative fiat.”

[14] RODRIGUES, Lêda Boechat. A Corte Suprema…, op. cit., p. 96. Atualmente a Suprema Corte faz uso de testes de razoabilidade extremamente avançados, tais quais os utilizados no recente julgamento do caso Lawrence and Garner v. Texas (539 U.S. 558 (2003)), mas, como adiante se demonstrará, nem sempre foi assim.

[15] ELY, John Hart. Democracy and distrustop. cit., p. 15. Tradução livre do original: “In fact this interpretation of the clause – as incorporating a general mandate to review the substantive merits of legislative and other governmental action – not only was not inevitable, it was probably wrong. The Fourteenth Amendment’s Due Process Clause was taken from the identical provision, save that earlier one applied to the federal government, of the Fifth Amendment. There is general agreement that the earlier clause had been understood at the time of its inclusion to refer only to lawful procedures.”

[16] BERGER, Raoul. Government by judiciaryop. cit., p. 193/220. As críticas de Berger devem-se principalmente ao fato dele ser um defensor do originalismo como único modo legítimo de se interpretar a Constituição. Comentando especificamente sobre Raoul Berger, são as seguintes as palavras de Jack Balkin, da Yale Law School: “Durante as últimas décadas, Berger produziu um grande número de livros e artigos, todos concernentes à sua permanente paixão – elucidar a intenção original dos Framers e Ratifiers de nossa Constituição, o que, argumenta ele, proporciona o único critério (standard) legítimo para a interpretação constitucional” (BALKIN, Jack M. “Constitutional interpretation and the problem of history”, 63 New York University Law Review 911, 912 (1988). Tradução livre do original: “During the last few decades, Berger has produced scores of books and articles, all directed towards his abiding passion — elucidating the original intentions of the Framers and Ratifiers of our Constitution, which, he argues, provide the only legitimate standard for constitutional interpretation” .

[17] TRIBE, Laurence. “Comment”, A matter of interpretation, coord. Antonin Scalia. Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 85.

[18] BLACK, Hugo Lafayette. Crença na constituição, trad. Luiz Carlos de Paula Xavier. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 43/62.

[19] SCALIA, Antonin. A matter of interpretation. Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 142/143.

[20] ELY, John Hart. Democracyop. cit., p. 18.

[21] Cfr. TRIBE, Laurence. “Comment”… op. cit., p. 85.

[22] Dred Scott v. Sandford, 60 U.S. 393 (1857).

[23] “A Suprema Corte dos Estados Unidos não gosta de ser lembrado do caso Dred Scott. (…) O caso Dred Scott foi omitido da lista publicada por ocasião do centenário da Corte, não qual se enumeravam os casos na qual a Suprema Corte supostamente havia declarado leis Federais inconstitucionais” (BOUDIN, Louis B.. Government by judiciary. New York: Russel & Russel, 1931, vol. II, p. 1). Tradução livre do original: “The United States Supreme Court does not like to be reminded of the Dred Scott Case. (…) The Dread Scott Case has been omitted from the list published on the occasion of the Centenary of the Court, enumerating the cases in which the Supreme Court is supposed to have declared Federal statutes unconstitutional”

[24] Sobre Dred Scott, o Justice Scalia comentou que: “até onde estou informado, Dred Scott foi a primeira e única decisão da Suprema Corte, anterior à 14.ª Emenda, a empregar o devido processo substantivo – e dificilmente alguém pode argumentar que o raciocínio desta coisa era parte do discernimento aceito nos Estados Unidos” (SCALIA, Antonin. A matter of…, op. cit., p. 143). Tradução livre do original: “As far as I am aware, Dred Scott was the first and only pre-Fourteenth Amendment decision of the Supreme Court to employ the substantive due process – and one can hardly argue that the reasoning of that was part of America’s accepted understanding”.

[25] SCALIA, Antonin. A matter ofop. cit., p. 24. Tradução livre do original: “Words do have a limited range of meaning, and no interpretation that goes beyond that range is permissible. My favorite example of a departure from – and certainly the departure that has enabled judges to do more freewheeling lawmaking than any other – pertains to the Due Process Clause found in the Fifth and Fourteenth Amendments of the United States Constitution, which says that no person shall ‘be deprived of life, liberty, or property without due process of law.’ It has been interpreted to prevent the government from taking away certain liberties beyond those, such as freedom of speech and of religion, that are specifically named in the Constitution. (The first Supreme Court case to use the Due Process Clause in this fashion was, by the way, Dred Scott – not a desirable parentage). Well, it may or may not be a good thing to guarantee additional liberties, but the Due Process Clause quite obviously does not bear that interpretation. By its inescapable terms, it guarantees only process.”

[26] Jay Burns Baking Co. v. Bryan, 264 U.S. 504 (1924).

[27] Jay Burns Baking Co. v. Bryan, 264 U.S. 504, 534 (1924). Tradução livre do original: “an exercise of the powers of a super-Legislature – not the performance of the constitutional function of judicial review.”

[28] The Slaughterhouse Cases, 83 U.S. 36 (1873). Os fatos do caso são os seguintes: O Estado da Louisiana criou um monopólio parcial no negócio dos matadouros (slaughterhouses) e o deu a uma companhia. Os concorrentes desta argüiram que havia sido criada uma situação iníqua que, resumidamente, feria os ‘privilégios e imunidades’ (privileges and immunities), negava a igual proteção das leis (equal protection of the laws), e os privava da ‘liberdade e propriedade sem o devido processo legal’ (deprive of liberty and property without due process). A questão posta para julgamento foi: a criação de tal monopólio violou a Décima Terceira e Décima Quarta Emenda da Constituição? A resposta foi: não. A Corte entendeu que o monopólio parcial não violou os limites do direito de uso das propriedades. Entendeu também que não entrava em jogo a igual proteção das leis, de vez que foi estabelecida especificamente para anular discriminações contra os negros e que, mais importante, a cláusula do devido processo impõe aos Estados os mesmos requisitos que a Quinta Emenda impõe ao governo nacional.

[29] GUNTHER, Gerald; SULLIVAN, Kathleen M.. Constitutional law, 13.ª ed.. Westbury: Foundation Press, 1997, p. 420.

[30] GUNTHER, Gerald; SULLIVAN, Kathleen M.. Constitutional…, op. cit., p. 420/421. Tradução livre do original: “The Slaughter-House Cases were immediately concerned with an effort to read substantive rather than procedural content into the Amendments: the effort was to use the Amendment as a weapon in support of free enterprise and against state monopoly legislation.”

[31] A cláusula privileges or immunities consta da seção 1 da Décima Quarta Emenda da Constituição americana, com a seguinte redação: “Emenda XIV. Seção 1. Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e, sujeitas à sua Jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e dos Estados dentro do qual residam. Nenhum Estado deve fazer ou impor nenhuma lei que possa reduzir os privilégios e as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem deve qualquer Estado privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal; nem negar a qualquer pessoa dentro dos limites de sua Jurisdição a igual proteção das leis. Tradução livre do original: “Amendment XIV. Section 1. All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the state wherein they reside. No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any state deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.”

[32] The Slaughterhouse Cases, 83 U.S. 36, 80, 81 (1873). Tradução livre do original: “And it is sufficient to say that under no construction of that provision that we have ever seen, or any that we deem admissible, can the restraint imposed by the State of Louisiana upon the exercise of their trade by the butchers of New Orleans be held to be a deprivation of property within the meaning of that provision.”

[33] Cfr. FARBER, Daniel A. et alii. Cases op. cit., p. 15.

[34] FARBER, Daniel A. et alii. Casesop. cit., p. 386. Para um detalhamento da disputa e das conseqüências dos Slaugther-House Cases, veja-se: BOUDIN, Louis B.. Governmentop. cit., p. 94/125; TRIBE, Laurence H. Americanop. cit., p. 1.297/1.331.

[35] TRIBE, Laurence H. Americanop. cit., p 1.297.

[36] GUNTHER, Gerald; SULLIVAN, Kathleen M.. Constitutional…, op. cit., p. 430. Tradução livre do original: “What explains the Court’s reluctance to give a broader content to the 14th Amendment’s privileges and immunities clause? Arguably, a striving for the broad reading rejected in the Slaughter-House Cases became no longer necessary when later Courts read the due process and equal protection clauses expansively.”

[37] TRIBE, Laurence H. Americanop. cit., p. 1.317. Tradução livre do original: “Despite the fact that the Due Process Clause is, in a very rough sense, presently achieving the results that the Fourteenth Amendment was written to achieve through the Privileges and Immunities Clause, the use of the Due Process Clause as a vehicle for incorporating substantive rights – including rights enumerated in the first eight amendments – poses several significant problems (…). For some distinguished students of the Constitution, those problems – in particular, the textual gymnastics arguably necessary to find protection of substantive rights in a provision whose words seem most apparently concerned with process – have become insuperable.”

[38] Sobre uma tímida tentativa de ressurgimento da cláusula de privilégios e imunidades – após mais de 100 anos de latência – confira-se o caso Saenz v. Roe, 526 U.S. 489 (1999). Sobre os obstáculos necessários para que se chegue à nulificação do decidido nos Slaughter-House Cases, vide: TRIBE, Laurence H. Americanop. cit., p. 1.320/1.331.

[39] TRIBE, Laurence H. Americanop. cit., p. 1.317. “Perhaps the most unfortunate aspect of the entire history of the Court’s shabby treatment of the Privileges or Immunities Clause (at least prior to 1999) is that, but for the Slaughter-House decision, no doctrine of substantive due process would ever have been needed to accomplish the goal quite clearly contemplated by the Fourteenth Amendment – namely, the federal constitutional protection of substantive individual rights (including but not limited to those secured by the Bill of Rights) against state encroachment.”

[40] GUNTHER, Gerald; SULLIVAN, Kathleen M.. Constitutional…, op. cit., p. 457/458.

[41] Lochner v. People of State of New York, 198 U.S. 45 (1905).

[42] Cfr. RODRIGUES, Lêda Boechat. A Corte Suprema…, op. cit., p. 97/157. Ver também: BREYER, Stephen. Our democratic constitution, The Fall 2001 James Madison Lecture New York University Law School. New York: 2001, disponível na internet: http://www.supremecourtus.gov, acesso em 07 de dezembro de 2003.

[43] Lochner v. People of State of New York, 198 U.S. 45 (1905).

[44] Lochner v. People of State of New York, 198 U.S. 45, 76 (1905), trecho da opinião discordante do Justice Oliver Wendell Holmes Jr.. Tradução livre do original: “General propositions do not decide concrete cases. The decision will depend on a judgment or intuition more subtle than any articulate major premise. But I think that the proposition just stated, if it is accepted, will carry us far toward the end. Every opinion tends to become a law. I think that the word 'liberty,' in the 14th Amendment, is perverted when it is held to prevent the natural outcome of a dominant opinion, unless it can be said that a rational and fair man necessarily would admit that the statute proposed would infringe fundamental principles as they have been understood by the traditions of our people and our law.”

[45] GUNTHER, Gerald; SULLIVAN, Kathleen M.. Constitutional…, op. cit., p. 466. Tradução livre do original: “Yet the modern Court has not drawn from Lochner the lesson that all judicial intervention via substantive due process is improper. Rather, it has withdrawn from careful scrutiny in most economic areas but has increased intervention regarding a range of noneconomic personal interests not explicitly protected by the Constitution.”

[46] Cfr. TRIBE, Laurence H. Americanop. cit., p. 1.346.

[47] Cfr. RODRIGUES, Lêda Boechat. “A Côrte Suprema dos Estados Unidos e o ‘Governo dos Juízes’”, Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, 1955, vol. 161, p. 67/68.

[48] Cfr. TRIBE, Laurence H. Americanop. cit., p. 1.357/1.358.

[49] Ferguson v. Skrupa, 372 U.S. 726.

[50] Ferguson v. Skrupa, 372 U.S. 726, 730. Tradução livre do original: “The doctrine that prevailed in Lochner, Coppage, Adkins, Burns, and like cases – that due process authorizes courts to hold laws unconstitutional when they believe the legislature has acted unwisely – has long since been discarded. We have returned to the original constitutional proposition that courts do not substitute their social and economic beliefs for the judgment of legislative bodies, who are elected to pass laws.”

[51] Cfr. GUNTHER, Gerald; SULLIVAN, Kathleen M.. Constitutional…, op. cit., p. 466.

[52] Adamson v. California, 332 U.S. 46 (1947). Nesta decisão, Adamson foi condenado por homicídio em primeiro grau pelo Estado da Califórnia. Durante o julgamento, o promotor, em conduta protegida pelas leis da Califórnia, fez comentários ao júri que salientaram que Adamson havia decidido não testemunhar em seu próprio favor – conduta protegida pela 5.ª Emenda, mas não pela 14.ª, esta última aplicável aos Estados da Federação. Ao responder o questionamento dos advogados de Adamson, a Suprema Corte decidiu que a 14.ª Emenda não contempla o direito de não testemunhar em nome próprio, mantendo o julgamento da Corte da Califórnia. Trata-se de importante caso, no qual o Justice Black expõe em detalhes suas teoria sobre a incorporação da Bill of Rights aos Estados da Federação. Sobre o tema, vide, por todos: GUNTHER, Gerald; SULLIVAN, Kathleen M.. Constitutional lawop. cit., p. 432/452.

[53] Adamson v. California, 332 U.S. 46, 90 (1947). Tradução livre do original: “It must be conceded, of course, that the natural-law-due-process formula, which the Court today reaffirms, has been interpreted to limit substantially this Court’s power to prevent state violations of the individual civil liberties guaranteed by the Bill of Rights. But this formula also has been used in the past and can be used in the future, to license this Court, in considering regulatory legislation, to roam at large in the broad expanses of policy an morals and to trespass, all too freely, on the legislative domain of the States as well as the Federal Government. Since Marbury v. Madison, 1 Cranch 137, was decided, the practice has been firmly established for better or worse, that courts can strike down legislative enactments which violate the Constitution. This process, of course, involves interpretation, and since words can have many meanings, interpretation obviously may result in contraction or extension of the original purpose of a constitutional provision thereby affecting policy. But to pass upon the constitutionality of statutes by looking to the particular standards enumerated in the Bill of Rights and other parts of the Constitution is one thing; to invalidate statutes because of application of ‘natural law’ deemed to be above and undefined by the Constitution is another. ‘In the one instance, courts proceeding within clearly marked constitutional boundaries seek to execute policies written into the Constitution; in the other they roam at will in the limitless area of their own beliefs as to reasonableness and actually select policies, a responsibility which the Constitution entrusts to the legislative representatives of the people.’”

[54] Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965). Griswold era diretora executiva da Liga de Planejamento Paterno do Estado de Connecticut. Ela e a diretora médica da liga davam informações, instruções e outros conselhos médicos a pessoas casadas sobre controle de natalidade. Ambas foram condenadas debaixo de uma lei estadual que proibia aconselhamentos e tratamentos médicos que pudessem prevenir a gravidez. A Suprema Corte entendeu que a Constituição protege o uso de anticoncepcionais debaixo do direito à privacidade, extraído das Emendas, por intermédio da doutrina do devido processo substantivo, revertendo-se o julgamento da Corte estadual.

[55] Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479, 513 (1965). Tradução livre do original: “I do not believe that we are granted power by the Due Process Clause or any other constitutional provision or provisions to measure constitutionality by our belief that legislation is arbitrary, capricious or unreasonable, or accomplishes no justifiable purpose, or is offensive to our own notions of 'civilized standards of conduct.' Such an appraisal of the wisdom of legislation is an attribute of the power to make laws, not of the power to interpret them. The use by federal courts of such a formula or doctrine or whatnot to veto federal or state laws simply takes away from Congress and States the power to make laws based on their own judgment of fairness and wisdom and transfers that power to this Court for ultimate determination–a power which was specifically denied to federal courts by the convention that framed the Constitution.”

[56] Earl Warren foi Chief-Justice da Suprema Corte americana por 15 anos (1953 – 1969), onde provou ser um impassível liberal.

[57] Neste sentido a observação do Justice Stephen Bryer: “No final do século XIX e no início do século XX, a Corte deixou de dar tanta ênfase aos esforços da Constituição de assegurar a participação de cidadãos negros em governos representativos – esforços relacionados com a liberdade participativa ‘ativa’ dos patriarcas. Ao mesmo tempo, ela deu muita ênfase à proteção de direitos de propriedade, tal qual a liberdade individual de contratar sem a interferência do governo, ao ponto do Presidente Franklin Roosevelt comentar que as decisões da Corte da era Lochner criaram uma ‘terra de ninguém’ legalizada, onde nem a regulação estadual nem a federal tinha poder de entrar. O New Deal e a Corte Warren em parte enfatizaram novamente a ‘liberdade ativa’. E o fizeram por desmantelar várias distinções da era Lochner, por meio das quais expandiram o escopo de um governo autônomo democrático” (BREYER, Stephen. Our democratic…, p. 2/3). Tradução livre do originial: “During the late nineteenth and early twentieth centuries, the Court under-emphasized the Constitution's efforts to secure participation by black citizens in representative government – efforts related to the participatory "active" liberty of the ancients. At the same time, it over-emphasized protection of property rights, such as an individual's freedom to contract without government interference, to the point where President Franklin Roosevelt commented that the Court's Lochner-era decisions had created a legal "no-man's land" that neither state nor federal regulatory authority had the power to enter. The New Deal Court and the Warren Court in part re-emphasized "active liberty." The former did so by dismantling various Lochner-era distinctions, thereby expanding the scope of democratic self-government.”

[58] Neste sentido: ELY, John Hart. Democracy and distrust…, op. cit., p. 19/20. Caso no qual fica claro o afastamento das premissas instaldas pelo caso Lochner é Ferguson v. Skrupa, 372 U.S. 726 (1963), onde já na Corte Warren, Justice Black conseguiu convencer seus pares de que a doutrina do substantive due process invadia a esfera do Legislativo e deveria ser em muito restringida. Em certa passagem, declara Black que “a doutrina que prevaleceu em Lochner, Coppage, Adkins, Burns, e em casos afins – de que o due process autoriza as Cortes a declarar a inconstitucionalidade das leis quando elas acreditam que o legislador não agiu sabiamente – desde há muito foi descartada. Nós retornamos à preposição constitucional original, de que as Cortes não substituem suas crenças sociais e econômicas pelo julgamento dos corpos legislativos, que são eleitos para aprovar leis.” Tradução livre do original: “The doctrine that prevailed in Lochner, Coppage, Adkins, Burns, and like cases – that due process authorizes courts to hold laws unconstitutional when they believe the legislature has acted unwisely – has long since been discarded. We have returned to the original constitutional proposition that courts do not substitute their social and economic beliefs for the judgment of legislative bodies, who are elected to pass laws.”

[59] Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973). Nesta controvertida decisão, Roe, uma residente do Texas – cujo nome verdadeiro é Norma McCorvey, uma ativista anti-aborto – buscava interromper sua gravidez com um aborto. As leis do Texas proibiam o aborto, salvo para salvar a vida da grávida. A Corte decidiu que o direito das mulheres ao aborto está incluído no direito à privacidade, debaixo do devido processo substantivo. A decisão deu às mulheres total autonomia sobre a gravidez no seu primeiro trimestre e definiu diferentes níveis de interesses estatais para o segundo e terceiro trimestres.

[60] STRONG, Frank R.. Substantive due process – a dichotomy of sense and nonsense. Durham: North Carolina Academic Press, 1986, p. 113. Tradução livre do original: “But the substantive due process of Amendment XIV offered no foundation for Griswold or Roe save as an excuse for the Justices to indulge their own value.”

[61] Cfr. TRIBE, Laurence. “Taking text and structure seriously: reflections on free-form method in constitutional interpretation”, 108 Harvard Law Review 1223, 1297-8 (1995).

[62] Washington v. Glucksberg, 521 U.S. 702 (1997). Analisando o direito à privacidade debaixo do devido processo, eram os seguintes os fatos da decisão: Dr. Harold Glucksberg – juntamente com outros quatro médicos, três pacientes em estado terminal que tinham recentemente falecido e um organização sem fins lucrativos que aconselha indivíduos que desejam cometer suicídio com assistência médica – trouxeram o caso à Suprema Corte desafiando a proibição existente no Estado de Washington ao suicídio assistido. Historicamente o Estado de Washington criminalizava a promoção de suicídio assistido. A questão posta para julgamento foi a seguinte: A proibição do Estado de Washington ao suicídio medicamente assistido viola a cláusula do devido processo legal da Décima Quarta Emenda, ao impedir que pacientes terminais adultos, exerçam seu direito à liberdade, optando por viver ou morrer? A resposta foi, não. Analisando as garantias da cláusula do devido processo, a Corte focou dois aspectos primários: a proteção dos objetivos fundamentais e dos direitos e liberdades historicamente enraizados da nação americana; e a prudente definição em que consiste uma interesse à liberdade protegido pelo devido processo. A Corte entendeu que o direito ao suicídio assistido não é uma liberdade fundamental protegida pela cláusula do devido processo, de vez que tal prática foi, e continua sendo, ofensiva às tradições e práticas da nação americana. Além disto, utilizando um teste de razoabilidade, a Corte entendeu que a proibição do Estado de Washington era racionalmente relacionada com interesses legítimos do Estado em proteção à ética médica, defendendo pessoas incapazes e terminalmente doentes de preconceitos que poderiam encorajá-las a daram cabo de suas vidas e, acima de tudo, a preservação da vida humana.

[63] Lawrence and Garner v. Texas, 539 U.S. 558 (2003). Os fatos do caso são os seguintes: atendendo à denúncia de um distúrbio envolvendo armas de fogo em uma residência particular, a polícia de Houston (Texas) invadiu o apartamento de John Lawrence e o viu, juntamente com um outro homem adulto – Tyron Garner –, engajados em atos sexuais, privados e consensuais. Ambos foram presos e condenados por terem tido relações sexuais desvirtuosas, violando frontalmente uma lei do Estado do Texas que proíbe que duas pessoas do mesmo sexo pratiquem certas condutas sexuais íntimas. A Corte Estadual de Apelação confirmou a condenação, por entender que a lei texana não era inconstitucional por violação do devido processo substantivo contido na 14.ª Emenda, com apoio em precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Bowers v. Hardwick, 478, U.S. 186 (1986). A questão posta para julgamento foi a seguinte: A condenação criminal de Lawrence e Garner, debaixo da lei de condutas homossexuais do Texas, que criminaliza intimidades sexuais de casais do mesmo sexo, mas não criminaliza comportamento idêntico de casais de sexos diferentes, viola a garantia da igual proteção das leis contida na 14.ª Emenda? A condenação criminal por práticas sexuais consensuais entre adultos e em ambiente privado viola interesses vitais de liberdade e privacidade contidos na cláusula do devido processo da 14.ª Emenda? Deveria a Corte anular o precedente caso Bowers v. Hardwick? As perguntas foram respondidas com não, sim e sim. Por 6 votos contra 3, a Corte, em opinião majoritária dada pelo Justice Anthony Kennedy, entendeu que a lei do Texas que torna crime que duas pessoas do mesmo sexo mantenham relações sexuais viola a cláusula do devido processo legal. A Corte anulou o precedente do caso Bowers v. Hardwick para entender que adultos livres que se engajam em condutas sexuais privadas exercem sua liberdade sob a proteção da cláusula do devido processo legal.

[64] Washington v. Glucksberg, 521 U.S. 702 (1997). Tradução livre do original: “we have regularly observed that the Due Process Clause specially protects those fundamental rights and liberties which are, objectively, "deeply rooted in this Nation's history and tradition," id., at 503 (plurality opinion); Snyder v. Massachusetts, 291 U.S. 97, 105 (1934) ("so rooted in the traditions and conscience of our people as to be ranked as fundamental"), and "implicit in the concept of ordered liberty," such that "neither liberty nor justice would exist if they were sacrificed," Palko v. Connecticut, 302 U.S. 319, 325, 326 (1937).”

[65] Os juízes podem tomar decisões políticas desde que baseadas em ‘princípios’ e não numa ‘diretriz política’ (policy). Cfr. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, e também em: A matter of principle. Cambridge: Harvard University Press, 1985. Neste último, explica Dworkin que “se nós realmente queremos uma judicial review – se nós não queremos revogar Marbury v. Madison – então nós temos de aceitar que a Suprema Corte precisa tomar importantes decisões políticas. A questão é quais razões são, por sua vez, boas razões. Minha própria opinião é que a Corte deveria tomar decisões de princípio ao invés de diretriz política – decisões sobre quais direitos as pessoas têm debaixo de nosso sistema constitucional, ao invés de decisões sobre como o bem-estar geral é melhor promovido – e que ela deveria tomar estas decisões por elaborar e aplicar a teoria substantiva da representação, tomar do princípio fundamental de que o governo precisa tratar as pessoas como iguais” (p. 69). Tradução livre do original: “If we want judicial review at all – if we do not want to repeal Marbury v. Madison – then we must accept that the Supreme Court must make important political decisions. The issue is rather what reasons are, in its hands, good reasons. My own view is that the Court should make decisions of principle rather than policy – decisions about what rights people have under our constitutional system rather than decisions about how the general welfare is best promoted – and that it should make these decisions by elaborating and applying the substantive theory of representation taken from the root principle that government must treat people as equals.”

[66] Sobre o Judiciário como órgão contra-majoritário, vide: BICKEL, Alexander. The least dangerous branch, 2.ª ed.. New Haven: Yale University Press, 1986.

[67] A expressão é de John Hart Ely, vide, sobre tal assunto, o posicionamento crítico do autor: ELY, John Hart. “Another such victory: Constitutional theory and practice in a world where courts are no different from legislatures”, On constitutional ground, e-book edition. Princeton: Princeton University Press, 1996, p. 1519/1615.

[68] Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479, 512 (1965). Tradução livre do original: “Perhaps the clearest, frankest and briefest explanation of how this due process approach works is the statement in another case handed down today that this Court is to invoke the Due Process Clause to strike down state procedures or laws which it can ‘not tolerate.’ Linkletter v. Walker, 381 U.S. 618, at 631, 85 S.Ct. 1731, at 1739.”

[69] ELY, John Hart. Democracy and distrust…, op. cit., p. 19.

[70] SCALIA, Antonin. A matter…, op. cit., p. 24. Tradução livre do original: “Words do have a limited range of meaning, and no interpretation that goes beyond that range is permissible.”

[71] CAPPELLETTI, Mauro. The judicial process in comparative perspective. Cambridge: Oxford University Press, 1991, p. 343. Tradução livre do original: “Of course, all laws presuppose inequalities and restrict the liberties of some persons; yet obviously all laws do not offend concepts of due process or equal protection. Since neither clause appears to offer any clear help in distinguishing the constitutional law from the unconstitutional, in interpreting these clauses the judge is bound the risk becoming a one-man legislature, reweighing for himself the competing individual and social interests witch earlier had balanced out in the course of the legislative process. Largely out of deference to this process, the Supreme Court in its substantive due process and equal protection jurisprudence – particularly as applied to questions of state economic regulation – has come to avoid a too flexible ‘proportionality’ principle witch would usurp the function of the legislative by weighing competing social and individual interests affected by legislative choices.”

[72] CANARIS, Claus-Wilhelm. Función, estructura y falsación de las toerias jurídicas, trad. Daniela Brückner e José Luis de Castro. Madrid: Civitas, 1993, p. 83/84.

[73] CANARIS, Claus-Wilhelm. Función, estructura y falsaciónop. cit., p. 77.

[74] Cfr. CANARIS, Claus-Wilhelm. Función, estructura y falsaciónop. cit., p. 77.

[75] CANARIS, Claus-Wilhelm. Función, estructura y falsaciónop. cit., p. 81.

[76] Sobre os testes, faz-se referência ao magnífico texto de Richard Fallon, da Harvard Law School: FALLON JR., Richard H. “Implementing the Constitution”, 111 Harvard Law Review 56


Informações Sobre o Autor

Roberto Del Claro

Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Mestre UFPR e Doutor USP em Direito. Procurador do Estado do Paraná


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