O ativismo judicial e as consequências do efeito backlash no direito brasileiro

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Resumo: A expressão “neoconstitucionalismo” indica a postura adotada perante o direito vigente, na qual coloca-se a garantia dos direitos fundamentais em primeiro plano. Trata-se de estágio do pensamento do direito constitucional em si, no qual é reconhecida a força normativa da Constituição e dos seus princípios, que passam a ser colocados no centro do ordenamento jurídico, alterando a forma de interpretar e aplicar o direito vigente. A partir de tal contexto, o presente trabalho almeja estudar e analisar os fenômenos do “ativismo judicial” e do “efeito backlash”, os quais terão os principais pontos doutrinários detalhados, a fim de possibilitar a sua compreensão, bem como de seus efeitos e as consequências práticas. Com o intuito de complementar o estudo, serão abordados alguns casos concretos na jurisprudência onde pode-se verificar a ocorrência dos citados fenômenos na ordem jurídica brasileira.

Palavras-chaves: Ativismo judicial, efeito backlash, direitos fundamentais.

Abstract: The expression "neoconstitucionalismo" indicates the position adopted in constitutional law that has as a characteristic the fact of placing the guarantee of fundamental rights in the foreground. It is a stage of viewing the constitutional law itself, in which the normative force of the Constitution and its principles, are recognized, which are placed at the center of the legal system, changing the way of interpreting and applying the law’s. From this context, the present work aims to study and analyze the phenomena of "judicial activism" and "backlash effect", which will have the main doctrinal points detailed, in order to enable their understanding, as well as their effects and the practical consequences. In order to complement the study, some concrete cases will be addressed where one can verify the occurrence of the mentioned phenomena in the Brazilian legal order.

Keywords: Judicial activism, backlash effect, fundamental rights.

Sumário: Introdução. 1 – Dos Direitos Fundamentais e da Separação dos Poderes. 1.1 – O Ativismo Judicial. 1.1 –Conceito. 1.2 – Origem. 1.3 – O Papel do Poder Judiciário na Concretização dos Direitos Fundamentais. 1.3.1 – Pontos Positivos. 1.3.2 – Pontos Negativos. 2 – O Efeito Backlash. 2.1 – Conceito. 2.2 – Origem. 2.3 – O Efeito Backlash no Direito Brasileiro. 2.4 – Consequências. 2.5 – A Possibilidade de Reversão pelo Judiciário. 3 – Análise de Casos Concretos. 3.1 – Emenda Constitucional nº 96. 3.2 – Lei nº 13.655/2018. Conclusão. Referências.

Introdução

Entende-se por “constitucionalismo” a denominação atribuída pelo movimento político-jurídico-social responsável pela evolução do conceito de Constituição, de seu conteúdo e do detentor do poder nos Estados. Referida evolução ocorreu em duas frentes diversas, uma na Europa e outra nos Estados Unidos, sendo certo que ambas ensejaram a formação da ideia atual de constituição.

Na lição de ANDRÉ RAMOS TAVARES (2017, p. 49), pode-se identificar quatro sentidos para o termo “constitucionalismo”:

“Numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira concepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um determinado Estado.”

PEDRO LENZA (2017, p. 64), ao citar JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, esclarece que o referido constitucionalista, ao tratar do tema, afirma existirem vários tipos de constitucionalismo, tais como o americano e o francês, definindo-o como:

“(…) uma teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.”

A doutrina divide o constitucionalismo em três fases distintas, quais sejam, o constitucionalismo antigo, moderno e o contemporâneo. Em uma breve síntese, o constitucionalismo antigo vai da antiguidade até o final do século XVIII, período em que muitos autores nem consideram a existência de um constitucionalismo propriamente dito, pois ainda não existiam constituições escritas.

O primeiro marco foi a sociedade hebraica. Os dogmas religiosos dos hebreus limitavam poder do soberano, pois não só aos súditos eles eram destinados, mas também aos governantes. Isso acabava garantindo alguns direitos. Depois temos Grécia, Roma e Inglaterra, precursores na elaboração de normas aptas a limitar o poder de tais governantes, a exemplo da Magna Carta de 1215.

Com relação ao constitucionalismo moderno, este se inicia no final do século XVIII com as revoluções liberais – francesa (1789) e independência americana (1776) – e perdura até o fim da Segunda Guerra Mundial (1945). O aspecto que caracteriza o constitucionalismo moderno é o surgimento das constituições escritas e formais.

Esse período, por sua vez, pode ser dividido em duas fases. A fase liberal ou clássica, com início no final do século XVIII com as revoluções liberais e vai até a Primeira Guerra Mundial. Período em que há duas experiências constitucionais extremamente importantes: a norte-americana e a francesa.

A experiência norte-americana tem como ponto central o surgimento da primeira constituição escrita (1787) e foi a partir dela que surgiram ideias fundamentais, como a ideia de constituição rígida, formal e suprema, ideais que, posteriormente, formaram a base para o controle de constitucionalidade, inicialmente na via difusa.

Já a experiência francesa trouxe um tipo de texto constitucional extremamente diferente, consistindo em uma constituição prolixa e analítica, diferente da dos EUA, que é sintética. Além disso, na França surgiu a ideia também de Poder Constituinte, cuja teoria inicial é atribuída ao Abade Sieyès, que defendia que o poder pertence à nação, que é quem goza de sua titularidade.

A segunda fase é a denominada de “Constitucionalismo social”, compreendendo o período entre o fim da primeira guerra mundial até o pós-Segunda Guerra Mundial, sendo marcada pela crise no liberalismo e grave crise econômica, responsável pelo agravamento das desigualdades sociais e necessidade de previsão de um novo grupo de direitos, os direitos sociais. Os referenciais históricos são as Constituições Mexicana (1917) e a de Weimar (Alemanha – 1919).

O neoconstitucionalismo, também chamado por alguns de constitucionalismo contemporâneo, constitucionalismo avançado ou constitucionalismo de direitos, tem como marco histórico o pós-Segunda Guerra Mundial, representando uma resposta às atrocidades cometidas pelos regimes totalitários – nazista e fascista – e, justamente por isso, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

A doutrina de MARCELO NOVELINO (2016, p. 59) é no sentido de que a expressão “neoconstitucionalismo” pode ser empregada em três acepções:

“(…) I) como modelo especifico de organização juridico-política, cujos traços característicos, esboçados a partir da Segunda Guerra Mundial, ganham contornos mais definitivos no final do século XX (neoconstitudonalismo como modelo constitudonal); II) como teoria do direito utilizada para descrever e operacionalizar este novo modelo constitucional (neoconstitudonalismo teórico); e III) como ideologia que valora positivamente as transformações ocorridas nos sistemas constitucionais (neoconstitudonalismo ideológico).”

Como modelo constitucional, o neoconstitucionalismo é empregado fazendo alusão às características marcantes do constitucionalismo contemporâneo, designando o conjunto de mecanismos normativos e institucionais que limitam os poderes do Estado e/ou protegem os direitos fundamentais, aqueles decorrentes da dignidade da pessoa humana, valor que permeia todo o ordenamento jurídico. Designa um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no Direito Constitucional.

Esse novo pensamento se reflete no conteúdo das Constituições. Se antes elas se limitavam a estabelecer os fundamentos da organização do Estado do Poder, agora passam a prever valores em seus textos, principalmente aqueles atrelados ao fundamento supramencionado.

O marco histórico dessas mudanças é a formação do Estado Constitucional de Direito, cuja consolidação se deu ao longo das últimas décadas do século XX. O Estado constitucional de Direito começa a se formar no pós-Segunda Guerra Mundial, em face do reconhecimento da força normativa da Constituição. A legalidade, a partir daí, subordina-se constituição, sendo a validade das normas jurídicas dependente de sua compatibilidade com as normas constitucionais. Há uma mudança de paradigmas: o Estado Legislativo de Direito dá lugar ao Estado Constitucional de Direito.

Por sua vez, o marco filosófico é o pós-positivismo, que reconhece centralidade dos direitos fundamentais e reaproxima o Direito e a Ética. O princípio da dignidade da pessoa humana ganha relevância; busca-se a concretização dos direitos fundamentais e a garantia de condições mínimas de existência aos indivíduos (“mínimo existencial”). Há um processo de constitucionalização de direitos. A Constituição ganha forte conteúdo axiológico, incorporando valores como os de justiça social, moralidade e equidade. No pós-positivismo, os princípios passam ser encarados como verdadeiras normas jurídicas (e não mais apenas como meios de integração do ordenamento!).

Em outra frente, o marco teórico do neoconstitucionalismo, a seu turno, é o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. O reconhecimento da força normativa da Constituição busca garantir concretização dos valores inseridos no texto constitucional, que passam a ser vistos como valores que deve ser realizado na prática.

MARCELO NOVELINO (2016, p. 60) prossegue, lecionando que a acepção teórica do neoconstitucionalismo procura descrever os traços característicos desse sistema, enfatizando o papel central assumido pelas constituições dentro do ordenamento jurídico do Estado:

“Dentre as principais transformações resultantes da evolução histórica do constitucionalismo estão: I) o reconhecimento definitivo da normatividade da constituição e, por conseguinte, de todos os dispositivos nela contidos, independentemente de sua estrutura; II) o papel central atribuído à constituição, não apenas como estatuto organizatório-limitativo dos poderes públicos, mas também como mecanismo de resolução de conflitos nas mais diversas áreas jurídicas; e III) a consagração de um extenso catálogo de direitos fundamentais e de uma pluralidade de valores e diretrizes políticas tornando mais frequentes as colisões entre direitos constitucionalmente protegidos. Por considerar que essas transformações tornaram as teorias juspositivistas insuficientes para dar conta das complexidades atuais, o neoconstitucionalismo teórico propugna pela revisão das teorias das fontes, das normas e a da interpretação.”

De outro lado, na acepção ideológica, o termo “neoconstitucionalismo” indica a postura adotada perante o direito vigente. Colocando a garantia dos direitos fundamentais em primeiro plano, o neoconstitucionalismo se afasta parcialmente a ideologia constitucionalista predominante nos séculos XVIII e XIX, cujo objetivo central consistia na imposição de limites aos poderes estatais.

Citando WALBER DE MOURA AGRA, o ensinamento de PEDRO LENZA (2017, p. 70) é de que:

“(…) ‘O neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implantação do Estado democrático Social de Direito. Ele pode ser considerado como um movimento caudatário do pós-modernismo. Dentre suas principais características podem ser mencionadas: a) positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais; b) onipresença dos princípios e das regras; c) inovações hermenêuticas; d) densificação da força normativa do Estado; e) desenvolvimento da Justiça distributiva’. E continua: ‘o seu modelo normativo não é o descritivo ou deontológico, mas o axiológico. No constitucionalismo moderno a diferença entre normas constitucionais e infraconstitucionais era apenas de grau, no neoconstitucionalismo a diferença é também axiológica. A ‘Constituição como valor em si’. O caráter ideológico do constitucionalismo moderno era apenas limitar o poder, o caráter ideológico do neoconstitucionalismo é o de concretizar os direitos fundamentais’.”

Nesse contexto, com a ênfase dada aos direitos fundamentais, à jurisdição constitucional ganha novos contorno, de forma que passa a ser tarefa, também, do Poder Judiciário proteger os direitos fundamentais, abrindo espaço para o fenômeno denominado de “Ativismo Judicial”.

A expansão da ação judicial é uma das marcas fundamentais nas sociedades democráticas contemporâneas, e isso é notado através do protagonismo do Poder Judiciário.

O “ativismo judicial” consiste no fenômeno jurídico atrelado à adoção de uma postura proativa por parte do Poder Judiciário, manifestando-se por meio de uma interferência de maneira regular e significativa nas opções políticas dos demais poderes, de forma a implementar direitos já assegurados aos cidadãos pelo legislador constituinte.

Trata-se de uma postura, ou seja, é uma escolha de um determinado magistrado que visa buscar através de uma hermenêutica jurídica a concretização de valores normativos constitucionais, garantindo o direito das partes de forma rápida, e atendendo às soluções dos litígios e às necessidades oriundas da lentidão ou omissão legislativa, e até mesmo executiva.

Na linha contrária, por vezes o Poder Legislativo reage na contramão da decisão tomada pelo Poder Judiciário no sentido de concretizar os direitos fundamentais. A esse fenômeno dá-se o nome de efeito backlash.

Pode-se definir o esse efeito como uma forma de reação a determinado provimento jurisdicional, o qual, além de possuir de forte teor político, consiste em um precedente liberal, assumindo uma posição de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais, envolvendo temas considerados polêmicos, sobre os quais não existe consenso na opinião política consolidada entre a população. Em decorrência desta divisão ideológica presente de forma marcante, a parte “desfavorecida” pela decisão faz uso de outros meios para deslegitimar o estabelecido ou tentar contorná-lo.

Por conseguinte, tendo em vista a importância dos fenômenos supramencionados no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessária a análise destes de forma a abordar e compreender os principais aspectos doutrinários relativos ao tema, de forma a esclarecer as consequências da reação do legislativo no avanço da proteção dos direitos fundamentais.

O objeto do trabalho é, portanto, o estudo e análise dos fenômenos acima descritos, os quais terão os principais pontos doutrinários detalhados, a fim de possibilitar a sua compreensão, bem como de seus efeitos e as consequências práticas. Com o intuito de complementar o estudo, serão abordados alguns casos concretos na jurisprudência brasileira onde pode-se verificar a ocorrência dos citados fenômenos.

1 – O Ativismo Judicial

1.1 – Conceito

Segundo consta no Dicionário Aurélio, o vocábulo “ativismo” traduz a ideia de atitude moral que insiste mais nas necessidades da vida e da ação que nos princípios teóricos ou propaganda ativa do serviço de uma doutrina ou ideologia.

Pode-se conceituar o “Ativismo Judicial” como o papel criativo exercido pelos tribunais ao trazerem uma contribuição nova para o direito, decidindo sobre a singularidade do caso concreto, com consequente formação de precedente jurisprudencial inovador, antecipando-se, na maioria dos casos, à formulação da própria lei.

Consiste em uma postura adotada pelo julgador, ou seja, é a escolha de um determinado magistrado que visa, através de uma atividade hermenêutica jurídica expansiva, concretizar o verdadeiro valor normativo constitucional de determinados preceitos, garantindo o direito das partes de forma rápida, e atendendo às soluções dos litígios e às necessidades oriundas da lentidão ou omissão legislativa, e até mesmo executiva.

Durante o período em que vigia o Estado Liberal, claramente, era possível constatar o Poder Legislativo como protagonista das relações sociais. Por sua vez, quando o Estado avocou prestações positivas, sendo conhecido como Estado social, o Poder Executivo atraiu as expectativas sociais para si.

Atualmente, em um cenário de Estado Democrático de Direito, o foco volta-se para o Judiciário. Dessa maneira, é possível verificar que em nenhum momento da história do direito houve um equilíbrio formal e uma justa distribuição entre as atribuições dos poderes, pois as demandas e reivindicações da sociedade ora requeriam maior participação de um poder, ora de outro.

Como consequência desse fenômeno e considerando uma aparente supremacia do Poder Judiciário em detrimento, principalmente, do Legislativo, surge o ativismo judicial. Pelo fato de os juízes e desembargadores – agentes públicos não eleitos – exercerem fatalmente poder político, que por vezes contraria as disposições oriundas dos demais Poderes, cujos membros representam a vontade popular, surgem controvérsias e questionamentos sobre a possibilidade de o Judiciário, principalmente na figura do Supremo Tribunal Federal, ter ou não legitimidade para inovar o ordenamento jurídico ou invalidar decisões daqueles que foram escolhidos pelo povo.

Sobre a origem da expressão “ativismo judicial”, LUÍS ROBERTO BARROSO (2010, p. 9) ensina que:

“A locução ‘ativismo judicial’ foi utilizada, pela primeira vez, em artigo de um historiador sobre a Suprema Corte americana no período do New Deal, publicado em revista de circulação ampla. V. Arthur M. Schlesinger, Jr., The Supreme Court: 1947, Fortune, jan. 1947, p. 208, apud Keenan D. Kmiec, The origin and current meanings of ‘judicial activism’, California Law Review 92:1441, 2004, p. 1446.”

O doutrinador (2010, p. 11) traz, ainda, um conceito para o instituto do “ativismo judicial”, diferenciando-o da “autocontenção judicial”, afirma que o primeiro consiste na atitude de efetuar uma interpretação expansiva do texto constitucional, incluindo no seu âmbito de alcance questões que não foram nela expressamente contempladas, de modo que o Pretório Excelso acaba por interpretar próativamente a Constituição e, assim, atender às demandas da sociedade. Nesse sentido:

“(…) é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. O oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes28. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial legitimamente exercido procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, inclusive e especialmente construindo regras específicas de conduta a partir de enunciados vagos (princípios, conceitos jurídicos indeterminados). Por sua vez, a autocontenção se caracteriza justamente por abrir mais espaço à atuação dos Poderes políticos, tendo por nota fundamental a forte deferência em relação às ações e omissões desses últimos.”

Já ELIVAL DA SILVA RAMOS (2010, p. 129) define o Ativismo Judicial como:

“[…] exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Há como visto, uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes. Não se pode deixar de registrar mais uma vez, o qual tanto pode ter o produto da legiferação irregularmente invalidado por decisão ativista (em sede de controle de constitucionalidade), quanto o seu espaço de conformação normativa invadido por decisões excessivamente criativas.”

Tendo em vista o atual contexto vivido pelo Direito Brasileiro, influenciado pelos movimentos pós-positivismo jurídico e pelo neoconstitucionalismo, com a ênfase dada aos direitos fundamentais e à constitucionalização dos demais ramos do Direito, à jurisdição constitucional ganha destaque, passando a ser papel do Poder Judiciário proteger os direitos fundamentais.

O fenômeno em comento é, portanto, reflexo de um posicionamento ativo e expansionista do Judiciário no sentido de maximizar a força normativa da Constituição, promovendo na maior medida possível os comandos de otimização previstos pelo constituinte e pelo legislador.

1.2 – Origem

Tem-se como origem do emprego da expressão “ativismo judicial” a publicação pelo jornalista norte-americano Arthur Schlesinger, no ano de 1947, em reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos. De acordo com o jornalista, caracteriza-se ativismo judicial quando o juiz se considera no dever de interpretar a Constituição no sentido de garantir direitos que ela já prevê, como, por exemplo, direitos sociais ou econômicos.

VANICE REGINA LÍRIO DO VALLE (2009, p. 21) assevera que o termo ativismo judicial, em que pese se referir ao meio jurídico, nasceu com a publicação de um artigo na revista americana Fortune, pelo historiador americano Arthur Schlesinger, numa reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos, no qual este cuidou de delinear o perfil dos nove magistrados integrantes da Suprema Corte, sendo que, desde então, o termo vem sendo utilizado, normalmente, em uma perspectiva crítica quanto à atuação do Poder Judiciário.

Na presente reportagem em comento, Schlesinger definiu o perfil dos juízes da Corte Suprema nos EUA, sendo os juízes Murphy, Black, Douglas e Rutlege classificados como ativistas judiciais. A classificação decorreu do papel ativo desempenhado por esses julgadores na promoção do bem-estar social em suas decisões.

No tocante à origem histórica do Ativismo Judicial, LUÍS ROBERTO BARROSO (2010, p. 9), apresenta a seguinte definição:

“Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificara atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais (…)Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.”

Esclarecendo sobre o surgimento do fenômeno em comento BARROSO (2010, p. 07) assevera que:

“Há causas de naturezas diversas para o fenômeno do ativismo judicial A primeira delas é o reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente, como elemento essencial para as democracias modernas. Como consequência, operou-se uma vertiginosa ascensão institucional de juízes e tribunais, assim na Europa como em países da América Latina, particularmente no Brasil. A segunda causa envolve certa desilusão com a política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral. Há uma terceira: atores políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a instância decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável na sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas divisivos, como uniões homoafetivas, interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas. No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da constitucionalização abrangente e analítica – constitucionalizar é, em última análise, retirar um tema do debate político e trazê-lo para o universo das pretensões judicializáveis – e do sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, em que é amplo o acesso ao Supremo Tribunal Federal por via de ações diretas. Como consequência, quase todas as questões de relevância política, social ou moral foram discutidas ou já estão postas em sede judicial, especialmente perante o Supremo Tribunal Federal.”

1.3 – O Papel do Poder Judiciário na Concretização dos Direitos Fundamentais

De acordo com a lição de LUÍS ROBERTO BARROSO (2010, p. 5), compreende-se como “jurisdição constitucional” as atividades de interpretação e aplicação da Constituição por órgãos judiciais, sendo que, no caso brasileiro, essa competência é exercida por todos os juízes e tribunais, situando-se o Supremo Tribunal Federal no topo do sistema.

O constitucionalista esclarece que a jurisdição constitucional compreende duas atuações particulares. A primeira delas refere-se à aplicação direta da Constituição às situações nela contempladas. A segunda, por outro lado, diz respeito à atuação envolvendo a aplicação indireta da Constituição, que ocorre quando o intérprete a utiliza como parâmetro para aferir a validade de uma norma infraconstitucional (controle de constitucionalidade) ou para atribuir a ela o melhor sentido, em meio a diferentes possibilidades (interpretação conforme a Constituição).

Segundo anteriormente mencionado, o neoconstitucionalismo pode ser sintetizado em de quatro grandes ideias, que se desenvolvem ao longo do Século XX: Força Normativa da Constituição, segundo a qual o texto constitucional sai do papel como mero plano e passa a ser ordem de comando na estrutura da sociedade brasileira e no correr dos processos brasileiros; a Teoria dos Princípios, preceituando que é possível utilizar ponderação constitucional sem maiores problemas; Expansão dos direitos fundamentais, denotando uma preocupação do Judiciário brasileiro em garantir aqueles direitos humanos positivados no texto constitucional a todos os cidadãos que estejam numa determinada sociedade; e, por fim, Poder de criação, pelo qual passamos a ter um Judiciário que sai de uma função de mera “boca da Lei”, como o Civil Law estaria prevendo originalmente, e passamos a ter um judiciário que passa a resolver problemas do caso concreto com a norma ou evoluindo essa norma, através de princípios, de prevalência de situações constitucionais.

Ainda, cumpre esclarecer que, consoante ensinamentos de INGO WOLFGANG SARLET (2017, p. 370), o Princípio da Máxima Efetividade (art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal) sustenta a existência de um dever de aplicação imediata dos direitos fundamentais, atrelado a um dever, por parte dos órgãos estatais – em especial dos órgãos jurisdicionais, a que incumbe inclusive a revisão dos atos dos demais entes estatais nos casos de violação da Constituição – de atribuição da máxima eficácia e efetividade possível às normas definidoras dos referidos direitos, haja vista a sua importância para a existência digna do ser humano.

Em que pese a importância do Judiciário na concretização dos direitos fundamentais como um todo, não se pode deixar de destacar a sua extrema relevância quando se fala em direitos sociais, ou direitos fundamentais de segunda dimensão, necessários à promoção da igualdade material, devendo ser exigidos do Estado na forma de uma contraprestação em prol da coletividade, haja vista, serem requisitos primordiais para uma existência com o mínimo de dignidade.

A grande celeuma existente, que denota a relevância da prestação jurisdicional quando se fala em direitos sociais, está relacionada à necessidade de efetivação de tais direitos por parte do Poder Público, que massacra a sociedade devido à escassez de políticas públicas, atrelada à falta de interesse de políticos, os quais são escolhidos através de um processo constitucional eleitoral pelo povo.

Ora, ao Poder Legislativo incumbe elaborar e aprovar projetos de lei, principalmente no que concerne a efetivação dos direitos sociais e o Poder Executivo atribui-se o dever de instituir as políticas públicas que visam garantir aos cidadãos os direitos sociais assegurados pela Constituição Federal. Contudo, atualmente, verifica-se a ocorrência de descasos de ambos os poderes estatais mencionados, impedindo que a população possa ter uma vida mais digna.

A vista dos ideais que formam base do movimento pós-positivista ou neoconstitucionalista, aliado ao mandamento constitucional de máxima efetividade dos direitos fundamentais e à ideia de jurisdição constitucional implantada pela Carta Magna de 1988, é forçoso reconhecer-se o protagonismo do Poder Judiciário no que concerne à concretização dos direitos e garantias fundamentais, em especial dos sociais, dando ensejo ao surgimento do fenômeno do “ativismo judicial” no exercício da função jurisdicional do Estado, o que divide opiniões dentre os estudiosos do tema.

Nessa toada, o ativismo judicial, em especial por parte da Suprema Corte, exsurge como uma necessidade para a efetivação dos direitos fundamentais, principalmente nos casos de omissão ou lacunas deixadas pelo Poder Legislativo, pois, não basta que o Estado anuncie o reconhecimento de um direito, mas sim que esse direito venha a ser garantido, regulamentado e concretizado.

Portanto, o ativismo judicial se apresenta como forma de resolução para os conflitos de interesses da sociedade, diante de uma violação arbitrária – por parte do legislador – dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, permitindo que o Supremo Tribunal Federal, ao qual é imposto o dever de guardá-la, juntamente com o restante do Poder Judiciário, contribua para a real efetivação de um Estado Democrático de Direito.

1.3.1 – Pontos Positivos

Os defensores do Ativismo Judicial declaram que o Poder Judiciário possui legitimidade para invalidar decisões do Legislativo e do Executivo e atuar de forma proativa, haja vista contexto de neoconstitucionalismo, em homenagem à dignidade da pessoa humana, há que se preservar um mínimo existencial, ou seja, uma eficácia mínima de direitos fundamentais, nem que para isso sejam necessárias intervenções a priori contra majoritárias porque, em verdade, questões políticas fundamentais se judicializaram.

GEÓRGIA LAGE PEREIRA CARMONA (2012), citando os ensinamentos de LUÍS ROBERTO BARROS, assevera que:

“(…) a legitimidade possui duas justificativas: uma de natureza normativa e outra filosófica. O fundamento normativo deriva, do fato de que a Constituição brasileira confere expressamente esse poder ao Judiciário e, em especial, ao Supremo Tribunal Federal. A justificativa filosófica consiste no fato de que a Constituição realiza dois papéis: estabelecer as regras do jogo democrático e proteger valores e direitos fundamentais.”

Ainda, argumenta-se que o Ativismo Judicial não é simplesmente uma escolha do juiz, mas também uma interpretação constitucional expansiva que visa à retratação do Poder Legislativo. LUÍS ROBERTO BARROSO (2009, p. 6) menciona que:

“A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público.”

No que concerne à crítica de que o Ativismo Judicial consistiria em uma violação da separação dos poderes, ANDRÉ RAMOS TAVARES (2017, p. 1027) leciona que esta atuação proativa está prevista na Constituição Federal, em que pese a disciplina tripartite das funções do poder, tal noção foi transformada consideravelmente, de forma que o princípio da separação de poderes evoluiu desde a sua sistematização inicial, sobrevindo uma flexibilização. Conclui dizendo que “A realidade já se incumbe de desmistificar a necessidade de poderes totalmente independentes, quanto mais numa distribuição tripartite. Ademais, a tese da absoluta separação entre os poderes os tornaria perniciosos e arbitrários”.

A lição de FERNANDO GOMES DE ANDRADE (2007, p. 322) corrobora o acima exposto:

“Cremos ser o Judiciário competente para controlar a legalidade de todo e qualquer ato emanado pelo poder público, seja vinculado ou discricionário, e ademais, o controle político condizente com a conveniência e oportunidade – típicos do administrador – deve de igual modo ter sua contingencia também controlada pelo Judiciário numa interpretação não mais lógico-formal de suas atribuições, mas em sentido material-valorativo, ao verificar se a medida coaduna-se com os princípios consagrados na Constituição.”

Nesse sentido, HÉLDER FÁBIO CABRAL BARBOSA (2011, p. 151) discorre que alguns estudiosos do direito podem até se mostrar contrários ao ativismo judicial, alegando de que um acréscimo de poder ao Judiciário representaria um desvio de finalidade, contudo inexiste tal afirmação, uma vez que os juízes estariam apenas aplicando o direito, os direitos fundamentais em especial, os quais gozam de autoexecutoriedade.

Por fim, tem-se os ensinamentos de ROBERT ALEXY (2006, p. 546):

“O ponto de partida é a ideia de que os direitos fundamentais, enquanto direitos individuais, em face do legislador, são posições que, por definição, fundamentam deveres do legislador e restringem suas competências e o simples fato de um tribunal constitucional agir no âmbito da legislação se constata, por razões ligadas aos direitos fundamentais, um não cumprimento de um dever ou uma violação de competência por parte do legislador não justifica uma objeção de uma transferência inconstitucional das competências do legislador para o tribunal. Se a Constituição confere ao indivíduo direitos contra o legislador e prevê um tribunal constitucional (também) para garantir esses direitos, então, a atividade do tribunal constitucional no âmbito da legislação que seja necessária à garantia desses direitos não é uma usurpação inconstitucional de competências legislativas, mas algo que não apenas é permitido, mas também exigido pela Constituição.”

Do excerto, considerando os argumentos aventados pelo doutrinador, é possível concluir pela impropriedade do argumento de que o ativismo judicial representaria ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes, inexistindo usurpação da competência do Poder Legislativo pelo Judiciário.

1.3.2 – Pontos Negativos

Dentre as críticas contra o fenômeno do Ativismo Judicial tem-se o argumento de que os juízes, Tribunais e, principalmente, os Tribunais Constitucionais, não possuem legitimidade democrática, contra os atos legalmente editados pelos poderes Legislativo e Executivo.

Os críticos asseveram que o Poder Judiciário atua de duas maneiras, ora como legislador negativo, ao invalidar atos e leis do Poder Legislativo ou Executivo, ora como legislador positivo, o qual interpreta as normas e princípios e lhes atribuírem juízo de valor, conhecido no meio acadêmico como desafio contramajoritário.

Segundo TEOLDINA BATISTA CÂNDIDO VITÓRIO (2011, p. 224):

“O principal argumento contrário ao ativismo consiste no fato de que somente o Legislativo e o Executivo são eleitos pelo povo. Assim, apenas os membros do Legislativo estariam autorizados pelos cidadãos a elaborarem leis que atendam seus apelos e reclamos. Por sua vez, como o Poder Judiciário não passa pelo sufrágio, estaria descredenciado, numa visão juspositivista, para criar o direito, via decisões judiciais, tendo em vista que tal conduta desafia o sistema de freios e contrapesos inspirado por Montesquieu, que equilibra a gravitação entre os três Poderes.”

Pelos motivos acima expostos, tem-se o temor por parte de alguns estudiosos do tema de ter-se o estabelecimento de uma “ditadura do Judiciário”, de forma que o ativismo judicial poderia se revelar como fator prejudicial à existência independente e harmônica entre os poderes, considerando a interferência do Judiciário na gestão pública e no poder constituinte.

Ainda, os críticos ao fenômeno mencionam que no Ativismo Judicial a atribuição de peso aos princípios conflitantes dependerá do subjetivismo, ou seja, da vontade de quem interpreta.

Nesse sentido, considera-se a discricionariedade do julgador como um ponto negativo ao ser analisada no contexto do Ativismo Judicial, tendo em vista que revela forma de agir em que não há no agente qualquer restrição ou limite, havendo, inclusive, certa arbitrariedade.

O professor NÉVITON GUEDES (2012, p. 4), corrobora tais críticas, apresentando os riscos oferecidos pela discricionariedade do julgador em suas decisões, o que compromete, dentre outros valores, a segurança jurídica:

“Quando a posição da política ou da moral pessoal do julgador prevalece, deixando em segundo plano o direito legitimamente disposto pelo legislador, o que floresce, de regra, não é a justiça do caso concreto, mas injusta aleatoriedade e indeterminação na atuação do direito. Põe-se por terra a máxima proposição de justiça dos tempos modernos que é, precisamente, a convicção democrática de que qualquer e todo cidadão encontrará no magistrado a determinação de prestar a mesma resposta que, em situação semelhante, lhe teria prestado outro magistrado (equal under the Law). O magistrado, certamente bem intencionado, flerta com a justiça do caso concreto, mas acaba dormindo com a aleatoriedade de decisões impostas ex post facto, casuísticas, não generalizáveis e quase sempre não isonômicas. Como se vê, em tais situações, perde-se muito em segurança jurídica e não se sabe bem exatamente o que se ganha em justiça.”

Daniel Souza Sarmento (2007, p.14), por sua vez, destaca que devido à euforia na fundamentação principiológica surge o que este denomina de “decisionismo judicial”, no qual os juízes passaram a negligenciar o seu dever de fundamentar seus julgamentos. O Autor assevera, in verbis, que:

 “E a outra face da moeda é o lado do decisionismo e do "oba-oba". Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem a justiça – ou que entendem por justiça -, passaram a negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta "euforia" com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não eleitos imponham a suas preferências e valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações do legislador. Ela compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica, porque torna o direito muito menos previsível, fazendo-o dependente das idiossincrasias do juiz de plantão, e prejudicando com isso a capacidade do cidadão de planejar a própria vida com antecedência, de acordo com o conhecimento prévio do ordenamento jurídico”.

Finalmente, cabe mencionar o entendimento RONALD DWORKIN (1999, p.451/452), in verbis:

“O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima”.

Percebe-se que, segundo entendimento do jurista acima citado, o Ativismo Judicial deve ser visto como algo nocivo, pois representa a primazia das concepções subjetivas de justiça e de bem do próprio julgador, que impõe seu posicionamento, ignorando o texto constitucional, a história de sua promulgação, os precedentes da Suprema Corte e as tradições culturais da política pátria.

2 – O Efeito Backlash

2.1 – Conceito

Pelo anteriormente exposto, infere-se que, no Brasil, após o advento da Constituição de 1988, houve o crescimento do ativismo judicial, passando o Poder Judiciário a decidir questões polêmicas, relativas a temas evitados pelos demais poderes, em especial o Legislativo, de forma a concretizar direitos assegurados pelo constituinte e adequar a interpretação do ordenamento jurídico ao contexto social atual.

Contudo, essa hiperjudicialização de questões que, originalmente, seriam de competência do Poder Legislativo, tem gerado embate entres os Poderes, em virtude da postura de protagonista adotada pelo Judiciário.

Esclarecendo tal problemática, GEORGE MARMELSTEIN (2016, p. 2) discorre que:

“Na experiência constitucional contemporânea, é possível perceber um claro movimento de hiperjudicialização de questões éticas e políticas. Problemas de grande impacto social, como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto, a legitimidade de pesquisas com células-tronco, a validade das ações afirmativas no ensino superior, a proteção dos animais não-humanos, entre vários outros, passaram a ser decididos, em última análise, por órgãos judiciais, o que alterou profundamente a compreensão clássica do arranjo institucional que costuma alicerçar a organização dos poderes estatais.

Nesse novo arranjo institucional, o órgão responsável pela jurisdição constitucional passa a exercer um protagonismo central na solução de casos sensíveis que dividem a sociedade, assumindo, muitas vezes, uma função contramajoritária, ora mais conservadora, ora mais progressista (…).”

Diante deste cenário, verifica-se que, em determinadas ocasiões, o Poder Legislativo tem optado por adotar uma postura mais ativa, com o intuito de esvaziar as decisões que, em tese, extrapolariam a competência judicial. A referida postura se materializa por meio da edição de leis ou emendas ao Texto Constitucional com o escopo de alterar o teor do provimento jurisdicional, fenômeno denominado pelos estudiosos de “efeito backlash”.

Conforme o Dicionário Cambridge Online, o termo backlash é definido como “a strong feeling among a group of people in reaction to a change or recent events in society or politics”, podendo ser traduzido para a língua portuguesa como um um forte sentimento entre um grupo de pessoas em reação a uma mudança ou eventos recentes na sociedade ou política.

Na esfera jurídica, segundo ensinamentos dos professores estadunidenses, POST e SIEGEL (2007, p. 4), o termo backlash refere-se ao desejo de um povo livre de influenciar o conteúdo de sua Constituição, mas que também ameaça a independência do Direito, consistindo no ponto onde a integridade do Estado de Direito colide com a necessidade da Ordem Constitucional de legitimidade democrática.

GEORGE MARMELSTEIN (2016, p. 3) define o fenômeno como:

“O backlash é uma reação adversa não-desejada à atuação judicial. Para ser mais preciso, é, literalmente, um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação judicial.

Tal contra-ataque manifesta-se por meio de determinadas formas de retaliação, que podem ocorrer em várias ‘frentes’: a revisão legislativa de decisões controversas; a interferência política no processo de preenchimento das vagas nos tribunais e nas garantias inerentes ao cargo, com vistas a assegurar a indicação de juízes ‘obedientes’ e/ou bloquear a indicação de juízes ‘indesejáveis’; tentativas de se ‘preencher o tribunal’ (‘court-packing’) por parte dos detentores do poder político; aplicação de sanções disciplinares, impeachment ou remoção de juízes ‘inadequados’ ou ‘hiperativos’; introdução de restrições à jurisdição dos tribunais, ou a ‘poda’ dos poderes de controle de constitucionalidade.”

O autor acima mencionado esclarece, ainda, que o foco do ataque – ou da reação adversa – não está ligado ao fundamento jurídico da decisão judicial, mas à vertente ideológica que costuma estar por trás do tema decidido. Se a decisão judicial tem um caráter conservador, a reação política pode vir de setores progressistas. Se, por outro lado, a decisão for progressista, o contra-ataque virá de setores mais conservadores.

Segundo MÁRCIO A. L. CAVALCANTE (2017), em síntese, o efeito backlash consiste em uma reação conservadora de parcela da sociedade ou das forças políticas – em regra do parlamento ou Poder Legislativo – diante de uma decisão liberal tomada pelo Poder Judiciário em um tema cercado de controvérsias.

MARIANNA MONTEBELLO WILLEMAN (2013) o define “como o movimento de intensa reprovação ou rejeição de uma decisão judicial, acompanhado da adoção de medidas de resistência tendentes a minimizar ou a retirar sua carga de efetividade”.

Dessa forma, o referido efeito pode ser definido como uma repercussão colateral de decisões judiciais em questões polêmicas, havendo um combate político em face do resultado do decisium, de forma que o iter que permeia o efeito backlash tem início a partir de uma decisão liberal vanguardista, porém, sem a consolidação da opinião pública sobre o tema, abrindo espaço ao surgimento de argumentação por parte da crítica conservadora ao posicionamento do Poder Judiciário, elevando ao poder os candidatos que defendem postura mais tradicional, os quais promovem reformulações legais nesse sentido, influenciando as decisões judiciais que venham a ser tomadas de forma inédita, ensejando o retrocesso social.

Exsurge evidente, assim, que a decisão judicial, a qual buscava proporcionar direitos às minorias, atinge o contrário do que objetivava, gerando, como efeito colateral, insatisfação por parte da população mais conservadora, propiciando um ambiente em que se torna possível de derrocar os direitos arduamente adquiridos.

2.2 – Origem

Acerca do contexto histórico relacionado ao efeito backlash, GEORGE MARMELSTEIN (2015) assevera que, no ano de 1972, no caso Furman vs. Georgia, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, em um placar de 5 a 4, que a pena de morte seria incompatível com a oitava emenda da constituição norte-americana, que proíbe a adoção de penas cruéis e incomuns.

Com o citado julgamento, o que sinalizava ser o fim da pena de morte nos Estados Unidos teve uma repercussão surpreendente, pois a postura liberal da Suprema Corte, ao invés de gerar um amplo consenso em torno da perversidade dessa punição, fortaleceu o pensamento do grupo conservador existente, o qual, ao obter maioria nas eleições seguintes, conseguiram aprovar leis aumentando o rigor da legislação penal, ampliando a prática da pena de morte.

Após, em 1976, diante da mudança do cenário político, a Suprema Corte, reavaliando a decisão proferida em Furman vs. Georgia, adotou entendimento segundo o qual, respeitadas algumas condições, a adoção da pena de morte seria compatível com a oitava emenda da constituição, de forma a permitir que os estados mantivessem a pena capital como sanção para os crimes mais graves.

Nesse contexto, o jurista supracitado salienta que, após a decisão proferida no caso Furman vs. Georgia e a vitória eleitoral do grupo político favorável à pena morte, o número de estados que passaram a adotar a referida sanção aumentou em relação ao quadro anterior.

Com isso, estados que antes não adotavam a pena de morte passaram a adotá-la graças à mudança na opinião pública provocada pela reação contra a postura liberal adotada pela Suprema Corte. Portanto, a tentativa de ampliação da proteção do direito fundamental em detrimento da sanção de morte restou infrutífera, de modo que a decisão judicial teve um efeito indesejado e o avanço da tese abolicionista e liberal.

O caso narrado acima ilustra, perfeitamente, o que é o efeito backlash, derivado da reação política contra a pretensão do poder jurídico de controlá-lo, que ao contrário de alcançar o resultado pretendido, a atuação judicial gera insatisfação e, como efeito colateral, cria um ambiente político propício ao retrocesso.

Foi a partir de tais precedentes, revertidos posteriormente pelo Legislativo, após reação contrária de parcela da sociedade, que estudiosos estadunidenses passaram a analisar as decisões judiciais e os seus efeitos diante da sociedade, desenvolvendo os conceitos conhecidos hoje e relacionados ao fenômeno em comento.

2.3 – O Efeito Backlash no Direito Brasileiro

Não obstante o ordenamento jurídico brasileiro ser pautado no regime do civil law – sistema jurídico baseado no direito romano, caracterizado pelo fenômeno da codificação do direito –, o que, em tese, diminuiria o protagonismo do judiciário em situações polêmicas, considerando que o juiz fica vinculado ao ordenamento jurídico positivo, conforme já explicitado, tem ocorrido um aumento da sua participação na definição de temas polêmicos.

Por essa razão, torna-se cabível fazer uso da teoria estadunidense acerca do efeito backlash no cenário nacional, haja vista que – utilizando da hermenêutica, do alto grau de abstração dos princípios e da força normativa destes, aliado à omissão dos demais Poderes no que concerne à implementação de direitos assegurados pela CF/8 –, atualmente, o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, tem tomado uma série de decisões controvertidas, concretizando direitos fundamentais, ampliando sua aplicação ou mesmo conferindo interpretação progressista adequada ao contexto social, o que, na via política, tem dado ensejo à busca aprovar medidas com a finalidade de enfraquecer tais decisões.

Neste sentido, verifica-se que diante da crise de representatividade enfrentada no contexto atual, o ativismo judicial surgiu como uma tentativa de suprir o déficit ocasionado pela ineficiência do Congresso Nacional e do Poder Executivo. As omissões do Legislativo e Executivo na regulamentação e promoção de direitos essenciais para uma existência digna, já garantidos no Texto Constitucional, bem como na adequação das normas às reais necessidades e anseios da sociedade, tem possibilitado espaço para o crescimento do Poder Judiciário.

Não obstante a necessidade da prestação jurisdicional pelos motivos acima descritos, cada vez mais, os parlamentares têm aprovado medidas objetivando atender determinados setores conservadores, influenciados, por exemplo, pelas forças religiosas e econômicas, afastando-se do programa político proposto com a finalidade de serem eleitos e causando um retrocesso na proteção dos direitos fundamentais.

Portanto, a inércia parlamentar, a qual atinge em especial as minorias, que não dispõem da influência necessária para alcançar seus objetivos políticos por meio do processo legislativo, especialmente em casos controversos, os quais usufruem de oposição mais intensa, ocasiona a busca destas pessoas pela corte, a fim de verem suas demandas atendidas. Não bastando isso, o Poder Judiciário também surgiu como uma forma de controlar os excessos do Poder Executivo, controle político que deveria ser exercido pelo Legislativo.

Segundo o anteriormente explicitado, GEORGE MARMELSTEIN (2016, p. 3) esclarece o referido “contra-ataque” pode ocorrer de diversas maneiras, tendo como formas de manifestação a revisão legislativa de decisões controversas; a interferência política no processo de preenchimento das vagas nos tribunais e nas garantias inerentes ao cargo, a fim de garantir que sejam indicados somente magistrados desejáveis; aplicação de sanções disciplinares, impeachment ou remoção de juízes tidos como inadequados; introdução de restrições à jurisdição dos tribunais; dentre outras, sempre objetivando limitar a atuação do Poder Judiciário na concretização de direitos fundamentais, quando esta se dá de forma contrária aos interesses das classes políticas dominantes.

 2.4 – As Consequências do Efeito Backlash

Nessa toada de concretização dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário, a adoção de uma postura criativa e proativa, decidindo sobre a singularidade do caso concreto, formando o precedente jurisprudencial, antecipando-se à atuação dos demais Poderes, aos quais incumbia a adoção de medidas implementação de direitos, por vezes vem atrelada a uma reação negativa por parte da sociedade, que é refletida na atuação do Poder Legislativo.

Tudo se inicia com uma questão polêmica – que divide a opinião pública por questões ideológicas – levada à apreciação do Poder Judiciário, cuja solução fica no campo principiológico e interpretativo, incumbindo a este fornecer uma resposta de mérito adequada, por vezes na vanguarda da defesa dos direitos fundamentais.

Isso significa que ao exercer a função jurisdicional o julgador, em especial o STF, está firmando entendimento sobre tema que nem sempre está consolidado na mentalidade social, sendo que muitas vezes, a eventual postura liberal adotada não é bem recebida.

Com isso, começam a surgir críticas por parte das camadas mais conservadoras da sociedade, contrárias ao teor do posicionamento adotado, que, por vezes, a partir de discursos com apelo a argumentos emocionais e puramente ideológicos, alteram a consciência social, influenciando, inclusive, nas decisões políticas tomadas pelo cidadão. Por vezes, essa mudança na mentalidade da sociedade representa influência nas escolhas eleitorais.

A partir disso, os candidatos que aderem ao discurso têm a oportunidade de conquistar um número maior de eleitores e, consequentemente, mais espaço político, sendo, que ocasiona a sua eleição no pleito. Com isso, vencendo as eleições, o grupo conservador acaba por assumir o controle do poder político, conseguindo aprovar leis e outras medidas que correspondam ao seu posicionamento, ocasionalmente contrárias ao posicionamento adotado pelo Poder Judiciário.

Ademais, segundo diversos dispositivos previstos na Constituição, o poder político também influencia a composição dos Tribunais pátrios, já que os membros dos órgãos de cúpula são indicados e aprovados politicamente, de modo que surge a possibilidade para mudança de entendimento dentro do próprio órgão prolator da decisão controversa.

Dessarte, abre-se margem para retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa ainda pior do que a que havia anteriormente, prejudicando os grupos que, supostamente, seriam beneficiados com o entendimento favorável à concretização dos direitos fundamentais.

Esclarecendo as referidas consequências, GEORGE MARMELSTEIN (2016, p. 6) ensina que:

“O processo segue uma lógica que pode assim ser resumida. (1) Em uma matéria que divide a opinião pública, o Judiciário profere uma decisão liberal, assumindo uma posição de vanguarda na defesa dos direitos fundamentais. (2) Como a consciência social ainda não está bem consolidada, a decisão judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados, recheados de falácias com forte apelo emocional. (3) A crítica massiva e politicamente orquestrada à decisão judicial acarreta uma mudança na opinião pública, capaz de influenciar as escolhas eleitorais de grande parcela da população. (4) Com isso, os candidatos que aderem ao discurso conservador costumam conquistar maior espaço político, sendo, muitas vezes, campeões de votos. (5) Ao vencer as eleições e assumir o controle do poder político, o grupo conservador consegue aprovar leis e outras medidas que correspondam à sua visão de mundo. (6) Como o poder político também influencia a composição do Judiciário, já que os membros dos órgãos de cúpula são indicados politicamente, abre-se um espaço para mudança de entendimento dentro do próprio poder judicial. (7) Ao fim do processo, pode haver um retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa ainda pior do que a que havia antes da decisão judicial, prejudicando os grupos que, supostamente, seriam beneficiados com aquela decisão.”

Por conseguinte, uma decisão judicial com intuito de proporcionar direitos e tutelar as minorias, atinge, na verdade, o oposto, gerando, como efeito colateral, a diminuição da proteção e retrocesso, em virtude de insatisfação por parte da população mais conservadora, o que propicia um ambiente possível de derrocar os direitos arduamente adquiridos. O efeito backlash, assim, provoca consequências graves para os beneficiários da decisão judicial polêmica.

2.5 – A Possibilidade de Reversão pelo Judiciário

Como é consabido, o Estado Brasileiro optou por se organizar, no tocante à divisão do Poder central, de acordo com o modelo da Tripartição, no qual o poder estatal se divide nas funções jurisdicional, legislativa e executiva, que por sua vez são exercidas, individualmente, por estruturas independentes de forma típica.

Não obstante, atipicamente, cada um dos Poderes também exerce as demais funções, havendo, ainda, mecanismos de controle, a fim de possibilitar que cada um limite o exercício dos demais, adequando a atuação à Carta Constitucional, que prevê a existência independente e harmônica entre estes (art. 3º da CF/88).

Acerca desse processo constitucional, consistente na convivência entre os Poderes e mecanismos de interferência, bem como a forma de enxerga-lo, a doutrina deu o nome de “Diálogo institucional”, em especial com relação interação entre Cortes Constitucionais e Parlamento na atividade de interpretar e dar sentido à Constituição.

No Direito Brasileiro, acabamos nos acostumando a pensar na separação de poderes como uma divisão de funções que culmina, em último grau, na decisão do guardião da constituição, a corte constitucional. O circuito decisório, portanto, teria um ponto final, uma última palavra, que seria do Poder Judiciário.

Segundo os ensinamentos de DWORKIN (2005, 34), a supremacia judicial é um fato histórico da sociedade americana, que considera o Poder Judiciário como o intérprete final da Constituição.

 Em que pese esse pensamento acima citado, o controle de constitucionalidade tem sua legitimidade democrática questionada, pois um órgão não-eleito prevaleceria sobre o parlamento, composto por representantes eleitos pelo povo, titular do Poder político do Estado.

Sobre a dicotomia de pensamento existente a respeito do responsável por dar a última palavra quando se fala em interpretação do Texto Constitucional, LUIZ FELIPE DA ROCHA AZEVEDO PANELLI (2013, p. 165), citando CONRADO HÜBNER MENDES, esclarece que:

“O debate teórico que se preocupa com a pergunta de quem deve ter a última palavra está preso, portanto, a uma camisa-de-força binária: alguns defendem que a última palavra deveria ser da corte (e as justificativas dessa posição variam), outros defendem que deveria ser do parlamento (a instituição democrática por excelência, conforme um certo consenso histórico que impregnou nossa forma de entender a democracia). Ou um, ou outro. Estaríamos condenados a escolher. O ônus de cada uma dessas posições é bastante pesado, afinal têm que justificar nada mais nada menos do que o direito à última palavra (o que, dada a falibilidade das instituições, corresponderia ao “direito de errar por último”).”

O referido autor salienta que, em sua opinião, mesmo que não esteja absolutamente errada a divisão acima descrita, esta é incompleta e parcial, não conseguindo trabalhar o tema da forma devida.

MENDES exemplifica sua discordância com o seguinte caso concreto, que representa a ocorrência do efeito backlash:

“(…) o STF, conforme o desenho da constituição brasileira, tem a última palavra na interpretação da constituição; entretanto, mesmo depois da declaração de inconstitucionalidade de uma lei, nada impede que o parlamento responda, reaja, desafie a posição do STF.”

Analisando o ordenamento jurídico brasileiro como um todo, especificamente asas disposições constitucionais sobre organização do Poder Político, percebe-se claramente que, em matéria de interpretação da Constituição Federal ou de qualquer outra norma, a última palavra é, no máximo, “provisória”.

A teoria do diálogo institucional ou constitucional é pautada, exatamente, na noção de que não há e nem deve haver um Poder que detenha a última palavra na interpretação do arcabouço jurídico, tendo em vista que todos os poderes são, por excelência, poderes constituídos pela Constituição e coatores no exercício da hermenêutica constitucional, sem que isso implique a supremacia de uma interpretação dada pelo Poder Judiciário sobre a realizada pelos demais.

Por essa razão, admite-se a reação legislativa consistente na reversão de determinado precedente judicial, uma vez que incumbe ao Poder Legislativo a edição de normas, adequando o ordenamento jurídico aos anseios da sociedade. Contudo, não se pode negar que a edição de todo e qualquer ato normativo está sujeita ao controle judicial, por intermédio do controle de constitucionalidade, segundo o qual ao Poder Judiciário caberá avaliar a compatibilidade da norma em face do bloco de constitucionalidade.

Acerca da problemática, é imperioso citar a lição de GEORGE MARMELSTEIN (2015), no sentido de que:

“É preciso ter consciência de que o efeito backlash, mesmo gerando resultados indesejados, faz parte do jogo democrático, o que não deve impedir, obviamente, uma análise jurídica sobre a validade constitucional de qualquer lei aprovada pelo parlamento, seja ela gerada ou não pelo efeito backlash. Também é preciso ter consciência de que o efeito backlash não é um mero processo de medição de forças, em que os juízes disputam com os políticos a prerrogativa de dar a “última palavra” sobre questões sensíveis. Há muito mais em jogo.”

Assim, no caso de reversão jurisprudencial, decorrente de reação legislativa, proposta por meio de emenda constitucional, por exemplo, a invalidação desta poderá ocorrer, desde que nas restritas hipóteses de violação aos limites previstos no art. 60 da CF/88, podendo a emenda ser declarada inconstitucional se ofender uma cláusula pétrea ou o processo legislativo para edição de emendas.

3 – Análise de Casos Concretos

3.1 – Emenda Constitucional nº 96

A vaquejada consiste na prática cultural comum em determinados Estados do nordeste do Brasil – especialmente no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Alagoas e na Bahia –, na qual dois vaqueiros, cada um montado em seu cavalo, perseguem o boi na arena e, depois de emparelhá-lo com os cavalos, tentam conduzi-lo até uma região delimitada, onde deverão derrubar o boi puxando-o pelo rabo.

Na ocasião em que é derrubado, se o boi ficou, ainda que por alguns instantes, com as quatro patas para cima antes de se levantar, o juiz declara ao público “Valeu boi” e a dupla recebe os pontos. Na hipótese de o boi cair, mas não ficar com as patas para cima, o juiz anuncia “Zero”, e a dupla não pontua.

No dia 08 de janeiro de 2013, foi publicada a Lei n° 15.299, responsável por regulamentar a “vaquejada” como prática desportiva e cultural no Estado do Ceará. A norma estabeleceu os critérios para a competição e obrigou os organizadores a adotarem medidas de segurança para os vaqueiros, público e animais.

Contudo, em 18 de junho de 2013, foi ajuizada, pelo então Procurador-Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4983 – CE, de relatoria do Min. Marco Aurélio Mello. Em síntese, o PGR pugnava pela declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 15.299/2013 do Estado do Ceará, alegando a incompatibilidade desta com o Texto Constitucional.

O PGR argumentou que na ação que, com a profissionalização da vaquejada, algumas práticas passaram a ser adotadas, como o enclausuramento dos animais antes de serem lançados à pista, momento em que são açoitados e instigados para que entrem agitados na arena quando da abertura do portão, práticas que acarretam danos e constituem crueldade contra os animais, é vedado pelo art. 225, parágrafo 1º, inciso VII, da CF/88.

A celeuma do julgamento girou em torno de dois pontos principais, ou seja, envolveu o conflito de duas normas constitucionais sobre direitos fundamentais. De um lado, a Constituição, no dispositivo anteriormente mencionado proíbe as práticas que submetam os animais a crueldade. Entretanto, ao mesmo tempo, garante o pleno exercício dos direitos culturais, das manifestações culturais e determina que o Estado proteja as manifestações das culturas populares, art. 215, caput e parágrafo 1º.

Ainda, aumentando as divergências sobre o tema, as associações protetoras dos animais apresentavam duras críticas às vaquejadas, ressaltando o fato de que os bois e cavalos envolvidos sofrem maus tratos e que, com frequência, ficam com sequelas decorrentes das agressões e do estresse que passam.

Já os defensores da atividade aduziam que os animais não sofrem maus tratos e que esta prática é centenária, fazendo parte do patrimônio cultural do povo nordestino, bem como de que se trata de um esporte, cujos eventos geram inúmeros empregos e renda para aquela região do país.

Durante o trâmite da ação, a Procuradoria-Geral da República juntou aos autos laudos técnicos, demonstrando que as vaquejadas provocam diversas consequências nocivas à saúde dos bovinos, tais como fraturas nas patas, ruptura dos ligamentos e dos vasos sanguíneos, traumatismos e deslocamento da articulação do rabo e até seu arrancamento, das quais pode resultar o comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais, dores físicas e sofrimento mental.

Por fim, diante de todos os argumentos aventados pelas partes, em 06 de outubro de 2016, por maioria dos votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu por reconhecer a incompatibilidade da lei em comento com a Constituição Federal, em acórdão ementado da seguinte forma:

VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada (STF. ADI n° 4983 – CE. Relator Min. Marco Aurélio Mello. Julgamento em 06 de outubro de 2016).

A tese prevalente no âmbito da Suprema Corte brasileira era de que a crueldade provocada pela “vaquejada”, mesmo sendo esta uma atividade cultural, obstava a sua permissão, uma vez que a expressão “crueldade” – presente na parte final do inciso VII do parágrafo 1º do art. 225 da CF/88 – engloba a tortura e os maus-tratos sofridos pelos bovinos durante tal prática.

O Pretório Excelso efetuou a ponderação entre os direitos envolvidos na controvérsia e entendeu que, mesmo considerando a importância da vaquejada como manifestação cultural regional, não se pode imunizar a atividade da incidência de outros valores constitucionais, em especial à proteção ao meio ambiente.

Em que pese a relevância do julgamento e dos argumentos que compuseram a discussão e resolução do mérito, o posicionamento adotado pelo STF no julgamento da ADI 4983-CE, restringia-se ao caso do Estado do Ceará, conforme restou estabelecido no julgamento monocrático da Reclamação nº 25869, em 07 de dezembro de 2016, pelo Ministro Teori Zavascki.

Pouco depois do julgamento da ADI supracitada, precisamente em 29 de novembro de 2016, após aprovação pelo Congresso Nacional, foi promulgada a Lei n° 13.364, elevando o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial.

A fim de garantir força jurídica capaz de superar o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a “vaquejada” consistia em prática incompatível com a Constituição, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional n° 96/2017, inserindo o parágrafo 7º no art. 225, o qual dispõe, in verbis:

“(…) § 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.”

Pelo exposto, exsurge evidente que a edição da Lei nº 13.364/2016 e promulgação da EC nº 96/2017, de acordo com MÁRCIO A. L. CAVALCANTE (2017), configura um exemplo perfeito da ocorrência do efeito backlash.

No caso em tela, verifica-se, nitidamente, a presença de uma decisão polêmica da Corte Constitucional – na qual houve a interpretação em favor da concretização de determinado direito fundamental – e, posteriormente, reação da camada conservadora da sociedade, com maioria no Poder Legislativa, culminando na edição de normas que revertem o posicionamento adotado pelo Judiciário, representando um retrocesso na proteção do meio ambiente. 

O jurista acima citada ressalva, ainda, a possibilidade de declaração da inconstitucionalidade da EC nº 96, asseverando que “este será um belíssimo e imprevisível debate”. Caberá ao STF, caso provocado, decidir se a proibição de que os animais sofram tratamento cruel, contida no art. 225, parágrafo 1º, inciso VII, da CF/88, pode ser considerada como uma garantia individual, apta a dar ensejo ao reconhecimento da incompatibilidade com as normas constitucionais originárias, nos termos do art. 60, parágrafo 4º, inciso IV, do Texto Constitucional.

3.2 – Lei nº 13.655/2018

Foi publicada no dia 26 de abril de 2018 a Lei nº 13.655, responsável por incluir no Decreto-Lei nº 4.657/1942 – popularmente conhecida como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.

A lei é fruto de um projeto apresentado pelo Senador Antonio Anastasia e que foi elaborado pelos Professores Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto.

A Lei nº 13.655/2018 inseriu na LINDB os art. 20 a 30, dispondo sobre regras para segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público, composto, especificamente, pelas matérias de Direito Administrativo, Financeiro, Orçamentário e Tributário, de forma que tais regras não tem aplicabilidade no que concerne a temas de direito privado.

Dentre as alterações de maior relevância, tem-se o art. 20 da LINDB, cuja análise é pertinente na presente pesquisa, o qual dispõe acerca da impossibilidade de decidir, nas esferas administrativa, controladora e judicial, com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam levadas em conta as consequências práticas da decisão.

O aludido dispositivo tem por finalidade reforçar a ideia de responsabilidade decisória estatal nas hipóteses de incidência de normas jurídicas indeterminadas, as quais sabidamente admitem diversas hipóteses interpretativas e, portanto, mais de uma solução para cada caso concreto.

Nesse sentido, o dispositivo veda decisões com motivações decisórias vazias, apenas retóricas ou meramente principiológicas, sem análise prévia de fatos e de impactos, obrigando o responsável pelo ato decisório a avaliar, na fundamentação, a partir de elementos idôneos, as consequências práticas de sua decisão.

Ainda, o parágrafo único do art. 20 determina que todas as decisões, sejam elas proferidas pelos órgãos administrativos, controladores ou judiciais, devem ser motivadas. Sendo que, o administrador, conselheiro ou magistrado quando for impor alguma medida ou invalidar ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá demonstrar que a decisão tomada é necessária e a mais adequada, esclarecendo, inclusive, as razões pelas quais não são cabíveis outras possíveis alternativas.

O motivo da introdução do referido artigo na LINDB é a existência, na Constituição Federal, de diversos “valores jurídicos abstratos”, tais como “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1º, IV), “moralidade” (art. 37, caput), “bem-estar e a justiça sociais” (art. 193), “meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225). Referidos valores, comumente, são classificados como princípios, por serem normas com um alto grau de abstração, maior que as regras.

No atual período vivenciado pelo Direito Brasileiro, denominado “pós-positivismo”, uma de suas características marcantes é o reconhecimento da “normatividade primária dos princípios constitucionais”, também conhecida como força normativa dos princípios. Em outras palavras, hoje, tais postulados são tidos como normas jurídicas, ao lado das regras, e podem ser invocados para controlar a juridicidade da atuação do Estado.

É com fulcro na força normativa dos princípios constitucionais que o Poder Judiciário, tem condenado o Poder Público a implementar uma série de medidas destinadas a assegurar direitos que estavam sendo desrespeitados, ou mesmo suprir omissões do Poder Legislativo.

O intuito do Legislador, com a edição da norma em comento, foi, indiretamente, tolher o “ativismo judicial” em matérias envolvendo implementação de direitos, colocando obstáculos à tomada de decisões proferidas com fundamento em princípios constitucionais, ou seja, com base em “valores jurídicos abstratos”.

De fato, o dispositivo se mostra como um condicionante criado pelo legislador, cujo papel seria restringir a força normativa dos princípios, que somente podem ser utilizados para fundamentar uma decisão se o julgador considerar “as consequências práticas da decisão”.

Trata-se, assim, de mais um exemplo da ocorrência do efeito backlash no Direito Brasileiro, com uma reação retrógrada à força normativa dos princípios constitucionais, com a imposição de limitadores ao Poder Judiciário e seu protagonismo na concretização dos direitos fundamentais.

Conclusão

Estabeleceu-se, inicialmente, que o neoconstitucionalismo seria o termo empregado para designar o conjunto de mecanismos normativos e institucionais que limitam os poderes do Estado, tutelando os direitos fundamentais, de forma a representar um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no Direito Constitucional. Ainda, esclareceu-se que esse novo pensamento se reflete no conteúdo das Constituições, as quais passam a prever valores em seus textos, principalmente aqueles atrelados à dignidade da pessoa humana.

Com isso, considerando a ênfase que passou a ser dada aos direitos fundamentais, tem-se que a jurisdição constitucional ganhou novos contorno, passando a ser atribuição do Poder Judiciário, juntamente com os demais, proteger os direitos fundamentais, dando ensejo ao surgimento do “Ativismo Judicial”, uma das características fundamentais das sociedades democráticas contemporâneas, a qual exsurge evidente da análise do protagonismo do Poder Judiciário.

Segundo restou demonstrado, o neoconstitucionalismo deu ensejo ao “Ativismo Judicial”, consistente na postura adotada pelo Poder Judiciário e seus membros, manifestada na atuação criativa dos tribunais, trazendo uma contribuição nova para o direito, a fim de decidir sobre a singularidade do caso concreto, formando o precedente jurisprudencial, antecipando-se à formulação da própria lei. Refere-se, assim, a uma escolha de um determinado magistrado que visa buscar através de uma atividade hermenêutica jurídica expansiva, a concretização da força normativa do texto constitucional, de forma a garantir o direito das partes de forma rápida, e atendendo às soluções dos litígios e às necessidades oriundas da omissão legislativa e, por vezes, do Executivo.

Não obstante existirem correntes contrárias ao instituto, percebe-se que o Poder Judiciário é dotado de competência e legitimidade para, quando necessário, se comportar de forma proativa, considerando o contexto do neoconstitucionalismo, bem como a dignidade da pessoa humana, devendo preservar um mínimo existencial, ou seja, uma eficácia mínima de direitos fundamentais assegurados pelo legislador constituinte, defendendo o ordenamento jurídico, que, afinal de contas, é sua função precípua.

Ainda, coube aqui demonstrar que a hiperjudicialização de questões cujas competências seriam, originalmente, dos Poderes Legislativo e Executivo, assim como o protagonismo do Poder Judiciário frente aos demais, tem gerado embate e, em resposta, abre espaço para o efeito backlash, o qual pode ser resumido na reação conservadora de parcela da sociedade ou das forças políticas diante de um provimento jurisdicional liberal relativo a determinado tema cercado de controvérsias.

Constatou-se que determinado decisium, em virtude da posição de vanguarda na promoção dos direitos fundamentais adotada, visando tutelar as minorias, ocasionalmente, atinge, o efeito contrário. Em determinadas situações a insatisfação gerada pela posição inovadora e consequente reação das camadas conservadoras da sociedade, com representatividade no governo, provocam uma verdadeira diminuição da proteção e retrocesso, o que propicia um ambiente possível de derrocar os direitos até então adquiridos.

Pela análise dos casos concretos, é possível perceber a nocividade do referido efeito. Fica claro que a reversão das decisões judiciais, cujo objetivo é a concretização da própria Constituição Federal e garantias por ela conferidas, representa um retrocesso para o ordenamento jurídico como um todo e para a sua interpretação, o que fragiliza os direitos fundamentais em si mesmos.

.Nessa toada, demonstrou-se que, nas palavras do ilustre jurista GEORGE MARMELSTEIN – anteriormente citado – é necessário, acima de tudo, a compreensão de que o efeito backlash, apesar de trazer resultados indesejados, é inerente ao próprio Estado Democrático de Direito. Contudo, não obsta, de formal alguma, posterior análise jurídica sobre a validade constitucional de qualquer lei aprovada pelo parlamento ou de qualquer ato normativo editado pelo Executivo, gerados ou não em virtude deste, o que, a depender do caso, pode ocasionar instabilidade e insegurança jurídica.

Fica claro que o efeito backlash vai além de uma mera discussão entre juízes e políticos sobre quem detém a prerrogativa de dar a “última palavra” no que concerne a questões sensíveis e controversas, pois sua manifestação traz repercussões consideráveis.

O referido jurista (2015) salienta, inclusive, que:

“Se não tivermos uma compreensão clara sobre os fatores que influenciam a legitimidade do poder, sobre o tipo de soluções institucionais que desejamos, sobre o papel da legislação e da jurisdição, com todos os seus defeitos e virtudes, dificilmente conseguiremos resolver os conflitos que surgem da constante tensão que existe entre o direito e a política, que está na base do problema aqui tratado.”

Com isso, não restam dúvidas de que o problema será solucionado apenas com o estudo aprofundado de tais fenômenos e disseminação das conclusões para a população como um todo, a fim de que, munida de conhecimento sobre tais temas de extrema relevância, passem a escolher representantes aptos a exercer o poder político de acordo com as necessidades da sociedade, sem defender interessem conservadores de determinados segmentos, em detrimentos dos menos favorecidos, criando obstáculos à efetivação dos direitos fundamentais.

 

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Informações Sobre o Autor

José Rubens Macedo Paizan Silva

Advogado. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá


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