O Voto de Qualidade nos Tribunais e Conselhos Administrativos de Julgamento Tributário e Questões Correlatas

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Anselmo Zilet Abreu – Doutorando e Mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC/SP; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário; Auditor Fiscal Tributário do Município de São Paulo; Conselheiro do CMT/SP Biênio 2014-2016.

Resumo: Busca-se, por meio de pesquisa bibliográfica e legislativa, analisar se o voto de qualidade, bem como a decisão em favor do contribuinte, nos casos de empate nos julgamentos administrativo-tributários realizados pelos órgão paritários de julgamento se adéquam às garantias previstas na Constituição, relacionando-os com outras questões do processo administrativo tributário que lhes são conexas. Chega-se á conclusão, que, como o Estado brasileiro se fundamenta nos princípios da igualdade, da isonomia e do devido processo legal, o voto de qualidade exclusivo dos representantes da Fazenda não se coaduna com o modelo constitucionalmente exigido, e o mesmo ocorre com a decisão favorável sempre para um dos lados em caso de empate, devido à falta de isonomia no tratamento das partes no processo.

Palavras-chave: voto de qualidade; voto de desempate; julgamento paritário; processo administrativo-tributário.

 

The swing vote in the courts and councils administrative of tax judgment and related issues

Abstract: It seeks, through bibliographic and legislative research, analyze if the swing vote, as well as the decision in favor of the taxpayer, in cases of a tie in administrative-tax judgments, carried out by the the parity judgment bodies, fit the guarantees provided for in the Constitution, relating them to other issues of the administrative tax process related to them. It is concluded that, as the Brazilian State is based on the principles of equality, equality and due processo of law, the exclusive tiebreak vote of the representatives of the State, does not agree with the constitutionally required model, and the same happens with the favorable decision always to one side in case of a tie, due to the lack of equality in the treatment of the parties in the process.

Keywords: swing vote; tiebraker vote; patiry judgement; administrative-tax process

 

Le vote prépondérant aux cours et conseils de jugement fiscal et questions connexes

Résumé: Il recherche, à travers des recherches bibliographiques et législatives, analyser si le vote prépondérant, ainsi que la décision en faveur du contribuable, en cas d’égalité dans les jugements fiscaux administratifs, effectuées par les organes de jugement paritaires, respecter les garanties prévues par la Constitution, les relier à d’autres questions du processus fiscal administratif lié à eux. On conclut que, comme l’État brésilien est fondé sur les principes d’égalité, et de la procédure légale, le vote prépondérant exclusivement des représentants du Trésor n’est pas conforme au modèle constitutionnellement requis, et la même chose se produit avec la décision favorable toujours d’un côté en cas d’égalité, en raison du manque d’égalité dans le traitement des parties dans le processus.

Mot-clé: vote prépondérant; vote décisif; jugement paritaire; processus administratif et fiscal.

 

Sumário: Introdução. 1. Princípios constitucionais e o modelo de processo administrativo-tributário requerido pela CF/88. 2. O voto de qualidade e a decisão em prol do contribuinte. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O artigo 28 da Lei 13.988/2020, ao acabar com o voto de qualidade no CARF, quando houver empate nos julgamentos administrativo-tributários na segunda instância de julgamento da União, trouxe um novo debate e uma série de questionamentos a uma questão que já possuía divergências e uma acalorada discussão.

De acordo com o dispositivo, de agora em diante, em caso de empate no julgamento colegiado, deve-se favorecer o pleito do contribuinte, ou seja, havendo empate nos julgamentos do CARF, que é um órgão paritário, deve-se cancelar ou reduzir o crédito tributário.

Os questionamentos quanto a essa nova maneira de solução para o empate se referem a que: a decisão em favor do contribuinte afrontaria a Constituição Federal de 1988 e o CTN, que na função de lei complementar tributária regula o lançamento e o crédito tributário, já que o voto de qualidade permitiria que a Administração Tributária desse a palavra final quanto à constituição do crédito tributário, conforme o art. 142 do CTN; haveria ofensa à igualdade, pois em caso de decisão contrária ao contribuinte, o mesmo pode levar a questão ao Judiciário, o que não é possível, de acordo com a maioria da doutrina e a jurisprudência dominante, para a Fazenda Pública, para a qual a decisão final do processo administrativo-tributária em caso de decisão favorável ao contribuinte é definitiva; a decisão em favor do contribuinte não encontra apoio na legislação, sendo que o art. 112 do CTN somente se aplica à infrações e penalidades, mas não ao tributo em si; deixarão de entram valores de tributos que farão falta aos cofres públicos.

Anteriormente, em caso de empate, resolvia-se a questão com o voto de qualidade, dado pelos presidentes das turmas e câmaras julgadoras, que são, invariavelmente, ocupados por representantes da Fazenda Nacional, nos termos do §9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235/72[1]. Questionava-se quanto a essa forma de solução dos julgamentos com empate, que a mesma ofenderia à Constituição Federal, devido a quebra da igualdade, e pela ofensa ao princípio da isonomia e à paridade de armas[2]. Essa questão do voto de qualidade está sendo questionada pela OAB, por meio da ADI 5731, justamente com o fundamento de que fere a isonomia e a paridade de armas.

Ambas as formas de solução são questões processuais, e ao que parece as duas possuem problemas relacionados à igualdade e à paridade de armas, sendo que a do voto de qualidade pende para o lado do Fisco, e a trazida pela Lei 13.988/2020, que também já é objeto de questionamento judicial (ADI 6.403), vai em favor do contribuinte.

Pretende-se, sem a pretensão de esgotar o assunto, cuja complexidade requer um estudo bastante aprofundado, analisar se tais soluções se coadunam com o modelo de processo tributário requerido pela Constituição Federal, e, além disso, considerando o modelo constitucional de processo tributário, verificar se realmente o tão debatido voto de qualidade é o maior dos problemas no julgamento administrativo-tributário.

 

1. Princípios constitucionais e o modelo de processo administrativo-tributário requerido pela CF/88

De acordo com a Constituição Federal de 1988, há uma série de garantias ao contribuinte que devem ser observadas no âmbito processual, inclusive no bojo do processo administrativo-tributário. Dentre essas garantias destacam-se: o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII) e, acima de tudo, o respeito à igualdade, a qual é exaltada no preâmbulo da própria CF/88, e constitui-se, conforme previsto no caput do art. 5º, como um princípio basilar de nosso sistema constitucional.

O direito a um processo administrativo consentâneo com Constituição advém de duas garantias do cidadão: o direito de petição aos Poderes Públicos (art. 5º, XXXIV, “a”) e o contraditório e a ampla defesa em processo judicial ou administrativo (art. 5º, LV). Com a expressão “poderes públicos”, a CF/88 traz o direito de peticionar ao Poder Executivo, e dentro deste à Administração Tributária, e, a garantia ao contraditório e à ampla defesa em processo administrativo, implica que os contribuintes podem reagir contra os atos praticados pela Administração Pública, questionando-os à mesma, buscando a obtenção de uma decisão a respeito, por meio de um processo administrativo que deve se desenrolar com a observância dos princípios processuais constitucionais.

No campo tributário, esse questionamento dos atos administrativos (notadamente de lançamentos tributários), instaura o processo administrativo-tributário, a etapa contenciosa (processual), que  se caracteriza pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses (MARINS, 2016, p. 139) modificando-se a atividade administrativa de procedimento para o processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com um ato praticado pela Administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que lhe cause gravame.

E, garantido o acesso à discussão administrativa do crédito tributário, tal discussão deve de dar dentro de um processo que observe o devido processo legal, isto é, dentro de um processo legal, justo e adequado. Para tanto, necessário que haja um efetivo contraditório e que seja assegurada a ampla defesa, com o uso de todos os meios e recursos a ela inerentes, como manda o art. 5º, LV da CF/88, sendo vedada a previsão de dispositivos ou a criação de mecanismos que os impeçam ou dificultem, e, além disso, para haver um processo justo e haver a possibilidade de uma defesa efetiva, impõe-se o respeito à igualdade e a isonomia de tratamento das partes.

Com fundamento nos princípios e garantias constitucionais, os artigos 5º ao 7º do CPC/2015, o qual é aplicável subsidiária e supletivamente ao processo administrativo-tributário[3], explicitam um modelo cooperativo de processo, e fixam a necessidade de haver igualdade entre as partes.

Dada a relevância dos princípios invocados, reproduz-se os dispositivos do Código:

“Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.” (grifos nossos)

Conforme já afirmado em outra ocasião (ABREU, 2019, p. 137), as normas veiculadas em tais dispositivos são decorrentes do modelo de processo requerido pelo sistema constitucional brasileiro, e seus fundamentos estão nos direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º da CF/88, de modo que é imperativo que esse modelo constitucional de processo seja adotado no processo administrativo-tributário, Afinal, a isonomia, a paridade de tratamento e a igualdade informam toda a Magna Carta.

Segundo CARRAZZA (2017, p. 93) e BECHO (2015, p. 345-346), o princípio republicano já impõe a observância da igualdade, pois o Brasil é uma república, um tipo de governo fundado na igualdade formal das pessoas. E ainda explica BECHO (2015, p. 345), que a afirmação na Constituição de que o Brasil é uma república pode ser vista como uma decisão principiológica, gerando efeitos sobre todo nosso ordenamento jurídico.

Tais efeitos se projetam nos princípios da isonomia e da igualdade. E, como bem afirmou BORGES (1990, p. 34), a isonomia não apenas permeia toda a Constituição, “ela é o próprio texto constitucional”. Logo, qualquer modelo de processo administrativo-fiscal que coloque o contribuinte em desvantagem, ou não lhe confira paridade de armas com o sujeito ativo, é inconstitucional. E, o mesmo pode-se dizer de um modelo que coloque o sujeito ativo em desvantagem, pois restaria ofendida a isonomia, a qual requer igualdade de tratamento e igualdade de condições para as partes.

O respeito a tais princípios processuais tem sede constitucional, e não podem ser relevados nem nas leis que regulam o processo administrativo-tributário, nem no curso dos julgamentos realizados no âmbito administrativo.

Tendo isso em mente, segue a análise das duas soluções questionadas em caso de empate quando do julgamento pelos órgãos paritários que se ocupam em julgar em segunda instância os processos administrativos-ficais, bem como sua relação com outras questões do processo administrativo-tributário.

 

2. O voto de qualidade e a decisão em prol do contribuinte nos órgãos de julgamento paritários

Antes de se discutir a questão do voto de qualidade, deve-se atentar que a existência do mesmo já significa um grande avanço no processo administrativo-fiscal, nos entes que há tal previsão, pois significa que ao menos existe um julgamento administrativo-tributário com duplo grau, em que a segunda instância é exercida por um órgão colegiado e paritário (com o mesmo número de representantes do Fisco e dos contribuintes).

Isto porque, infelizmente, há no Brasil uma grande quantidade de entres tributantes, mormente de municípios pequenos, que não possuem condições de manter uma estrutura de um tribunal administrativo, caso em que, as duas instâncias administrativas costumam ser garantidas com um recurso decidido pela autoridade superior à que decidiu anteriormente.

E mesmo nos entes tributantes em cuja estrutura a segunda instância do processo administrativo-fiscal é julgada por um órgão colegiado, há diversos entes nos quais não há paridade entre os representantes do Fisco e dos contribuintes nas câmaras julgadoras, ou na Câmara Superior, havendo maioria de representantes da Fazenda, e outros em que mesmo havendo o órgão colegiado, ainda há uma terceira instância decidida por Secretários de Fazenda, em caso de decisão contrária ao sujeito ativo[4].

Portanto, o fato de haver órgãos paritários, como é o caso do CARF na União, do TIT no Estado de São Paulo, do CMT no Município de São Paulo, bem como em diversos estados, já é um grande passo para que se possibilite a igualdade entre as partes e a paridade de armas, bem como à real oportunidade de defesa dos contribuintes administrativamente.

Todavia, apenas a existência de julgamentos por órgão paritários não basta para que efetivamente o processo administrativo-tributário se desenvolva conforme requer a Constituição.

Dentro desse contexto, com os julgamentos paritários é que surge a necessidade de como resolver os casos de empate, já que o número de componentes das câmaras é par, metade de representantes do Fisco e metade de representantes dos contribuintes.

Em geral a legislação de regência do processo administrativo-fiscal dos entes opta, no caso de empate, pelo voto de qualidade, voto este dado pelo presidente da câmara julgadora. O grande problema disso, é que na grande maioria, apenas os representantes da Fazenda é que podem ser presidentes de câmara, isto é, sempre que houver empate, será o representante do fisco que dará a palavra final.

A previsão de voto de qualidade para solucionar os casos de empate, quando os presidentes de turmas e câmaras sejam exclusivamente representantes do Fisco, causa um desequilíbrio na relação processual, ferindo o princípio da isonomia, já que não há paridade de tratamento.

Essa questão da paridade de tratamento entre as partes no processo administrativo-tributário é um problema de nível nacional, transbordando o julgamento administrativo-tributário da União, e abrangendo Estados e Municípios, pois, mesmo quando há a paridade entre representantes do Fisco e dos contribuinte, na maioria dos entes, em caso de empate o voto de minerva cabe ao representante da Fazenda.

Pensando-se agora na opção trazida pelo artigo 28 da Lei 13.988/2020 para o CARF, a decisão favorável ao contribuinte em caso de empate, também apresenta problemas. E o problema não se refere a entrar ou deixar de entrar numerário nos cofres públicos, nem a que o lançamento compete à Administração Tributária, devendo essa dar a palavra final.

Quanto ao impacto nos cofres públicos trata-se de argumento de consequencialismo econômico, o qual deve ser considerado com severas restrições, pois a escolha de valores que definem a exigência do tributo não pode ser baseada preponderantemente em argumentos econômicos. Devem, ao contrário, prevalecer valores alçados a garantias e limites à tributação pela CF, já que a tributação é vinculada, de modo que somente podem ser exigidos os tributos autorizados pela Constituição, e nos limites impostos por ela, o que é uma exigência do próprio Estado de Direito.

Ou seja, o foco deve ser se o tributo é, ou não, devido, e não se vai deixar, ou não, de entrar recursos nos cofres públicos. E, quanto a isso, nem a decisão favorável ao contribuinte, nem o voto de qualidade traz uma solução perfeita para o problema.

Já com relação a que o lançamento competiria à Administração Tributária, nos termos do art. 142 do CTN, verifica-se, considerando a teoria dualista da constituição do crédito tributário, representada, dentre outros, por Roque Antonio Carrazza, Paulo de Barros Carvalho e Alberto Xavier, que o lançamento reputa-se efetuado pela autoridade administrativa quando esta lavra um auto de infração ou efetua a notificação de lançamento e os notifica ao contribuinte, procedimento este que é privativo da Administração Tributária. A partir daí, da notificação do lançamento ao contribuinte, o crédito tributário encontra-se constituído, abrindo-se prazo para sua impugnação pelo contribuinte, a qual, se efetivada no prazo legal, suspende a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III do CTN) e inicia a fase litigiosa do procedimento administrativo. Essa etapa contenciosa (processual), segundo MARINS (2016, p. 139) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela Administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato, que no seu entender, lhe cause gravame.

Assim, o que ocorre após a notificação do lançamento, realizado nos termos do CTN, inclusive quanto a qual o procedimento e as modalidades de tomada de decisões no julgamento administrativo em segunda instância, é regulado pela legislação do processo administrativo-tributário de cada ente tributante, tendo em vista que não há legislação complementar que regule o processo administrativo-fiscal. Devem, todavia, tais legislações observarem os princípios e garantias constitucionais que devem informar o processo, seja este judicial ou administrativo, especialmente aquelas ligadas à igualdade, ao contraditório, à ampla defesa, à imparcialidade, à razoável duração do processo, ao devido processo legal e à segurança jurídica. Logo, o que se deve avaliar quanto às soluções processuais em caso de empate no julgamento administrativo pelo colegiado paritário, seja esta decisão pelo voto de qualidade, seja a decisão em favor do contribuinte, é se estas atendem ou ofendem estes princípios constitucionais.

A opção pela decisão favorável ao contribuinte, não tem base no CTN quanto ao tributo em si, pois o art. 112 de tal diploma legal, refere-se tão somente a questões de infrações e de cominação de penalidades, mas não quanto à obrigação principal relativa ao tributo devido.

Mas, este não é o principal problema quanto à adoção dessa solução no caso de empate. O que se afronta na verdade, assim como quando o voto de qualidade é proferido sempre pelo representante do Fisco, é a isonomia, a igualdade e a paridade de armas. E isto não se dá pelo fato de que a Fazenda Pública não pode se socorrer do Judiciário no caso da decisão administrativa ser favorável ao contribuinte. A despeito de algumas legislações dos entes tributários trazerem previsões nesse sentido, e da previsão do art. 156, IX do CTN quanto à extinção do crédito tributário pela decisão administrativa irreformável, o fato de o Fisco não poder tentar reverter a decisão admistrativo-tributária em seu desfavor junto ao Judiciário deve-se a uma questão lógica, ligada à teoria do órgão[5], pois o Conselho ou Tribunal Administrativo é o próprio ente tributante tomando a decisão, em seu último grau. Afinal, o Conselho ou Tribunal Administrativo Tributário não é alheio à União, ao Estado, ao Município ou ao Distrito Federal, pelo contrário, faz parte de suas estruturas. Em consequência, admitir-se que a decisão administrativa-tributária, tomada por seu órgão de última instância, que fora aí instituído pela lei do próprio ente tributante, seja questionada pelo ente tributante no Judiciário, seria admitir que tal ente tributante sofra de transtorno bipolar.

Entretanto, a previsão trazida pelo art. 28 da Lei 13.988/2020, padece de inconstitucionalidade por não possibilitar ao Fisco as mesmas armas que passa o contribuinte a possuir. Pende-se, também, a balança para apenas um dos lados, ofendendo a isonomia e a paridade de armas entre as partes contrapostas no julgamento administrativo-tributário.

Ocorre que, como visto, essa mesma ofensa a tais princípios constitucionais, quiçá num grau menor ou de uma forma mais oculta, ocorre com a solução pelo voto de qualidade, na forma que era previsto no julgamento do CARF e como é previsto na legislação de diversos Estados e Municípios, com o voto de minerva cabendo sempre ao representante do Fisco, pois assim,  não são conferidas iguais chances aos sujeitos do processo, do mesmo modo que se a decisão, no caso de empate, for sempre favorável ao contribuinte.

Conforme assinala BUENO (2017, p. 103), o art. 7º do CPC, em consonância com o texto constitucional, assegura em primazia o princípio da isonomia sem deixar de evidenciar o princípio do contraditório, discorrendo que paridade está no sentido de serem conferidas iguais chances aos sujeitos do processo. E é justamente isso que se desatende.

Pode-se alegar que o julgador representante da Fazenda deveria julgar com imparcialidade, possuindo liberdade de convencimento, dentro das balizas das previsões legais, devendo velar pela legalidade do lançamento, afinal, todos os julgadores, sejam representantes do Fisco, sejam representantes dos contribuintes, têm o dever constitucional de desenvolver suas funções com boa-fé e de forma cooperativa.

A legislação dos entes tributantes até costumam prever a independência na função de julgamento, como no TIT/SP (art. 54 da Lei 13.457/2009) e no CMT/SP (art. 52 da Lei 14.107/2005). No entanto, difícil de se acreditar em imparcialidade quando o representante do Fisco faz parte da estrutura do sujeito ativo, sendo um funcionário sujeito à hierarquia e sem qualquer garantia que lhe permita realmente julgar com livre convencimento.

Para que a independência na função de julgamento seja efetiva, e haja um julgamento com imparcialidade, algumas garantias deveriam ser asseguradas aos julgadores, como, por exemplo, a de que ao finalizar seus mandatos possam retornar a suas lotações e funções de origem, do contrário, os mesmos podem sofrer pressões, haja vista sua subordinação hierárquica, e não julgar com real independência. Além disso, tal garantia ainda tornaria mais atrativo aos servidores se candidatarem para o preenchimento das vagas de conselheiros representantes da Fazenda, como também apontam DANIEL NETO e RIBEIRO (2020).

Afora isso, obviamente que por mais que o julgador administrativo pudesse ser imparcial, o mesmo não é neutro. Como enuncia BARROSO (2008, p. 8), a neutralidade, entendida como um distanciamento absoluto é uma ficção, pois pressupõe um operador do direito isento das complexidades da subjetividade e das influências sociais, ou seja, um operador sem história, sem memória e sem desejos.

E, justamente no caso do julgador administrativo essa falta de neutralidade tem um potencial grande de maximização, já que o julgador, representante da Fazenda, é funcionário desta, havendo diversos interesses em jogo, e incidindo um grande peso das interpretações adotadas pelo Fisco, sendo que a história e a memória desse julgador está intrincada com seu papel desenvolvido em suas atividades funcionais, o que influencia em sua subjetividade e em suas escolhas dentre as possíveis interpretações que o direito tributário enseja.

O papel do intérprete incumbido da função de julgamento, será, também, realizar um ato de vontade, uma escolha dentre as que se apresentam (KELSEN 2000, p. 247), até mesmo porque, não há uma objetividade no Direito independente do ponto de vista e da vontade do observador (do intérprete/aplicador do Direito), não havendo sempre uma única solução possível e insofismável para cada caso, havendo no Direito um conjunto de possibilidades interpretativas que o relato da norma oferece (BARROSO, 2008, p. 9).

Vale lembrar a lógica jurídica é diversa da lógica formal, do silogismo formal, baseado na inferência das premissas maior e menor para se chegar à conclusão da causa. A lógica formal, como explica PERELMAN (2004, p. 01-09), se aplica às ciências naturais, nas quais numa análise silogística, se as premissas forem verdadeiras, é impossível que a conclusão seja falsa, desde que o raciocínio seja feito corretamente. Já a lógica jurídica, ou raciocínio jurídico, pelo contrário, refere-se a um raciocínio dialético, que não se refere às demonstrações científicas das ciências naturais, mas sim, às deliberações e às controvérsias, dizendo respeito aos meios de persuadir, de convencer pelo discurso, com a função de levar a uma decisão, isto é, trata-se de um raciocínio de adesão.

Verifica-se que mesmo a corrente positivista não prega uma interpretação mecânica, admitindo a consideração de mais de uma possibilidade de solução, tanto que KELSEN (2000,p. 247) define a interpretação como um ato de conhecimento e ao mesmo tempo de vontade, trabalhando com a ideia da moldura ou quadro, na qual coexistem algumas opções válidas e ajustadas ao ordenamento jurídico. A tarefa do Direito positivo, segundo KELSEN (2000, p. 249), é a interpretação para fixar a moldura, mas dentro dessa, pode haver mais de uma escolha possível, e a escolha é realizada pelo aplicador do Direito, por um ato de vontade, afeto à política do Direito.

Assim, deixar que a solução dos casos de empate nos julgamentos administrativo-tributários sempre seja definida por um representante da Fazenda, inserido e influenciado pelo contexto que suas funções e a hierarquia proporcionam, é desequilibrar a igualdade e a paridade de tratamento na relação processual, posto que há grandes chances de haver uma inclinação para que os representantes da Fazenda pendam para defender os interesses e as interpretações adotadas por esta, posto que o mesmo inserido no ambiente do sujeito ativo e sujeito às influências deste, podendo-se levar à decisões consequencialistas voltadas às necessidades de arrecadação e de uma relevância exagerada à supremacia do interesse público.

Pragmaticamente, segundo dados dos Resultados gerais do CARF – 1º semestre de 2016 (FGV/SP, 2017), em pesquisa realizada com acórdãos da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF/CARF publicados até 30/06/2016, em todos os julgamentos de mérito das turmas da CSRF, resolvidos por voto de qualidade, a Fazenda Nacional foi a vencedora, do que se infere certa falta de isonomia.

Entretanto, o mesmo problema de falta de isonomia ocorreria se a decisão sempre coubesse a um dos representantes dos contribuintes, e o mesmo ocorre com a decisão sempre em favor do contribuinte, como trazida pela novel legislação que alterou as normas processuais no âmbito do CARF.

Uma solução possível e que constitui um grande avanço no processo administrativo-fiscal é a adotada pela legislação do Estado de São Paulo, que rege a segunda instância administrativa a cargo do Tribunal de Impostos de São Paulo – TIT/SP[6], assim como pelos Estados  do Rio de Janeiro[7], Rio Grande do Sul[8] e Santa Catarina[9], nos quais tanto os representantes da Fazenda como os representantes do contribuintes podem ser presidentes de câmaras, e mesmo da Câmara Superior ou Tribunal Pleno, e proferir voto de desempate, o que importa, pelo menos formalmente, no respeito à isonomia entre as partes e a igualdade de condições no processo administrativo-tributário.

Nesse tocante, o artigo 11 da Lei Complementar 465/2009 prevê, que na composição do Tribunal Administrativo Fiscal – TAT de Santa Catarina, o Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal serão pessoas equidistantes da Fazenda Pública e dos contribuintes, zelando mais ainda pela paridade entre as partes.

Ademais, há ainda, dentre eles, aqueles que preveem um recurso ao Tribunal Pleno ou Câmara Superior em caso de decisão das câmaras julgadoras por voto de desempate, como, por exemplo, no Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais – TARF do Estado do Rio Grande do Sul[10] e no Tribunal Administrativo Tributário – TAT do Estado de Santa Catarina[11], dando mais uma oportunidade, para a parte que foi vencida (seja o sujeito ativo ou o contribuinte) por um voto de desempate rediscutir a questão.

Realmente o voto de desempate quando sempre seja proferido por um representante da Fazenda não se coaduna com os princípios constitucionais da igualdade e da isonomia e com a necessidade de se garantir a paridade entre as partes, lembrando-se, conforme BUENO (2017, p. 103) que paridade está no sentido de serem conferidas iguais chances aos sujeitos do processo.

Todavia, pode-se dizer que o voto de qualidade em si não é o maior problema dos conselhos de julgamento administrativo-tributário.

Primeiramente, porque, se se admite que haja julgamento em segunda instância por órgãos que não sejam paritários, ou ainda, que existam situações em que a segunda instância é julgada pela autoridade imediatamente superior, fica difícil de se apontar como um problema crucial do processo administrativo-tributário, nos órgão paritários, que o empate seja decidido sempre por um representante da Fazenda.

Não obstante a peculiaridade de nosso sistema tributário em que há mais de 5.700 entes com competência tributária e capazes de legislar sobre processo administrativo-fiscal, muitos do quais não possuem condições para manter a existência de um órgão paritário para cuidar da segunda instância de julgamento, seria bem-vinda a previsão do inciso IV do art. 2º do PLP 384/2014, de que o julgamento em segunda instância deva ser realizado por órgão colegiado e paritário, pois somente assim seria possível proporcionar pelo menos um pouco de igualdade de tratamento aos contribuintes em relação ao sujeito ativo.

Quiçá, uma solução para o problema de estrutura fosse a realização de convênios entre os entes tributantes, quando estes não possuem condições de manter uma estrutura processual com órgãos colegiados e paritários, para que os julgamentos sejam realizados por um órgão paritário. No entanto, não há no Brasil nem mesmo uma base de legislação de processo administrativo-tributário padrão para todos os entes tributantes, sem embargo de outra discussão, que seria se isso interferiria em suas competências.

Mas, de fato, há outras deficiências mais graves no processo administrativo-fiscal. O que se observa da maioria das normas editadas pelos entes tributantes, bem como da prática adotada, não é um processo administrativo fiscal fundado na cooperação entre as partes, na isonomia e na paridade de tratamento, valorizando-se demasiadamente, em geral, o princípio do interesse público em detrimento do contribuinte, mesmo quando não há provas robustas que sustentem os lançamentos tributários (ABREU, 2019, p. 138).

Dentre os problemas encontrados há, por exemplo, a proibição de se se afastar a legislação tributária editada pelo ente, por ilegalidade ou inconstitucionalidade, aliada à falta de previsão de observância das decisões do STF e do STJ em, especialmente as súmulas e julgamentos de demandas repetitivas e com repercussão geral, a limitação de produção de provas, a previsão na legislação de presunções absolutas e a imposição de prova em qualquer caso aos contribuintes, ou mesmo a falta de critérios objetivos para a escolha de conselheiros, problemas esses que, se somados ao voto de qualidade exclusivo dos representantes da Fazenda, acabam por transformar os Conselhos e Tribunais administrativos de julgamento tributário em meros chanceladores das interpretações da Administração Tributária e dos lançamentos efetuados pela Fazenda.

No tocante às provas, é claro que, conforme art. 373 do CPC, a prova, a princípio, cabe a quem alega o fato (no caso o contribuinte que impugna ou ingressa com recurso contra um lançamento ou uma decisão da Administração Tributária); entretanto, considerando que geralmente os julgadores não podem afastar a legislação tributária, impor-se que em qualquer hipótese a prova caiba ao contribuinte, especialmente em casos que a legislação preveja presunções, pode, se levado ao extremo, até a configurar a exigência de prova diabólica, o que ofende tanto o modelo cooperativo de processo, quanto à igualdade entre as partes. Deve-se, considerando o §1º do art. 373 do CPC permitir que em determinados casos seja invertido ou distribuído o ônus de prova, posto que não há como se justificar a não observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, aliados ao da cooperação entre as partes, bem como dos representantes destas.

Não se pode olvidar que o esclarecimento dos fatos e a busca da verdade material também é de interesse do sujeito ativo, pois acaso a questão vá para o Judiciário e lá venha a ser provada a razão do contribuinte, a Fazenda Pública ainda será onerada com honorários e as despesas processuais, o que é algo a se considerar atualmente, pois além de a manutenção de um crédito tributário insustentável na via administrativa ferir os princípios da moralidade e da eficiência da Administração Pública, tendo em vista a modificação nos honorário contra a Fazenda Pública, pode-se levar ao denominado “Estado desarrecadador”.

Mas, o maior problema com relação à questão probatória, relacionada ao respeito ao contraditório e à ampla defesa, é a eliminação de possibilidades de provas em sentido contrário, devido à utilização de ficções ou de presunções legais absolutas, muitas vezes  previstas na legislação tributária dos entes federativos, e que costumam não poder ser afastadas administrativamente, mesmo que o contribuinte apresente provas cabais em sentido contrário, devido à impossibilidade de se afastar a  legislação tributária no âmbito do processo administrativo-fiscal, que é comumente prevista na legislação processual dos entres tributantes, o que acaba por se tornar um empecilho ao contraditório e à ampla defesa, os quais são garantidos também no processo administrativo (art. 5º, LV da CF/88), e mesmo à isonomia e à paridade de armas.

Vale, nesse ponto, destacar os ensinamentos de CARRAZZA (2017, p. 549-565) quanto a que “nem a lei nem a Fazenda Púbica podem considerar ocorrido um fato imponível por mera ficção ou presunção […]”, bem como de que as presunções em matéria tributária devem ser utilizadas com parcimônia, já que todos os preceitos da regra matriz de incidência dos tributos, delineados na Constituição devem ser respeitados.

E, no tocante à previsão, na legislação que rege os processos administrativos-tributários, da impossibilidade de se afastar a legislação tributária, por motivos de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, a depender do grau em que é determinada na legislação e que é levada a efeito, especialmente se combinada com a utilização de presunções absolutas e com a existência do voto de qualidade exclusivo dos representantes da Fazenda, pode potencializar a falta de isonomia entre as partes, bem como o respeito ao contraditório e à ampla defesa.

A maioria das legislações que regulam o processo administrativo-tributário todas possuem dispositivos a respeito da impossibilidade de se afastar a legislação tributária do respectivo ente, e, conforme o texto das normas, o julgador administrativo possui um maior ou menor grau de liberdade para emitir juízo quanto à ilegalidade ou à inconstitucionalidade de atos infralegais editados pela Administração, o que afeta a defesa dos contribuintes.

A legislação da União, por exemplo, com base no artigo 26-A do Decreto 70.235/72 (redação da lei 11.941/2009), confere poderes para se afastar atos normativos inferiores a decretos, ou seja, pode-se afastar instruções normativas, resoluções, pareceres, entre outras normas. Segue o dispositivo:

“Art. 26-A.  No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.

  • 6oO disposto no caput deste artigo não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo:

I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal;

II – que fundamente crédito tributário objeto de:

  1. a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, na forma dos  18 e 19 da Lei no10.522, de 19 de julho de 2002(Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
  2. b) súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do  43 da Lei Complementar n73, de 10 de fevereiro de 1993; ou
  3. c) pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República, na forma do  40 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.”

E vê-se, ainda, do dispositivo que é possível o afastamento de lei ou de outro ato normativo, desde que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal.

Na legislação dos estados a situação é heterogênea. Há, por exemplo, o artigo 28 da Lei 13.457/2009 do Estado de São Paulo, que permite maior liberdade ao julgador, vedando apenas o afastamento de “lei”, de modo que os julgadores podem emitir juízo de legalidade/inconstitucionalidade quanto a atos infralegais nos quais se fundamentem os lançamentos tributários, podendo afastar inclusive decretos. Veja-se o teor do dispositivo:

“Artigo 28 – No julgamento é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada:

I – em ação direta de inconstitucionalidade;

II – por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo.

III – em enunciado de Súmula Vinculante.”

 

Já no processo administrativo fiscal do Estado de Santa Catarina, é vedado declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade de lei, decreto ou ato normativo de Secretário de Estado (art. 4º da LC 465/2009), no entanto, pode-se apreciar a alegação de ilegalidade ou inconstitucionalidade reconhecida por entendimento manso e pacífico do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça (§ único). E o Estado do Paraná veda o afastamento da legislação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade, salvo nos casos de entendimento consolidado em súmula do STF, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos de que trata o art. 1.036 da Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015 – CPC, e em incidente de resolução de demandas repetitivas de que trata o art. 976 do CPC, ou em caso de casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do STF (art. 38, 42 e 63 da Lei 18.877/2006).

E, no âmbito dos municípios, há o exemplo do município do Rio de Janeiro em cujo processo administrativo-fiscal é vedado se afastar qualquer ato normativo, salvo os casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo: que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal; que fundamente crédito tributário objeto de Súmula Vinculante do STF, decisão definitiva do STF ou do STJ em sede de julgamento realizado nos termos dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015, sendo que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF e pelo STJ, em matéria infraconstitucional, na sistemática dos arts. 543- B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015, devem ser observadas pelos Conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do Conselho de Contribuintes (art. 82-A da RESOLUÇÃO SMF Nº 2.694/2011 – Regimento Interno do Conselho de Contribuintes do Município).

E, também, do Município de São Paulo, cuja legislação é mais restritiva, utilizando a expressão “legislação tributária”, não permitindo que os julgadores emitam qualquer juízo de legalidade ou de constitucionalidade quanto a qualquer ato normativo do município, devendo observar portarias, instruções normativas, pareceres normativos, entre outras normas (art. 53, parágrafo único da Lei 14.107/2015).

Conforme exposto anteriormente (ABREU 2019, p. 138), é natural que se exija o respeito à lei strito sensu, enquanto essa pertencer ao sistema normativo, posto que há presunção de sua validade enquanto não declarada inconstitucional pelos órgãos competentes, cuja incumbência não é dos conselhos administrativos de tributos, de modo que não cabe aos conselhos administrativos afastar leis tributárias sob fundamento de inconstitucionalidade ou de sua não conformidade com leis complementares; por outro lado, impedir a emissão de juízo de inconstitucionalidade e de ilegalidade quanto a atos infralegais fere a independência de julgamento, o princípio do livre convencimento motivado e por via oblíqua o princípio da igualdade, já que coloca o sujeito passivo em condição desvantajosa e condiciona o resultado do julgamento ao arbítrio da Administração, que pode modificar a jurisprudência administrativa com a mera edição de um ato infralegal. É oportuno lembrar que a legalidade é um dos princípios fundamentais da Administração Pública (art. 37 da CF/88), de modo que apesar de haver uma presunção de legalidade dos atos e das normas expedidas pela Administração, no caso de ocorrência de vícios ou da edição de um ato normativo em desconformidade com a lei ou a Constituição, deve a própria Administração anulá-lo ou deixar de aplicá-lo, sendo que não há motivos para se impedir que um órgão de julgamento administrativo-tributário, que cuida do julgamento em segunda instância assim o faça.

Num sistema processual que exige a igualdade, a paridade entre as partes, o respeito ao contraditório e a valorização dos precedentes, tal situação deveria ser repensada. Destaca-se, nesse sentido, a opinião de MARINS (2016, 184-185), que critica a vedação ao julgador administrativo para apreciar argumentos de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, sob pena de se ferir a Constituição e tornar nulo o processo administrativo tributário, pois não permitir a valoração dos atos normativos frente à lei e à Constituição é o mesmo que tornar os órgãos de julgamento administrativo meros chanceladores da vontade da Administração, o que fere  a garantia à ampla defesa (MARINS, 2016, p. 310). Nessa linha de raciocínio há a previsão do inciso II do art. 5º do PLP 381/2014, como prerrogativa dos órgãos de julgamento administrativo-tributário, de emitir juízo de legalidade de atos infralegais nos quais se fundamentem os lançamentos tributários, o que vai ao encontro dos princípios constitucionais e da aplicação dos preceitos do CPC/2015 ao processo administrativo-fiscal.

Aliado ao grau de liberdade para afastamento de atos normativos por ilegalidade ou inconstitucionalidade, há a questão da observância dos precedentes judiciais, evidentemente valorizados pelo CPC/2015. Considerando os princípios constitucionais e a interpretação sistemática do ordenamento processual constitucional e civil, a observância das decisões tomadas na sistemática dos recursos extraordinários e especiais repetitivos, pelo STF e pelo STJ, é de bom tom, senão uma necessidade, alinhando-se com os princípios da boa fé, da moralidade e da eficiência da Administração Pública e da razoável duração do processo, já que tais decisões serão aplicadas a todos os processos judiciais relativos a mesma questão de direito, podendo-se levar no caso de sua não aplicação no processo administrativo-fiscal no já mencionado Estado desarrecadador, tendo em vista a questão dos honorários a serem pagos no caso de sucumbência do sujeito ativo.

Em face das previsões legais limitativas para que os órgãos de julgamento administrativos não possam afastar a legislação tributária por motivos de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, bem como à existência de voto de qualidade exclusivo dos representantes dos sujeitos ativos (que tendem a adotar e afirmar a posição adotada pela Administração Tributária), a observância desses precedentes judiciais, que poderia ser automática, dependem,  no mais das vezes, de previsão na legislação do processo administrativo tributário de cada ente. Felizmente essa observância já vem sendo internalizada no processo administrativo-tributário de alguns entes tributantes, como se pode ver nos exemplos de legislação apontados; todavia, há diversos entes que ainda não preveem tais hipóteses em suas legislações processuais, e outros que as prevê, mas de forma não automática, dependendo da aprovação da Administração (v. g. a Lei municipal paulistana 15.690/2013).

É importante frisar que, ainda que não se tome tais precedentes como vinculantes, o afastamento da jurisprudência dominante do STF e do STJ sem motivo relevante vai contra as garantias dos cidadãos, especialmente a isonomia, a segurança jurídica e a proteção da confiança, fruto do Estado de Direito, como bem destacado por DERZI (2009, p. 407).

Nesse contexto, apesar de ser salutar uma revisão quanto ao voto de qualidade, quando este seja exclusivamente atribuído aos representantes da Fazenda, por ferir os princípios da isonomia, da igualdade de tratamento entre as partes e da paridade de armas, há outras questões mais relevantes a se discutir e a se repensar no âmbito do processo administrativo-tributário, devendo-se apontar também que a solução de se dar ganho de causa ao contribuinte, sempre que houver empate nos órgãos paritários, também vai de encontro a esses mesmos princípios constitucionais.

Ainda que se afirme que em caso de dúvida não se deve exigir o crédito tributário, à luz do princípio da moralidade da Administração Pública, importa lembrar que tal princípio também sustenta a posição de que se o tributo for devido este deve ser recolhido, posto que o mesmo remete aos interesses e às necessidades da própria sociedade, sendo que ainda pode-se afrontar a igualdade e a livre concorrência, caso se permita que determinado contribuinte não o recolha, enquanto outro esteja recolhendo na mesma situação.

Talvez, a melhor alternativa seria garantir uma real paridade de tratamento e a igualdade de condições no processo administrativo-fiscal, especialmente nos órgãos colegiados, com a previsão de voto de qualidade para ambas as representações, com alternância nas presidências das Câmaras, e quiçá a escolha da presidência do conselhos ou tribunais em comum acordo entre a Fazenda e dos órgãos dos contribuintes, ou com a alternância das representações.

 

Conclusão

Tendo em vista que o regime instituído pela Constituição Federal é o de uma república federativa, que se constitui em um Estado Democrático de Direito, o Estado brasileiro se fundamenta nos princípios da igualdade, da isonomia e do devido processo legal, o que implica no âmbito processual, seja este judicial ou administrativo, o respeito ao contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, à legalidade, à igualdade e ao tratamento paritário das partes, de modo que a manutenção nos órgão colegiados de julgamento administrativo-tributários de voto de qualidade exclusivo dos representantes da Fazenda não se coaduna com o modelo constitucionalmente exigido, e o mesmo ocorre com a decisão favorável sempre para um dos lados em caso de empate.

Há necessidade de ajustes no processo administrativo-fiscal, tanto no tocante ao voto de qualidade, quanto à outras questões relacionadas, conforme abordado, deve ser cuidadosamente analisada visando-se atender aos dois maiores pilares da Constituição brasileira: a igualdade e a segurança jurídica.

 

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[1] Decreto 70.235/72. Art. 25. O julgamento do processo de exigência de tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal compete:

[…]

II – em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, com atribuição de julgar recursos de ofício e voluntários de decisão de primeira instância, bem como recursos de natureza especial. (Redação da Lei nº 11.941, de 2009)

[…]§9o  Os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).

[2] Cf. ABREU, Anselmo Zilet. Impactos do CPC/2015 no Processo Administrativo Tributário. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITODA UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU. , v.6,, 2019, p.127.

[3] Cf. ABREU, Op. Cit., 2019, p.127.

[4] Cf. ABREU, Op. Cit., p. 132-133.

[5] Cf. DI PIETRO, Maria Sília Zanella. Direito Administrativo. 32 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 673-678.

[6] Art. 53 e 59 da Lei estadual 13.457/2009.

[7] Art. 256 e 261 do Decreto-lei 05/1975.

[8] Art. 97 da Lei estadual 6.537/1973 (na redação dada pelo art. 1°, XX, da Lei 8.694/1988).

[9] Art. 10 e 11 da Lei Complementar 465/2009.

[10] Art. 63 da Lei estadual 6.537/1973 (na redação dada pelo art. 1°, XX, da Lei 8.694/1988).

[11] Art. 30, II da Lei Complementar 465/2009.