A citação e a teoria da aparência no processo administrativo

Resumo: O texto parte do conceito de citaçao passando para o tratamento dado à matéria na Lei do Processo Administrativo Federal defendendo a validade da citação pela teoria da aparência.

A citação caracteriza-se por ser ato de ciência e chamamento ao processo, segundo o artigo 215 do Código de Processo Civil, sendo tratado pela doutrina processual civil nos seguintes termos:

“A citação se faz pela comunicação pessoal ao réu – ou, eventualmente, a seu representante legal, ou ainda ao seu procurador legalmente autorizado (art. 215 do CPC) – da existência da ação proposta em detrimento de sua esfera jurídica, convocando-o a participar da relação processual, na qual poderá exercer os poderes processuais inerentes ao pólo passivo da demanda.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 6ª ed. São Paulo: RT, p. 104)

A Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que trata do Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, traz em seu texto (artigo 26 e seguintes) a palavra “intimação”, não se referindo especificamente a “citação”. Entretanto, por analogia com a lei processual civil, alguns órgãos, ao disciplinar o processo administrativo punitivo em seu âmbito, utilizam o termo “citação” referindo-se ao ato de conhecimento inicial. Como exemplo cite-se o Decreto nº 2.953, de 28 de janeiro de 1999, que trata do processo administrativo no âmbito da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que assim dispõe:

Art. 8º. O autuado será citado para apresentar defesa escrita, no prazo de quinze dias, a contar do recebimento da citação.

§ 1º. A citação será feita:

I – pessoalmente, ao próprio autuado ou ao seu representante legal ou preposto que responda pelo gerenciamento do negócio, quando lavrado o auto no local da ocorrência; (g.n.)

Ora, a própria Lei n.º 9.784/99 aduz, em seu artigo 22, que “Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir”. Ainda, citem-se os seguintes dispositivos da referida lei:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:(…)

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;(…)

XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a

que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

§ 1o A intimação deverá conter:

I – identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa;

II – finalidade da intimação;

III – data, hora e local em que deve comparecer;

IV – se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar;

V – informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento;

VI – indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.

§ 2o A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento.

§ 3o A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.”

Diante disso, conclui-se que o nome ou a forma em que se dá o ato de ciência inicial do processo pouco importa, desde que cumpra a finalidade a que se destina.

Ocorre que muitas vezes a forma como tal ato é realizado é questionada administrativa ou judicialmente. Um dos questionamentos levantados é quando a citação/intimação, no caso de pessoa jurídica, dá-se não na pessoa do sócio-gerente, e sim por um preposto. Alega-se nulidade da citação, com a consequente nulidade da imposição de qualquer penalidade advinda do processo administrativo.

Ora, se a citação é feita dentro da sede da empresa em pessoa que por ela se apresenta como responsável, não há como negar a validade do ato, justamente pela denominada “teoria da aparência”, segundo a qual é válido o ato praticado perante pessoa que se apresenta como representante da empresa (mesmo que não esteja legitimada a tanto), sem efetuar qualquer objeção.  Assim sendo, a citação não tem que, necessariamente, ser recebida pelo sócio-gerente, justamente porque a presunção é de que o preposto, até por orientação do serviço, leva o caso ao conhecimento de quem de direito; negar essa tese seria inviabilizar a citação, mormente nos casos de ausência deliberada do sócio-gerente. Outro não é o entendimento verificado na jurisprudência pátria:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.CITAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. TEORIA DA APARÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVONÃO PROVIDO.

1. A jurisprudência do STJ, no que concerne a citações de pessoas jurídicas, adota a teoria da aparência, segundo a qual considera-se válida a citação feita na pessoa de quem, sem nenhuma reserva, identifica-se como representante da sociedade empresária, mesmo sem ter poderes expressos de representação, e assina o documento de recebimento.

2. A tese recursal não encontra suporte nas bases fáticas traçadas soberanamente nas instâncias ordinárias, razão pela qual a reversão do julgado encontra óbice na Súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa.” (STJ, AgRg no Ag 1363632, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 23/08/2011, p. 30/08/2011)

“PROCESSUAL CIVIL. CITAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. TEORIA DA APARÊNCIA. RECEBIMENTO QUE SE APRESENTA COMO REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA. – Em consonância com o moderno princípio da instrumentalidade processual, que recomenda o desprezo a formalidades desprovida de efeitos prejudiciais, é de se aplicar a teoria da aparência para reconhecer a validade da citação da pessoa jurídica realizada em quem, na sua sede, se apresenta como sua representante legal e recebe a citação sem qualquer ressalva quanto a inexistência de poderes para representá-la em Juízo. – Embargos de Divergência conhecidos e acolhidos.” (STJ, ERESP 156970/SP, Corte Especial, rel. Min. Vicente Leal, p. 22/10/2001)

“Embargos à execução. Nulidade. Citação da ação de cobrança realizada na pessoa de quem não possuía poderes para representar a sociedade empresarial. Aplicação da Teoria da Aparência. Recurso improvido.” (TJSP, APL 434313419998260224, 26ª Camara, Rel. Francisco Orlando, j. 01/02/2012)

Portanto, realizada a citação na pessoa de quem a recebe, apresentando-se como representante da empresa (a exemplo de um preposto), confirmada está a validade do ato citatório no processo administrativo, pela aplicação da teoria da aparência.


Informações Sobre o Autor

Marco Aurélio Mellucci e Figueiredo

Procurador Federal. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo USP. Mestre em Direito Público pela Universidad Complutense de Madrid


Equipe Âmbito Jurídico

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