A futura tipificação da eutanásia como crime aspectos incontroversos e a proteção do bem jurídico vida

Resumo: O presente artigo tem a finalidade de refletir aspectos controvertidos no projeto do novo código penal em especial o tema da eutanásia que vem ganhando espaço nas bancas de direito penal no ponto descriminalização de tal conduta.

Palavras chave: Direito penal – Eutanásia – Proteção do bem jurídico (vida) – Dignidade humana – Direito – ética moral e religião – Princípio da ponderação – direito a vida.

O direito à vida dos direitos elencados no artigo 5º da Constituição Federal é o que tem uma maior carga de proteção sendo dos direitos fundamentais o primeiro a ser mencionado. Extrai-se disso que o direito a vida de alguma forma tem um privilégio em relação aos outros direitos, não como hierarquia, mas um sentido de proteção maior para o ser humano.

O artigo tem o objetivo de questionar se esse direito a vida deve ser absoluto, ou pode sofrer em decorrência de situações específicas relativização. Ou ponderação a outros interesses como a vida com dignidade.

Neste cenário surge a ideia de eutanásia, que etimologicamente, significa "morte boa" (eu = bom/boa; thánatos = morte) ou "morte sem grandes sofrimentos" (Gamil Föppel, 2011). Sobre este tema os estudiosos afirmam que a vida do ser humano deve ser focada em uma vida digna sem grandes sofrimentos, daí se parte a ideia que a pessoa em seu estado terminal deveria ter o direito de optar por uma morte indolor ou que diminuísse o sofrimento.

Na definição de Claus Roxin[1], eutanásia é a “ajuda prestada a uma pessoa gravemente doente, a seu pedido ou pelo menos em consideração à sua vontade presumida, no intuito de lhe possibilitar uma morte compatível com a sua concepção de dignidade humana”.

O novo projeto do código penal traz inovação sobre o tema vejamos: O art. 121, dispõe no § 3.º: "Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena — reclusão, de dois a cinco anos". Já no § 4.º estabelece: "Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão".

Afirma Gamil Föppel[2]: O Projeto de reforma do Código Penal, ao tratar da eutanásia, foi muito aquém do que poderia ter ido, ainda contemplando a eutanásia indireta como crime. Neste ponto discordo do ilustre doutrinador, nos moldes que está escrito já há uma liberdade para se reduzir a pena ou absolver aqueles que praticaram qualquer tipo de ato que venha a atenuar o sofrimento alheio. Afirma-se isto, por causa do grau de instrução da população brasileira e também pelas condições dos nossos hospitais públicos que na maioria não tem a capacidade de determinar se aquele paciente terminal tem ou não expectativa de cura.

Para melhor compreensão dessa discussão devemos distinguir as espécies de eutanásia. Claus Roxin distingue quatro espécies de eutanásia: a “pura”, a indireta, a passiva e a ativa. A eutanásia “pura” ocorre quando se ministra ao paciente meios que irão apenas reduzir a dor, sem que dos anestésicos decorra qualquer risco de morte. Na indireta, diminui-se a dor com determinadas substâncias que criam um risco à vida do paciente, isto é, a morte ou o encurtamento da vida podem figurar como um dos efeitos colaterais. Já a eutanásia passiva se configura quando o paciente é mantido vivo por aparelhos, quaisquer que sejam, sem os quais a morte seria um fim inexorável, e tal tratamento é suspendido, sobrevindo-lhe, portanto, o fatal destino. Finalmente, a eutanásia ativa é a morte que ocorre atendendo-se à vontade de quem se encontra nos últimos estágios da vida, e engloba o auxílio ao suicídio[3].

Já a ortotanásia é o termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e percurso da doença. Portanto, evitam-se métodos extraordinários de suporte de vida, como medicamentos e aparelhos, em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a suporte avançado de vida (Wikipédia, acessado em 13/10/2012).

O texto do novo projeto do código penal reduz a pena para a eutanásia passiva aquela em que o agente, pelo projeto deve ter um grau de parentesco com a vítima, agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticado.

Igualmente o projeto do código penal descrimina a conduta da ortotanásia ao descrever: Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.

O tema é bastante polêmico e não deve ser tratado apenas por um enfoque, no caso o jurídico, pois envolve outras abordagens como a moral a ética e principalmente a religião. Sabemos que apesar de nosso Estado ser um Estado laico, ou seja, sem uma religião pré-definida esta preza por alguns valores divinos, ou melhor, Cristãos, quando no preâmbulo da Carta Magna o Constituinte Originário afirma que promulga esta Constituição debaixo da proteção de Deus.

Ora, um dos princípios bíblicos é o direito a vida sendo que o quinto mandamento divino retirado do livro de Êxodo[4] capítulo 20 revela que não devemos subtrair o direito à vida de outrem, ou seja, “não matarás”. A bíblia nos revela a preocupação do Ser Supremo com a vida do ser humano e vai mais além, nos evangelhos em especial no livro de Matheus capítulo 22, versículo 39 o próprio Jesus revela a importância do amor ao próximo.

O que todos esses ensinamentos querem nos dizer haja vista estamos tratando de uma reflexão jurídica e científica. Primeiro lugar o tema mexe intimamente com a opinião das pessoas, e o direito não deve se apartar do pensamento comum, pois fazendo assim torna-se um direito afeito as academias e não a realidade social. Em segundo lugar por que apesar dos juristas quererem separar o direito da religião há temas como estes que uma visão um tanto quanto separatista afeta diretamente a vida daqueles que profetizam uma fé seja ela qual for e a quantidade de pessoas que praticam uma religião ou tem algum tipo de dogma é muito maior que os céticos. Por último, o tema está afeito a interdisciplinaridade, pois o parecer deve ser dado por um médico e não por um juiz de direito.

Neste cenário muitas propostas são lançadas, se por um lado o código tenta dar uma maior liberdade a família e ao próprio paciente em seu leito de morte quanto a possibilidade ou não de lhe extrair a vida. Por outro é muito questionado restringir o tipo da eutanásia em um código jurídico. A abertura para sociedade em um referendo seria uma forma viável de legitimar tal artigo tão polêmico.

Não é por que um modelo é adotado no estrangeiro que no Brasil terá resultado. Na Holanda a eutanásia é permitida, no entanto, se compararmos o grau de instrução dos cidadãos holandeses com o dos brasileiros perceberá uma grande diferença que há entre eles.

Portanto, o tema é complexo perpassa por vários setores da sociedade e o direito penal não deve ser a única via de discussão, mesmo por que os operadores do direito não tem legitimidade para tal decisão. Apesar de o novo projeto do Código Penal trazer este tema a muito que discutir até a redação do texto final e até mesmo após sua entrada em vigor por causa da relevância que tem a vida no nosso ordenamento.

 

Referências
BÍBLIA DE ESTUDO NTLH, Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005.
HIRECHE, Gamil Föppel El. Tutela penal da vida humana: anotações sobre a eutanásia. Disponível em: <http://www.blogdolfg.com.br>. Acesso em: 14 set. 2011.
ORTOTANÁSIA. pt.wikipedia.org/wiki/Ortotanásia, acessado em 13/10/2012.
ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
VILLAS BÔAS, Maria Elisa. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Revista bioética, 2008.

Notas:
[1] ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.189
[2] HIRECHE, Gamil Föppel El. Tutela penal da vida humana: anotações sobre a eutanásia.
Disponível em: <http://www.blogdolfg.com.br
[3] ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.189.
[4] BÍBLIA DE ESTUDO NTLH, Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005. p.82.

Informações Sobre o Autor

Ulisses Gomes Araujo

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, Pós-graduando em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uniderp – LFG


Equipe Âmbito Jurídico

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