Resumo: Com debate sobre a redução da maioridade penal, pudemos observar a manifestação de profissionais de diversas áreas e suas respectivas opiniões. A tramitação da PEC 171/93 aumentou os debates sobre a possibilidade ou não da redução no ordenamento jurídico brasileiro. O presente trabalho busca contribuir um pouco mais com a discussão analisando a viabilidade da proposta em trâmite em face do princípio do não retrocesso dos direitos humanos, diretriz admitida internacionalmente nos mais diversos tratados internacionais.
Palavras-Chave:Maioridade penal.Redução.Direitos humanos.Retrocesso.
Abstract: In the debate about the reduction of criminal majority, we observed the manifestation of professionals from various fields and their opinions. The processing of the PEC 171/93 increase the debates over whether or not of the reduction in Brazilian legal system. This paper seeks to contribute a little more to the discussion analyzing the feasibility of the proposal in course in the light of principle of non-retrogression of human rights, a guideline internationally accepted in several international treaties.
Keywords: Criminal majority.Reduction.Human rights.Retrogression.
Sumário: Introdução. 1. Criminalidade e Menores: Uma introdução ao problema da redução da maioridade penal. 2. Os Diplomas Jurídicos aplicáveis ao tema. 3. Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. 4. O Princípio do Não Retrocesso dos Direitos Humanos. Conclusão: Solução legislativa ou efetivo exercício das leis existentes? Referências.
Introdução
Recentemente, a questão da maioridade penal voltou a ser debatida entre os brasileiros de todas as partes do país. A redução da maioridade penal, já defendida entre muitos, entrou na pauta do dia a partir da volta da tramitação da PEC 171/93 na Câmara dos Deputados Federais que pretende alterar a redação do artigo 228 da Constituição Federal e diminuir o critério para a imputabilidade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos de idade.
A polêmica proposta de emenda à Carta Magna apresentada originalmente em 1993 por Benedito Domingos (do PP do Distrito Federal) levantou as mais diversas discussões e opiniões entre o povo brasileiro, além de manifestações oficiais e não oficiais de importantes órgãos nacionais.
Apesar de restar claro que a maioria das pessoas concorda com a redução, cabe aos profissionais mais próximos da realidade criminal do Brasil levantar um debate mais técnico e profundo sobre o tema. Aprovar uma emenda constitucional pelo simples clamor popular é dar verdade ao ditado que diz “a voz do povo é a voz de Deus”. Felizmente, a sociedade não pode e nem deve decidir questões técnicas, principalmente constitucionais, apesar de poder expressar livremente sua opinião, direito fundamental expresso no artigo 5º da CRFB.
A realidade que vivemos é a das redes sociais. São as muitas opiniões e o pouco conteúdo. O muito querer e o pouco saber. Por esta razão, precisamos de mais cuidado ao darmos ouvidos à exaltação pública e não aos conhecedores do direito e da sociedade.
Este artigo pretende, portanto, analisar de forma técnica e jurídica o debate difundido atualmente, contribuindo um pouco mais sobre o tema.
Em um primeiro momento, pretendemos esboçar a realidade da questão, abordando a criminalidade, os direitos das crianças e adolescentes, bem como sua evolução histórica e a proposta de redução citada.
Após, desejamos analisar alguns diplomas jurídicos que disciplinam o tema, destacando a importância da Constituição Federal e dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos.
Finalmente, sintetizaremos o princípio do não retrocesso dos direitos humanos, parte do tema deste artigo, verificando a possibilidade ou não de aplicação deste à discussão sobre a redução da maioridade penal.
1. Criminalidade e menores: uma introdução ao problema da redução da maioridade penal
A maior suposta vantagem na redução da maioridade penal, de dezoito para dezesseis anos, é a consequente redução da criminalidade no Brasil.
Segundo a própria justificativa da PEC 171/93, a alteração da redação da Constituição Federal leva em conta o crescente aumento no número de crimes praticados por menores de dezoito anos (CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS DO BRASIL, 1993).
Conforme as opiniões de quem defende a redução, a impunidade no sistema penal brasileiro poderia ser menor se um adolescente de dezesseis anos pudesse ser preso como um adulto. Ainda, defendem que menores são usados como intermediadores para prática de crimes, uma vez que são inimputáveis.
Neste sentido, em artigo publicado por Luiz Flávio Gomes (2014):“A maioridade penal deve ser reduzida, pois, assim, os menores de 18 deixariam de ser usados para a execução de crimes, como amiúde vemos nos noticiários. Não podemos olvidar que os adolescente [SIC], nos dias atuais, amadurecem mais cedo e é bem diferente daquele de 07.12.1940, época em que o Código Penal.”
Partindo deste ponto, poderíamos afirmar que a redução da maioridade penal colocaria fim à maioria dos problemas sociais envolvendo a situação penal dos menores, uma vez que estes seriam punidos de forma eficiente e sairiam das penitenciárias plenamente reformados e aptos a participar da sociedade civil.
Mas esta, infelizmente, não é a realidade brasileira. Conforme estudos de Rédua & Souza (s/d, p. 5): “O principal objetivo do centro de reabilitação de menores deveria sua reinserção na sociedade com novas perspectivas, para garantir-lhes a possibilidade de serem cidadãos que contribuem de maneira efetiva para melhoria da sociedade, mas as condições sociais dadas as estes adolescentes dentro e fora dos centros de reabilitação estão longe de uma cidadania ampla e completa, o desafio está posto e precisamos enfrentá-lo com determinação para construir um a sociedade melhor.”
Além do mais, a tendência internacional é a redução da punição contra crianças e adolescentes, uma vez que estas não se mostram eficazes. Como exemplo, após longo estudo realizado nos Estados Unidos, o judiciário e os legisladores têm diminuído o encarceramento de jovens.
“‘A redução massiva do envio de jovens para prisões de adultos ocorreu após estudos mostrarem que prender não tem um efeito considerável nos índices de crimes’, diz à BBC Brasil Mike Tapia, professor do Departamento de Justiça Criminal da Universidade do Texas e autor de um livro sobre o perfil dos jovens encarcerados nos Estados Unidos.
Para ele, a melhor prática para lidar com menores infratores é mantê-los em suas comunidades e famílias, ‘que são chave no processo de reabilitação’.
Fora das celas, diz ele, os jovens correm menos riscos de cometer novos crimes ao fim da pena e se livram dos abusos, da corrupção e da violência comuns a carceragens nos Estados Unidos.”(FELLET, 2015).
Portanto, apesar da afirmação de que vários países possuem a idade limite para imputabilidade inferior à adotada no Brasil,[1] o que vem ocorrendo é a não punição, uma vez que não existem resultados efetivos na prisão de adolescentes.
Aliás, com dados mais exatos em mãos, percebemos que em mais da metade dos países (55%), a maioridade penal é aos 18 anos. Em 19% é inimputável o menor de 17 anos e apenas em 13% os menores de 16 anos. Nos EUA, o resultado de aplicação de punições mais severas a jovens gerou a triplicação dos crimes entre adolescentes (SOUZA, s/d, p. 6).
René Bernardes de Souza, juiz de direito, em sua última publicação em contribuição à doutrina jurídica nacional, um magnífico trabalho sobre a responsabilidade penal de menores, desabafa:
“Desta maneira temos que, fundamentalmente, a criminalidade, a insegurança, e todos os problemas atribuídos aos jovens, tem sua origem na desagregação familiar, e não falo aqui de renda familiar ou desemprego apenas, falo em falta de informação; não se fale apenas em miséria, fale-se em miséria social: o uso de drogas, o abandono, a criminalidade, são oriundos da desagregação familiar […].
Na realidade o que pretendem os defensores da redução da idade para considerar imputáveis os menores de 18 anos é a redução da violência, da criminalidade, praticada já por um alarmante percentual de adolescentes. Mas será esta uma solução?
Cremos que não, mas que, ao contrário do que se pretende, isto virá agravar mais ainda a criminalidade, além de constituir um verdadeiro crime contra as crianças e adolescentes”. (SOUZA, s/d, p. 6)
Ao mesmo tempo em que vemos a população se manifestando a favor da redução, conseguimos perceber que a maioria das autoridades públicas, por outro lado, não concordam com este meio. A grande maioria destas autoridades tem, de alguma forma, certo contato com menores infratores e, por isso, uma visão mais próxima da realidade. Destacamos aqui, as importantes opiniões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB é contra a redução da maioridade penal. 2015), do Ministério Público – através do Movimento do Ministério Público Democrático – (OAB e Ministério Público criticam PEC que reduz maioridade penal, 2015), de juízes e promotores que atuam na área da infância e juventude, (Promotoras são contra redução da maioridade penal, 2015), do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello,(Ministro do STF diz que redução da maioridade não deve ser vista como esperança, 2015) e, por que não, da Presidente da República Dilma Rousseff (MATTOSO, 2015).
O discurso baseado no fato de que os menores devem, de qualquer forma, serem punidos quando cometerem crimes esbarra na evolução de pensamentos de diversos autores clássicos que reuniram estudos complexos para o desenvolvimento do sistema penal.
Foucault (1999, p. 222-224), no seu histórico e verdadeiro estudo sobre a punição, declara o fracasso do cárcere como meio correcional. O autor, afirma, entre outros problemas que: as prisões não diminuem a taxa de criminalidade (aliás, acabam aumentando ou multiplicando a quantidade de crime ou criminosos); a detenção provoca a reincidência (após passar pela prisão, se tem maior chance de voltar a ela); a prisão favorece a organização de um meio de delinquentes; as condições dos libertados favorecem “fatalmente” à reincidência (uma vez que não têm condições de ressocialização). Foucault declara expressamente que a prisão se mostrou como uma simples fábrica de delinquentes.
Dentro desta discussão, não há como não nos voltarmos aos ensinamentos de Michel Foucault. O sábio filósofo francês afirma que certos princípios precisam ser seguidos para que o cárcere funcione como pena e como instituto de ressocialização. São estes: a função essencial de transformação do indivíduo pela detenção penal; a individualização da pena com progressos ou recaídas, conforme os resultados obtidos; o dever de isolamento dos detentos ou, no mínimo, sua separação conforme a gravidade do ato, mas principalmente segundo sua idade; o trabalho como peça fundamental de socialização e transformação dos detentos; a educação do detento como dever do Poder Público e direito do prisioneiro; o controle do regime prisional por pessoal qualificado e especializado; e o acompanhamento do liberto com medidas de assistência até sua total readaptação.
Sabemos que o sistema carcerário brasileiro não chega nem perto destes princípios, mas, ao contrário, funciona como uma verdadeira “pós-graduação” do crime.
Problemas como a superpopulação carcerária, a corrupção dentro das prisões, a falta de trabalho ao recluso, o favorecimento de organizações criminosas, a falta de saúde pública, entre outros, mostram, na prática, o estudo feito por Michel Foucault (ARRUDA, s/d).
2. Os diplomas jurídicos aplicáveis ao tema
A Carta Magna assim dispõe em seu artigo 288: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
A legislação especial que veio regulamentar o disposto na Constituição Federal foi a lei 8.069 de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Quando a PEC 171 voltou a tramitar, pairou a discussão quanto à possibilidade jurídica de se emendar o artigo 288 da CFRB. Diversos juristas têm defendido a impossibilidade de emenda constitucional que queira diminuir a maioridade penal, uma vez que o disposto no citado artigo seria cláusula pétrea na Lei Maior.
É sabido que o Supremo Tribunal Federal já sedimentou entendimento de que as cláusulas pétreas não são somente aquelas previstas no artigo 5º da CF, mas, todos os direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional, interpretando de forma ampla o disposto no artigo 60, §4º, inciso IV. Neste sentido, o STF já decidiu que o princípio da anterioridade tributária é cláusula pétrea e EC que tentar é abolir tal princípio é inconstitucional.[2]
Quanto à maioridade penal, podemos destacar a opinião dos mestres DOTTI (2001, p. 413) e PIOVESAN (2001, p. 76) que expressamente declaram a inconstitucionalidade na redução, uma vez que tal disposição é cláusula pétrea implícita.
Interessante observar que, em substituição à pena imposta pela legislação criminal, o Estatuto da Criança e do Adolescente impõe medidas efetivas aos menores de dezoito anos que praticarem fatos análogos aos tipos penais previstos em lei, ou seja, praticarem ato infracional.
A criança (até os doze anos) está sujeita às medidas de proteção. Já os adolescentes (dos doze aos dezoito) estão sujeitos às medidas socioeducativas. O ECA é aplicado, ainda, em casos expressos, às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade, nos termos do parágrafo único do artigo 2º do diploma legal.
Entre as medidas socioeducativas que podem ser aplicadas ao adolescente infrator, estão aqueles que reduzem ou privam a liberdade do menor. São elas: a liberdade assistida (art. 118 e ss.), regime de semi-liberdade (art. 120 e ss.) e internação (art. 121 e ss.).
A internação, medida privativa de liberdade é baseada nos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à dignidade do adolescente, conforme sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
A situação do infrator privado de sua liberdade deve ser reavaliada a cada seis meses. Com base no artigo 121, § 2º do ECA, foram criadas, através do provimento nº 32 da Corregedoria Nacional de Justiça, as audiências concentradas nas varas da infância e juventude, para cumprimento da obrigação de reavaliação da situação dos adolescentes internados.
Cabe esclarecer, ainda, que a internação nunca poderá ser maior que três anos, sendo o adolescente liberado após completar 21 anos de idade.
Por fim, importante lembrar que a internação só tem cabimento se o ato infracional for cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, se houver reiteração no cometimento de outras infrações graves ou quando há descumprimento injustificado e reiterado de outras medidas anteriormente impostas.
Assim, percebemos que os menores de dezoito anos, apesar de serem chamados inimputáveis pela legislação penal, são punidos, mas em outros termos.
A ideia que paira na mente da população de que menores saem ilesos de seus atos contrários à lei deve ser desfeita. De um lado porque o ECA, apesar de limitar a privação da liberdade em três anos e mudar os nomes dos conhecidos institutos no ramo do direito penal (de crime para ato infracional; de regime fechado para internação; de pena para medida socioeducativa etc.), pune os infratores. De outro porque os centros de internação para adolescentes não passam de verdadeiras prisões, sendo raras as exceções que cumprem os objetivos determinados no ECA, assim como são raras as prisões que cumprem sua função de ressocialização.
Não são raros os casos de jovens espancados em instituições de internação (ACAYABA, 2015). Mudam-se nomes, de FEBEM para CASA, mas a situação em que os menores se encontram é a mesma.
O que mais impressiona, é a opinião pública frente às agressões. O lema bandido bom é bandido morto está enraizado na cultura brasileira, mas estas opiniões não representam democracia.
3. Os tratados internacionais de direitos humanos
O Supremo Tribunal Federal mudou seu entendimento para dar mais importância aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Segundo a atual jurisprudência de nossa Corte Constitucional, os tratados internacionais têm posição supralegal em nosso ordenamento jurídico, ou seja, são hierarquicamente inferiores à Constituição Federal, porém, superiores à legislação ordinária.
Com exceção aos tratados aprovados pelo rito do § 3º do artigo 5º da CRFB, que serão equivalentes a emendas constitucionais, todos os demais são considerados pelo STF superiores à legislação ordinária.
Analisemos alguns destes tratados.
A Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, aprovada e promulgada pelo Decreto nº 99.710 de 1990, nos traz uma informação importante. O primeiro artigo do tratado internacional assim dispõe:“Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.”(BRASIL, 1990)
Ora, o tratado considera criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, não dezesseis como quer nosso Poder Legislativo. O tratado respeita a legislação interna caso lei específica afirme que a maioridade seja alcançada antes. Mas, nos cabe, ao menos um questionamento: caso o tratado já considere criança o menor de dezoito anos, é possível a mudança do ordenamento interno para que se reduza este limite após a promulgação da convenção? Mesmo se isto for possível, é recomendável?
O mesmo tratado, em seu artigo 37, garante a proteção das crianças em âmbito criminal, ao afirmar que os Estados zelarão para que:
“b) nenhuma criança seja privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança será efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado;
c) toda criança privada da liberdade seja tratada com a humanidade e o respeito que merece a dignidade inerente à pessoa humana, e levando-se em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade. Em especial, toda criança privada de sua liberdade ficará separada dos adultos, a não ser que tal fato seja considerado contrário aos melhores interesses da criança, e terá direito a manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas, salvo em circunstâncias excepcionais;
d) toda criança privada de sua liberdade tenha direito a rápido acesso a assistência jurídica e a qualquer outra assistência adequada, bem como direito a impugnar a legalidade da privação de sua liberdade perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial e a uma rápida decisão a respeito de tal ação.”(Ibdi – Grifos nossos).
Qual destas disposições é cumprida por nosso Estado?
No mesmo sentido do tratado citado, a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada internamente pelo Decreto nº 3.087 de 1999, considera, em seu terceiro artigo, criança como sendo a pessoa menor de dezoito anos (BRASIL, 1999).
Podemos olhar, ainda, para as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade. “Entende-se por jovem uma pessoa de idade inferior a 18 anos. A lei deve estabelecer a idade-limite antes da qual a criança não poderá ser privada de sua liberdade” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1988).
As disposições da ONU, afirmam, da mesma forma, que “Não deveria ser economizado esforço para abolir, na medida do possível, a prisão de jovens”. Parece que a atual vontade legislativa vai de encontro a esta disposição.
O mesmo documento continua: “A privação de liberdade de um jovem deverá ser decidida apenas em último caso e pelo menor espaço de tempo possível. Deverá ser limitada a casos excepcionais, por exemplo, como efeito de cumprimento de uma sentença depois da condenação, para os tipos mais graves de delitos, e tendo presente, devidamente, todas as circunstâncias e condições do caso.” (Ibdi – Grifos nossos).
As Regras de Beijing (mínimas para a administração da justiça da infância e juventude) também tratam do assunto.Tal tratado prevê a prisão preventiva como último recurso e pelo menor prazo possível (13.1), a possibilidade de substituição da prisão preventiva por outras medidas alternativas (13.2), a possibilidade de remissão (11 e ss.), restrições à liberdade ao mínimo possível e somente após estudo cuidadoso sobre o caso (17.1 b), impossibilidade de privação de liberdade a não ser que o jovem tenha praticado ato grave, envolvendo violência contra a pessoa ou por reincidência de outras infrações sérias (17.2 c). (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1985).
Podemos citar, também, as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad).Em seus princípios fundamentais, as diretrizes básicas reconhecem que classificar um jovem como “extraviado”, “delinquente” ou “pré-delinquente” geralmente favorece o desenvolvimento de comportamentos indesejados.
O mesmo documento internacional recomenda: “É necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinqüência que evitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1990)
Por fim, podemos recorrer ao Pacto de San José da Costa Rica (promulgado através do Decreto nº 678 de 1992). A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos tem sido um importante instrumento contra abusos cometidos principalmente na América Latina. O pacto, de forma geral, afirma que toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer, por parte da família, sociedade e Estado (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).
Percebemos que a atual legislação, nas suas limitações, está mais de acordo com as regras internacionais do que as mudanças que se pretendem realizar.
4. O princípio do não retrocesso dos direitos humanos
Segundo André de Carvalho Ramos
“O Direito Internacional admite a possibilidade de novos marcos protetivos de direitos humanos, oriundos de novos tratados ou mesmo de diplomas internos. Como já mencionado, os tratados internacionais de direitos humanos contêm, como cláusula padrão, a menção à primazia da norma mais favorável ao indivíduo, impedindo que a interpretação de suas normas possa diminuir a proteção já alcançada.
Consequentemente, cristalizou-se, no plano internacional, a chamada proibição do retrocesso ou efeito cliquet, pelo qual é vedado aos Estados que diminuam ou amesquinhem a proteção já conferida aos direitos humanos. Mesmo novos tratados internacionais não podem impor restrições ou diminuir a proteção de direitos humanos já alcançada.” (RAMOS, 2011, p. 175).
BARCELLOS & BARROSO (2005), por sua vez, lecionam: “[…] o princípio da proibição de retrocesso decorre justamente do princípio do Estado Democrático e Social de Direito; do princípio da dignidade da pessoa humana; do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais; do princípio da proteção da confiança e da própria noção do mínimo essencial.”
Assim, um Estado não pode retroceder e retirar direitos fundamentais ou essenciais de seu ordenamento, uma vez que existe uma ordem jurídica internacional que proíbe o retrocesso. Tal cláusula de direitos humanos é prevista na grande maioria dos tratados internacionais sobre os direitos humanos.
Sobre o assunto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu que o princípio do não retrocesso deve ser respeitado pelos países signatários do Pacto de San José e submissos à Corte Internacional.
Em seu costume de sempre, ou quase sempre, redigir votos em separado dos julgados da Corte Interamericana, o juiz brasileiro Antônio A. Cançado Trindade proferiu em Opinião Consultiva, a seguinte manifestação: “É talvez sintomática de nossos dias que se tenha que invocar as conquistas do passado para frear retrocessos ainda maiores no presente e no futuro. Neste momento – de sombras, mais que de luz – que vivemos, há ao menos que preservar os avanços conseguidos por gerações passadas para evitar um mal maior.” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2003).
Totalmente aplicáveis as palavras do ilustre magistrado ao nosso estudo. Diante da evolução social que tivemos ao fixar a maioridade penal aos dezoito anos de idade, não podemos simplesmente retroceder.
Devemos olhar para as conquistas e perceber que avançamos penosamente para uma sociedade melhor.
Ora, o nosso marco da fixação da maioridade aos dezoito é anterior à Constituição Federal de 1988. O chamado Código de Menores foi criado em 1927 (no dia da criança – 12 de outubro), assinado pelo então presidente Washington Luís.
O principal caso que levou a criação do Código foi o do menino Bernardino. Engraxate, o garoto de apenas doze anos se irritou com um cliente que recusou o pagamento, atirando tinta no homem. Condenado a quatro semanas de prisão, o garoto foi abusado sexualmente por vinte adultos.
A polêmica e indignação popular levaram à criação do imperfeito, porém importante, Código de Menores de 1927 (PORTAL BRASIL, 2015).
A doutrina da situação irregular que prevaleceu praticamente até o advento da Constituição Federal de 1988, passando pelo Código de Menores de 1979, era refletida negativamente nas Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (as conhecidas FEBEM’s).
Com a promulgação da CF/88 e a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, passou-se à doutrina da proteção integral ao menor. Desde então, não houve mais regresso.
A partir desta visualização histórica, como vamos deixar de afirmar que a redução da maioridade penal no Brasil não é retrocesso?
Seja considerando tratados internacionais de direitos humanos equivalentes a emendas constitucionais, seja interpretando a fixação do limite da maioridade como cláusula pétrea constitucional, ou ainda, aplicando o princípio do não retrocesso dos direitos humanos, a redução da maioridade penal no Brasil é formalmente e materialmente inviável.
Se, de um lado, temos uma realidade social que grita por outra solução, de outro, temos um sistema efetivo de leis, normas internacionais e disposições constitucionais que apontam para o caminho oposto do que o que o projeto de lei quer adotar.
Conclusão: Solução legislativa ou efetivo exercício das leis existentes?
Paira sobre a imaginação popular que os grandes problemas sociais são resolvidos com edição de leis. A história nos mostra justamente o contrário.
Conforme pudemos observar no decorrer de nossa pesquisa, as normas que compõem o ordenamento jurídico atual (incluindo as normas internas e internacionais aprovadas) são suficientes para garantir a punição e efetiva ressocialização de adolescentes e crianças infratoras. Mas, infelizmente, a realidade nacional nos mostra que poucos dos princípios listados nestes diplomas são respeitados.
Qual estabelecimento prisional respeita integralmente os dispositivos da Lei de Execuções Penais? Em qual lugar do Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente é efetivamente aplicado? Quais direitos humanos reconhecidos são verdadeiramente protegidos pelo Estado?
Não precisamos de mudanças legais para resolver problemas sociais. Precisamos de efetividade na proteção do mínimo existencial, de real distribuição de renda, de eliminação do preconceito classista, de um olhar para as minorias, de outorga de voz para os que não têm.
A vontade do Poder Legislativo não é consolidar a democracia em frente aos clamores populares para a redução da maioridade penal, mas realizar verdadeira vingança pública contra aqueles que foram, muitas vezes, deixados de lado pela própria sociedade.
Nossa intenção não é transformar o infrator em vítima, mas mostrar que a medida que está sendo debatida atualmente não é eficaz.
Diante de todo o discutido, vemos além da mera inconveniência na redução, vemos a impossibilidade da aprovação da proposta de emenda constitucional frente ao não retrocesso social, princípio reconhecido internacionalmente.
Nas palavras de SOUZA (s/d, p. 10):
“Desta maneira, e apenas desta maneira, baseando nossa atividade na adoção de medidas sócio-educativas para os jovens, e buscando a estabilidade familiar, orientando a sociedade para seus deveres, e acionando o Estado para atuar nas falhas, se poderá ganhar esta guerra.
E, pelo amor de Deus, não tentemos aplicar aos jovens, ‘soluções’ que até hoje apenas agravam os problemas, não funcionando nem para os adultos.”
Bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sócio do Vaz Rosa Advogados. Membro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor IDEC. Membro dos Advogados Sem Fronteiras ASF-BRASIL. Pesquisador de temas ligados a Direitos Humanos Direito Constitucional e Antropologia Jurídica
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