Resumo: Aborda a responsabilidade dos Estados e Municípios decorrente das terceirizações, à luz da Constituição e da legislação infraconstitucional, realizando uma análise da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho em face dos pressupostos da responsabilidade por omissão. Defende a tese da ausência de competência para fiscalização das normas trabalhistas pelos Estados e Municípios, bem como a consequente ausência de culpa in vigilando. Conclui pela exclusiva competência da União pela inspeção do trabalho e possibilidade de ação regressiva em face dela proposta pelos Estados e Municípios pelas condenações sofridas com fulcro na Súmula 331 do TST.
Palavras-chave: Terceirização. Fiscalização das normas trabalhistas. Competência material exclusiva da União. Responsabilidade por omissão. Direito do Trabalho.
1. A SÚMULA 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO APÓS O PROVIMENTO DA ADC Nº 16 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Em 31 de maio de 2011, por meio da Resolução nº 174/2011, o Tribunal Superior do Trabalho promoveu a alteração da sua Súmula 331que passou a ter o seguinte teor:
“SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 (…)
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.” (Grifo Nosso).
A alteração da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho se deu após o provimento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, [1] em que o Supremo Tribunal Federal houve por bem dar provimento para reconhecer a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93 e proibir a transferência automática dos encargos trabalhistas, resultantes da execução do contrato, à administração.
Antes do provimento da ADC nº 16, a justiça laboral vinha condenando subsidiariamente, de forma reiterada, todos os entes públicos, pelo tão só fato de ser tomador de serviços e a empresa contratada ser inadimplente em relação a verbas trabalhistas dos seus empregados; presumia-se, portanto, a culpa in vigilando da Administração e transferia-se a obrigação pelo pagamento de todas as verbas trabalhistas, inclusive multas, caso a empresa prestadora – responsável principal – não tivesse meios para arcar com os valores devidos.
Com a Resolução nº 174/2011, o Tribunal Superior do Trabalho altera o verbete da Súmula 331 para fins de adequá-la ao teor da decisão proferida na ADC nº 16.
Diante desse novo panorama, o Tribunal Superior do Trabalho continua atribuindo à Administração Pública a responsabilidade subsidiária em caso de inadimplemento das verbas trabalhistas, “desde que evidenciada a conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n° 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora”.
Todavia, não nos parece que os Municípios e Estados possam ser responsabilizados subsidiariamente pelo inadimplemento das verbas trabalhistas, ante a constatação de que não existe fundamento constitucional e legal para tanto.
2. A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E A NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA.
Em sede de responsabilidade civil, o ordinário é que cada um responda pelo dano que provocou, ou seja, a responsabilidade é individual e direta. Aquele que causou prejuízo a outrem será o responsável pela indenização.
No entanto, em determinadas situações, a lei excepcionalmente pode atribuir a pessoa diversa da que provocou o dano a responsabilidade pela reparação. São as hipóteses de responsabilidade por fato de outrem.
Responsabilidade por fato de outrem ocorre quando a lei cria um dever de cuidado, proteção em relação ao bem jurídico tutelado e que, por isso, eventual omissão[2] nesse dever ensejará a condenação do responsável.
Nesses casos, ao responsável será atribuída a responsabilidade – solidária ou subsidiária – pelo dano causado.
Em nosso ordenamento jurídico, muitos são os eventos que podem ensejar a responsabilidade por fato de outrem.
No Código Civil as hipóteses de responsabilidade por fato de outrem estão previstas nos artigos 932 e 933 do Código Civil. Os pais, os tutores, curadores, empregadores e donos de hotéis foram juridicamente obrigados a responder pelos atos praticados, respectivamente, pelos filhos, tutelados, curatelados, empregados e hóspedes. Nessas situações, o Código Civil atribui ao responsável a solidariedade pelo cumprimento da obrigação, consoante dispõe o parágrafo único do artigo 942 do Código Civil.
O Código Tributário Nacional também contemplou as hipóteses de responsabilidade por fato de terceiros no artigo 134, elencando diversas pessoas que, em virtude do dever de vigilância que ostentam, são responsáveis pelo pagamento de tributos. Cite-se, como exemplo, a situação do tabelião que é solidariamente responsável pelos tributos devidos pelos atos perante ele praticados.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, por sua vez, no artigo 455,[3] recepcionou a responsabilidade por fato de terceiro, nos casos de subempreitada, onde o empreiteiro principal fica subsidiariamente responsável pelas obrigações devidas pelo subempreiteiro.
Em relação à responsabilidade por fato de outrem, Sérgio Cavalieri Filho ensina que:
“Na realidade, a chamada responsabilidade por fato de outrem – expressão originária da doutrina francesa – é responsabilidade por fato omissivo próprio, porquanto as pessoas que respondem a esse título terão sempre concorrido para o dano por falta de cuidado ou vigilância. Assim, não é muito próprio falar em fato de outrem. O ato do autor material do dano é apenas a causa imediata, sendo a omissão daquele que tem o dever de guarda ou vigilância a causa mediata, que nem por isso deixa de ser causa eficiente”.[4]
A responsabilidade por fato de outrem ou de terceiros, dessarte, nada mais é do que uma responsabilidade por omissão. Omissão no dever de vigilância que tem como consequência gerar o dever de responder solidariamente ou subsidiariamente pelo evento danoso.
Ainda trilhando nos ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho:
“Em suma, só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado. Se assim não fosse, toda e qualquer omissão seria relevante e, conseqüentemente, todos teriam contas à prestar à Justiça”[5].
Tanto a previsão do dever de cuidado[6] quanto a consequência jurídica devem estar previstas em lei, sem as quais não será possível atribuir responsabilidade a terceiro que não o causador imediato do dano.
Quanto à consequência que deriva da ausência do dever de vigilância, o artigo 265 do Código Civil foi expresso ao afirmar que “solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes[7]”, regramento aplicável à responsabilidade subsidiária, pois, conforme aduzem Pablo Stolze Gabliano e Rodolfo Pamplona Filho, a responsabilidade subsidiária “nada mais é do que uma forma especial de solidariedade, com benefício ou preferência de excussão de bens de um dos obrigados (…)”. [8]Ambas constituem reforço do cumprimento da obrigação, com a diferença de que na responsabilidade solidária o credor pode exigir indistintamente o cumprimento de qualquer dos devedores, enquanto na responsabilidade subsidiária o credor deve buscar inicialmente a satisfação pelo responsável principal, para, tão somente, depois de constatada a ausência de patrimônio solvente, direcionar a execução em face do devedor subsidiário.
Assim, a responsabilidade subsidiária, como espécie de responsabilidade solidária, também requer previsão legal. Aliás, esse foi o entendimento encampado pelo Tribunal Superior do Trabalho ao editar a Orientação Jurisprudencial nº 191 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Coletivos (SDI-1), in verbis:
“CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE
Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.” (Grifo Nosso).
Feitas essas considerações iniciais, é necessário, então, perquirir se existe uma previsão legal, com amparo constitucional, que crie a obrigação de fiscalização pelos entes públicos e consequentemente autorize uma responsabilização subsidiária da Fazenda Pública, tal qual previsto na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
3. A COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO PARA ORGANIZAR, MANTER E EXECUTAR A INSPEÇÃO DO TRABALHO. ARTIGO 21, INCISO XXIV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Além de possuir competência privativa para legislar sobre direito do trabalho, à União, nos termos do art. 21, inciso XXIV, da Constituição Federal, foi atribuída competência material exclusiva[9] para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho[10].
No escólio de Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos: “cabe-lhe, além da manutenção, a execução de tais serviços de inspeção, com o que empalma a União todos os aspectos referentes ao controle e fiscalização do trabalho, para que se impeça a exploração do homem ou, no dizer de Cesarino Junior, do hipossuficiente”[11].
No exercício de sua competência privativa para legislar e exclusiva para fiscalizar, a União editou a Lei nº 10.593, de 06 de dezembro de 2002, dispondo sobre a organização da Carreira de Auditoria-Fiscal do Trabalho. Em seu art. 11 este diploma legislativo enumerou as competências administrativas desses servidores federais, in verbis:
“Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:
I – o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego;
II – a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, visando à redução dos índices de informalidade;
III – a verificação do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, objetivando maximizar os índices de arrecadação;
IV – o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho celebrados entre empregados e empregadores;
V – o respeito aos acordos, tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário;
VI – a lavratura de auto de apreensão e guarda de documentos, materiais, livros e assemelhados, para verificação da existência de fraude e irregularidades, bem como o exame da contabilidade das empresas, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 17 e 18 do Código Comercial.
Parágrafo único. O Poder Executivo regulamentará as atribuições privativas previstas neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho outras atribuições, desde que compatíveis com atividades de auditoria e fiscalização.” (Grifo Nosso).
Nos ditames do artigo supracitado, os Auditores-Fiscais do Trabalho, servidores de carreira da União, gozam de atribuições privativas para fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares no âmbito das relações de trabalho, em todo o território nacional.
Vê-se, portanto, que os Estados e Municípios foram alijados da tarefa constitucional de fiscalização do trabalho. Sérgio Pinto Martins, ao tratar do tema, aduz que: “a inspeção do trabalho é privativa dos agentes federais, e é vedada a agentes do poder municipal e estadual”. [12]
É importante esclarecer que inspeção do trabalho significa exame, vistoria, sindicância, fiscalização. Mencionada expressão foi tradicionalmente utilizada pela Organização Internacional do Trabalho, todavia, provavelmente pela conotação negativa de cunho repressora,[13] foi paulatinamente abandonada pelas leis brasileiras. O atual cargo de Auditor- Fiscal do Trabalho foi originalmente designado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 6.479, de 9 de Maio de 1944, como Inspetor do Trabalho, depois passou a ser chamado de Fiscal do Trabalho pelo artigo 1º da Lei nº 6.986, de 13 de abril de 1982, para, tão somente por meio da Lei nº 10.593, de 06 de dezembro de 2002, adquirir a denominação atual.
Portanto, a inspeção do trabalho – que é sinônima de fiscalização do trabalho – não pode ser atribuída a órgãos estaduais e municipais, sob pena de violação do sistema de competências estabelecido na Constituição de 1988. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI nº 953, já assentou que em matéria de fiscalização do trabalho somente a União pode legislar e implementá-la, in verbis, segue a ementa:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 417, DE 02.03.93, DO DISTRITO FEDERAL. ARTS. 21, XXIV E 22, I DA CF. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA IMPLEMENTAR AÇÕES FISCALIZATÓRIAS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO. É pacífico o entendimento deste Supremo Tribunal quanto à inconstitucionalidade de normas locais que tenham como objeto matérias de competência legislativa privativa da União. A norma sob exame, ao criar regras e prever sanções administrativas para se coibir atos discriminatórios contra a mulher nas relações de trabalho, dispôs sobre matéria de competência legislativa outorgada à União. Viola, ainda, o diploma impugnado, o art. 21, XXIV, da CF, por atribuir poder de fiscalização, no âmbito do trabalho, a ente da Federação que não a União. Ação direta que se julga procedente, para se declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 417/93, do Distrito Federal”. (ADI 953, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2003, DJ 02-05-2003 PP-00025 EMENT VOL-02108-01 PP-00036)[14] (Grifo Nosso)
Dessa forma, o inciso V da Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho assim como a jurisprudência amplamente majoritária da Justiça do Trabalho incorrem em erro quando atribuem aos Estados e Municípios o ônus pela fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas das empresas contratadas.
A Constituição Federal não autorizou os Estados e Municípios a fiscalizar as relações trabalhistas; somente pode ser responsabilizado por fiscalização deficiente ou ausência de fiscalização quem tem o ônus de fiscalizar.
4. A LEI 8.666/93 E A FISCALIZAÇÃO DAS VERBAS TRABALHISTAS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
O tema das licitações e contratos travados pelo Poder Público foi tratado basicamente em dois dispositivos constitucionais.
No artigo 22, inciso XXVII[15], a Constituição Federal estabeleceu a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos. Enquanto no artigo 37, inciso XXI[16], prescreveu-se a obrigatoriedade de licitação para todos os entes públicos, bem como reservou-se à lei que as exigências nas licitações sejam restritas à qualificação técnica e econômica e desde que indispensáveis ao cumprimento das obrigações.
Dessarte, o poder constituinte originário reservou à União a competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos, ao passo em que se preocupou em limitar o campo da regulamentação legal[17], tolhendo quaisquer exigências que não sejam de ordem técnica e econômica.
Para fins do artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal, foi editada em 21 de junho de 1993 a Lei 8.666, estabelecendo as normas gerais de licitações e contratos.
Na Lei de Licitações os artigos 27[18], 28, 29[19], 30 e 31 especificaram exaustivamente todos os documentos que podem ser exigidos por ocasião da licitação e durante a execução do contrato administrativo.[20]A documentação mencionada nesses dispositivos legais é taxativa, sem possibilidade de alargamento. Imprescindível, neste ponto, transcrever os apontamentos de Jessé Torres Pereira Jr.:
“Ainda no que toca às generalidades dos documentos exigíveis na fase se habilitação, sublinhe-se que o ato convocatório padecerá de vício de ilegalidade se exigir qualquer documento, por mais plausível que pareça, imprevisto nos arts. 27 a 31. […] A lei nova introduz alteração importante ao enunciar os documentos que os atos convocatórios de licitação podem exigir, na fase de habilitação preliminar. Na legislação anterior, os documentos compunham relações meramente exemplificativas. A redação adotada pelo novo estatuto estabelece relações numerus clausus, vedando que a Administração demande a apresentação de qualquer prova diversa daquelas inscritas no texto da lei. Suprimiu, no pertinente àquelas qualificações, o espaço discricionário e criou vinculação estrita. Poderá a Administração deixar de exigir todos os documentos previstos, atendendo à simplicidade do objeto a ser licitado, porém não poderá exigir documento diverso do previsto na lei, sob pena de exceder-se no exercício do dever geral de licitar e sujeitar-se à invalidação da exigência indevida, mantidas apenas aquelas que se compatibilizarem com a provisão legal ”[21]
Dentre os documentos que podem ser exigidos na fase de habilitação – e, por força do artigo 55, inciso XIII da Lei, durante a fase contratual – que têm alguma correlação com as obrigações trabalhistas verifica-se a existência apenas daqueles concernentes: a) à comprovação da regularidade em face da Previdência Social e ao Fundo de Garantida por Tempo de Serviço (art.29, inciso IV) e b) à prova pelo licitante de que não faz uso de mão-de-obra de menor de 18 anos em atividades noturnas, perigosas ou insalubres, ou de qualquer trabalho de menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos (art. 27, inciso V).[22]
Reconhecendo o Legislador que a Administração Estadual e Municipal não têm meios para fiscalizar as empresas contratadas, em 7 de julho de 2011 foi promulgada a Lei nº 12440. Esse diploma legislativo promoveu alterações nos artigos 27 e 29[23] da Lei de Licitações, além de acrescentar o artigo 642-A ao corpo da CLT.
A Lei é de constitucionalidade duvidosa, porque promove uma implícita transferência de competência material de fiscalização do trabalho que foi outorgada com exclusividade à União (art. 21, inciso XXIV, da Constituição Federal); e também porque excede as exigências de qualificação técnica e econômica, previstas no artigo 37, inciso XXI. A partir da sua vigência, uma única condenação trabalhista transitada em julgado, por mais irrisória que seja, desde que inadimplida, poderá impedir a participação de uma empresa nos processos de licitação, violando também o princípio da proporcionalidade.
Não obstante, tendo em vista a presunção de constitucionalidade que deriva das leis, a partir da vigência da Lei nº 12440 – que ocorrerá em 04 de janeiro de 2012- os licitantes deverão comprovar a regularidade trabalhista para concorrência nas licitações públicas.
A novel legislação, no entanto, não deixou ao sabor do interprete dizer como deve ser comprovada a regularidade trabalhista. O artigo 642-A da CLT prescreveu que sua prova se dá mediante a apresentação de Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas ou com Certidão Positiva com Efeitos de Negativa.
Pelos termos da lei, a certidão negativa pressupõe a existência de decisão transitada em julgado. Assim, se o licitante estiver sendo demandado na Justiça Trabalhista e não houver decisão definitiva, não será possível negar-lhe o direito de participar das licitações públicas.
Adotou-se, nesse ponto, o mesmo tratamento que já vinha sendo dado com relação à comprovação de regularidade de FGTS e INSS prevista no artigo 29, inciso IV da Lei.
Jessé Torres Pereira Júnior[24], bem como Celso Antônio Bandeira de Melo[25], citando entendimentos no mesmo sentido de Sidney Martins, Marçal Justen Filho, Lúcia do Valle Figueiredo, já afirmavam que regularidade não significa quitação. A regularidade admite a existência de débitos com exigibilidade suspensa, como, p. ex, parcelamentos e liminares em ações anulatórias de débitos fiscais e todas as outras situações descritas no artigo 151 do Código Tributário Nacional[26]. Em função disso, o licitante ou a empresa contratada podia ter débitos de FGTS parcelados e, nem por isso, poderia a Administração impedir sua participação no certame ou aplicar qualquer penalidade à empresa prestadora de serviços.
Agora esse entendimento também será dado em relação à regularidade trabalhista. Para a comprovação do seu cumprimento, será suficiente a apresentação de certidão negativa, ou negativa com efeitos de positiva, que a Justiça do Trabalho terá que expedir sempre que os débitos trabalhistas estiverem garantidos por penhora, com exigibilidade suspensa ou em todos os casos em não houver trânsito em julgado da sentença condenatória.
Exigida pela Administração a CNDT e a comprovação de regularidade de FGTS, no que concerne à Lei de Licitações não existirá nenhuma outra obrigação com relação às verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa terceirizada, sendo inviável a imputação de uma obrigação por suposta culpa in vigilando ou in eligendo.
A Lei nº 12440/11 só vem para corroborar o que aqui se defende. Nunca houve supedâneo legal para os Estados e Municípios fiscalizarem as empresas terceirizadas.
A obrigação de exigir a regularidade de FGTS e, a partir de 04 de janeiro de 2012, a obrigação de exigir a regularidade trabalhista jamais poderiam significar fiscalização. Nos termos do artigo 11 da Lei nº 10.593, de 06 de dezembro de 2002, bem como do artigo 21, inciso XXIV da Constituição Federal, é atribuição exclusiva dos Auditores-Fiscais do Trabalho a fiscalização do trabalho.
Posto isso, a fiscalização tratada na Lei 8.666/93, em especial no artigo 67, não é quanto ao cumprimento da legislação trabalhista: seu objetivo é garantir que a Administração não receba obra, serviço ou bens com vícios ou defeitos de qualidade; que o Erário não tenha prejuízo durante a execução do contrato recebendo menos do que o que foi contratado. Reforçam esse entendimento as lições do ilustre administrativista Hely Lopes Meirelles ao discorrer sobre o alcance da fiscalização, in verbis:
“A fiscalização da execução do contrato abrange a verificação da matéria e do trabalho, admitindo testes, provas de carga, exame de qualidade, experiências de funcionamento e de produção, e tudo mais que se relacionar com a perfeição da obra, do serviço ou do fornecimento. A sua finalidade é assegurar a perfeita execução do contrato, ou seja, a exata correspondência dos trabalhos com o projeto ou com as exigências previamente estabelecidas pela Administração, tanto nos seus aspectos técnicos quanto nos prazos de realização, e, por isso mesmo, há de pautar-se pelas cláusulas contratuais, pelas normas regulamentares do serviço e pelas disposições do caderno de obrigações, se existente.” [27]
A Lei de Licitações e Contratos teve por escopo a garantia da isonomia entre os licitantes, garantia da concorrência, transparência na aplicação do dinheiro público, garantia de qualidade e quantidade do objeto contratado, todavia não tratou em sua redação original de normas protetivas aos direitos dos trabalhadores, tampouco sobre fiscalização do trabalho; e não porque foi omissa, mas porque foge do seu campo de regulamentação[28].
A Constituição e a Lei 8.666/93 não autorizam que as Fazendas Públicas Estaduais e Municipais façam auditorias trabalhistas nas empresas contratadas exigindo documentos diversos daqueles previstos nos arts. 27 a 31 da Lei 8.666/93. Somente os auditores do trabalho, servidores integrantes do Ministério do Trabalho e Emprego, podem exercer a fiscalização do trabalho.
Administração Pública Estadual e Municipal estão impedidas de exigir das empresas contratadas registros de ponto dos empregados, comprovantes de pagamentos de salários, horas-extras, férias, décimo terceiro salário, comprovantes de pagamento de FGTS e contribuições previdenciárias, pois certamente implicará usurpação da competência exclusiva da União.
Ressaltando que a Administração Pública está jungida ao princípio da legalidade, que no âmbito administrativo tem conotação diferenciada, “ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize”[29]. Nesse passo, é inconcebível que Administração Pública Estadual e Municipal, sobretudo no âmbito do poder de polícia, possam restringir o acesso à licitação e punir aquelas empresas já contratadas sem amparo legal, tornando-se inválido o ato perpetrado por agente que não tem competência para regular a matéria e tampouco fiscalizá-la[30].
De outro lado, não seria lógico que a Lei de Licitações, no artigo 71, §1º, retirasse do tomador de serviços a responsabilidade pelos encargos trabalhistas e, mesmo assim, mantivesse obrigações de fiscalização destas mesmas verbas. Por isso, é no mínimo estranha a previsão contida no inciso V da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho de uma suposta obrigação de fiscalização do cumprimento de obrigações trabalhistas pautada na Lei nº 8.666/93.
As obrigações do tomador impostas pela Lei de Licitações, no que tange às verbas trabalhistas, restringem-se à exigência de regularidade de FGTS e à apresentação de CNDT, essa última somente será exigível nas licitações posteriores a 04 de janeiro de 2012, data em que entra em vigência a Lei 12.440/11.
5. A EXTENSÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
O Tribunal Superior do Trabalho, por meio do inciso VI da Súmula 331, delimitou a extensão da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços ao aduzir que ela abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
A ausência de discriminação das verbas trabalhistas para fins de transferência de responsabilidade por fato omissivo não parece ser o melhor critério a ser adotado. Certamente é o mais cômodo, todavia não é o mais técnico.
A responsabilidade que decorre do inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora de serviços só pode ser de ordem extracontratual, eis que o § 1º do artigo 71 expressamente exclui qualquer responsabilidade de natureza contratual. Portanto, em se tratando de responsabilidade aquiliana, pressupõe ação ou omissão, dano e nexo de causalidade.
Todavia, em relação a quase totalidade das verbas trabalhistas, não é possível vislumbrar o nexo entre a omissão estatal e o dano no que tange aos Estados e Municípios.
Conforme já exposto, as limitações impostas pela Lei 8.666/93 e pela Lei nº 10.593 impedem que os Estados e Municípios exijam das empresas contratadas documentação diversa da relativa à exigência de regularidade de FGTS e à apresentação de CNDT.
Atualmente, eventual nexo de causalidade só pode ser vislumbrado, no máximo, em relação ao FGTS, única obrigação trabalhista que a Fazenda Pública pode exigir com fulcro na Lei 8.666/93. Como já dito alhures, a obrigação de comprovar na licitações e contratos a regularidade trabalhista só virá com a vigência da Lei 12.440/11.
A União, todavia, possui poderes amplos de fiscalização e pode exigir o cumprimento de todas as obrigações trabalhistas, podendo adentrar em qualquer estabelecimento comercial, apreender documentos e aplicar penalidades, verificando, p.ex., a duração máxima da jornada de trabalho, o recolhimento de FGTS e contribuições previdenciárias, o pagamento das horas-extras e adicionais, a concessão de férias vencidas, o pagamento de adicionais de insalubridade e periculosidade.
No que tange à multa prevista no artigo 467 da CLT, a situação ainda é pior, porque não existe nexo de causalidade em relação à União, aos Estados e Municípios. Incide a multa do artigo 467 da CLT quando o empregador não realiza o pagamento das verbas rescisórias incontroversas na primeira audiência trabalhista.
Impõe-se uma penalidade em virtude da atitude protelatória do empregador em pagar ao empregado as verbas que não estão sendo impugnadas. Aquele que age com deslealdade processual e protela o pagamento pagará as verbas incontroversas acrescidas de cinquenta por cento.
Referida multa tem natureza processual, semelhante às multas por violação dos deveres processuais de boa-fé previstas nos artigos 18 e 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil e só pode ser imposta àquele que tinha a obrigação de efetuar o pagamento em audiência.
Os entes públicos só procedem aos pagamentos de condenações mediante requisição de pequeno valor ou precatório, sendo impossível o adimplemento de verbas incontroversas em primeira audiência, por isso, a multa é restrita a quem violou o dever processual, ou seja, à empresa prestadora de serviços. Certamente, portanto, sua imposição aos entes públicos conflita com o artigo 100 da Constituição Federal.
O certo é que as verbas trabalhistas que compõe a condenação têm natureza e origem diversas e não podem ser tratadas de forma igualitária, sendo imprescindível uma análise dos pressupostos da responsabilidade civil quanto a cada uma das parcelas que compõe a condenação.
6. CONCLUSÃO.
Portanto, conclui-se que os Estados, Distrito Federal e Municípios, tanto sob o enfoque constitucional, quanto sob o enfoque infraconstitucional, não têm dever jurídico de fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas.
A Constituição, no art. 21, inciso XXIV, outorgou com exclusividade à União a tarefa de fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas, dessarte, somente a ela podendo ser imputada a culpa in vigilando.
Os Estados e Municípios terão cumprido todas as obrigações relativas à eleição e fiscalização contratual se comprovada a exigência da documentação prevista nos arts. 27, 28, 29, 30 e 31 da Lei 8.666/93, sendo descabida qualquer outra exigência por parte da Justiça Laboral.
Até o presente momento, a única exigência de cunho supostamente trabalhista que a Lei 8.666/93 autoriza é a prova de regularidade perante o FGTS. A partir da vigência da Lei nº 12440/11 deverá a Fazenda Pública contratante exigir a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, tendo aí esgotada a atuação dos Estados e Municípios contratantes.
A União, no entanto, é a detentora exclusiva do poder de polícia relativo ao cumprimento de obrigações trabalhistas e a Súmula 331 do TST somente incide em sua integralidade quando ela for a tomadora de serviços. Os Auditores-Fiscais do Trabalho podem fiscalizar amplamente os empregadores, não estando restritos aos limites autorizados pela Lei 8.666/93.
Contraria o ordenamento jurídico que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sejam condenados a reparar as obrigações trabalhistas quando não há previsão legal que autorize a eles o exercício da fiscalização trabalhista. Qualquer condenação com fundamento na responsabilidade pela fiscalização do cumprimento das normas trabalhistas representará violação direta e literal do artigo 21, inciso XXIV da Constituição Federal. Não se pode exigir de uma pessoa, seja física ou jurídica, a obrigação de reparar um dano causado por terceiro, quando, além de não ter obrigação de evitar o resultado, estiver por imperativo constitucional vedada sua atuação.
Nesse passo, considerando as inúmeras demandas trabalhistas cujos Estados e Municípios foram condenados nos últimos 5 anos[31], com fulcro na culpa in vigilando, poderão os Estados e Municípios se valer de ação regressiva (actio de in rem verso) em face da União, para obter a totalidade daquilo que foi indevidamente pago.
Nunca é demais repisar que não existe responsabilidade por fato de outrem (ou responsabilidade subsidiária) sem a consequente determinação legal que coloque o responsável na posição de garantidor, que institua o dever de guarda, zelo e proteção.
Por todos os fundamentos jurídicos expostos, ainda que por meio de alguma técnica hermenêutica ou princípio jurídico se consiga extrair a obrigação dos Estados e Municípios de fiscalizar e consequentemente responder pelo pagamento das verbas trabalhistas não quitadas pelas empresas contratadas, apresenta-se juridicamente difícil imaginar a situação em que a responsabilidade pela vigilância das obrigações trabalhistas seja exclusivamente atribuída aos Estados e Municípios, devendo, por isso, ser revista a atual jurisprudência trabalhista.
Procurador do Distrito Federal. Ex- Procurador do Estado de Roraima. Ex- Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Público pela UnB
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…