Acesso à ordem jurisdicional justa e efetiva: um estudo sobre as recentes reformas no sistema processualista civil

Resumo: Neste trabalho propomos discutir a garantia de acesso da população a uma ordem jurisdicional justa, célere e efetiva, tendo por base o posicionamento doutrinário, jurisprudencial e legal brasileiros, sob a perspectiva das recentes reformas introduzidas ao sistema processualista civil, abordando, ainda, outros temas correlacionados. Buscamos ressaltar a importância da constante adequação do direito aos ensejos sociais, a fim de combater os entraves existentes na esfera da justiça, dos quais destacamos a morosidade e o alto custo processual, o retardo na prestação jurisdicional devido à procrastinada atuação de má fé, o rigor instrumental das formas processuais. Buscamos também passar ao leitor a importância do embate social e democrático em torno dos entraves do Judiciário. Mediante o recurso metodológico da pesquisa bibliográfica e documental, abordamos a discussão procurando demonstrar a importância e a necessidade da eficácia das garantias jurídicas de acesso à justiça, balizadas pelos princípios constitucionais e gerais do direito, tuteladas pelo arcabouço legal do Estado de Direito. Os questionamentos em curso e o aprofundamento teórico efetivado levou-nos a concluir pela necessidade constante de atualização do ordenamento jurídico em face da dinâmica e complexidade sociais contemporâneas, com a inserção de instrumentos voltados à celeridade processual e à efetivação dos direitos.

Palavras-chave: Devido Processo Legal. Ondas de acesso à Justiça. Instrumentos processuais. Celeridade e efetividade jurisdicional.

Abstract: In this work, we discuss the security of the population access to a court order just, speedy and effective, based on the positioning doctrinal, legal and jurisprudential Brazilians, from the perspective of recent reforms to the civil procedurals system, covering also other topics correlated. We seek to highlight the importance of constant adaptation of law to social same desires in order to tackle barriers existing in the sphere of justice, of which we highlight the high cost and lengthy procedural delay in adjudication due to procrastinated acting in bad faith, the rigor instrumental forms of procedure. We also tried to move the reader the importance of social and democratic struggle around the barriers of the judiciary. With methodological literature and documents, approach the discussion seeking to demonstrate the importance and necessity of the effectiveness of legal guarantees of access to justice, buoyed by the constitutional principles and general law, overseen by the legal framework of the rule of law. Questioning ongoing and deepening theoretical effected led us to conclude that constant need to update the law in the face of contemporary social dynamics and complexity , with the insertion of instruments aimed at speedy trial and execution rights.

Keywords: Due Process of Law. Waves of access to justice. Procedural instruments. Speed ​​and effectiveness of court.

Sumário: Apresentação. 1. O Estado de Direito no contexto do Brasil redemocratizado e seus princípios constitucionais. 1.1. Dos Princípios Constitucionais. 1.1.1. Do Princípio do Devido Processo Legal. 1.1.2. Dos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. 1.1.3. Do Princípio da Legalidade. 1.1.4. Do Princípio da Verdade Real dos Fatos. 1.1.5. Do Princípio da Lealdade e da Boa Fé Processuais. 2. Efetividade na prestação jurisdicional: os entraves e seus instrumentos processuais punitivos. 3. Os instrumentos processuais voltados à celeridade e à efetivação dos direitos. 3.1. Da necessidade constante de reforma do Judiciário: a terceira onda de acesso à justiça. Considerações finais.

Apresentação

Este trabalho tem como propósito discutir as recentes reformas introduzidas no sistema processualista civil com vistas a restringir os entraves no acesso a justiça no Brasil. Com este estudo buscamos nos apropriar da discussão acerca de questões amplamente debatidas no direito, embora longe de um encaminhamento consensual, as quais se referem a alguns dos problemas enfrentados pelo Judiciário como a morosidade e o alto custo processuais, a atuação de algumas partes com má fé a fim de procrastinar o percurso da lide, todos aqui analisados à luz dos princípios constitucionais orientadores do Estado Democrático de Direito brasileiro e dos fundamentos doutrinários e jurisprudenciais.

As razões teóricas e os motivos de ordem prática que nos levaram a versar sobre a temática se baseiam nas garantias jurídicas de acesso à justiça que devem prevalecer como condições fundamentais da vida social democrática, norteadas pelos princípios constitucionais e tuteladas pelo arcabouço legal do Estado de Direito, cuja base estrutural é a própria lei e a sujeição a essa pelos indivíduos. Sobrepesou especialmente uma motivação lastreada no nosso interesse pelo campo do direito processualista cível, uma área que abrange todas as demais do direito, por tratar dos interesses da coletividade e da instrumentalização pelo qual os direitos são tutelados em litígio.

Partimos do entendimento de que os sistemas processualistas civis são construções históricas, forjados a partir de embates políticos, jurídicos, econômicos, sociais e culturais enfrentados em cada espaço nacional e, destes, com o contexto internacional. São processos complexos que sofrem retrocessos quando da assunção de regimes autoritários, mas, em ambientes democráticos, propiciam avanços no rol de direitos e garantias, embora constitua sempre um desafio assegurar a todos os preceitos vislumbrados no Estado Democrático de Direito.

Assim também devemos observar a realidade jurídica brasileira, pois sua construção carrega a marca dos embates e arranjos históricos, traduz uma projeção de nação. Nesse processo, a luta por uma ordem jurídica mais justa e efetiva, além do lento percurso, enfrentou percalços ora denotando retrocessos em seus procedimentos ora evidenciando avanços processuais reconhecidos mundialmente, como é o caso da instalação dos Juizados Especiais Cíveis, regulados pela Lei nº. 9.099/1995.

Com base nessas reflexões, as dificuldades encontradas no acesso e efetivação da prestação jurisdicional brasileira, como esta se expressa e é abordada no campo da doutrina e da prática jurídica, nos pareceram relevantes, uma vez que envolve a satisfação de demandas não só de natureza cível, mas todas em geral, por ser o processo civilista o codex norteador de todos os outros processos, mesmo que de maneira subsidiária. Dessa forma, sua relevância está relacionada ao que se considera sejam os interesses da coletividade, constituindo, pois, um espaço de tensão e de disputa política e jurisdicional, com vista à efetivação dos direitos.

 O propósito que guiou este estudo foi o de aprofundar o nosso conhecimento a respeito da temática e contribuir com o debate acerca dos entraves ao bom jurisdicional da lide, quais sejam: o rigor instrumental das formas processuais, a atuação com má fé por parte litigante e seus procuradores, a morosidade e lentidão para solução dos litígios, bem como a sensação de impunidade e não efetivação dos direitos, entre outros. Sobretudo colocar em evidência que tais ingredientes funcionam como um freio ao pleno exercício do direito. 

A partir dessa discussão aludimos à possibilidade de uma reforma estrutural no processo civil brasileiro, capaz de torná-lo condizente com a realidade processual e saneadora de problemas existentes em nosso Judiciário. Para a qual concorre a promulgação do Novo Código de Processo Civil, bem como com a aprovação da PEC dos Recursos (PEC 15/2001), que trazem mecanismos hábeis de coibir práticas cerceadoras da efetividade dos direitos.

Para o desenvolvimento deste estudo recorremos à abordagem histórica de processos sociais, em especial a trajetória de efetivação de garantias no Estado de Direito no Brasil redemocratizado. A abordagem dedutiva, tendo por base teorias doutrinárias, normas positivadas e o posicionamento dos Tribunais brasileiros possibilitaram a apreensão da prestação constitucional que o acesso ao Judiciário concretiza, bem como a necessidade de uma efetiva e célere prestação jurisdicional. Ainda como procedimento metodológico foi utilizado o método observacional, sendo analisada a efetivação e eficácia de instrumentos processuais, buscando questionar o liame entre a norma positivada e a sua aplicação ao caso concreto.

A presente monografia foi desenvolvida com base em uma pesquisa bibliográfica e documental, recorrendo-se a literatura jurídica e doutrinária pertinente à temática e a legislação brasileira concernente, mediante a aproximação com a produção de doutrinadores de reconhecida relevância no campo do ordenamento jurídico, fazendo uso, quando necessário, de sítios eletrônicos. Destacamos que as reflexões que serviram de base ao nosso estudo são da lavra doutrinária de Alexandre Freire Câmara, Bernardo Sorj, Carlos Augusto de Assis, Cesar Asfor Rocha, Fredie Didier Jr., José Afonso da Silva, Kant, Misael Montenegro Filho, Nelson Nery Jr., Renato Saraiva, Theotonio Negrão.

Estruturamos este trabalho em quatro capítulos, com o primeiro apresentando a temática do Estado Democrático de Direito, situando sua reconstrução, avanços e consolidação no Brasil após longo período de exceção, sendo abordados conceitos doutrinários inerentes ao Estado de Direito, sua base constitucional e a combinação virtuosa dos seus princípios e garantias.

No capítulo seguinte abordamos a teoria geral dos princípios constitucionais, tidos por alicerces dos ordenamentos jurídicos ocidentais e norteadores do direito e que ocupam posição e status privilegiado, por constituir a base normativa da legislação, sendo analisados os axiomas do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa, da Legalidade, da Verdade Real dos Fatos e da Lealdade e Boa Fé Processuais.

O terceiro capítulo discute sobre a efetividade processual, o problema da litigância de má fé e seus instrumentos punitivos. Colocamos em evidência que se o atual regramento jurídico constitui avanço processual na efetivação de direitos, como o acesso à justiça por meio da mitigação da instrumentalização, da justiça gratuita e da garantia instrumental de direitos metaindividuais, entre outros, apresenta, também, pouca rigidez, controle e punidade de atos que tornam o processo moroso, desestimulando o ingresso de diversos titulares de direitos ante a sensação de inércia e pouca efetividade do Judiciário brasileiro.

Por fim, o quarto capítulo aborda os instrumentos processuais voltados à celeridade processual e à efetivação dos direitos, elencando meios capazes de coibir os citados entraves ao bom funcionamento da tutela jurisdicional estatal, tais como a repercussão geral para interposição de recursos e a mitigação das formas processuais com a criação dos Juizados Especiais. Em seguida, as considerações finais voltadas a sintetizar o direcionamento analítico adotado e as conclusões a que chegamos.

2. O Estado de Direito no contexto do Brasil redemocratizado e seus princípios constitucionais

Para desvelar o significado semântico e doutrinário do Estado Democrático de Direito, seus institutos e vertentes, observamos ser imperiosa a análise de alguns conceitos a ele inerentes, tais como os princípios e as garantias constitucionais, as formas de governo e demais facetas do Estado de Direito. Para efeito deste estudo, relacionamos tais fundamentos com a trajetória política e o ordenamento brasileiros, analisando, sobremaneira, a recomposição efetivada com a redemocratização do país em 1985, após mais de duas décadas de cerceamento de direitos civis e políticos por força da ditadura militar instaurada em 1964.

Entendemos que a questão do Estado de Direito – sua formação e significado – ocupa um lugar privilegiado em vários campos do conhecimento (ciência política, filosofia, sociologia, história, ciências jurídicas), bem como constitui uma fonte permanente de disputa e embates entre as forças políticas e ideológicas da sociedade. Mas, partimos da premissa de que o Estado de Direito é fruto da legalidade e também da legitimidade, sendo inerentes a ele normas de cunho constitucional para a sua regulamentação, dando-se origem às garantias individuais constitucionais.

A base estrutural do Estado de Direito, por sua vez, é, além da própria lei, a sujeição dos indivíduos aos princípios fundamentais que lhes são inerentes, gerando assim, garantias aos cidadãos. E mais, esses princípios são imutáveis e constitui o alicerce de todo o ordenamento jurídico. São leis que em um Estado Democrático de Direito serão constituídas, mesmo que de forma indireta, pelos seus indivíduos, conforme fundamenta o pensamento Kantiano, ou seja, é através da eleição direta pelo povo, com a escolha de seus representantes, que ocorre a elaboração das leis.

Nessa direção, com foco na realidade brasileira, José Gomes Canotilho (1999) entende o Estado de Direito como uma formação jurídica da esfera político-estatal, sendo determinada e regulada pelo próprio direito, ou seja, pelas leis e normas constitucionais. Partindo desse entendimento, o autor argumenta que é possível existir uma convivência em sociedade mais justa e com menos arbitrariedade estatal. Também afirma que o Estado de Direito pode apresentar diversas facetas, ora focando mais a justiça, ora a parte mais social, ou ainda com a possibilidade de mesclar suas diversas formas, sendo que cada Estado expressa suas particularidades e conceituação, constituindo, portanto, o Brasil, um Estado Democrático de Direito.

Mas, apesar de o Estado de Direito regrar a vida em coletividade, a partir do seu poder de império fundamentado na Constituição, poderá, também, sofrer danos e reparações, assim como qualquer outro indivíduo. Ou seja, ele também é regrado, em face da supremacia da lei e não apenas seus indivíduos tutelados, os cidadãos, gerando garantias para esses (CANOTILHO, 1999).

Consoante também Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004), a Constituição, com base na doutrina clássica, representa a limitação do Poder Estatal. Por se tratar de uma limitação ao poder, representa, então, uma garantia de liberdade aos cidadãos, tendo em vista a premissa de que estarão sempre asseguradas ações, seja do próprio Estado, seja dos demais indivíduos, por um regramento constitucional com a finalidade de preservar bens e interesses de caráter público. Assim, depreende-se que essas garantias sejam medidas ou remédios constitucionais, com vistas à harmonização da função dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, no exercício de suas prerrogativas.

Destarte tal preceito constitucional ser aplicado a todas as relações jurídicas, públicas ou privadas é, também, compreendido como o norte necessário de ser consultado quando da produção das normas jurídicas; ou seja, quando o Poder Legislativo usa de sua função de elaboração das leis, sejam elas de âmbito federal, estadual ou municipal, há sempre de se basear nos princípios e garantias constitucionais (DIDIER JR., 2007).

Os princípios constitucionais, inerentes ao Estado Democrático de Direito e informadores desse, são normas presentes no ordenamento com o intuito de transmitir os valores e bens protegidos sob a égide da Constituição. Entretanto, nem todo princípio será uma norma jurídica e nem toda norma jurídica é oriunda de um princípio, podendo ter como origem outra fonte do direito.

Reportando-se à situação brasileira, temos que República Federativa do Brasil é a denominação da forma de organização política e de governo, indicando também que se trata de um país com a formação de Estado Federal desde a proclamação da Constituição de 1889, conservando-se com essa estrutura até a vigente Carta Magna. Mesmo com a Constituição de 1967, formulada pelo regime de exceção então vigente, essa denominação de federalismo fora observada, embora não funcionasse como tal. Ressaltamos que esse modelo político e organizativo (federalismo) seguido pelo Brasil e por outras formações sociais, originou-se com a constituição norte-americana de 1787, que reproduz a união de “coletividades políticas autônomas” (SILVA, 2004).

Atualmente, a federação brasileira é composta pelos Estados-membros, Territórios Federais, Distrito Federal e Municípios, sendo “União” denominação dada ao Estado Federal brasileiro, que irá exercer prerrogativas da soberania a ela inerente, sendo, assim, dotada de personalidade jurídica de Direito Público Internacional.

Esse modelo foi confirmado por uma nova Constituição Federal após longo período ditatorial (1964-1985), cujo conteúdo primou por definir a estrutura democrática do estado nacional e as garantias individuais, como: a soberania estatal, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político, presentes no artigo primeiro da Constituição Federal de 1988.

Também, em seu artigo terceiro, estão presentes seus objetivos fundamentais, quais sejam: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades tanto sociais quanto regionais, e a promoção do bem de todos, sem preconceitos (SILVA, 2004).

A junção de todas essas garantias não só afirmou a retomada do Estado de Direito no Brasil como foi mais além, instituiu avanços com medidas protetivas de larga escala, atualizando e adensando os parâmetros democráticos, embora regulamentações posteriores e exercício nem sempre tenham se revelado condizentes com o instituído constitucionalmente, mas, evidenciando enormes conquistas e abrindo caminhos para outras inserções a depender do movimento democrático da sociedade.

Do mesmo modo, é com a estrita observância desses princípios e garantias constitucionais e informadoras da ordem jurídica nacional que o Judiciário obterá resultados efetivos de promover e garantir proteção a todos, o que somente ocorrerá se forem formuladas e implementadas reformas substanciais que permitam o Poder Judiciário se adequar às necessidades atuais da sociedade, bem como estar apto a exercer uma jurisdição estatal efetiva e justa, com mecanismos capazes de tutelar os direitos individuais e coletivos e com instrumentos com o cunho de coibir práticas atentatórias ao bom andamento judicial dos processos, discussão que empreenderemos nos pontos que seguem.

2.1. Dos Princípios Constitucionais

Um dos fundamentais alicerces dos ordenamentos jurídicos ocidentais são os princípios constitucionais, ocupando posição de destaque por constituírem a base normativa da legislação, podendo ser expresso ou se apresentar na forma de axioma norteador do direito (LIMA, 2010).

Atentando para os fundamentos explicativos, Roberto Moreira de Almeida (2008, p. 30 apud NUCCI, 2009) entende que o termo princípio legal “pode ser empregado no sentido de regra fundamental, regra padrão ou regra paradigma à ciência do direito”. Considerando o campo jurisdicional, ressaltando ainda que “em Direito, princípio jurídico quer dizer um postulado que se irradia por todo o sistema de normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta maior a seguir (…)”.

Devemos, no entanto, atentar para a ressalva do autor quando argumenta que distinções devem ser consideradas, entre o que seja princípio geral do direito e princípio constitucional, devendo este ser aplicado com prioridade em face de sua supremacia sobre as demais normas; ao passo que os princípios gerais ficam em segundo plano, seriam aplicados ao caso concreto, de maneira complementar ou quando os constitucionais não satisfaçam.

Esse entendimento é também respaldado por José Afonso da Silva (2007). Consoante registro da lavra do autor, os princípios constitucionais gerais do direito são informadores da ordem jurídica nacional. Possuem as funções informativa, normativa e interpretativa, além de constituírem o alicerce do direito propriamente dito, sendo, assim, uma fonte formal, estando alguns dos princípios mais relevantes dispostos nos artigos 1º e 5º da Constituição de 1988.

Para tornar-se uma norma e não apenas possuir função interpretativa ou informativa, o princípio precisará ser positivado, constituindo, assim, preceitos básicos que compõem a estrutura constitucional, recebendo a denominação, conforme José Afonso da Silva (2004), de “normas-princípios”. Entretanto, nem todo princípio será uma norma jurídica e nem toda norma jurídica é oriunda de um princípio, podendo ter como origem outra fonte do direito, como, por exemplo, os costumes.

Abrangendo essa discussão, José Gomes Canotilho (1983) divide os princípios constitucionais em duas categorias: os princípios político-constitucionais, empregados nas decisões políticas fundamentais e ditados nas normas constitucionais e os princípios jurídico-constitucionais informadores da ordem jurídica do país. No entanto, apesar da diferente nomenclatura e sentido jurídico, ambos são princípios norteadores, presentes na Constituição Federal ou, no mínimo, oriundos dela, como é o caso dos princípios inseridos no artigo 5º, LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.

Para Alexandre Freire Câmara (2004) os princípios têm o propósito de orientar a interpretação dos operadores do direito, estando os mais importantes positivados na Constituição Federal, de 1988. Entretanto, ressalta o autor, esses nem sempre irão coincidir com os princípios gerais do Direito.

Assim, segundo Camila Rodrigues Neves de Almeida Lima (2010), pode-se compreender que os referidos postulados são as diretrizes utilizadas para a elaboração da norma, bem como para a sua interpretação e adequação ao caso concreto, além de regularem os contratos individuais e coletivos, em todas as áreas do direito.

Na definição de Renato Saraiva (2007, p. 31) constatamos a ênfase na importância dos princípios para o direito contemporâneo, bem como sua aplicabilidade, sendo esses, pois “proposições genéricas que servem de fundamento e inspiração para o legislador na elaboração da norma positivada, atuando também como forma de integração da norma, suprindo as lacunas e omissões da lei, exercendo, ainda importante função, operando como baliza orientadora na interpretação de determinado dispositivo pelo operador de Direito”.

Corroborando desse entendimento, Roberto Moreira de Almeida (2008, p. 29 apud Pinto, 2001) conceitua que os princípios são “as ideias estruturais do Direito, capazes de sustentá-lo, enquanto sistema, do mesmo modo que as fundações suportam o peso de um edifício”, caracterizando, dessa forma, sua linear e imprescindível importância para o ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito.

No que tange a problemática relativa aos diversos entraves a boa tramitação processual, dentre eles, a protelada e procrastinada interposição de incabíveis recursos, diversos princípios jurisdicionais podem e devem ser aplicados, tais como: o princípio da verdade real dos fatos, o princípio da lealdade processual – que se desdobra em diversos comportamentos tidos por defesos no processo –, o princípio do duplo grau de jurisdição, entre outros de suma relevância para um bom e regular trâmite processual.

2.1.1. Do Princípio do Devido Processo Legal

Entre os princípios constitucionais informadores da ordem jurídica, destacamos o do Devido Processo Legal, objeto de análise deste estudo, como basilar e norte para o desdobramento de todos os demais princípios e garantias.

O Princípio do Devido Processo Legal garante que o indivíduo só poderá ser tolhido de sua liberdade ou ter seus direitos e bens restringidos mediante um válido e regular processo legal a ser desempenhado pelo Poder Judiciário, através do juiz natural, sendo, ainda, assegurados o contraditório e a ampla defesa, que são corolários do due processo of law (BERARDI, 2005).

No Brasil, evidenciamos a lenta inserção desse princípio na legislação, ocorrendo uma primeira menção constitucional direta apenas com a Carta Magna de 1988, encontrando-se positivado no artigo 5º, inciso LIV da Carta Magna de 1988, sendo, pois, um direito inerente ao cidadão, não podendo ser dele extirpado pela autoridade estatal ou por outro órgão.

Observando como historicamente se processou a construção da garantia ao Devido Processo Legal no país constatamos que sua formalização não somente decorreu de longo percurso, como suas inserções pontuais somente vingaram a partir da constituição da atual república nacional, tanto que na Constituição do Império (1824) não havia qualquer referência a essa garantia. Já na segunda Carta Magna brasileira, de 1891, surgem algumas das garantias inerentes ao Devido Processo Legal, como o princípio da ampla defesa e do juiz natural. Entretanto, a primeira efetiva menção ocorreu com a edição do Código de Processo Criminal de 1831 e do Regulamento nº. 737 de 1850.

As Constituições seguintes de 1934, 1937 e 1946, não preveem expressamente essa garantia, independente dessa última Carta significar o retorno à democracia, após o período ditatorial comandado por Getúlio Vargas. Contudo, mesmo durante a ditadura do Estado Novo, foram editados os Códigos de Processo Civil de 1939 e o Código de Processo Penal, em 1941, prevendo ambos, garantias processuais oriundas do Devido Processo Legal.

Com a Constituição de 1967, assim como a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, ambas produzidas durante a ditadura militar, houve cerceamento drástico dos direitos civis e políticos, restringindo movimentos de participação, de crítica e de resistência da sociedade.

 A Constituição de 1988, intitulada “Constituição Cidadã” por Ulisses Guimarães, então Presidente do Congresso Nacional, representou avanços importantes no sentido de garantir direitos. Recebeu essa denominação por referendar direitos antigos e por introduzir outros mais aos cidadãos do país, abrangendo as áreas política, econômica, ambiental, cultural e social, beneficiando toda a coletividade. Ampliou os direitos laborais per si, bem como tratou de assegurar garantias que inibam ou impossibilitem outros momentos de exceção.

Evidenciamos que o inciso LIV do artigo 5º, que traz em seu bojo a cláusula do Devido Processo Legal, o dispõe constitucionalmente pela primeira vez, in verbis: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Por conseguinte, o Princípio do Devido Processo Legal possui dois sentidos: o material e o formal, estando presente em todos os níveis do direito, devendo ser observados os seus preceitos sempre que houver processo administrativo ou judicial, seja ele cível, criminal, trabalhista ou de qualquer outra natureza jurídica.

Com o substantive due processo of law, entende-se que só a regularidade formal do processo não é suficiente, fazendo-se necessário que a decisão judicial seja tida como substancialmente razoável (DIDIER JR., 2007). Sua materialização, segundo Carlos Augusto de Assis (2001), está interligada ao princípio da proporcionalidade da decisão judicial, devendo essa ser compatível com caso concreto, gerando um equilíbrio entre o processo e o princípio da segurança jurídica.

O sentido material do devido processo legal surge na doutrina somente após a sua concepção, possuindo a priori, o referido princípio, aspecto exclusivamente processual, trazendo noções de garantia de acesso à justiça, de leis justas, de proteção privada e segurança jurídica.

Destaca Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 35) que “(…) o devido processo legal substancial (ou material) deve ser entendido como uma garantia do trinômio “vida-liberdade-propriedade”, a través da qual se assegura que a sociedade só seja submetida a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da sociedade, demonstrando assim sua finalidade social. Tal garantia substancial do devido processo legal pode ser considerada como o próprio princípio da razoabilidade das leis”.

E mais, acerca da garantia do acesso à justiça, adentrando a teoria das três grandes ondas, ou fases, entende o autor que “a garantia de acesso à justiça (ou, como prefiro, do acesso à ordem jurídica justa) deve ser uma garantia substancial, assegurando-se assim a todos aqueles que se encontrem como titulares de uma posição jurídica de vantagem que possam obter uma verdadeira e efetiva tutela jurídica a ser prestada pelo Judiciário”. (CÂMARA, 2008, p. 36)

Prospera nesse entendimento, substancialmente, que essa garantia ao devido processo legal será estendida a todos os que, titulares de um direito, desejem ingressar na Justiça para perseguir e garantir interesses próprios.

O sentido formal, atribuído ao devido processo legal, por sua vez, consiste no direito de processar e ser processado, consoante as normas previstas nos códigos e na Constituição Federal vigentes. É o direito positivo per si, que, para ter aplicabilidade, deverá ser exercido, seja pelo próprio cidadão, seja pelo Estado através de suas funções. Assim, podemos compreender o devido processo legal como uma “cláusula geral”, inerente ao Estado de Direito e que deverá ser respeitada e exercida por todos (DIDIER JR., 2007).

2.1.2. Dos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa

As diversas proteções inerentes ao cidadão, em termos de processo, correspondem a mecanismos legais, visando uma melhor tramitação processual, bem como a garantir uma maior segurança jurídica, tanto para a parte, como para a busca da justiça, objetivadas pelo Estado. A partir dessa lógica e pretensão do legislador, surgem os princípios da Ampla Defesa e do Contraditório, corolários do Devido Processo Legal.

Os referidos princípios se projetam tanto no direito de ação quanto no direito de defesa. Trata-se de uma manifestação fundamental do Estado de Direito, no dizer de Nelson Nery Jr. (2007), ao versar sobre princípios constitucionais que informam o processo. O inciso LV, do artigo 5º, da Constituição de 1988, assegura a aplicação dos postulados tanto no processo judicial quanto no administrativo.

Acerca da garantia ao contraditório, Cesar Asfor Rocha (2007, p. 44) ressalta sua importância para o ordenamento jurídico brasileiro, preconizando que “os fundamentos da garantia do contraditório encontram lastro na defesa dos interesses das partes perante o juízo e buscam evitar a discricionariedade de uma decisão jurisdicional tomada sem a participação dos envolvidos no direito litigioso. Não é por outra razão que a referida garantia se assenta nos pressupostos da democracia”.

Com base no postulado pela Constituição e defendido pela Doutrina nacional, conjuga-se a garantia do contraditório com a da ampla defesa, sendo considerados pela doutrina moderna como inerentes ao próprio sentido de processo. Significa dizer que as partes têm o direito de se manifestar sobre todos os elementos trazidos aos autos, além de ter conhecimento de todos os atos do procedimento. Em suma, o contraditório é constituído pelos elementos “informação” e “reação”, não sendo admitidas exceções.

Acerca da conjugação dos referidos princípios, Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 49) assegura que “a mais moderna doutrina sobre o processo afirma que este não existe sem contraditório”. Sendo ambos essenciais ao processo para que esse seja justo e imparcial, capaz de garantir que ambas as partes tomem ciência de todos os atos processuais praticados, e que destes possam manifestar-se, quando oportuno, sob pena de preclusão.

A efetivação do direito de defesa ocorre, por conseguinte, com a realização do contraditório, não podendo existir um sem o outro, sendo ambos interligados, dessa forma. Nessa linha de raciocínio, Fredie Didier Jr. (2007, p. 48 apud Delosmar Mendonça Jr. 2001) destaca que “convém lembrar, ainda, que a ampla defesa é ‘direto fundamental de ambas as partes’, consistindo no conjunto de meios adequados para o exercício do adequado contraditório. Trata-se do aspecto substancial do contraditório”.

Ressalta ainda o autor – acerca da importância na conjugação dos referidos princípios –, não ser suficiente que à parte seja permitido o acesso ao conteúdo dos autos, mas, que também lhe seja garantida a sua resposta e opinião acerca de todo fato ocorrido no processo. Cabe à parte, no momento oportuno e se for de seu interesse, se manifestar acerca de todo o ocorrido no processo, sendo, assim, relevante que não apenas que tome conhecimento dos fatos, mas que acerca desses possa se manifestar.

Ademais, os princípios constitucionais corolários do Devido Processo Legal transcritos da Constituição, além do direito ao contraditório e à ampla defesa, abarca os princípios do juízo natural, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da proibição da prova ilícita, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de jurisdição e, por fim, da motivação das decisões judiciais.

2.1.3. Do Princípio da Legalidade

O Princípio da Legalidade, assim como diversos outros, é informador do Estado Democrático de Direito, estando inserido na vigente Constituição e, portanto, fundamentando o Estado brasileiro. Enquanto premissa fundamental possui a função de regulamentar e garantir que o Estado será sujeito à lei, assim como os seus indivíduos tutelados, sendo essa sua essência principal (SILVA, 2004).

Sendo assim, é correto afirmar que o Estado, dividido em suas esferas de poder, é sujeito ao império da lei, também denominado de supremacia legal. Deve o Estado agir dessa forma, consoante os preceitos legais, sob pena de apuração de sua responsabilidade, assim como qualquer outro sujeito de direitos. Esse princípio, entretanto, não deve ser analisado separadamente, mas sim em conjunto com os demais inseridos no escopo da Constituição.

Significa, pois, a sujeição e o respeito em relação à norma, assim como a obediência aos seus ditames, por todos os sujeitos de direitos. Difere do Princípio da Reserva Legal, em que a própria regulamentação de determinadas matérias só poderá ser aludidas mediante a elaboração de uma lei formal.

Sobre a temática ora abordada, a Constituição preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, em seu artigo 5º, inciso II. Sendo assim, a passagem “em virtude de lei” não engloba somente as normas constitucionais, mas também as leis complementares, as leis infraconstitucionais, as medidas provisórias convertidas em lei e as leis delegadas. Ou seja, a expressão “em virtude de lei” corresponde a todo ato que possa ser equiparado a uma lei formal (SILVA, 2004), e não apenas a própria lei forma per si.

2.1.4. Do Princípio da Verdade Real dos Fatos

A respeito do princípio da verdade real dos fatos, Misael Montenegro Filho (2008, p. 53 e 54) instrui que, “considerando que o processo envolve protagonistas assentados em polos antagônicos, percebemos que cada parte apresenta a verdade de acordo com as suas convicções, sem que o litigante possa ser punido pela exposição dos fatos conforme a sua crença. A punição da parte e dos terceiros, pelo descumprimento da norma, só se mostra possível quando for provado que tinham ciência de que a exposição feita não condiz com a verdade dos fatos, na forma como ocorridos (…)”.

Faz-se imprescindível a busca no processo da verdade real dos fatos para que se tenha uma efetiva e justa prestação jurisdicional, a fim de que a parte injustiçada possa ter seu direito respeitado e efetivado judicialmente, já que na prática não o foi.

Confirmando essa abordagem, apontamos uma jurisprudência da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do Ministro Jorge Scartezzini sobre a questão, quando afirma que “A pretensão da recorrente de afastar a condenação da multa por litigância de má-fé, imposta nos termos do art. 17, II, do CPC (‘alterar a verdade dos fatos’), implicaria o revolvimento dos elementos probatórios analisados nas instancias ordinárias”. (REsp 710741/AL, 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJe. 3.8.2006).

Esboça-se com isso a necessária interligação dos princípios no cotidiano jurídico, devendo ser possível observar a correlação entre os princípios da verdade real dos fatos, da lealdade e da boa fé processuais, uma vez que se a parte, no decurso do processo, vir a alterar a verdade dos fatos, passará a se enquadrar em uma das hipóteses da litigância de má-fé, passível de punição.

Para Roberto Moreira de Almeida (2008), o princípio da verdade real dos fatos dominante no processo civil, deve ser perseguido pela jurisdição estatal, afirmando o autor que com a identificação da verdade real no processo, pode-se ser evitada uma decisão injusta e não condizente com a realidade do caso. Contudo, o autor destaca também que o referido princípio comporta um desdobramento doutrinário, sendo o instituto da verdade formal presente nos processos cível e trabalhistas, apenas quando houver discussão acerca de interesse disponível das partes, deixando de imperar o princípio da verdade real dos fatos.

Dessa forma, entende o doutrinador que, caso a lide verse apenas sobre direitos indisponíveis, o princípio da verdade real dos fatos deverá sempre preconizar. Contudo, se for o caso de litígio acerca de direitos disponíveis, o princípio norteador será o da verdade formal.

2.1.5. Do Princípio da Lealdade e da Boa Fé Processuais

Por princípio da lealdade processual entende-se como a postura mínima esperada dos litigantes, de seus patronos e das demais personagens que integram ou participam da lide jurisdicional, sendo imprescindível que todos possuam uma conduta ilibada e que tenham sempre em vista a boa-fé quando de sua atuação no processo.

Depreende-se como sentido do referido princípio o dever incumbido às partes e demais atuantes no processo de, ao se manifestarem, seja com a exposição de fatos, doutrinas, normas, provas, ou qualquer outra alegação, sempre atuar em juízo conforme a verdade, revelando sempre o ocorrido e não uma versão distorcida e mais favorável ao seu interesse.

Corroborando esse entendimento, Roberto Moreira de Almeida (2008, p. 40) professa que no processo, consoante o princípio da lealdade, “há um dever de moralidade, honestidade e probidade às partes e a seus advogados, ao Ministério Público, aos juízes e aos auxiliares da Justiça”, além de também existir uma punição aos que agirem de forma a contrariar tal conduta. Assim, infere-se que: “aqueles que agem deslealmente, conhecidos como litigantes de má-fé, devem ser identificados e aplicadas às penalidades pertinentes” (ALMEIDA, 2008, p. 41).

A lealdade processual, entre outros deveres das partes e de seus procuradores, está disposta nos artigos 14 e 15 do Código de Processo Civil brasileiro, arrolando a almejada atuação processual embasada na boa fé e com vistas a uma efetiva e mais justa prestação jurisdicional.

Entendemos o conjunto de deveres acima mencionado como representativo de um ideal de conduta e de procedimentos processuais a ser perseguido. Constitui um parâmetro normatizador e como tal precisa contar com medidas que façam valer sua observância, o que não é fácil, tanto que se constata no país ampla presença dessas práticas. Dessa forma, é necessária a coexistência da norma e de sua contrapartida que se expressa no arrazoado de punições que se presta exatamente a coibir as ações imbuídas de má fé. Um esforço político e jurídico que depende da dinâmica da sociedade, dos interesses e movimento de setores organizados, jurídicos, doutrinários, corporativos, político-partidários, para se concretizar e em que grau de exigência: se mais abrangente e ambicioso nos seus resultados ou se mais limitado e pouco efetivo. De todo modo, um registro inevitável à realização do Devido Processo Legal.  

Acerca do artigo 15, do Código Civil, observamos que este, apesar de se prestar a não cercear a livre manifestação das partes e de seus representantes legais, contudo impõe limite, pode ser inferido como falta grave que se caracterize em conduta de má fé, ficando, portanto, também sujeito à punição.

A respeito de ser necessário e esperado que as partes e demais integrantes da demanda atuem com lealdade e boa-fé processuais, elencamos uma jurisprudência da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que corrobora com o entendimento aqui defendido: “Nos termos do art. 14, II e III, do CPC, é dever da parte proceder com lealdade e boa-fé, não formulando pretensões nem alegando defesa, ciente de que são destituídos de fundamento, sob pena de incorrer na multa prevista no caput desse artigo. (AgRg nos EDcl no AgRg 580449/MG, 2ª Turma do STJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJe. 23.3.2006)”.

Reside nesse entendimento à importância fundamental de se ater aos princípios norteadores do Devido Processo Legal. No caso da obediência ao princípio da lealdade e da boa fé, evitando injustiças e a procrastinação de processos, favorecendo, desse modo, não só o encaminhamento ético das demandas processuais, mas, também, a celeridade jurisdicional. Entendendo, no entanto, que este princípio integra um conjunto de princípios e, conforme viemos analisando, para que o processo seja verdadeiramente embasado nos limites e noções do Estado Democrático de Direito, é necessária a junção desses princípios, sejam eles constitucionais ou específicos, também da aplicação desses quando da elaboração de normas, ao estipular medidas que visem defender entre outros interesses, a integridade do ordenamento jurídico e a efetivação da justiça ao caso concreto.

3. Efetividade na prestação jurisdicional: os entraves e seus instrumentos processuais punitivos

Dentre as questões que perpassam o debate sobre a efetividade do Devido Processo Legal no Brasil, algumas podem ser destacadas como prementes, como a burocratização dos procedimentos processuais que dificulta e retarda o decurso do processo, fato esse que vem sendo combatido, entre outros meios, com a informatização da justiça com a criação da citação eletrônica.

Ademais, há o sempre evidenciado e criticado alto custo jurisdicional, dificultando o acesso à Justiça, por não poder ser sempre mitigado pela concessão da justiça gratuita. No caso da Paraíba, por exemplo, o acesso ao judiciário comporta as mais elevadas custas judiciais do país, contrastando com o baixo custo de vida e salários da população paraibana, que em sua maioria é carente, caracterizando mais um entrave à população de baixa renda de acesso ao Judiciário.

Outra importante questão diz respeito ao tempo de duração do processo, que remete a morosidade característica da Justiça nacional e que vem alimentando amplo debate em torno de medidas que acelerem a prestação jurisdicional no país. Atualmente, um dos mecanismos cogitados como eficaz no combate à lentidão processual é a PEC dos Recursos, cuja relatoria ficou a cargo do Ministro Cesar Peluso. Esta traduz importante mudança no ordenamento, capaz de efetivamente acelerar a prestação jurisdicional, e coibir práticas processuais procrastinatórias por quem não atua no processo de acordo com a lealdade e a boa fé processual esperadas.

A má fé processual, quando essa ocorre, é bastante vislumbrada por meio da manifesta e protelatória interposição de recursos infundados, em obediência ao princípio do duplo grau de jurisdição, também denominado de princípio da recorribilidade, este reconhecido como um dos mais importantes do moderno direito ocidental, garantindo ao cidadão que integre uma lide, caso tenha ocorrido sucumbência parcial ou total, que da decisão de mérito possa recorrer para uma instância superior e colegiada, a fim de que a mesma seja mantida, anulada ou reformada.

Desta forma, corroborando com o nosso entendimento, dispõe Roberto Moreira de Almeida (2008, p. 404) acerca do princípio do duplo grau de jurisdição, que esse “corresponde à possibilidade de se impugnar uma decisão judicial pelo mesmo órgão que a prolatou ou por outro de maior grau de jurisdição”. Dessa forma, a parte recorrente objetiva, com a interposição do recurso, promover o reexame da matéria já analisada, por decisão jurisdicional de primeiro grau, sendo o recurso direcionado a um órgão superior e colegiado, para a sua reapreciação.

Alerta ainda o autor que com a interposição do mesmo, evita-se a preclusão de se impugnar da decisão, impedindo que haja coisa julgada de imediato, sendo postergado o processo para uma nova análise meritória.

Complementa Roberto Moreira de Almeida (2008, p. 397), acerca do referido princípio, que o “recurso é o instrumento processual apto a ensejar a impugnação das decisões judiciais, prorrogando o procedimento, evitando que haja a preclusão do ato decisório e a formação da coisa julgada”. Continuando sua análise, conclui o autor que a finalidade do recurso é a de “(…) promover o reexame de uma decisão judicial por órgão jurisdicional de superior instância ou pelo mesmo órgão que a prolatou com o intuito de reformá-la, invalidá-la, esclarecê-la ou integrá-la”.

Para tanto, consoante afirmado acima, faz-se necessária a conjugação dos princípios do duplo grau de jurisdição ao da lealdade e boa fé processuais, a fim de que seja evitada a rotineira e maliciosa prática de interpor recurso com o escopo de retardar o decurso do processo, delongando, assim, a concretude da prestação jurisdicional estatal.

Consolidando esse entendimento, destacamos uma recente jurisprudência da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, com relatoria do Desembargador Dr. Romero Marcelo da Fonseca Oliveira, publicada no Diário de Justiça em 04 de maio de 2010. “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Omissão. Alegação. Substrato fático. Ausência. Rejeição dos embargos. Litigância de má fé. Conduta protelatória. Configuração. Aplicação de multa. Inteligência do parágrafo único do art. 538 do CPC. […] A interposição de embargos de declaração desprovido de substrato fático, caracteriza a interposição de recurso com o propósito manifestamente protelatório, impondo a aplicação de multa. (Embargos de Declaração 20020040026151001, 4ª Câmara Cível do TJPB, Rel. Des. Romero Marcelo da Fonseca Oliveira, DJe. 04.05.2010)”.  (negritamos)

Contudo, faz uma importante ressalva Roberto Moreira de Almeida (2008, p. 404), dispondo que “não é ilimitado tal princípio. A lei poderá restringir as hipóteses de cabimento recursal, além de que as decisões originárias emanadas do Supremo Tribunal Federal são tomadas em única instância”, sendo esse um dos mecanismos processuais capazes de inibir a prática protelatória de interposição de recursos infundados.

Dessa forma entende e se pronuncia o Superior Tribunal de Justiça, acerca da impossibilidade de ilimitada resignação no processo, pelo o qual colacionamos uma jurisprudência emanada pelo Tribunal e proferida em Embargos de Declaração em sede de Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, com relatoria do Ministro Hélio Quaglia Barbosa: “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTEMPESTIVIDADE. AUSÊNCIA DE EXPEDIENTE FORENSE. PORTARIA. JUNTADA POSTERIOR. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. […] 2. Por outro lado, o direito de acesso à via judicial não é ilimitado, exigindo-se da parte que mantenha dentro do âmbito da razoabilidade a sua irresignação. Inibindo o abuso do direito de recorrer, o atual Código de Processo Civil municia o órgão julgador de mecanismos aptos a coibir, por exemplo, a interposição de recurso manifestamente protelatório (art. 17, VII). No caso específico, destaca-se a previsão do art. 538, parágrafo único, que permite a incidência de multa entre 1% e 10% do valor corrigido da causa, quando "manifestamente inadmissível ou infundado" o recurso (…)”.

Tomando ainda por base o preceituado no artigo 17, inciso IV, do Código de Processo Civil, explicativo da litigância de má fé, qual seja, quem “opuser resistência injustificada ao andamento do processo”, trazemos à baila fato que constatamos no cotidiano forense pessoense. Reportamo-nos a uma situação na qual tivemos que lidar com a conduta de uma empresa de complementação de previdência privada, por nós considerada como uma atuação de má fé. Mesmo após diversas ações nacionais julgadas procedentes e a produção de inúmeras jurisprudências favoráveis ao direito dos jubilados por mais de uma década, a empresa insiste em interpor todo e qualquer recurso existente no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que infundados ou incabíveis tais recursos são acionados com o claro intuito de atrasar o andamento processual, prejudicando, assim, o direito dos autores aposentados.

Nesse sentido, destacamos o posicionamento de Misael Montenegro Filho (2008, p. 60), abordando a referida práxis, elencando outros exemplos de casos corriqueiros: “suscitação concomitante ou sucessiva da exceção de incompetência relativa e do conflito de competência; reiterada retirada dos autos de cartório, devolvendo-os além do prazo fixado em lei; interposição insistente do recurso de embargos de declaração; juntada de documentos sem relação com o objeto do processo, para forçar o magistrado a abrir vista dos autos à parte contrária, em atenção ao art. 398; solicitação de expedição de diversas cartas precatórias, para várias comarcas, com a pretensão de garantir a ouvida de testemunhas que não têm qualquer conhecimento dos aspectos do processo; solicitação de adiamento das audiências processuais, sem causa justa”.

Além das diversas práticas que possuem o condão de retardar o andamento regular do processo, há, também, a constante juntada aos autos de substabelecimentos de advogados, com o fim de ser requerida a devolução de prazos processuais, consoante dispõe o artigo 183 do Código de Processo Civil. Objetiva-se com essa manobra que os atos pretéritos e preclusos possam ser praticados em uma nova oportunidade, em face da conveniente troca de advogados, com base na afirmação de que a intimação do ato tinha sido encaminhada ao advogado que supostamente não estaria mais representando a parte no processo.

Trazendo esse cotejo de conduta bastante conhecido e criticado – no que tange a rotineira prática de interposição de diversos recursos com o intuito de retardar a solução de um processo –, a atual legislação processual civil tenta coibir e até punir os litigantes que assim conduzem seus processos. Para tanto, uma saída apontada pela legislação é a possibilidade de haver o julgamento antecipado da lide pelo Tribunal, em sede de recurso, quando a causa versar unicamente sobre matéria de direito, consoante o artigo 515, § 3º do Código de Processo Civil.

Da mesma forma entende Roberto Moreira de Almeida (2009, p. 47), ao defender que: “não viola o princípio do duplo grau de jurisdição a regra introduzida pela Lei 10.352/2001 que acrescentou o §3º ao art. 515 do CPC: ‘nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento’”.

No tocante à litigância de má fé, o Código de Processo Civil brasileiro, entre os artigos 16 a 18, prevê quais práticas e condutas são consideradas como tal, quem age de tal maneira e estabelece punição disciplinadora e reparadora para fazer frente ao ato praticado. Desse modo, tenta recompensar o dano sofrido pela parte lesada e busca desestimular essa prática desastrosa para a lide processual.

Acerca dessa questão de ser necessária a litigância com lealdade e boa fé, prevista no artigo 14, II, do Código de Processo Civil e sua contraposição, conforme registro do artigo 17 do mesmo Código normativo, Misael Montenegro Filho (2008, p. 54) coloca em evidência o que se espera e pauta a complexidade desses dois enunciados. Em que uma conduta positiva é presumida, desejada e esperada, e outra negativa, que requer seja comprovada no decorrer do processo, afirmando com bastante clareza que: “a boa fé se presume. A má fé deve ser provada. Desse modo, para punição da parte ou de qualquer outro participante pela circunstância de não ter agido com lealdade e com boa fé, há necessidade de fundamentação do pronunciamento, com a demonstração dos elementos objetivos e subjetivos, que atestam o afastamento do infrator do dever geral em exame. O inciso que analisamos embute todos os demais comportamentos esperados da parte e dos terceiros, podendo ser qualificada como norma geral”.

Assim, a conduta de quem atuar no processo com má fé precisa ser comprovada. O que demanda uma apuração legal e a exigência de que seja garantido o contraditório e a ampla defesa, preservando-se, dessa forma, as normas processuais do Devido Processo Legal. Somente após tais trâmites e se comprovado pleito de má fé é que se processará sentença judicial de acordo com as penalidades previstas no Código de Processo Civil.

Com relação à punição imposta aos litigantes de má fé, esta corresponde em perdas e danos (artigo 18 do CPC), penalidade essa que poderá ser atribuída de ofício pelo magistrado ou a requerimento da parte contrária, que corresponderá ao montante de 1% (um por cento) sobre o valor da causa, além do dever de indenizar o prejudicado em caso de eventuais prejuízos suportados.

A lei dispõe, no artigo 17 do Código de Processo Civil, sobre quem poderá ser reputado por litigante de má fé, sendo essa norma taxativa, no entendimento do autor supracitado, e não cabendo interpretação extensiva pelo juiz, para esse enquadramento, ao caso em concreto.

Confirmando o entendimento de a listagem contida no artigo 17 do CPC ser numerus clausus e de haver a real necessidade de comprovação da litigância de má fé, apresentamos uma jurisprudência da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com relatoria do Des. André Luiz Planella Villarinho: “As hipóteses de caracterização objetiva de litigância de má fé estão arroladas taxativamente no artigo 17 do Código de Processo Civil, exigindo-se para sua configuração prova suficiente. (Apelação Cível 700155559586, 18ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, j. 14.12.2006)”.

Esse é o entendimento majoritário jurisprudencial nacional, onde destacamos uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com relatoria da Desembargadora Haydevalda Sampaio, destacando a necessidade de comprovação do dolo para que seja constatada a litigância de má fé: “AÇÃO DE REVISÃO DE ALIMENTOS – MANTENÇA DO FILHO – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. […]. 2 – Para a caracterização da litigância de má-fé torna-se necessária a comprovação do dolo. O emprego de todos os meios para a parte se defender, não impedindo a marcha processual, não caracteriza má-fé, mas exercício dos princípios da ampla defesa e do contraditório. […] (Apelação Civil 16097320058070001 DF 0001609-73.2005.807.0001, 5ª Turma Cível do TJSP, Rel. Des. Haydevalda Sampaio, j. 09/11/2006)”.

Contudo, resta a dúvida sobre em quem recairia a penalidade de litigância de má fé, prevista no artigo 16 do Código de Processo Civil, se seria na pessoa do constituinte ou se imposta ao seu patrono. Um impasse sempre evidenciado e sobre o que Misael Montenegro Filho (2008, p. 57) se pronuncia da seguinte forma: “em primeiro lugar, cabe-nos anotar que os destinatários da norma são as partes do processo (autor e réu) e todos os terceiros (litisdenunciado, assistente, opositor, nomeado à autoria e chamado ao processo), não se estendendo para alcançar os advogados, o magistrado e os membros do Ministério Público, sujeitos a regramentos próprios (…)”.

Vale salientar que, apesar de estar pacificado na doutrina e jurisprudência brasileiras que a má fé é inerente à parte, e não ao seu patrono, essa poderá se voltar contra o advogado, se a má fé processual não fora originaria da parte, sendo necessária a proposição de uma ação de regresso.

Os Tribunais brasileiros seguem essa linha de entendimento jurisprudencial. Vejamos uma recente jurisprudência da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, emitida pelo Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acerca da necessidade de ação de regresso do constituinte em face do seu então advogado, para que possa ser reparada em perdas e danos: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. BRASIL TELECOM. NULIDADE NA REPRESENTAÇÃO DO CAUSÍDICO. NÃO ACOLHIMENTO. CARÁTER PROTELATÓRIO DOS PEDIDOS. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO DO PATRONO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE. […] 3 – "Os danos eventualmente causados pela conduta do advogado deverão ser aferidos em ação própria para esta finalidade, sendo vedado ao magistrado, nos próprios autos do processo em que fora praticada a alegada conduta de má fé ou temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18, do Código de Processo Civil." (REsp 1173848/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 10/05/2010). (Agravo Regimental nos Embargos de Declaração do Agravo de Instrumento AgRg nos EDcl no Ag 918228 / RS, Terceira Turma do STJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe. 22.09.2010)”.

No que concerne à fixação de multa pela prática de litigância de má fé, Misael Montenegro Filho (2008, p. 55) esclarece que, “para a aplicação da penalidade, a lei não exige o ingresso de ação autônoma, autorizando o magistrado a deliberar sobre o assunto através de decisão interlocutória, no curso do processo, ou na sentença que lhe põe termo. A multa reverte para o Estado, pelo fato de não ter conseguido se liberar do encargo de prestar a função jurisdicional no tempo devido, com evidente infração ao princípio da razoável duração do processo (inciso LXXVIII, do art. 5º da CF)”.

Contudo, sempre é de bom alvitre ressaltar que quando houver a suspeita de a parte ser litigante de má fé, em seu processo de apuração legal deverão ser observados o contraditório e a ampla defesa sob pena de nulidade, salvo se notório o seu enquadramento à tipificação (MONTENEGRO FILHO, 2008).

Conforme depreendemos das reflexões aqui processadas, a litigância de má fé constitui prática danosa à realização da justiça, pois implica o falseamento de informações, burla o livre curso do processo, além de evidenciar tentava de angariar recursos ou sentenças indevidas, ferindo a ética e induzindo a justiça ao erro, resultados que atingem drasticamente a quem detiver um direito ao tempo que também fragiliza o ideário de justiça presente na sociedade. 

E apesar de haver a punição legal à litigância de má fé, a dificuldade de se coibi-la persiste. Para muitos especialistas do direito, esta continua a ser uma prática processual corriqueira, evidenciando que a possibilidade de tal penalidade ainda não foi capaz de inibir esse tipo de atitude. Embora se reconheça que esta não se configura como uma conduta generalizada, que atinja todos os litigantes e patronos, considera-se, inclusive, crescente o seu uso, o que coloca permanentemente em questão essa prática nociva ao bom exercício do direito, demandando ser imperiosa a sua coibição através da promulgação de novos mecanismos legais mais eficientes e rigorosos.

Diante do posto, demanda-se a inserção de mecanismos processuais hábeis para evitar práticas atentatórias ao bom andamento do processo, bem como garantir o acesso ao judiciário e a sua efetiva e justa prestação. Sobre tal necessidade e suas possibilidades versará o próximo capítulo, abordando de maneira mais aprofundada os instrumentos atuais inseridos no ordenamento e colocando em perspectiva as mudanças objetivadas na elaboração do Novo Código de Processo Civil, a fim de solucionar os entraves mais latentes à Justiça.

4. Os instrumentos processuais voltados à celeridade e à efetivação dos direitos

A necessidade de constante reforma e contextualização processual do judiciário se acentua como demanda necessária para fazer frente às mudanças e aos desafios que as complexas condições sociais e tecnológicas contemporâneas impõem, tratando-se essa de uma questão amplamente debatida e almejada por operadores do direito.

A preocupação com essa questão no direito contemporâneo é introduzida pelas Constituições ocidentais modernas que ampliaram a demanda judiciária, através do que foi nomeado como ondas de acesso à Justiça, as quais buscam sempre inserir no ordenamento instrumentos processuais capazes de solucionar seus entraves. Embora haja divergências quanto ao quantitativo dessas ondas de acesso, Sorj (2008) identifica que são cinco tais manifestações, alertando, no entanto, que não necessariamente a sociedade precisa vivenciar todas as ondas elencadas pela doutrina e nem na ordem em que foram classificadas.

Convém observar que é pacífica na literatura a vigência de três ondas de acesso ao Judiciário, quais sejam: a garantia à assistência judiciária gratuita aos que dela necessitarem, a tutela e promoção dos direitos metaindividuais e a necessidade de constante reforma e atualização do Poder Judiciário para com a realidade e necessidade da sociedade. Outras duas ondas de acesso à Justiça vistas em Sorj (2008) e consideradas como as mais recentes, estão relacionadas ao meio ambiente e à biogenética. Contudo, não é toda a doutrina que reconhece essas duas novas ondas, havendo, na visão de Alexandre Freitas Câmara (2008, apud CAPPELLETTI, 1998), o reconhecimento apenas das três primeiras, conforme pontuamos.

Com base no preceituado por Mauro Cappelletti (1998), acerca da garantia de acesso ao Poder Judiciário, inserida no ordenamento por influência anglo-saxônica pela doutrina das ondas de acesso à justiça, Cesar Asfor Rocha (2007, p. 50) informa que “a garantia constitucional do aceso à jurisdição é a tradução da consagrada expressão aceso à justiça, tão difundida, principalmente na doutrina anglo-saxônica (acess to justice), e diz respeito à inclusão de amplos contingentes da população nos benefícios decorrentes da forma judicial de solução de conflitos”.

E mais, analisando o acesso à Justiça sob a ótica da garantia ao Devido Processo Legal, o supracitado autor leciona que “o processo deve-se fazer por meio previamente estabelecido dentro de um sistema de garantias e rotinas estipuladas com anterioridade, de modo que o procedimento se desenvolva com segurança” (ROCHA, 2007, p. 71). Dessa forma, o autor reforça a noção de segurança jurídica incutida no Devido Processo Legal, que por ser uma garantia de alçada constitucional, protege e efetiva o concreto acesso à justiça.

Considerando a realidade brasileira, o surgimento da primeira onda ocorre somente na década de 1950 ante a onerosidade extremada das custas judiciais e demais atos processuais. Uma realidade que acabava por dificultar, quando não coibir por completo o acesso ao judiciário pelo cidadão de menor poder aquisitivo, o que constituía e constitui a maioria da população brasileira (CÂMARA, 2008).

A criação da Lei nº. 1.060/1950 foi pensada nesse sentido, atender a necessidade de todo e cada brasileiro, titular de um direito e independente de posição econômica, a possibilidade de demandar nos órgãos jurisdicionais. Com isso restou regulamentado e garantido o acesso ao hipossuficiente econômico, mediante a isenção do pagamento de despesas processuais, tanto na esfera judicial quanto na extrajudicial.

Apesar desse avanço significativo, a concessão da justiça gratuita não foi capaz de eliminar os entraves existentes no acesso ao Judiciário. Sobretudo, porque parte da população, em geral a mais carente e desinformada, por não ter conhecimento da referida isenção de custas ou mesmo meios de comparecer aos locais competentes para solucionar seus litígios, acaba por ter seus direitos desrespeitados, sem a devida atenção estatal.

Dessa forma, faz-se necessária uma amplitude do benefício da justiça gratuita, com a inserção de outros mecanismos processuais capazes de dirimir o alto custo processual, ampliando o acesso ao Judiciário.

A respeito de ser a gratuidade da justiça um conceito amplo e idealizado com vistas a ampliar o acesso da população ao Judiciário, dispõe o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em um acórdão sob a relatoria do Des. Dárcio Lopardi Mendes, publicado em 12 de abril de 2008: “Justiça Gratuita – Presunção iuris tantum de Pobreza – Prova – Artigo 4º § 1º da Lei nº 1.060/1950. Em se tratando de justiça gratuita, a hipossuficiência deve ser conceito mais elástico, a fim de que não se frustre o objetivo da norma do inc. LXXIV do artigo 5º da Constituição da República, segundo o qual o acesso à Justiça deve ser facilitado a todos. […] (100240897387690021 MG 1.0024.08.973876-9/002(1), TJMG, Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes, DJ 12/04/2008)”.

Também, ressaltamos que as políticas públicas informativas cumprem papel importante nesse processo. É preciso chegar a toda a sociedade a informação e a eventual possibilidade de concessão do benefício da justiça gratuita aos hipossuficientes que dela necessitarem para demandar em juízo. Uma forma, inclusive, capaz de propiciar conhecimento e de se contrapor à premissa de que só se litiga no Judiciário quem possui condições financeiras para tanto; principalmente de possibilitar a materialização do dever do Estado de garantir o acesso à prestação jurisdicional efetiva, célere e justa a todos os titulares de um direito.

Em relação à segunda onda de acesso à Justiça brasileira, essa é vista como a preocupação de serem postos à disposição da sociedade mecanismos hábeis de se tutelar os interesses metaindividuais, coletivos ou difusos, sendo essa uma proteção essencial aos novos direitos sem caráter patrimonial. Antes desamparados pelo ordenamento jurídico, tais interesses também não podiam ser apropriadamente tutelados pelos mesmos instrumentos utilizados para defesa e promoção dos interesses individuais, o que significa desafios legais e de criação, abrindo caminho para inovações no campo do direito (CÂMARA, 2008).

Quanto à conceituação dos direitos metaindividuais, também denominados de supraindividuais pelo referido autor, refletimos com base na produção doutrinária que esses são enunciados como direitos coletivos e difusos, sem valor patrimonial expresso, e inerente ao coletivo social, devendo, por ser inerente a todos, ser protegido pelo ordenamento, mediante a inserção de instrumentos hábeis ao exercício, promoção e defesa pela sociedade.

No tocante a essa reflexão, Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 38) afirma que: “a proteção dos interesses coletivos e difusos é essencial para a adequada garantia de acesso à ordem jurídica justa numa época como a dos dias atuais, quando surgem novos direitos, sem caráter patrimonial, os chamados ‘novos direitos’.  A preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural, histórico e artístico, a garantia da moralidade administrativa, são direitos tão (ou mais) dignos de proteção […] sendo essencial que o ordenamento processual se adapte aos novos tempos, contemplando remédios adequados para a tutela efetiva de tais interesses”.

É importante registrar que acerca dessa segunda onda de acesso, o Brasil possui reconhecida posição mundial, tendo produzido novos e importantes instrumentos como os modelos constitucionais da ação popular, da ação civil pública e do mandado de segurança coletivo (CÂMARA, 2004). Todos largamente disseminados nos espaços sociais, representando conquistas significativas para a sociedade civil brasileira. Dessa construção que saíram as ações civis pública contra as entidades financeiras que se beneficiaram dos diversos planos econômicos (Verão, Bresser Pereira, Collor) e contra empresas telefônicas e agências reguladoras, em face das interrupções e baixa qualidade dos serviços prestados. Também vicejam diversos mandados de segurança coletivo objetivando a restituição de valores cobrados indevidamente de contribuições previdenciária; bem como ação popular em defesa do meio ambiente e contra a União Federal para que a Usina Hidrelétrica de Belo Monte seja interrompida, entre outras tantas inserções processuais dessa lavra.

Os referidos mecanismos constituem, portanto, institutos inovadores na legislação, hábeis a proporcionar uma maior recorrência e efetivação aos direitos metaindividuais, ampliando sua instrumentalização, sendo tais dispositivos construções complexas, oriundas de embates democráticos.

No que concerne à legitimidade para litigar em relação aos direitos metaindividuais, preconiza a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho caber ao Ministério Público – além da União, dos Estados, dos Municípios, das Autarquias, das empresas públicas, das sociedades de economia mista e das associações civis –, a titularidade para ingressar com uma ação civil pública, conceituando, também, o referido direito: “LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. Na dicção da jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Federal, os direitos individuais homogêneos nada mais são senão direitos coletivos em sentido lato, uma vez que todas as formas de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) são direitos coletivos e, portanto, passíveis de tutela mediante ação civil pública (ou coletiva). Consagrando interpretação sistêmica e harmônica às leis que tratam da legitimidade do Ministério Público do Trabalho (artigos 6º, VII, letras c e d, 83 e 84 da Lei Complr n.º 75/1993), não há como negar a legitimidade do Parquet para postular tutela judicial de direitos e interesses individuais homogêneos. Recurso de revista conhecido e provido. (RR 974005520075140001 97400-55.2007.5.14.0001, 1ª Turma do TST, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT 09/09/2011)”.

A terceira onda de acesso à Justiça, por sua vez, corresponde à necessidade permanente de reforma no âmbito do Poder Judiciário, de modo a construir e a garantir meios eficazes a uma prestação jurisdicional, aptos a satisfazer o titular que ingressa para postular seus direitos (CÂMARA, 2008). Tornando o espaço jurisdicional mais democrático e condizente com as necessidades reais da sociedade. Sobre essa terceira onda, retomaremos sua análise no último item deste estudo.

Conforme mencionado, alguns autores, entre eles Bernardo Sorj (2008), enxergam uma quarta onda de acesso à justiça, que envolveria direitos relativos ao meio ambiente e a ecologia. Além de uma possível quinta onda de acesso, esta relativa aos direitos inerentes às pesquisas biogenéticas, projetando-se uma realidade que tende a se tornar mais complexa e desafiadora para os costumes e condutas pessoais e sociais, lembrando que são formulações ainda não reconhecidas amplamente pela doutrina jurídica.

É importante acrescentar que o referido autor trabalha com a perspectiva de que as ondas de acesso à Justiça são mutáveis, passíveis de absorção umas das outras, não havendo para isso uma época definida para o exercício efetivo de cada onda pelas diversas sociedades. Dessa maneira, é possível apreender dessa análise que todas as cinco ondas já se iniciaram. Entretanto, dependendo das condições políticas, econômicas, sociais, culturais, tecnológicas e jurídicas de cada sociedade, algumas dessas ondas podem ainda não terem ou tardarem a se expressar, bem como vir a se mesclar, não havendo, assim, uma divisão temporal rigorosa para se vivenciar as ondas de acesso à Justiça.

4.1. Da necessidade constante de reforma do Judiciário: a terceira onda de acesso à justiça

Dentre as ondas de acesso à Justiça abordadas, destacamos a terceira onda, referente a permanente necessidade de reforma do Judiciário, pela fundamental importância de se pautar pela prática de pensar, propor e garantir meios eficazes a uma prestação jurisdicional apta a satisfazer a defesa e a efetivação de direitos do titular que ingressa com uma lide. Também pelo que expressa dos desafios contemporâneos, da urgência de se considerar e adequar o judiciário a uma realidade dinâmica, constantemente produtora de novas necessidades e de dissensos, colocando em questão a pertinência de regulamentá-los e arbitrar sobre seus destinos.    

Uma primeira e sempre presente questão nesse debate se reporta a necessidade de fazer frente, de forma mais efetiva, aos conhecidos entraves jurisdicionais, pensada, sobretudo, a partir da elaboração de uma legislação mais rígida, capaz de coibir práticas atentatórias ao bom desenvolvimento processual.

Em relação à busca da sociedade pela célere e justa efetivação da jurisdição estatal, Cesar Asfor Rocha (2007, p. 39) tece uma releitura da efetividade jurisdicional, ao passo em que aponta dois de seus maiores entraves: “O litigante que intenta uma ação no Poder Judiciário, requerendo que o Estado lhe confira uma solução justa, adequada e célere, espera gozar, em tempo razoável, do bem jurídico pleiteado. O maior dilema da função jurisdicional da atualidade talvez seja mesmo o da adequação do tempo que se consome no seu exercício e o da sua efetividade”.

Com base nesse paradigma, institutos processuais foram inseridos no ordenamento, acompanhando a evolução jurídico-social e o pleito pela celeridade e efetivação da função jurisdicional do Estado, com a criação do julgamento antecipado da lide, do procedimento sumaríssimo, da tutela antecipada, da repercussão geral¸ entre outras medidas, com vistas a evitar que com o decurso do tempo o objeto da lide pereça e a parte veja seu direito não ser preservado e consagrado com a sentença meritória.

Nesse processo de reforma do Judiciário brasileiro, podemos também citar como exemplo o progressivo abono da rigidez das formas instrumentais, partindo do princípio da instrumentalidade das formas que, aliado ao princípio da fungibilidade recursal, denota na possibilidade de inserção de mecanismos capazes de garantir o abandono quase que total das formalidades, tentativa considerada pela doutrina e jurisprudência como a flexibilidade ou mitigação do Direito.

Apesar de não se encontrar expresso no Código de Processo Civil, apenas no CPC de 1939, em seu artigo 810, o princípio da fungibilidade é um axioma norteador do direito, sendo aplicado ao caso em concreto a fim de serem efetivadas a célere e econômica prestação jurisdicional, salvo em caso de má fé ou erro grosseiro.

Diferentemente, o princípio da instrumentalidade das formas está expressamente disposto no Código de Processo Civil, em seus artigos 154, 244 e 249, § 2º, preconizando que os atos processuais não devam estar vinculados a uma forma determinada, salvo em caso de disposição legal, aceitando, em caso contrário, os atos praticados de outro modo, caso possua a mesma finalidade.

É entendido que o excessivo rigor processual é mais um entrave de ingresso à Justiça, inclusive dificultando a quem litiga em causa própria, quando não se faz obrigatória a presença de um advogado para patrocinar a causa. Neste aspecto, a Justiça Trabalhista possui reconhecida e pioneira atuação, simplificando o ingresso ao litígio por meio da flexibilização das formas, bem como com a aceitação de petições erroneamente interpostas, em obediência ao princípio da fungibilidade das formas, tudo de maneira a facilitar a atuação no processo.

Um dos avanços com vistas à desformalizar os procedimentos foi a criação do procedimento sumaríssimo, com a instauração dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Trabalhistas, regidos pela Lei nº. 9.099/1995. Também com a valorização dos meios alternativos de solução dos litígios, como a arbitragem, conciliação e mediação, a fim de desafogar o Judiciário e desmistificar a ideia de que apenas com um processo judicial é que um litígio será capaz de ser solucionado.

Entre o rol de reformas introduzido no sistema processualista civil temos a repercussão geral, instrumento processual disposto no §3º do artigo 102, da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que reconhece como requisito a arguição de relevância da questão levada à sede extraordinária, a fim de filtrar a interposição de recursos descabidos e meramente protelatórios. Nesse sentido,

O Código de Processo Civil, por sua vez, disciplina sobre a procedimentalidade da repercussão geral, com o intuito de dar efetividade à norma constitucional de eficácia contida, em seus artigos 543-A e 543-B, inseridos pela Lei nº 11.418/2006, dispondo que em caso de multiplicidade de recursos com o mesmo fundamento, serão analisados caso haja constatada a repercussão geral.

Considera-se que o referido instituto objetivou possibilitar ao Supremo Tribunal Federal selecionar quais recursos extraordinários deverão ser analisados, de acordo com os critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica, a fim de se evitar a proliferação de recursos incabíveis e meramente procrastinatórios junto à Suprema Corte.

A exigência legal da repercussão geral para a interposição de recurso extraordinário foi concebida para funcionar como um filtro recursal, resultando em uma diminuição do número de processos encaminhados ao STF. Representou um avanço à celeridade e à economia processuais, pois uma vez constatada a existência de repercussão geral no recurso, o STF analisará o mérito da questão, sendo a decisão proveniente aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos, evitando-se, dessa forma, inúmeros julgamentos de recursos análogos pela Suprema Corte.

Contudo, uma crítica a esse instrumento refere-se a uma não precisão conceitual, dando margem a interpretações mais amplas. Isso porque cabe ao Ministro Relator do recurso encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, averiguar se há ou não repercussão geral, dando margem a interpretações jurisprudenciais diferenciadas, e não a uma análise criteriosa e continua acerca da averiguação da repercussão geral.

A doutrina, em sua maioria, parece entender por repercussão geral os efeitos transcendentes do processo, seja ele individual ou coletivo, quando a decisão possa alcançar além dos próprios litigantes, uma coletividade em geral.

De todo modo, esse instrumento representa mais um avanço processual com vistas a combater entraves existentes na Justiça nacional, a fim de favorecer uma prestação jurisdicional efetiva, justa, célere e econômica.

Nessa direção, a Proposta de Emenda Constitucional nº 15/2011 – conhecida como PEC dos Recursos -, traz à baila a discussão acerca da garantia de acesso ao Judiciário e da interposição de recursos procrastinatórios por má fé, em que, havendo a sua promulgação, as ações poderão ser solucionadas de forma mais ágil e com garantia da ampliação do acesso ao Judiciário brasileiro pela população.

Apesar do conteúdo da PEC dos Recursos ser alvo de diversas críticas, pode-se destacar a intenção de se combater dois dos mais graves problemas inerentes ao Judiciário brasileiro, quais sejam: a morosidade e a sensação de impunidade em face da demora em se executar a decisão em alguns processos, devido procrastinatória interposição de infundados recursos, chegando a prolongar alguns processos por décadas, fato esse não mais raro de ser observado atualmente nos Tribunais.

Mas a PEC dos Recursos também vem obtendo reconhecimento da comunidade jurídica brasileira. O Ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, quando do exercício da Presidência do órgão, por exemplo, defende uma posição favorável quanto ao seu conteúdo, afirmando que não há críticas capazes de desqualificar a pertinência do Projeto.

Em entrevista para o Universo Jurídico, o citado Ministro do Supremo Tribunal Federal afirmou que o Projeto de Emenda Constitucional nº 15/2011 representa “uma ‘revolução pacífica’ para melhorar a eficiência da Justiça brasileira contra um ‘sistema jurisdicional perverso e ineficiente”. Lembrou também que a PEC “propõe o fim dos recursos que atrasam a execução das sentenças judiciais por razões meramente protelatórias”, prevendo com sua aprovação que “aqueles que lucram com a lentidão da Justiça perderão um importante instrumento que agora atua em favor da impunidade e contra o bom funcionamento do sistema judicial”.

O Ministro Cezar Peluso ainda destacou um dos artigos da PEC dos Recursos e sua vital importância: a de impedir a interposição de recursos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal com o fito de retardar a execução do julgado. “De acordo com o artigo 105-A da PEC, admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte. O parágrafo único deste dispositivo dispõe que a nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o relator se for o caso, pedir preferência no julgamento”.

Vale destacar que, atualmente, processos idênticos propostos no Brasil chegam a exaurir todas as modalidades de recursos. Em comum, o objetivo de prolongar a relação jurídica, retardando sua solução, haja vista alegarem teses contrárias a diversas jurisprudências nacionais, tanto dos Tribunais de segunda instância, quanto do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Não existindo de fato para defender um direito previsto, mas para delongar a prestação jurisdicional e desestimular outros titulares do direito.

Mas, com a promulgação do Projeto de Emenda Constitucional nº 15/2011, as ações poderão ser solucionadas de forma mais ágil, garantindo a ampliação do acesso ao Judiciário, modalidade instrumental essa objetivada pela terceira onda.

O Ministro Cesar Peluso apontou ainda outro ponto positivo da PEC de recursos, qual seja: “quem tiver certeza de seu direito continuará a recorrer aos tribunais superiores. Os recursos, no entanto, já não poderão ser usados para travar o bom andamento das ações judiciais”. Nesse caso, passará o recurso, finalmente, a exercer sua função, que é a de levar a instância superior a analise meritória de segundo grau, em caso de sucumbência parcial ou total, por entender seu direito não ter sido julgado apropriadamente, e não com o intuito de delongar a execução da sentença.

No contexto dessa discussão, soa como alarmante os números apontados pelo Ministro Cezar Peluso, em entrevista ao sítio eletrônico Universo Jurídico: “Segundo dados estatísticos apresentados pelo ministro, nos últimos 29 meses foram autuados no STF 133.754 recursos apenas na esfera cível, sendo que 53.189 foram devolvidos pela Presidência do Supremo por inviabilidade – 40% do total. Dos 80.565 recursos que foram distribuídos, 75.315 tiveram provimento negado, ou seja, ficou mantido o entendimento da instância anterior. Em somente 4% do total de recursos houve mudança de entendimento. Na avaliação do ministro, os dados revelam que a quantidade de recursos que tem a decisão das instâncias anteriores modificada é muito pequena e implica um grande gasto de tempo, dinheiro e energia no sistema”.

São informações que impressionam pela grandeza dos números, mas que também se revelam como uma das mais importantes razões para a aprovação da PEC dos Recursos no Congresso Nacional. Não somente, expressa ainda a urgência dessa aprovação como meio de coibir a rotineira prática de recorrer com o intuito de retardar o processo.

Desse modo, as medidas já inseridas no ordenamento jurídico mostram-se relevantes e inovadoras ainda que insuficientes, mas aliadas aos projetos de novos instrumentos processuais, embora ainda dependentes de discussão e finalização, evidencia um rico e fecundo movimento em prol da melhoria e eficácia jurisdicional. Esse movimento, além de se pronunciar como imperioso, expressa o seu viés democrático, pois se encontra embasado nos preceitos constitucionais informadores do Estado de Direito brasileiro, qual seja, a efetiva, célere e econômica prestação jurisdicional estatal.

Considerações finais

O acesso à ordem jurisdicional justa e efetiva, objeto de análise deste estudo, demandou argumentação com base em fundamentos jurídicos e sociológicos a partir de uma perspectiva histórica, de modo a dimensionar as questões que perpassam essa fundamental dimensão do contexto jurídico nacional, revelando-se seus resultados nesta exposição monográfica.

O propósito que guiou este trabalho se prendeu a necessidade pessoal de caráter formativo e prático. Da necessidade de nos apropriarmos do debate jurídico, teórico e conceitual, no que tange ao amplo entendimento e defesa dos direitos da coletividade, sem descuidarmos da defesa dos princípios e garantias constitucionais, fundamentais à vida em sociedade.  Evidenciamos nossos questionamentos e esforço pessoal, enquanto estudiosa do direito, para não praticar cerceamento de garantias fundamentais.

Conforme analisado, são muitos os entraves quando nos debruçamos sobre a realidade brasileira no que tange às condições de acesso à Justiça. Algumas dessas obstruções, que atravancam a efetividade do Devido Processo Legal no país, podem ser assim destacadas: a morosidade processual decorrente de várias investidas e experientes, incluindo a litigância de má fé, o alto custo jurisdicional e a burocratização de procedimentos processuais. Essas são as mais visíveis e que tomam formas diferentes. Mas existem outras.

Compreendemos que o país já comporta uma alentada tradição jurídica e processual, muito se avançou principalmente após a promulgação da Constituição de 1988 que ampliou a cartela de direitos e os meios para acessá-la. Quando consideramos especialmente o campo jurídico constatamos o exercício de novos mecanismos e o quanto levas de acesso se revezam e se sucedem objetivando exercitar direitos e cidadania.

Contudo, não logrou reverter práticas e procedimentos históricos que inibem e até mesmo cerceiam o acesso à Justiça. Impressiona interna e externamente o acúmulo de processos inconclusos, alguns guardando décadas de existência, o volume e as possibilidades de recursos, muitos meramente procrastinatórios sem que se consiga racionalizar de forma mais consequente tamanha estrutura nociva ao exercício do direito.

São questões e realidade que demandam um empreendimento de larga consistência e magnitude capaz de reverter seus aspectos mais danosos. Algumas medidas já contribuem para isto quando miram o congestionamento de processos e as condutas imbuídas de má fé e muito se espera da PEC dos Recursos para avançar nesse aspecto.

Sendo assim, pensamos que a referida PEC não representa um entrave aos direitos e garantias fundamentais – como apontado pela crítica, não podendo, portanto, ser considerada inconstitucional. Por exemplo, esta não impede o duplo grau de jurisdição – ação proposta na vara cível e recurso interposto junto ao Tribunal – uma das mais importantes garantias constitucionais. Visa tão somente por fim a morosidade processual e facilitar o ingresso da sociedade ao Judiciário, contribuindo para mitigar a sensação de impunidade que grassa a coletividade brasileira, por assistir ao prolongamento por décadas de lides judiciais.

Em face dessa compreensão, compartilhamos com aqueles que professam a urgência da aprovação da PEC dos Recursos, assim como a promulgação do Novo Código de Processo Civil, por representar um avanço do ordenamento jurídico brasileiro, capaz de coibir condutas protelatórias que visem retardar a prestação jurisdicional. Entendemos ainda que essas e outras mudanças inseridas no ordenamento jurídico sinalizam o que aqui tentamos por ênfase: a sempre necessária e permanente atualização da prestação jurisdicional, de modo a torná-la mais justa, célere e econômica; o que exige amplos e constantes esforços por parte do Poder Judiciário, das forças políticas e da sociedade civil brasileira em geral, para discutir e implementar formas de adequar o campo jurisdicional à realidade contemporânea.

Concluímos, no entanto, que a Justiça sempre será desafiada pelas mudanças e complexidade da sociedade, das relações humanas e de trabalho e que, portanto, sempre demandará revisão de seus procedimentos e a introdução de outros tantos para fazerem frente a esse processo. Parece que a esfera jurídica acompanha o movimento da sociedade, quando na verdade está sendo por este provocado, como de resto acontece com todas as demais instituições e os vários campos do saber. Uma dinâmica que estará sempre demandando uma melhor instrumentalização da Justiça, como se revela de forma tão expressiva na contemporaneidade brasileira.           

Destacamos, por fim, que a presente monografia representa para nós mais um passo em direção a um maior aprofundamento do conhecimento jurídico acerca da temática abordada, motivando o estudo de outras questões de igual relevância para minha formação. Reconhecemos, de nossa parte, a necessidade de mais pesquisas sobre a efetividade e a celeridade da jurisdição estatal, principalmente no que tange a práticas atentatórias de direitos, bem como avançar mais com a discussão sobre a litigância de má fé, morosidade e a protelação processual. Por fim, esperamos, sobretudo, que o esforço analítico aqui desenvolvido possa contribuir com outros estudos no campo do direito.

 

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Informações Sobre o Autor

Camila Rodrigues Neves de Almeida Lima

Advogada. Mestranda em Direito Laboral na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Pós Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola da Magistratura Trabalhista da Paraíba (ESMAT 13). Pós Graduada em Processo Civil pelo UNIPÊ


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