Resumo: A apresentação deste artigo visa demonstrar a finalidade e os cuidados na utilização das cláusulas pacta sunt servanda e rebus sic stantibus, a influência que os contratos representam na sociedade e onde encontramos a sustentação para a aplicação destas cláusulas. Faremos uma comparação legislativa entre Brasil e Portugal quanto a legalidade e as transformações estas causam nos contratos celebrados.
Palavras chave: contratos, obrigatoriedade, imutabilidade, pacta sunt servanda.
Sumário: Introdução. 1. Origem e evolução. 2. Significado e finalidade pacta sunt servanda e rebus sic stantibus. 3. A legalidade das cláusulas pacta sunt servanda e rebus sic stantibus. 3.1. No Brasil. 3.2. Em Portugal. 4. Consequências da aplicação das cláusulas pacta sunt servanda e rebus sic stantibus. Conclusão. Referências.
Introdução
O objetivo deste artigo é promover a discussão sobre suas origens e evolução. Também iremos indicar o amparo legal dos referidos princípios expostos nas cláusulas e abordar quais os efeitos legais da aplicação destas cláusulas.
Referido artigo utiliza-se da comparação que será feita com pesquisas nas legislações de Brasil e Portugal, bem como na Doutrina, atentando-se para as justificativas e os fundamentos.
1 ORIGEM E EVOLUÇÃO
A origem da cláusula rebus sic stantibus data de período muito antigo, sem precisão, não há como delimitar ou estabelecer uma data específica do início de sua aplicação.
Porém, ao que tudo indica, nos escritos de São Tomás de Aquino já se debruçavam, com sensibilidade, aos estudos sobre as alterações das condições para o cumprimento estabelecidos em promessas; apesar de haverem obrigações assumidas e que estas deveriam ser respeitadas, na hipótese de alteração das anteriores condições estabelecidas, estas poderiam ser mitigadas para não causar onerosidade excessiva a uma das partes. Assim, surge o pensamento de que ocorrendo mudanças extremas nas condições antes estabelecidas, “estas só devem ser cumpridas se lícitas e se imudadas as condições das partes, bem como as circunstâncias exteriores”. (FIUZA, 2016).
Tem-se que a maioria dos autores a tratar desse tema têm origem romana, nos escritos dos juristas romanos Cícero, Sêneca, Paulo e Africano já se podia ver a preocupação e a necessidade de tratar desse assunto, para adequação dos contratos a realidade que se vivia.
Destes juristas, em seus escritos, o que mais se destacava pela clareza é o de Africano. (FIUZA, 2016).
“Cum quis sibi aut Titio dari stipulatus
sit, magis esse ait, ut ita demum recte Titio
solvi dicendum sit, si in eodem statu
maneat, quo fuit, cum stipulatio interponeretur;
coeterum sive in adoptionem, sive
in exilium ierit, vel aqua et igni ei
interdictum, vel servus factus sit, non recte
ei solve dicendum: tacite enim inesse haec
conventio stipulationi videtur, si in eadem
causa maneat (Digestorum Lib. XLVI, Tit.
III, 38)”.[1]
2. Significado e finalidade pacta sunt servanda e rebus sic stantibus
Pacta sunt servanda pode ser traduzido como a afirmação de força obrigatória que os pactos, contratos ou obrigações assumidos devem ser respeitados e cumpridos integralmente. Tem por ideia que o contrato celebrado foi firmado por iniciativa das partes, alicerçado na autonomia da vontade destes. Assim, cumpre a estes honrarem todo o pacto estabelecido. Sob esse aspecto é inadmissível a intervenção externa para alteração do estabelecido livremente entre os contratantes.
Rebus sic stantibus, essa traduzida como a manutenção do contrato enquanto as coisas estejam assim, ou seja, desde que mantidas as mesmas condições quando da elaboração do contrato/pacto, para todas as partes envolvidas. Essa é a exceção a obrigatoriedade (pacta sunt servanda) de cumprimento dos contratos pois que, havendo excessiva onerosidade à uma das partes, poderá referido contrato ser revisto e ter alteradas suas cláusulas, visando manter-se o equilíbrio idêntico ao do momento em que este foi firmado.
O princípio de pacta sunt servanda destina-se a preservar a autonomia da vontade declarada, incluindo a liberdade de firmar o contrato em causa, bem como a segurança da relação jurídica subjacente.(SUBTIL, 2012, p. 32).
Na revisão contratual (rebus sic stantibus), não se pretende a declaração de nulidade do contrato, mas sim a garantia da execução equitativa do acordo firmado, como efeito de cláusulas rebus sic stantibus, que constitui uma excepção ao pacta sunt servanda. (SUBTIL, 2012, p. 34)
3. A legalidade das cláusulas pacta sunt servanda e rebus sic stantibus
A legalidade do uso dessas cláusulas; a regra é que assumido um compromisso seja ele adimplido; não é crível que celebrado um contrato tenha-se em mente o seu não cumprimento, parte-se de um princípio geral e razoável de boa-fé.
3.1. Apesar de ser implícita a obrigatoriedade do cumprimento da obrigação, face tratar-se de pacto celebrado em razão da autonomia da vontade das partes envolvidas, não deixou de constar no Código Civil Brasileiro, como vemos nos dispositivos abaixo;
“art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”
Entres tantos outros dispositivos legais, que preveem e dão legalidade ao uso das cláusulas em apreço, duas se destacam em relação a tentativa legal de se manter o negócio jurídico evitando assim, que eventualmente terceiros possam ser afetados ou não pelo desfazimento do negócio jurídico.
Os artigos 479 e 480 do Código Civil Brasileiro são claros quando indicam a possibilidade do aproveitamento do negócio jurídico ao contrário de descartá-lo. Tal possibilidade está calcada no respeito ao princípio da preservação do contrato que busca prestigiar e manter o negócio e dar segurança jurídica aos contratantes.
É mais favorável uma revisão do contrato para adaptá-lo as reais condições das partes do que uma ruptura deste contrato. Deve ser levado em consideração todas as condições que cercam o contrato, pois que não é justo que o devedor seja excessivamente onerado por acontecimentos imprevistos mas, também não é justo que o credor seja privado de seus ganhos programados.
“art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”
A doutrina muito contribuiu para utilização de referidas cláusulas, com a criação da teoria da imprevisão, que vislumbra a possibilidade de mitigação das cláusulas de cumprimento do contrato em detrimento da obrigatoriedade do cumprimento deste. Tal teoria previa que sempre que ocorresse mudanças nas circunstâncias que envolveram o momento da criação das cláusulas desse contrato e, de certa forma com essas mudanças, uma das partes sofresse prejuízo demasiado, estaria ali um justo motivo para a aplicação desta teoria.
“Entre nós, a teoria em tela foi adaptada e difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca, com o nome de teoria da imprevisão, em sua obra Caso fortuito e teoria da imprevisão. Em razão da forte resistência oposta à teoria revisionista, o referido autor incluiu o requisito da imprevisibilidade, para possibilitar a sua adoção. Assim, não era mais suficiente a ocorrência de um fato extraordinário, para justificar a alteração contratual. Passou a ser exigido que fosse também imprevisível. É por essa razão que os tribunais não aceitam a inflação e alterações na economia como causa para a revisão dos contratos. Tais fenômenos são considerados previsíveis entre nós. A teoria da imprevisão consiste, portanto, na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes tornar-se exageradamente onerosa — o que, na prática, é viabilizado pela aplicação da cláusula rebus sic stantibus, inicialmente referida”. (GONÇALVES, 2012, p. 52/53).
Ainda, nessa toada de investimento, para a popularização da aplicação de referidas cláusulas, teve grande avanço com a criação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), criado a partir da Lei nº. 8.078/1990;
“Dos Direitos Básicos do Consumidor
art. 6º São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”.
Cláudia Lima Marques explica que a vontade das partes é o fundamento absoluto da força obrigatória. De acordo com a jurista, “uma vez manifestada esta vontade, as partes ficariam ligadas por um vínculo, donde nasceriam obrigações e direitos para cada um dos participantes, força obrigatória esta, reconhecida pelo direito e tutelada judicialmente.” (MARQUES, 1995). Consoante esta teoria, as cláusulas contratuais devem ser cumpridas como regras incondicionais, sujeitando as partes do mesmo modo que as normas legais.
3.2. No mesmo sentido é o que se depreende da leitura da previsão legal do Código Civil Português;
Na formação dos contratos o que se espera é que seja formado por livre iniciativa das partes, visando a satisfação de ambos contratantes, onde firmem acordo que possa ser cumprido sem onerar demasiadamente uma das partes.
Mesmo acreditando que dessa forma inicia-se a formação do contrato, as intempéries podem ocasionar situações desproporcionais e imprevisíveis fazendo que ocorra um desequilíbrio entre os contratantes.
Código Civil Português;
“artigo 227.º – (Culpa na formação dos contratos)
1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498.º.”
O princípio da boa-fé está presente nos quesitos da eficácia dos contratos, tanto assim que consta a obrigatoriedade, mesmo que previsível, da pontualidade no cumprimento contratual.
Código Civil Português;
“artigo 406.º – Eficácia dos contratos
1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.”
Vasconcelos afirma que a vontade dos contratantes deve prevalecer, acreditando que a cláusula é construída de forma subjetiva e voluntária, ou seja, quando para a satisfação do contrato, ocorrer uma sobrecarga à uma das partes, fatalmente estaremos diante de algum efeito inesperado, que não fazia parte das intenções dos contratantes e, desta forma é a vontade inicial dos contratantes é mais importante que o próprio conteúdo deste contrato, é o espírito “da coisa”, que deverá ser levado em consideração; assim perfeitamente aceitável a revisão das cláusulas do contrato; […] “porque não parte do conteúdo do contrato objectivamente considerado em si mesmo, mas antes nas partes, no que teria sido a sua vontade contratual e nas cláusulas que, tácita ou implicitamente, teriam estipulado” […], (VASCONCELOS, 2010. p. 358-359).
Código Civil Português;
“artigo 437.º – (Condições de admissibilidade)
1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”
4. Consequências da aplicação das cláusulas pacta sunt servanda e rebus sic stantibus
om a previsão legal do cabimento de aplicação das cláusulas, cria-se ambiente favorável aos negócios, pois que a segurança das relações jurídicas estará presente na celebração dos contratos, criou-se limite a liberdade referente a praticar ou a abster-se de algo que se comprometeu realizar.
Com a aplicação das cláusulas, nasce o justo direito de exigir o cumprimento do contrato na medida da aplicação da Justiça. É como estivéssemos aplicando uma justiça superior comparando-se ao sentimento de justiça do senso comum.
A relativização do pacta sunt servanda ocorreu com a mudança que ficou fortalecida com o advento das alterações legislativas, a drástica mudança de paradigma proposto com o novo Código Civil Brasileiro, em 2002, e o entendimento da importância do contrato para a sociedade, eis que estes contratos geram consequências econômicas e sociais à terceiros, quer ligados direta ou indiretamente com os contratantes.
Defende-se, hoje, pela importância que os contratos representam, sua função social, essa mudança, essa nova valoração do contrato também foi influenciada pelas políticas de mercado implantadas em nossa sociedade.
As vozes mais pessimistas parecem recusar-lhes tal virtualidade: “os consumidores são protegidos não por solidariedade, como querem alguns; vale dizer: a proteção de que gozam não é produto de sentimento de solidariedade, porém expressiva de uma estratégia para a promoção da fluência do mercado”. (GRAU, 2012, p. 21).
Nesse contexto, firmou-se o entendimento que o interesse público e a função social dos contratos devem ser levados em consideração, para a justa adequação de cláusulas que possa causar danos sociais ou até mesmo a ruína; os contratos extrapolaram a órbita privada dos contratantes e passaram a fazer parte do contexto social de onde se celebram ou de onde se devam cumprir as obrigações assumidas, era urgente a busca por justiça social e adequação das “normas” estabelecidas pelos contratados à realidade social.
“Sem justiça nada podia valer em Direito, e o contrato objectivamente injusto não podia manter-se”. (VASCONCELOS, 2010. p. 359).
Conclusão
Com os avanços tecnológicos e a globalização, a possibilidade de previsão de acontecimentos imprevisíveis e muito maior.
Não que a aplicação das cláusulas deixem de ter importância mas, certamente haverá novas mudanças de paradigmas. Os reflexos que determinados contratos privados têm sobre a sociedade faz com que ocorra maior interesse estatal em buscar soluções para as divergências que surjam; daí que de maior legalidade se reveste a mitigação e flexibilização dos contratos.
Não há mais espaço na sociedade para contratos engessados que propiciem a fartura de um em detrimento de outrem ou de uma sociedade, em especial quando referida fartura é oriunda de causas, cada dia mais comum, mas ainda envoltas em mudanças bruscas e imprevisíveis.
Advogado do Conselho de Prerrogativas da 1ª Região da OAB/SP, Especialista em Direito Cível e Processo Civil – Faculdade Legale/SP, Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa
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