A destinação aos estados e municípios do imposto de renda retido na fonte pelas suas sociedades de economia mista e empresas públicas

Resumo:Pelo que se pode constatar dos art. 157 I e art. 158 I a Constituição Federal destinou aos estados e municípios o produto da arrecadação do imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos pagos a qualquer título por eles suas autarquias e fundações que instituírem e mantiverem.

Ocorre que tanto estados quanto municípios possuem empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos próprios de autarquias e fundações públicas diferenciando destas apenas na forma que se revestem.

O presente artigo analisará sob a luz da jurisprudência dos nossos tribunais e legislação federal a possibilidade de o referido repasse do produto do imposto de renda retido na fonte para os entes federados também ser realizado pelas suas empresas públicas e sociedades de economia mista cujo objeto seja a prestação de serviços públicos.

Como será demonstrado os tribunais pátrios e a Lei de Responsabilidade Fiscal em diversos aspectos reconhecem a diferença entre as empresas estatais que prestam serviços de caráter público e aquelas que exploram atividade econmica.

Palavras-chave: Tributário. Imunidade recíproca. Empresa pública e sociedade de economia mista. Inexistência de concorrência. Prestação de serviço público. Retenção do IRRF. Art. 157, I. Art. 158, I, Constituição Federal. Destinação. Estados. Municípios

1 – Introdução

Pelo que se pode constatar dos art. 157, I e art. 158, I, a Constituição Federal destinou aos estados e municípios o produto da arrecadação do imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos pagos a qualquer título por eles, suas autarquias e fundações que instituírem e mantiverem.

Ocorre que, tanto estados quanto municípios possuem empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos, próprios de autarquias e fundações públicas, diferenciando destas apenas na forma que se revestem.

O presente artigo analisará, sob a luz da jurisprudência dos nossos tribunais e legislação federal, a possibilidade de o referido repasse do produto do imposto de renda retido na fonte para os entes federados também ser realizado pelas suas empresas públicas e sociedades de economia mista cujo objeto seja a prestação de serviços públicos.

Como será demonstrado, os tribunais pátrios e a Lei de Responsabilidade Fiscal, em diversos aspectos, reconhecem a diferençaentre as empresas estatais que prestam serviços de caráter público e aquelas que exploram atividade econômica.

2 – O cabimento da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a da Constituição Federal às empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos sem finalidade lucrativa

Ao instituir a imunidade tributária recíproca, repelindo a instituição de impostos entre os entes da federação, dispõem o art. 150, VI, a, e os §§ 2º e 3º da Constituição Federal:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

§ 2º – A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§ 3º – As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”.

Em uma interpretação literal do dispositivo constitucional retromencionado, não há dúvidas que é vedado a UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS e DISTRITO FEDERAL instituírem impostos um dos outros e de suas autarquias e fundações públicas.

A princípio referida imunidade não se estenderia a empresas públicas e sociedades de economia mista, uma vez que, para se evitar tratamento fiscal que prejudique a livre concorrência em razão da atividade econômica desenvolvida, é vedado pelo art. 173, §2º da Constituição Federal.

Ocorre que, há empresas públicas e sociedades de economia mista que exclusivamente prestam serviços públicos, típicas atividades de estado, não concorrendo com a iniciativa privada, na maioria das vezes sequer possuem receitas próprias.

Assim, por tratarem de atividades tipicamente desenvolvidas pelo Estado, com alto grau de interesse público, o Supremo Tribunal Federal, mesmo não havendo menção expressa na Constituição Federal, pacificou entendimento no sentido de que é aplicável a imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, VI, “a” da CF, ao patrimônio, renda e serviços de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista prestadoras de serviços público, vejamos:

“Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 601392, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-105 DIVULG 04-06-2013 PUBLIC 05-06-2013)

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMUNIDADE RECÍPROCA. IPTU. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. PRETENSÃO CUJO ACOLHIMENTO DEMANDARIA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279/STF. PRECEDENTES. 1. O Supremo reconheceu a possibilidade de extensão da imunidade recíproca sobre a renda, os bens e o patrimônio de sociedade de economia mista que desempenha serviço de interesse público em caráter exclusivo. 2. A instância ordinária apontou preenchimento dos requisitos necessários para a incidência da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal . O acolhimento da pretensão demandaria um novo exame do acervo fático-probatório. Incide, no caso, a Súmula 279/STF. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 861545 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 23-04-2015 PUBLIC 24-04-2015)

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ESTADO QUE NOTIFICOU A ECT PARA RECOLHIMENTO DE ICMS. INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A ECT, atuando como empresa pública prestadora de serviço público, está albergada pela imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, ‘a’ do texto constitucional. Precedentes. 2. No julgamento da ADPF 46, o Supremo Tribunal Federal afirmou o entendimento de que o serviço postal, prestado pela ECT em regime de exclusividade, não consubstancia atividade econômica estrita, constituindo modalidade de serviço público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ACO 1331 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2014 PUBLIC 12-12-2014)

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ISENÇÃO CONFERIDA EM FAVOR DE IMÓVEL DE UMA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA PRESTADORA DE SERVIÇOS PÚBLICOS EXCLUSIVOS – CBTU. INAPLICABILIDADE DA VEDAÇÃO CONSTANTE DO ART. 173, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. O Tribunal de origem consignou que o serviço prestado pela agravada é público, indisponível e prestado em regime de exclusividade. Dessa forma, mostra-se inaplicável a vedação de que trata o art. 173, § 2º, da Constituição Federal. Ademais, nos termos da legislação local, a isenção alcança o imóvel que for declarado de necessidade ou utilidade pública ou de interesse social. Nesse particular, ficou reconhecido que o imóvel foi declarado de utilidade pública pela União, de modo que o acolhimento da pretensão demandaria o reexame do acervo fático e probatório (Súmula 279/STF). Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 816538 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 18-11-2014 PUBLIC 19-11-2014)

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, A, DA CF. PATRIMÔNIO, RENDA OU SERVIÇOS. ATIVIDADES IMANENTES AO ESTADO. EXECUÇÃO POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA OU EMPRESAS PÚBLICAS. COBRANÇA DE TARIFAS COMO CONTRAPRESTAÇÃO. ABRANGÊNCIA. ATENDIMENTO DAS CONDIÇÕES INDICADAS NO RE 253.472/SP. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL E DE PROVAS. EVENTUAL OFENSA SERIA INDIRETA. SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Esta Corte já fixou entendimento no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição se aplica ao patrimônio, renda ou serviços inerentes ao desempenho de atividades imanentes ao Estado, ainda que sejam executadas por sociedades de economia mista ou empresas públicas e independentemente da cobrança por elas de tarifas como contraprestação. II – Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, quanto ao preenchimento das condições indicadas no julgamento do RE 253.472/SP e quanto à titularidade do bem abarcado pela imunidade, faz-se necessário o exame do conjunto fático-probatório dos autos, bem como a análise de normas infraconstitucionais, o que inviabiliza o extraordinário com base na Súmula 279 do STF ou porque a afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. III – Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 816120 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 12/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-162 DIVULG 21-08-2014 PUBLIC 22-08-2014)

Com isso, não resta dúvida que, amparada pela pacífica e remansosa jurisprudência do STF, as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista prestadoras de serviços públicos possuem imunidade tributária em relação a impostos estaduais ou federais.

2 – Da retenção do produto da arrecadação do imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza, retidos na fonte, sobre os rendimentos pagos, a qualquer título pelas empresas públicas e sociedades de economia mista estaduais e municipais prestadoras de serviços

Ao estender a empresas públicas e sociedades de economia mista a imunidade recíproca, o STF, incluiu referidas pessoas jurídicas no §2º, art. 150, CF, que assim dispõe:

“§ 2º – A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”.

Como o referido dispositivo não faz menção às empresas públicas e sociedades de economia mista o Supremo Tribunal Federal equiparou as que prestam serviços públicos a autarquias.

Ao apreciar a Ação Cível Originária n. 765 a respeito da imunidade recíproca dos correios, o ministro Menezes Direito, STF, assim fundamentou o seu voto vencedor:

"A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que as empresas públicas prestadoras de serviço público em geral e a autora em particular são beneficiárias da imunidade de que trata o artigo 150. VI, 'a', § 2º, da Constituição Federal.

(…)a autora é empresa pública que presta serviço público e não atividade econômica em sentido estrito. Dessa peculiaridade decorre sua natureza autárquica e o seu ingresso no âmbito da incidência do § 2º do artigo 150 da Constituição da República(…)"

Mais adiante em seu voto, o Ministro Menezes Direito prossegue:

"É preciso distinguir as empresas públicas que exploram atividade econômica, que se sujeito ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (C.F., art. 173, § 1º), daquelas empresas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do artigo 173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço público, inclusive, à responsabilidade objetiva (C.F., art. 37, § 6º)”.

Esta equiparação decorre do caráter público e essencial dos serviços prestados por certas empresas públicas e sociedades de economia mista, sendo isso que diferencia uma entidade de natureza autárquica daquela que explora atividade econômica.

O art. 5º do Decreto 200/67, faz essa diferenciação ao conceituar e distinguir as entidades que compõem a administração indireta, vejamos:

“Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

I – Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

II – Emprêsa Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969)

III – Sociedade de Economia Mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta”.

Pelo que se pode constatar, basicamente o que difere uma entidade de outra é a atividade exercida.

Por sua vez a Lei Complementar nº 101/2000, também adotou a natureza autárquica da empresa estatal (empresas públicas e sociedades de economia mista) para delimitar suas obrigações.

A Lei de Responsabilidade Fiscal dispõe sobre a empresa estatal dependente, como aquela que recebe do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, estando compreendida nas referências aosEstados e Municípios e, portanto, nas obrigações determinadas pela referida Lei, vejamos:

“Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

§ 2o As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

§ 3o Nas referências:

I – à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão compreendidos:

a) o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste abrangidos os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público;

b) as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes;

Art. 2o Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:

III – empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária;”

Em diversos outros dispositivos, a LRF, em razão de possuírem a mesma natureza jurídica, equipara as fundações públicas e autarquias às empresas estatais dependentes, vejamos:

“Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente.

Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas públicas observará as seguintes:

III – as demonstrações contábeis compreenderão, isolada e conjuntamente, as transações e operações de cada órgão, fundo ou entidade da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive empresa estatal dependente;

Assim, sendo as empresas públicas e sociedades de economia mista enquadradas como empresa estatal dependente, nos termos do art. 2º da LRF, submetem-se às mesmas disposições aplicáveis às autarquias e fundações públicas.

Em vários outros aspectos, sejam de direito material ou processual, a equiparação entre as entidades que compõem a administração indireta, com base na natureza autárquica, fundamentada pela prestação de serviços públicos, vem sendo adotada pelos tribunais superiores em sentido amplo.

Sobre o tema da prescrição já decidiu o STJ que, "tratando-se de empresa pública integrante da administração indireta, responsável pela prestação de serviços públicos próprios do Estado, com o fim de atender as necessidades essenciais da coletividade, sem que apresente situação de exploração de atividade econômica, deve ser aplicada a prescrição quinquenal, conforme o Decreto 20.910/32" (REsp nº 1.196.158/SE, Rel. Min. Eliana Calmon).

Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo pela aplicabilidade do regime de precatórios às empresas públicas e sociedades de economia mista:

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. FINANCEIRO. EXECUÇÃO DE SENTENÇAS TRANSITADAS EM JULGADO. ENTIDADE CONTROLADA PELO PODER PÚBLICO QUE EXECUTA SERVIÇOS PÚBLICOS PRIMÁRIOS E ESSENCIAIS. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO ACÚMULO OU DA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS. REGIME DE PRECATÓRIO. APLICABILIDADE. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. O Pleno assentou que as entidades jurídicas que atuam em mercado sujeito à concorrência, permitem a acumulação ou a distribuição de lucros submetem-se ao regime de execução comum às empresas controladas pelo setor privado (RE 599.628, rel. min. Carlos Britto, red. P/ acórdão min. Joaquim Barbosa, j. 25.05.2011). Porém, trata-se de entidade que presta serviços públicos essenciais de saneamento básico, sem que tenha ficado demonstrado nos autos se tratar de sociedade de economia mista ou empresa pública que competiria com pessoas jurídicas privadas ou que teria por objetivo primordial acumular patrimônio e distribuir lucros. Nessa hipótese, aplica-se o regime de precatórios. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (RE 592004 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 05/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 21-06-2012 PUBLIC 22-06-2012)

Portanto, para a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais pátrios, não importa a forma pela qual está revestida a entidade e sim a sua natureza jurídica, se pública, quando presta serviços públicos, ou privada, quando explora atividade econômica.

A diferença basilar entre prestação de serviços públicos e exploração de atividade econômica está na obrigatoriedade, essencialidade, indispensabilidade e no interesse público do primeiro em detrimento do interesse privado, disponível e com fins lucrativos do segundo, sem falar que naquele não há o caráter concorrencial que há neste.

No julgamento da Ação Cível Originária n. 959 o Ministro Menezes Direito, ao concluir que as empresas públicas que prestam serviços públicos e não atividade econômica em sentido estrito são beneficiadas pela imunidade recíproca, prevista no art. 150, inc. VI, al. a, da Constituição da República, fez a seguinte distinção:

“Tributário. Imunidade recíproca. Art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal. Extensão. Empresa pública prestadora de serviço público. Precedentes da Suprema Corte. 1. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal alcança as empresas públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da autora, que não se confunde com as empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito. Com isso, impõe-se o reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal. 2. Ação cível originária julgada procedente” (ACO 959)

Assim, se para os fins do §2º, art. 150, CF (imunidade recíproca), art. 100, CF (regime dos precatórios) e Decreto 20.910/32 (prescrição aplicável a administração pública) a jurisprudência pátria equiparou as empresas públicas e sociedades de economia mista a autarquias, levando-se em conta a natureza jurídica com base nos serviços públicos prestados, com a mesma propriedade deve-se equiparar as referidas entidades para os fins do disposto no art. 157, I e art. 158, I da Constituição Federal, que assim dispõem:

“Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:

I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;

Art. 158. Pertencem aos Municípios:

I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem”;

Não há como interpretar os dispositivos constitucionais de formas diferentes, de acordo com o fim almejado, ou seja, para os fins dos art. 100 e 150, VI, “a”, §2º da CF as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadora de serviços públicos são incluídas por sua natureza autárquica e para os fins do art. 157, I e art. 158, I da Constituição Federal serem excluídas.

Assim, dúvida não há que as empresas públicas e sociedades de economia mista,desde que prestadoras de serviços públicos, estão insertas no inciso I do art. 157 e do art. 158 CF.

Com isso, os Estados e Município fazem jus ao produto da arrecadação do imposto de renda sobre rendimentos pagos a qualquer título, seja oriundos de salários de seus empregados, seja de pagamentos realizados a terceiros e prestadores de serviços.

Tanto a repartição de receitas quanto a imunidade tributária possuem relação com o pacto federativo, não havendo como distingui-los. E,conforme entendeu o STF:

“A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em consequência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto.” RE 253472, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA

Assim, seria descabido qualquer argumento de que o disposto no art. 150, §2º da CF tem finalidade diversa do disposto no art. 158, I da CF, em razão do primeiro tratar-se de imunidade tributária e o segundo de repartição de receitas, pois os dois dizem respeito ao pacto federativo e a inexistência de hierarquia entre os entes da federação.

Em conclusão, resta latente que as empresas públicas e sociedades de economia mis que prestam serviços públicos, desprovidos de qualquer atividade de cunho econômico e que são realizados sem: a) Intuito de lucro; b) Concorrência com a iniciativa privada; c) Distribuição de eventuais resultados aos acionistas, possuem natureza anômala autárquica, razão pela qual há a atração da aplicação direta do art. 157, I ou art. 158, I da Constituição Federal, conforme o caso, devendo ser destinado aos cofres dos entes que integram o produto da arrecadação dos imposto de renda retido na fonte e pago a qualquer título.

Referências
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Administração Tributária. In: Análise dos dispositivos constitucionais da nova administração tributária. O alcance das alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 42/2003, no texto da Constituição Federal. Pareceres. Brasília: FENAFISCO, p. 73-114, 2008.
BREYNER, Frederico Menezes. Regime Jurídico da Fiscalização Tributária: Constituição e Código Tributária Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário. Brasília, p. 29-36, Jul. 2011.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.
COELHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. A importância da administração tributária no estado democrático de direito. Análise da Emenda Constitucional nº 42/2003. In: Análise dos dispositivos constitucionais da nova administração tributária. O alcance das alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 42/2003, no texto da Constituição Federal. Pareceres. Brasília: FENAFISCO, p. 117-181, 2008.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 2003.
DELGADO, José Augusto. Organização político-administrativa do estado. In: DALLARI, Adilson de Abreu; MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder. (Coord.). Tratado de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, p. 11-57, 2013.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp
http://www.stj.jus.br/SCON/

Informações Sobre o Autor

Charbel Elias Maroun

Procurador do Município do Recife, advogado do escritório Farias Janguiê e Maroun Advogados, pós graduado em direito público e direito tributário


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