Agência intermunicipal de regulação do saneamento

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Resumo: O presente estudo busca analisar as principais vertentes jurídicas das agências reguladoras na área do saneamento básico, após a vigência da Lei nº 11.445/2007. Ainda, busca-se apresentar os consórcios públicos como instrumento apto a efetivar a regulação desses serviços, dentro dos padrões de tecnicidade e independência decisória.


Sumário: 1) A regulação dos serviços de saneamento básico no Brasil 2) Agência de regulação intermunicipal 3) Conclusões 4) Referências bibliográficas


1. A regulação dos serviços de saneamento básico no Brasil


Com o advento da Lei nº 11.445, em 5 de janeiro de 2007, abre-se no Brasil mais um campo de regulação dos serviços públicos: o saneamento básico[1]. A regulação apresenta-se como um dos eixos centrais da Política Nacional de Saneamento Básico, juntamente com os planos municipais de saneamento[2] e os prestadores dos serviços públicos.


A atividade de regulação pode ser compreendida como sendo a função administrativa desempenhada pelo Poder Público para normatizar, controlar e fiscalizar as atividades econômicas ou a prestação de serviços públicos por particulares. A regulação, fruto da crise do Estado-providência, parte da idéia de que o Estado, ao invés de prestar materialmente os serviços tidos como essenciais à população, passa a controlar sua prestação, por meio da expedição de regras para os prestadores de serviços públicos. O Estado de Bem-Estar Social não deixa de existir, mas, sim, amolda-se a uma nova concepção. Nas palavras de Justen Filho (2002, p. 21), “não significa negar a responsabilidade estatal pela promoção do bem-estar, mas alterar os instrumentos para realização dessas tarefas.”


As atividades de regulação são geralmente exercidas por agências independentes, sob a forma de autarquias especiais, que gozam de autonomia administrativa, orçamentária e decisória. Para Bandeira de Mello (2008, p. 169-170), “as agências reguladoras são autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades.”


Nesse cenário regulatório relativamente consolidado no Brasil, em que inúmeros setores da economia já sofrem regulação estatal (energia elétrica, petróleo, saúde, aviação, entre outras), os serviços públicos de saneamento básico também passam a contar com o controle do ente federativo titular[3], obrigatório nos casos de delegação da prestação dos serviços[4].


São objetivos da entidade reguladora, nos termos do artigo 22 da Lei nº nos 11.445/07, estabelecer padrões e normas para a adequada prestação dos serviços e para a satisfação dos usuários, garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas nos contratos e planos de saneamento, prevenir e reprimir o abuso do poder econômico e definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos como a modicidade tarifária. O artigo 23 da Lei n. 11.445/07 ainda elenca uma série de competências normativas do ente regulador, adentrando em matérias de ordem técnica, econômica e social. 


A regulação do setor do saneamento básico tem como horizonte os princípios dispostos no artigo 3º da Lei do Saneamento (universalização do acesso aos serviços, a modicidade tarifária, a qualidade dos serviços, entre outros). O marco regulatório do saneamento, de onde surge a regulação do setor, busca reverter o quadro de omissão e descaso do Poder Público a partir da extinção do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), ainda na década de 80. Com o fim do PLANASA, coube às próprias concessionárias estaduais a definição das “políticas públicas” no setor, em verdadeira inversão à função inafastável do ente titular dos serviços.


Portanto, mostram-se de grande importância as atividades a serem exercidas pela entidade de regulação, especialmente no que toca ao efetivo cumprimento das metas estabelecidas pelos planos municipais de saneamento, exigindo-se dos prestadores dos serviços o respeito ao cumprimento das disposições ali fixadas, que nortearão os planos de investimentos e a ampliação das atividades de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos, limpeza urbana e drenagem pluvial.


No Brasil já existem algumas agências reguladoras para as atividades de abastecimento de água e esgotamento sanitário. A grande maioria caracteriza-se como entidades estaduais, a exemplo da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (ARCE), da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (ARSESP) e da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (AGENERSA). Também existem entidades de âmbito municipal, tal como a Agência Municipal de Regulação dos Serviços de Água e Esgotos de Joinville/SC (AMAE) e a Agência Reguladora dos Serviços de Água e Esgoto do Município de Mauá/SP (ARSAE).


As agências estaduais de regulação, em maior número no Brasil, foram concebidas para regular a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário executados pelas companhias estaduais de saneamento, responsáveis, através de delegação, pela prestação dos serviços na maior parte dos municípios. Em Santa Catarina, por exemplo, a concessionária estadual é responsável pela prestação dos serviços de água e esgoto em aproximadamente 70% dos municípios. 


Em que pese a existência de inúmeras entidades de regulação na área do saneamento, ainda são poucas as normas regulatórias sobre esses serviços públicos. Consoante estudo promovido por Ximenes e Galvão Junior (2008, p. 26-27), apenas 883 municípios possuem regulação dos serviços de água e esgoto, representando menos de 18% do total no país. Desses, nem todos tem normas regulatórias estabelecidas nos termos da Lei nº 11.445/2007, o que leva os Autores (2008, p. 27) a concluir no sentido de que “há poucas normas relacionadas aos aspectos econômico-financeiros, tais como tarifas e contabilidade regulatória.”. De fato, a regulação dos serviços de saneamento ainda é muito tímida diante de outros setores regulados no Brasil, como a energia elétrica. 


Situação ainda pior presencia-se com relação à regulação dos serviços de resíduos sólidos, drenagem pluvial e varrição urbana, pois as atenções estão voltadas – equivocadamente – para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Tanto é verdade que muitas das agências estaduais possuem competência legal apenas para a regulação dos serviços relativos à água e ao tratamento de efluentes (esgoto), deixando à margem as demais atividades inerentes ao saneamento básico.


Tem-se que o cenário brasileiro da regulação do setor do saneamento básico se apresenta da seguinte forma:


a) municípios que delegaram o exercício da atividade de regulação à agência estadual somente no que toca ao abastecimento de água e esgotamento sanitário; 


b) municípios que delegaram o exercício da atividade de regulação à agência estadual de todas as atividades do saneamento básico;


c) municípios que criaram agência de regulação no âmbito municipal; e


d) municípios não abrangidos por nenhuma atividade de regulação, decorrente da não delegação ou inexistência de entidade regulatória de abrangência estadual ou municipal.


Diante desse cenário de completa indefinição das atividades de regulação, onde muitas das agências estaduais não exercem efetivamente a competência delegada, os consórcios públicos mostram-se como uma interessante alternativa para suprir o vácuo regulatório em muitos Estados da Federação, criando-se agências reguladoras intermunicipais, capazes de exercer as atividades regulatórias no setor do saneamento básico, a exemplo do que já ocorre em Santa Catarina.


2) Agência de regulação intermunicipal


Os consórcios públicos podem ser compreendidos como pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum (art. 2º, I, do Decreto federal n. 6.017/07). Possuem seu pilar no artigo 241 da Constituição da República, que trata dos convênios de cooperação e da gestão associada dos serviços públicos entre os entes federativos[5].


Para Carvalho Filho (2008, p. 205), “ao exame do delineamento jurídico dos consórcios públicos, pode afirmar-se que sua natureza jurídica é a de negócio jurídico plurilateral de direito público com o conteúdo de cooperação mútua entre os pactuantes.” As considerações do emérito jurista são perfeitas, na medida em que o consórcio público é fruto da conjugação de esforços entre os entes federativos para a consecução de objetivos comuns, que se materializa na criação de nova pessoa jurídica, formada pelos próprios entes consorciados.


A possibilidade de regulação dos serviços públicos por meio de consórcio público encontra amparo expresso na Lei n. 11.445/07. Dispõe o artigo 8º da lei em referência:


“Art. 8o  Os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços, nos termos do art. 241 da Constituição Federal e da Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005.”


Não restam dúvidas de que há previsão legal para que os consórcios públicos possam exercer as atribuições de regulação e fiscalização dos serviços de saneamento básico, quer pela interpretação do artigo 241 da Constituição da República, quer pela própria previsão textual da Lei nº 11.445/2007.


A grande dificuldade é a estruturação do consórcio público dentro dos princípios inerentes ao Direito Regulatório. Em interessante estudo sobre a regulação dos serviços públicos, Aragão (2008, p. 38), confrontando a realidade em diversos países, aponta alguns traços marcantes das agências reguladoras:


“Em todos os países acima citados, inclusive nos EUA, o traço organizativo marcante é o mesmo. Estas entidades, apesar de designadas de forma diferenciada em cada país, são sempre (a) colegiadas, porque a forma colegiada propicia maior independência, garantindo a pluralidade de opinião na sua direção, (b) a nomeação dos seus dirigentes se dá por mandato fixo; e (c) de forma geral, possuem amplo poder normativo.”


Neste sentido, caminha a Lei n. 11.445/07 que baliza as agências reguladoras do setor do saneamento:


Art. 21.  O exercício da função de regulação atenderá aos seguintes princípios:


I – independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e financeira da entidade reguladora;


II – transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões.”


Restam claros os direcionamentos dados pelo legislador, que exige da entidade reguladora a independência necessária a fim de executar suas atribuições com base em critérios eminentemente técnicos, sem a interferência dos atores externos[6]. Independentemente da abrangência dada à entidade de regulação (municipal, estadual, distrital, federal ou interfederativa), o certo é que devem ser observados os princípios elencados pela Lei n. 11.445/07.


Nesse contexto, onde a regulação mostra-se essencial para a melhoria da qualidade e ampliação dos serviços de saneamento básico, e diante do vácuo regulatório existente em alguns Estados da Federação, os consórcios intermunicipais mostram-se como instrumento de efetivação das atividades de regulação, uma vez que possibilitam o agrupamento de forças e recursos na implementação de uma entidade com todas as características das agências reguladoras.


É o que ocorreu no Estado de Santa Catarina, com a criação da Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS), constituída sob a forma de pessoa jurídica de direito público e responsável pela regulação dos serviços prestados por diferentes prestadores de serviços, em consonância com a Lei n. 11.107/05 e a Lei n. 11.445/07[7].


O projeto, iniciado pela Federação Catarinense de Municípios (FECAM)[8], decorreu da ausência de uma política estadual consolidada no setor de regulação, marcada pelo excesso de poderes junto à concessionária estadual (CASAN). 


O projeto de constituição da ARIS despertou o interesse de grande parcela dos prefeitos catarinenses, que viram na idéia uma saída economicamente viável para o cumprimento da nova legislação e para a solução de parte dos problemas relacionados ao saneamento básico[9]. Atualmente, 25 municípios participam da agência intermunicipal, sendo que tramitam 77 projetos de lei para o ingresso de outros municípios no consórcio público. Até o final de 2010, objetiva-se a participação de 150 municípios, beneficiando aproximadamente 3,5 milhões de catarinenses.


Tem-se, portanto, a perfeita possibilidade de a regulação dar-se por intermédio dos consórcios públicos, tal como ocorre em Santa Catarina.  


Na constituição da agência reguladora, sob a modalidade de consórcio público, alguns cuidados são necessários. O primeiro deles relaciona-se à instância decisória do consórcio público. Não há espaço para que as questões de natureza técnica sejam apreciadas pelos Chefes do Poderes Executivos em Assembléia Geral. Esse fato certamente comprometeria a independência técnica e funcional da entidade regulatória.


A solução adotada na agência intermunicipal em Santa Catarina (ARIS) foi a criação de um Conselho de Regulação, composto por 7 pessoas, com mandato de 4 anos e formação acadêmica em diferentes searas do conhecimento (Biologia, Direito, Administração, Engenharia Civil, Engenharia Sanitária, Contabilidade e Economia). Seus membros não podem possuir qualquer vinculação com o Poder Público ou com os prestadores de serviços, sendo remunerados através de jeton (por reunião). Cabe a este Conselho a definição, em última instância, de todas as questões técnicas da agência reguladora (aplicação de multas, expedição de normas, julgamento de recursos administrativos, entre outros assuntos). Além do Conselho de Regulação, o diretor geral também goza de mandato, somente sendo permitida sua exoneração nos casos de sentença judicial ou processo administrativo.


Com relação ao regime jurídico do pessoal dos consórcios públicos, é necessária a criação de cargos públicos, sob o manto do regime estatutário, pois, conforme lição de Souto (2005, p. 254), “as funções que exijam o exercício do poder de império estatal (…) só podem ser exercidas por ocupantes de cargo público de provimento efetivo.”. Esta é a posição majoritária da doutrina administrativista, que vê no regime celetista (emprego público) a ausência das condições necessárias para o exercício das atividades típicas de Estado.[10]


Importante destacar que o quadro de pessoal deve estar definido no protocolo de intenções do consórcio público (art. 4º, da Lei n. 11.107/05), especificando-se as funções, requisitos de ingresso, jornada de trabalho e vencimento. Este documento (protocolo de intenções) precisa ser aprovado nas Casas Legislativas dos entes federativos que queiram se consorciar, devendo conter todas as matérias elencadas no artigo 4º da Lei nº 11.107/05.


Deveras, o protocolo de intenções deve ser elaborado com muito desvelo e atenção, disciplinando adequadamente todas as matérias necessárias ao funcionamento do consórcio público, nos termos da Lei n. 11.107/05 e do Decreto federal n. 6.017/07. Esse documento, posteriormente transformado no contrato de consórcio público, é a linha mestra para a operacionalização da entidade interfederativa. Erros ou equívocos na elaboração do protocolo de intenções exigirão posterior ratificação por lei, de todos os entes envolvidos. Assim, a constituição dos consórcios requer prévio planejamento dos gestores e técnicos envolvidos, para que se criem entidades compatíveis com as demandas existentes.


Por fim, há que se pensar a respeito do custeio da agência reguladora. O artigo 21, I, da Lei n. 11.445/07 exige autonomia financeira da entidade reguladora.


Dois são os caminhos possíveis às agências reguladoras: (i) o repasse de recursos orçamentários pelo Poder Público ou (ii) a cobrança de taxas pelo exercício do poder de polícia administrativo. Compreendemos adequada a segunda solução, dando-se maior autonomia e agilidade à agência reguladora, que não dependerá de previsões orçamentárias por parte do Poder Executivo. Em suma, busca-se afastar os mecanismos – diretos e indiretos – de controle e manipulação da agência reguladora. No caso da agência intermunicipal em Santa Catarina, foram instituídas taxas pelo exercício das atividades de regulação sobre cada atividade do saneamento básico, o que proporcionará a sustentação financeira, sem a necessidade de repasse de recursos pelos municípios consorciados.   


Percebe-se, desta forma, que os consórcios públicos são instrumentos aptos a regularem os serviços de saneamento básico. Não se está a defender a inviabilidade ou inexistência de entidades estaduais de regulação no setor do saneamento. Busca-se, tão-somente, apontar as alternativas existentes aos municípios brasileiros que não precisam, necessariamente, delegar o poder de regulação à entidade de outro ente federativo.


Ademais, a regulação interfederativa dá maior credibilidade ao processo de regulação, na medida em que a independência decisória fragiliza-se quanto maior a proximidade política entre o regulador e o prestador ou quanto menor a entidade de regulação. É o caso envolvendo as agências estaduais de regulação e as concessionárias estaduais de água e esgoto, onde o mesmo Chefe de Poder nomeia seus respectivos dirigentes; ou as agências municipais de regulação, diante da força econômica e política das concessionárias privadas. É certo que pressões existem em qualquer modelo de regulação. Mas no seio dos consórcios há uma atenuação dessas pressões, decorrente do maior distanciamento (político) entre regulador e prestador e da força de uma entidade composta por diversos entes federativos.


Também há de se lembrar que o saneamento básico não se resume aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Muitas das agências reguladoras estaduais somente possuem a competência legal para a regulação dos serviços de interesse da concessionária estadual de água e esgoto. As questões relativas ao manejo dos resíduos sólidos, à limpeza urbana e à drenagem pluvial também precisam ser adequadas pelos municípios, sob pena de ilegalidade dos contratos de prestação dos serviços, nos termos do artigo 11 da Lei nº 11.445/07. 


A questão dos custos é outro fator que beneficia o modelo interfederativo de regulação, na medida em que se evita a proliferação de entidades municipais. Neste ponto, as agências estaduais também se mostram salutares. Em Santa Catarina, por exemplo, aproximadamente 80% dos municípios possuem menos de 20.000 habitantes. Torna-se complemente despropositada a constituição de inúmeras agências municipais de regulação, tanto pelo viés financeiro como pelo técnico.


Neste sentido, citam-se as considerações de Marques Neto (2009, p. 186), que analisa com precisão o tema da regulação do saneamento básico:


“Ponto bastante importante da Lei Nacional de Saneamento é a possibilidade de que a atividade de regulação seja delegada a um ente plurifederativo (v.g., um consórcio) ou para um regulador integrante da administração pública de outra esfera da federação (CF, art. 23, § 1º). Tal possibilidade se mostra especialmente importante, pois, tendo os serviços de saneamento características predominantemente locais, predicando titularidade municipal, nem sempre será conveniente instituir um órgão regulador em cada município titular dos serviços. Para além de implicar alguma ineficiência econômica, a multiplicação de órgãos reguladores municipais tenderia a criar reguladores menos apetrechados e mais vulneráveis à captura por prestadores integrantes de grupos (públicos ou privados) com atuação em vários municípios.”


Ademais, há que se primar pela uniformização das normas de regulação no setor, facilitando, inclusive, sua aplicabilidade por parte dos prestadores e seu controle pelos órgãos de fiscalização. Este fato é de suma importância para que não sejam pulverizadas as normas de regulação diante de um grande número de agências reguladoras num mesmo Estado da Federação. Aqui se mostra relevante a participação de entidades como a Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR), legitimadas a promover discussões nessa seara, a fim de equacionar as normas de regulação a serem expedidas pelas diversas agências no país.  


3) Conclusões


Os consórcios públicos mostram-se adequados para a regulação dos serviços de saneamento básico, especialmente naqueles municípios que ainda não são abrangidos por agências estaduais de regulação, devidamente estruturadas. Inúmeras são as vantagens desse modelo interfederativo. Destacam-se a economicidade e a maior independência técnica na normatização e fiscalização do setor.


Como exemplo, no Estado de Santa Catarina foi constituída a Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS), sob a forma de consórcio público de direito público, composta por inúmeros municípios e responsável pela regulação de todas as atividades do saneamento.


As melhorias das condições dos serviços de saneamento dependem do sucesso das entidades de regulação, pois a qualidade de vida da população está intimamente ligada às condições de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, limpeza urbana e drenagem pluvial. Basta analisarmos os atendimentos nos postos de saúde dos municípios brasileiros para compreendermos que grande parcela das doenças decorre das precárias condições de vida da população.


Esse cenário precisa ser alterado. A existência de agências reguladoras fortes e independentes certamente contribuirá para a gradativa ampliação e melhoria dos serviços de saneamento atualmente prestados. As políticas públicas nas áreas da saúde, moradia e urbanização estão intimamente concatenadas com as políticas de saneamento básico. Falhando esta, aquelas certamente serão prejudicadas. O respeito ao direito fundamento à dignidade da pessoa humana (art. 1º, da CRFB) somente pode ser assegurado com a garantia de acesso e qualidade dos serviços de saneamento.   


 


Referência Bibliográfica

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras: algumas perplexidades e desmistificações. In JÚNIOR, Alceu de Castro Galvão; XIMENES, Marfisa Maria de Aguiar Ferreira (coord.). Regulação: normatização da prestação de serviços de água e esgoto. Fortaleza: Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará – ARCE, 2008.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

JUNIOR, Alceu de Castro Galvão; XIMENES, Marfisa Maria de Aguiar Ferreira. A normatização e a construção da regulação do setor de saneamento no Brasil. In JUNIOR e XIMENES (editores). Regulação: normatização da prestação de serviços de água e esgoto. Fortaleza: Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará – ARCE, 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A regulação no setor de saneamento. In CORDEIRO, Berenice de Souza (coord.). Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públicos de saneamento. Livro I (Coletânea). Brasília: Editora, 2009.

MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios Públicos – comentários à Lei nº 11.107/2005. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

MUKAI, Toshio (Coord). Saneamento Básico – Diretrizes Gerais e Comentários à Lei 11.445 de 2007. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

 

Notas:

[1] Por saneamento básico compreendem-se os serviços, a infraestrutura e as instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem pluvial, nos termos do artigo 3º da Lei nº 11.445/2007.

[2] Caracterizado como instrumento de planejamento das atividades inerentes ao saneamento básico do titular, onde constará o diagnóstico da situação, os objetivos e metas de curto, médio e longo prazo para a universalização; e os programas, os projetos e as ações para cumprir os objetivos e as metas fixadas, especialmente as disponibilidades financeiras, a fim de nortear as políticas e as ações dos gestores públicos.

[3]Compreende-se que os municípios são os titulares dos serviços de saneamento básico, independentemente da existência das regiões metropolitanas. Todavia, o tema aguarda posição final do Supremo Tribunal Federal, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN’s) nº 1.842/RJ e nº 2.077/BA.

[4]Concorda-se com Floriano de Azevedo Marques Neto, que, em brilhante artigo, manifestou-se no sentido da não obrigatoriedade da existência de entidade regulatória independente (agência) nos casos em que os serviços forem prestados por órgão da Administração indireta do ente titular, como ocorre com as autarquias municipais de água e esgoto. Todavia, é aconselhável que assim o seja. Cita-se passagem do emérito catedrático (2009, p. 179): “Com relação ao serviço prestado pela Administração direta, seria mesmo irrazoável submetê-lo a uma regulação independente. Porém, no caso de descentralização, mesmo que para ente da Administração indireta, é de rigor que se crie um ente específico para exercer a regulação, pelas razões que já anunciamos.”

[5] Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

[6] Nesse sentido é o voto do Min. Marco Aurélio, em sede de Medida Cautelar na ADIN n. 2.310/DF, para quem: “Hão de estar as decisões desses órgãos imunes a aspectos políticos, devendo fazer-se presente, sempre, o contorno técnico.”

[7] O projeto, sob coordenação do ora articulista, contou a participação de profissionais das áreas do Direito, Contabilidade Pública, Engenharia Sanitária e Engenharia Civil.

[8] Pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, com 30 anos de existência, da qual são filiados todos os 293 municípios em Santa Catarina.

[9] Predominou entre os gestores locais o receio de que uma agência estadual de saneamento não teria o condão de manter a independência e tecnicidade necessária para a normatização e fiscalização do setor.

[10] Neste mesmo sentido é a decisão da lavra do Min. Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, em sede de Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.310/DF, que suspendeu a eficácia de dispositivos da Lei n. 9.986/2000.    


Informações Sobre o Autor

Marcos Fey Probst

Ex Diretor-Geral da Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS), Assessor jurídico da Federação Catarinense de Municípios (FECAM), Advogado e Consultor Jurídico.


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