Breves considerações sobre o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário

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Resumo do artigo
: exposição sobre os limites da atuação
do Poder Judiciário no controle dos atos administrativos


Classificação
: Direito
Administrativo

 

Como é notório, o Estado exerce três
atividades fundamentais: a legislativa, executiva (ou administrativa) e
judiciária.

O Poder Legislativo exerce as normas
gerais de conduta, regulando os direitos individuais e do próprio Estado.
Facilmente se distingue dos Poderes Executivo e Judiciário, ambos aplicadores
das leis em casos concretos.

Destarte, sempre houve dificuldade
em se distinguir a atividade administrativa e jurisdicional, sobretudo o âmbito
de atuação delas. Nesse particular, há dois sistemas fundamentais.

O primeiro deles é o sistema
francês, baseado na separação absoluta dos poderes. O Judiciário não interfere
nas questões em que o Estado é parte, as quais são decididas pelo chamado
“contencioso administrativo” formado por órgãos do próprio Poder Executivo em
cuja cúpula existe um Conselho de Estado.

O outro é o sistema anglo-saxão,
adotado no Brasil, baseado na jurisdição única em que o Judiciário pode
examinar a legalidade de quaisquer atos, inclusive os administrativos. E as
decisões administrativas podem ser revistas judicialmente (desde que não se
adentre ao próprio mérito do ato administrativo, conforme exposto a seguir).

O Poder Judiciário, guardião da
Constituição Federal, deve assegurar a coexistência harmônica dos três poderes,
de forma equilibrada e independente, com autonomia para assegurar o cumprimento
das normas constitucionais revendo atos dos outros poderes.

Destarte, no pertinente aos atos
administrativos, à parte que se sentir lesada, por ação ou omissão da
Administração Pública, cabe requerer a intervenção do próprio Estado, por
intermédio do Poder Judiciário, no sentido de aplicar o direito àquele caso
concreto.

É importante ressaltar, contudo,
que, embora o Poder Judiciário seja o detentor da última palavra no pertinente
à aplicação de normas e princípios do ordenamento jurídico, não se deve cogitar
a existência de uma supremacia sobre os demais poderes (Legislativo e
Executivo). O Judiciário também se submete à lei e mantém-se no mesmo nível
hierárquico daqueles.

Daí a dúvida: até onde pode chegar a
intervenção do Poder Judiciário nos atos do Poder Executivo, sem que se caracterize
ofensa ao princípio da separação dos poderes ou usurpação da competência?

Nesse particular, é importante
distinguir, em primeiro lugar, se o ato examinado é vinculado ou
discricionário.

Atos vinculados são aqueles cuja
aplicabilidade e requisitos são expressamente previstos em lei.

Já os atos discricionários são
praticados pela Administração com base na oportunidade e conveniência, ficando
a critério do próprio agente público a escolha da melhor forma e método de sua
realização. Vale ressaltar que tal liberdade é necessária porque, à evidência,
não há como a lei prever a forma de atuação do Poder Público diante da
infinidade de situações que podem ocorrer.

Maria Sylvia Zanella DI PIETRO,
sobre a distinção dos atos vinculados e discricionários:

“Pode-se, pois, concluir que a
atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é
vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de
determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja apreciação a
Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem de apreciação
subjetiva.

E a atuação é discricionária quando
a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo
segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou
mais soluções, todas válidas para o direito (…)” (Direito administrativo, 16. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 205).

Destarte, tem sido admitida a
apreciação, pelo Poder Judiciário, da legalidade dos atos administrativos e sua
conformidade com os princípios que regem a atividade da Administração Pública
(art. 37 da CF), sem, contudo, haver a análise do mérito do ato (oportunidade e
conveniência).

Permite-se, pois, a análise dos atos
vinculados e discricionários, mas, quanto a estes, somente no pertinente à
legalidade.

Uma vez mais, Maria Sylvia Zanella
DI PIETRO:

“Com relação aos atos vinculados,
não existe restrição, pois, sendo todos os elementos definidos em lei, caberá
ao Judiciário examinar, em todos os seus aspectos, a conformidade do ato com a
lei, para decretar a sua nulidade e reconhecer que essa conformidade inexistiu.

Com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível mas terá que respeitar a discricionariedade
administrativa nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela
lei
” (Direito administrativo, 16.
ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 210).

Hely Lopes MEIRELLES leciona:

“O controle judiciário é o exercido
privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos
do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário quando realiza uma
atividade administrativa. É um controle a
posteriori
, unicamente de legalidade, por restrito à verificação da
conformidade do ato com a norma legal que o rege. Mas sobretudo é um meio de
preservação de direitos individuais, porque visa impor a observância da lei em
cada caso concreto, quando reclamada por seus beneficiários.

(…)

Não se permite ao Judiciário
pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência,
oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria
emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judiciária. O
mérito administrativo, relacionando-se com conveniências do governo ou com
elementos técnicos, refoge do âmbito do Poder Judiciário (…)” (Direito administrativo brasileiro, 22.
ed., São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 610-612).

M. Seabra FAGUNDES, no mesmo
sentido:

“Pela necessidade de subtrair a
Administração Pública a uma prevalência do Poder Judiciário, capaz de
diminuí-la, ou até mesmo de anulá-la em sua atividade peculiar, põem-se
restrições à apreciação jurisdicional dos atos administrativos, no que respeita
à extensão e conseqüências. Quanto à extensão, restringe-se o pronunciamento
jurisdicional à apreciação do ato, no que se refere à conformidade com a lei.
Relativamente às conseqüências, limita-se a lhe negar efeito em cada caso
especial. Por isso, o pronunciamento do órgão jurisdicional nem analisa o ato
do Poder Executivo, em todos os aspectos, nem o invalidada totalmente.

Ao Poder Judiciário é vedado
apreciar, no exercício do controle jurisdicional, o mérito dos atos administrativos. Cabe-lhe examiná-los, tão-somente,
sob o prisma da legalidade. Este é o
limite do controle, quanto à extensão.

(…)

A análise da legalidade (legitimidade dos autores italianos) tem
um sentido puramente jurídico. Cinge-se a verificar se os atos da Administração
obedeceram às prescrições legais, expressamente determinadas, quanto à
competência e manifestação da vontade do agente, quanto ao motivo, ao objeto, à
finalidade e à forma” (O controle dos
atos administrativos pelo Poder Judiciário
, 7. ed. atual. por Gustavo
Binenbojm, Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 181-182).

Com efeito, a doutrina não admite a
interferência do Poder Judiciário no pertinente ao mérito do ato
administrativo, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes,
cláusula pétrea da Constituição Federal (art. 60, § 4º, III).

Eduardo APPIO, sobre o tema:

“A intervenção do Poder Judiciário
não pode ser conceituada como uma invasão da atividade legislativa ou
administrativa, nos casos em que não exista a reserva absoluta da lei ou ainda
quando a Constituição não houver reservado ao administrador (Executivo) a
margem de discricionariedade necessária ao exercício de sua função. Não havendo
a reserva absoluta da lei, a intervenção judicial na própria formulação das
políticas públicas se mostra compatível com a democracia, desde que observados
mecanismos de comunicação entre a instância judicial e a sociedade, através das
instâncias de democracia participativa.

(…)

A substituição do
legislador/administrador público pela figura do juiz não se mostraria
politicamente legítima na medida em que (1) o administrador público (Executivo)
e o legislador foram eleitos, através do sufrágio universal, para estabelecer
uma pauta de prioridades na implementação das políticas sociais e econômicas.
Ademais, (2) o Judiciário não possui o aparato técnico para a identificação das
reais prioridades sociais, tendo de contar, nestes casos, com as informações
prestadas pela própria Administração Pública. Também (3) o fato de que a
atividade-fim do Poder Judiciário é a de revisão dos atos praticados pelos
demais Poderes e não sua substituição, enquanto que a atividade-fim da
Administração é estabelecer uma pauta de prioridades na execução de sua
política social, executando-a consoante critérios políticos, gozando de
discricionariedade, existindo verdadeira “reserva especial de administração”. A
discricionariedade do administrador não pode ser substituída pela do juiz.
Ainda (4) com a indevida substituição a tendência natural seria a de um grande
desgaste do Judiciário, enquanto Poder político, na medida em que teria de
suportar as críticas decorrentes da adoção de medidas equivocadas e (5) o mais importante,
imunes a uma revisão por parte dos demais Poderes. Portanto, o Poder
Judiciário, como responsável pela fiscalização dos demais Poderes exercentes
das funções de governo, não pode substituir essa atividade, a título de
fiscalizar sua escorreita execução, sob pena de autorizar a intervenção dos
Poderes Legislativo e Executivo na atividade judicial. Finalmente (6) a invasão
da atividade de governo representaria uma autorização para um maior controle
político do próprio Poder Judiciário, abrindo-se a possibilidade de
interferência direta nas funções judiciais, através de leis aprovadas pelo
Congresso que disponham sobre casos julgados ou ainda pela intervenção política
do Executivo na escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal” (Controle judicial das políticas públicas no
Brasil
, Curitiba: Juruá, 2006, pp. 150-152).

Diverso não é o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça:

“Administrativo. Notário. Perda da
delegação. Processo disciplinar. Recurso administrativo. Participação dos
prolatores da decisão recorrida no julgamento. Impedimento. Inexistência. Lei
8.935/94.  Competência do Poder
Judiciário para aplicar penalidades. Alteração da penalidade imposta
administrativamente. Reexame das provas colhidas durante o processo
administrativo. Impossibilidade. Mérito administrativo. Recurso ordinário
conhecido e improvido.

(…)

4. Consoante firme jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do controle jurisdicional do processo
administrativo disciplinar, compete ao
Poder Judiciário apreciar apenas a regularidade do procedimento, à luz dos
princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal,
sendo-lhe vedado a incursão sobre o mérito do julgamento administrativo
, em
especial a revisão do conjunto probatório apurado no procedimento
administrativo. 5. Segundo entendimento adotado pelo Superior Tribunal de
Justiça, sendo vedado ao Poder
Judiciário a análise do mérito administrativo
, a análise acerca de ofensa
ao princípio da proporcionalidade na aplicação de sanção disciplinar a servidor
deve levar em conta, também, eventual quebra do regramento legal aplicável ao
caso, já que a mensuração da sanção administrativa faz parte do mérito
administrativo (…)” (Quinta Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, RMS
18099/PR, DJ 12/06/2006, negritos nossos).

“Mandado de segurança.
Administrativo. Servidor público. Auditor fiscal da previdência social.
Demissão. Portaria imune de vícios. Comissão processante legalmente instaurada.
Ausência de violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Impossibilidade de reexame, pelo Poder
Judiciário, do mérito e das provas que ensejaram a punição imposta
.
Ausência de prova pré-constituída. Necessidade de dilação probatória.

(…)

4. A atuação do Poder Judiciário se circunscreve ao campo da regularidade
do procedimento e à legalidade do ato demissionário, sendo-lhe defesa qualquer
incursão no mérito administrativo
e tampouco reapreciar as provas coligidas
na sindicância (…)” (Terceira Seção, rel. Min. Laurita Vaz, MS 9056/DF, DJ
23/05/2005, destacamos).

Prevalece, pois, o entendimento
segundo o qual o Poder Judiciário pode rever todos e quaisquer atos
administrativos, desde que seja respeitada a discricionariedade assegurada por
lei à Administração Pública. Isso porque a lei, ao definir a margem de
arbitrariedade do agente público, legitima a opção deste, não cabendo ao Poder
Judiciário invadir tal espaço sob pena de substituir a própria autoridade
competente. Todavia, parece mais que evidente a possibilidade de apreciação dos
atos administrativos, sejam eles quais forem, no pertinente à legalidade e à
observância dos princípios que regem a Administração Pública (moralidade,
publicidade, finalidade etc.).


Informações Sobre o Autor

Ricardo Watanabe


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