Ética e Direito: da vaga reservada aos auditores nos tribunais de contas do Brasil

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Introdução

O presente artigo objetiva a análise perfunctória das normas jurídicas, lições doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais que  balizam a escolha de Conselheiros dos Tribunais de Contas do Brasil,  especificamente quanto ao provimento da vaga destinada aos Auditores, com espeque nas normas constitucionais.

O estudo traz à colação análise técnica relativa à situação em comento. Em seguida, estão relacionadas a posição doutrinária e as decisões judiciais referidas ao longo da análise técnica realizada, cujo desiderato é responder ao seguinte questionamento: há uma regra de precedência entre os critérios expressos (antiguidade e merecimento) no art. 73, § 2.º, inciso I, da Constituição Federal ?

O controle externo da administração pública

A  necessidade de controlar a gestão da administração pública remonta a tempos imemoriais. O próprio Aristóteles[1] afirmara: “como certas magistraturas têm o manejo dos dinheiros públicos, é forçoso que haja uma outra autoridade para receber e verificar as contas, sem que ela própria seja encarregada de outro mister.”

Com a evolução das sociedades modernas, desenvolveu-se a idéia de direitos fundamentais do homem,  assim definidos por José Afonso da Silva[2]: “São aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.” A adoção dos mesmos pela Constituição é uma das características do Estado Democrático de Direito.

E sendo assim, a evolução histórica das declarações de direitos fundamentais passa pela magna carta Libertatum de 1215, pelo Petition of Rights de 1628, pelo Bill of Rights de 1689, pela Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia de 1776, pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.

Há que se ressaltar que desde a Assembléia Constituinte Francesa de 1789 já se erigia como direito fundamental do homem a prerrogativa de controlar a gestão pública, conforme se depreende da exegese de seu artigo 15, que dispunha: a sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público de sua administração”.

Corolário do controle social preconizado pelo constituinte de 1988, o controle externo, consoante o art. 71 da Carta Magna, é exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União — TCU.  Pelo princípio da simetria, as normas aplicáveis ao TCU são de reprodução necessária por parte do poder constituinte derivado nos estados da federação e naqueles municípios dotados de Tribunal de Contas próprio, a exemplo das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Compreende, dentre outras atividades, a apreciação das contas do Presidente da República, o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos, bem como a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título.

O Tribunal de Contas é responsável, portanto, pelas funções de auxiliar o parlamento na atividade de controle externo, apresentando relatório e parecer prévio sobre as contas do Chefe do Executivo,  julgando a regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos, através de levantamentos contábeis, relatórios e certificados de auditoria.

Considerando-se  que a res publicae pressupõe a gestão de bens que pertencem a toda a coletividade, fez-se necessária a criação de órgão especializado ante à complexidade ínsita à organização federativa. Tal órgão necessitava ser  autônomo e independente, com o objetivo de fiscalizar a atividade financeira do estado e a forma como os recursos da coletividade são geridos e aplicados.

Os Tribunais de Contas são encontrados em países não organizados sob a égide do common law, valendo dizer que os adotam países cujos sistemas jurídicos remontam ao delineamento latino, entre eles, a  Alemanha, França, Portugal, Bélgica, Áustria, Itália, Espanha, Argélia, Coréia do Sul, Brasil, Grécia, Uruguai, entre outros.

Sendo órgãos colegiados, sua composição é plural. Seus membros notadamente são originários do parlamento. Detêm certas prerrogativas, entre elas a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio, próprias da magistratura judiciária.

Embora sejam em sua maioria órgãos autônomos, de natureza administrativa, auxiliares do Poder Legislativo, encontra-se na experiência mundial, países em que estão subordinados ao Poder Executivo, funcionando como verdadeiros órgãos superiores de controle interno. Encontram-se também países em que se configuram como órgãos do  Poder Judiciário, em nossa opinião, o delineamento que mais proporciona efetividade de sua atuação e eficácia de suas decisões.É o caso de Portugal e Angola.

Na lição de Régis Fernandes de Oliveira[3], o  Tribunal de Contas surgiu  no Brasil através do Dec. 966-A, de 07.09.1890, assim:

“Decorre a necessidade de sua criação do fato de ser o Brasil uma República Federativa (art. 1.0 da CF). Após excelente análise sobre a República, finaliza Celso Antônio que se o Estado de Direito supõe que todas as condutas estatais mantenham-se aprisionadas aos parâmetros pré-traçados que lhe regulam os comportamentos, para que o princípio da legalidade se imponha como um todo íntegro, sem fissuras, é indispensável não apenas sua submissão ao controle judicial, quando sua conduta seja agressiva aos direitos subjetivos, mas é requisito também que exista um mecanismo controlador de toda a ação estatal, graças ao que possa ser reconduzido à legalidade, mesmo quando de sua conduta não haja resultado violação de direito individual”.’ Ensina que decorrência lógica e necessária do Estado de Direito é a existência de um órgão controlador de toda a atividade estatal, ou seja, que nada escape ao controle de mecanismos destinados a evitar a ilegalidade. Ao lado de controles estruturais de comportamentos, institui-se, também, controle de contas. Todas as despesas devem estar sujeitas ao controle de um órgão. E ele, no Brasil, o Tribunal de Contas”.

Isto posto, temos como pressuposto de um estado democrático de direito, o pleno exercício e gozo de direitos fundamentais, dentre eles, o direito de exigir dos responsáveis a prestação de contas de seus atos de gestão, submetendo-os ao crivo de um órgão autônomo e independente, dotado de capacitação técnica para o pleno exercício de tão importante mister.Sendo assim, no tocante à gestão de bens e valores públicos, todas as pessoas físicas e jurídicas, púbicas ou privadas, estão sujeitas à jurisdição dos  Tribunais de Contas.

ORGANIZAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

No nível federal, compõe-se de nove Ministros, com sede no Distrito Federal, ‘‘quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional’’ (art. 73 da CF). Já nos Estados, compõe-se de sete Conselheiros, com sede nas capitais, com jurisdição sobre todo o Estado ou sobre os Municípios determinados.

Como se sabe, possuem os Tribunais de Contas substitutos concursados de Ministros e Conselheiros, cuja função primordial é atuar durante os impedimentos dos titulares e vacância dos cargos respectivos. A exigência de concurso público encontra guarida em diversos arestos da Suprema Corte, v.g., ADIN 1193-6/AM.

A denominação jurídica do cargo comporta diversos matizes, sendo referido indistintamente como Auditor, Conselheiro Substituto ou Ministro Substituto, neste último caso, reportando-se ao Tribunal de Contas da União.

Suas funções ordinárias comportam a participação em plenário ou câmara, relatando processos definidos nas normas internas como sendo de sua competência e nos casos nelas previstos. Por sua vez, extraordinariamente, sua atuação consiste em substituir o Ministro ou Conselheiro ausente, bjetivando integrar o quorum preconizado. Nestes casos, estará em pleno exercício das prerrogativas do substituído, com espeque no que preconiza o §4.o. do art. 73 da Lex Maior.

Analisando o dispositivo em comento, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[4] assevera:

“O constituinte foi muito criterioso ao definir as atribuições ordinárias do auditor, qualificando-as, não sem motivo, de ‘judicatura’, dada a feição judicialiforme do julgamento das contas. Esse argumento reforça o fato dos ministros e conselheiros, e do próprio tribunal de contas, exercerem funções jurisdicionais e outras funções. Já os auditores, voltados precipuamente para as funções de contas, têm atribuições ordinárias de judicatura, isto é, próprias de juiz, do exercício da magistratura.”

A REGRA DA PROPORCIONALIDADE

O artigo 73 da Constituição Federal estabeleceu as diretrizes para a composição do pleno do Tribunal de Contas da União, sendo tal preceito constitucional a matriz que norteará a metodologia de escolha em todos os Tribunais de Contas do país. O referido artigo estatui:

“Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96. .

§ 1º – Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I – mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II – idoneidade moral e reputação ilibada;

III – notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

IV – mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

§ 2.º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

I – um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento;

II – dois terços pelo Congresso Nacional”.

As normas previstas no texto constitucional federal, por simetria, encontram-se reproduzidas nas Constituições de diversos estados-membros, v.g., a Constituição do Estado de Pernambuco em seu § 2.º do art. 32, dispõe:

“§ 2º – Os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado serão escolhidos:

I – três (03) pelo Governador do Estado, com aprovação da Assembléia Legislativa, sendo dois (02), alternadamente, dentre Auditores e Membros do Ministério Público junto ao tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento.

II – quatro (04) pela Assembléia Legislativa. (Redação dada aos itens I e II pela Emenda Constitucional nº 05,, de 07/12/94)”.

 

Pelos dispositivos transcritos, a Constituição Federal estabeleceu um método diferenciado na escolha e investidura dos membros dos Tribunais de Contas, normas estas dirigidas inicialmente ao processo de escolha dos Ministros do Tribunal de Contas da União e, por simetria, também aplicáveis ao processo de escolha dos Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados.

Assim, o Presidente da República escolherá um terço dos membros do Tribunal de Contas da União (três), enquanto ao Congresso Nacional caberá a escolha dos outros dois terços (seis), na forma que dispuser o regimento interno.

O respeito à regra da proporcionalidade – 1/3 Chefe do Executivo e 2/3 Poder Legislativo – é obrigatório aos Estados e Municípios e, portanto, deve ser observado nos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios e nos Tribunais ou Conselhos de Contas Municipais, onde houver, por força inclusive do que preconiza o art. 75 da Constituição Federal, a qual estatui:

“Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros”.

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estão sujeitos, em matéria de organização, composição e atribuições fiscalizadoras de seus Tribunais de Contas, ao modelo jurídico estabelecido pela Constituição da República.

Dessa forma, o modelo federal deverá ser seguido pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive em relação à composição e ao modo de investidura dos respectivos conselheiros, respeitando-se a regra da proporcionalidade de escolha entre o Poder Executivo (1/3) e o Poder Legislativo (2/3), nos mesmos moldes da Constituição da República.

Ao dispositivo em análise (§ 2.º do art. 73 da Constituição Federal), encontram-se conexos os dispositivos presentes no art. 49, XIII e 84, XV, os quais dispõem:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (…)

XIII – escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; (…);

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…)

XV – nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União;”.

DA ANÁLISE SOBRE A PRECEDÊNCIA DE CRITÉRIOS

A Constituição Federal determina que um terço dos Ministros do Tribunal de Contas da União será escolhido pelo Presidente da República, com aprovação por maioria simples (CF, art. 47) do Senado Federal, sendo dois alternadamente entre Auditores e membros do Ministério Público junto ao tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal de Contas, segundo os critérios de antigüidade e merecimento, e um por meio de escolha livre.

Nos Estados, a regra há de ser cumprida observando-se a prerrogativa do Governador do Estado em escolher três Conselheiros – sendo dois alternadamente entre Auditores e membros do Ministério Público junto ao tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal de Contas, segundo os critérios de antigüidade e merecimento, e um por meio de escolha livre – e quatro pela Assembléia Legislativa.

Em relação às duas vagas reservadas para Auditores e Procuradores há, portanto, necessidade de adequar as duas etapas para seus preenchimentos: lista tríplice por antiguidade ou merecimento e escolha pelo Governador do Estado.

A discussão está centrada no fato do texto constitucional fazer referência primeiro ao vocábulo “antigüidade”, o que para alguns significaria o estabelecimento de uma “regra de precedência”. Alguns discordam deste dito “critério topográfico” para interpretação da Lei Maior.

Nada obsta, vez que não se encontra qualquer vedação no texto constitucional, que a primeira lista seja a que contemple o critério meritório. Aliás, sendo este o critério preferencial adotado, defendem alguns que seria privilegiado e efetivado o  merity system preconizado pelo constituinte.

Outros entendem que a forma mais impessoal, aquela que escoima do processo quaisquer interferências políticas, seria o critério da antigüidade.

Certo é que, mesmo com a Emenda Constitucional n.o. 45 de 08 de dezembro de 2004, verificou-se a manutenção da impessoalidade do processo, vez que, foram mantidos os critérios objetivos para aferição da antigüidade e do merecimento, reforçando-se a presteza da prestação jurisdicional, em razão das alterações promovidas no art. 93, da Constituição Federal, o qual, analogamente, aplica-se aos membros dos Tribunais de Contas, assim:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I – (…);

II – promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;

b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;

d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;

e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão;

III – o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância;” (Grifei).

Embora defendam alguns que o critério de antigüidade não expressa nenhum atributo do Auditor ou Procurador capaz de credenciá-lo para o desempenho das atribuições do destacado cargo de Conselheiro, inarredavelmente, neste a impessoalidade é mais presente. Uma vez que não estejam estabelecidos critérios objetivos de aferição de merecimento, a criatividade permeará o processo de escolha “por merecimento”, podendo levar a exageros. Difícil concordar com a assertiva “inércia conduzindo à progressão”, vez que, normalmente, os mais antigos lograram melhor aprovação no concurso e, por conseguinte, podem deter maior experiência e capacitação técnica comprovada e testada nos dificílimos concursos públicos aos quais se submetem.

O importante é que o processo de escolha seja conduzido objetivando ao alcance maior do interesse público, segundo critérios transparentes, impessoais e objetivos, resguardando-se, entre outros, o princípio  da moralidade administrativa.

Cabe a advertência feita por um dos maiores filósofos do direito do século vinte, Chaïm Perelman[5], citando E. Dupréel[6]:

“Como uma noção moral não corresponde nem a uma coisa que basta observar para verificar o que dela se afirma, nem a uma demonstração  à qual basta render-se, mas realmente a uma convenção para defini-la de uma certa maneira, quando um adversário tomou a ofensiva pondo de seu lado as aparências da Justiça, a outra parte ficará inclinada a dar da Justiça uma definição tal que sua causa se mostre conforme a ela.”

Completa o ilustre jusfilósofo: “Cada qual defenderá uma concepção da justiça que lhe dá razão e deixa o adversário em má posição”.

DA DOUTRINA

Impende observar que a possibilidade de composição das listas tríplices de acordo com o critério entendido como cabível pela Corte de Contas Estadual, inclusive centra-se também na perspectiva da auto-organização dos Estados-membros. Na federação  brasileira, a Lei Maior a defere nos moldes dos art. 11 e 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com estrita observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal.

A matéria tem merecido profusa atenção de escólios doutrinários, sendo de justiça destacar a síntese esclarecedora do saudoso Ministro Oswaldo Trigueiro[7] que preleciona:

“Como é característico do regime federativo, o direito constitucional reconhece aos Estados as prerrogativas da auto-organização política, com a conseqüência lógica do autogoverno. Em teoria, e desde que respeitem certos princípios fundamentais que o direito federal prevê, os Estados definem a sua própria organização, isto é, instituem os seus órgãos de governo, dispõem sobre o provimento deles e estabelecem os métodos de elaboração de suas normas jurídicas. Por igual, e em decorrência desse poder, são governados sem qualquer subordinação hierárquica ao governo federal. Isso quer dizer que os Estados estão submetidos à Constituição Federal, porém não estão subordinados ao governo da União.

A obrigação de respeitarem os princípios básicos do direito federal leva os Estados, forçosamente, a se organizarem segundo o modelo da União. Como esta, os Estados regem-se por Constituições escritas e rígidas. Como a União, os Estados estruturam o seu governo de acordo com o princípio da tríplice divisão de poderes, pressuposto básico do sistema presidencial. Assim, o governo estadual se compõem, necessariamente, dos poderes legislativo, executivo e judiciário, que a Constituição de 1891 definia como órgão de soberania nacional, mas que, no âmbito estadual, somente podem ser qualificados como órgãos da autonomia federativa.”

Na lição Cretela Júnior[8], a escolha de Ministro (Conselheiro) do Tribunal de Contas sempre foi realizada por meio de ato administrativo complexo que se completava – e ainda hoje se completa – pela manifestação sucessiva de dois órgãos, um singular, outro coletivo, verbis: “Como se sabe, ato administrativo complexo é o que depende da manifestação da vontade concomitante ou sucessiva de mais de um órgão do Estado, quer singular, quer coletivo.”

Imiscuindo-se na pretensa controvérsia acerca da prevalência de critérios, Alexandre de Moraes[9] afirma categoricamente:

“Em relação a duas vagas, há, portanto, necessidade de adequar as duas etapas para preenchimento das vagas: lista tríplice e antigüidade/merecimento. Dessa forma, o Tribunal de Contas da União elaborará lista indicando, alternadamente, três auditores ou três membros do Ministério Público junto ao Tribunal, seja pelo critério de merecimento, seja pelo critério da antigüidade, para que, posteriormente, o Presidente escolha um deles, submetendo-os à aprovação do Senado Federal.”(Grifos nossos).

Percebe-se que, segundo o ilustre autor, é irrelevante a ordem em que aparecem os vocábulos no texto constitucional. Não há, portanto um critério de escolha que seja precedente em relação ao outro, cabendo ao Tribunal de Contas, quando da escolha que recair sobre Auditor, encaminhar ou lista tríplice de merecimento ou lista tríplice de antigüidade.

Também o eminente Uadi Lammêgo Bulos[10] defende a não prevalência de critérios ao asseverar em seu comentário ao § 2.º do artigo 73 da Constituição Federal, verbis:

“Assim, a Corte de Contas elaborará lista indicando, alternadamente, três auditores OU  três membros do Ministério Público junto ao Tribunal, por merecimento OU antigüidade, para, a posteriori, o presidente escolher um deles, submetendo-os à aprovação pela maioria simples do Senado Federal.

O STF entendeu que a nomeação deverá respeitar a existência de uma lista tríplice, a qual vincular-se-á ao juízo discricionário do Presidente da República, que escolherá um dos três nomes (STF, RE 179.461-5/DF, rel. Min. Néri da Silveira, DJI de 22-3-1996. p. 8204).” (Grifos nossos).

Também o Procurador da República Osório Silva Barbosa Sobrinho[11], ao analisar a existência ou não de critério de precedência na ordem de escolha dos Conselheiros, assente com o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADInMC 2.209-PI, rel. Min. Maurício Corrêa, 21.6.2000, ao asseverar:

“(…) as listas tríplices a que se referem as alíneas b e c do referido dispositivo devem obedecer, alternativamente, aos critérios de antiguidade e merecimento, na forma do art. 73,§ 2º, I, da CF. Vencido nesse ponto o Min Marco Aurélio, por entender ser incompatível a previsão de lista tríplice para o preenchimento de vaga por antiguidade.” (Grifei).

As manifestações doutrinárias transcritas não deixam dúvidas quanto à inexistência de regra de precedência entre os critérios de merecimento e antigüidade, soçobrando argumentos que dêem sustentabilidade à argumentação.

DA JURISPRUDÊNCIA

No que toca à precedência de critérios de antigüidade e merecimento para escolha de Auditores e à ordem de nomeação dos Conselheiros dos Tribunais de Contas, traz-se à baila entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, a partir da ADIn 219-8/PB, julgada em 24.06.93, tendo como relator o Ministro Sepúlveda Pertence (DJ 23.09.94), decidiu diversas vezes que – na inexistência de um critério constitucional de precedência – diversas soluções dadas pelas constituições estaduais são possíveis, ora dando prioridade ou à livre nomeação do Governador do Estado, ou à eleição pela Assembléia Legislativa, ou às vagas vinculadas aos Auditores e aos Procuradores, respeitando-se entretanto o atingimento, mais breve possível, da composição preconizada pelo constituinte federal. A referida decisão traz em sua ementa:

“EMENTA: I – Tribunal de Contas dos estados: organização submetida às normas constitucionais regentes do Tribunal de Contas da União (CF, art. 75): inteligência, quanto à ordem de nomeação e à divisão das escolhas.

A ordem dos incisos do art. 73, § 2.º, CF não resolve nem visou a resolver a questão transitória do sistema de provimento das vagas no Tribunal de Contas, subseqüentes à promulgação constitucional: logo – não obstante o art. 75 CF – não importa que, ao imitar o modelo federal, haja a Constituição do Estado invertido a sua enunciação.

À vista dos textos constitucionais pretéritos, todos os membros dos Tribunais de Contas, sob eles nomeados, haviam sido escolhidos pelo Poder Executivo; ora o princípio a observar, no campo do direito constitucional intertemporal, é o que resolve o problema transitório, sempre que possível, de modo a propiciar a efetivação mais rápida do novo sistema constitucional permanente: portanto, e independentemente da ordem da previsão no texto da competência respectiva, a prioridade no provimento das vagas no Tribunal de Contas, subseqüentes à promulgação das novas constituições estaduais, deveria tocar ao Poder Legislativo. (…)”(Grifei).

Assim, continuam os ministros do STF, no que toca à colocação dos vocábulos no texto constitucional:

“Por isso, enquanto na União, a primeira escolha, no TCU, tocaria ao Presidente da República, segundo o preceito estadual impugnado, seria ela da competência da Assembléia Legislativa da Paraíba.

Estou em que a premissa é falsa. A ordem dos incisos do art. 73, § 2.º, CF, não resolve, nem teve  por objetivo resolver a questão transitória do sistema de provimento das vagas no Tribunal de Contas, subseqüentes à promulgação constitucional.

Ao contrário, a interpretação topográfica, que se quer inculcar, conduziria a um absurdo patente: a partir da Constituição, não apenas a primeira, mas as três primeiras vagas corresponderiam a escolhas presidenciais.” (Grifei).

Ainda no julgamento da ADIn 219-8/PB, pronunciou-se o Ministro Marco Aurélio quanto à irrelevância da ordem dos vocábulos:

“Pelo fato de o § 2.º conter a ordenação dos incisos, colocando em primeiro plano, como inciso n.º I, aquelas vagas relativas à nomeação pelo Presidente da República, e, como inciso II, os dois terços relativos à escolha pelo Congresso Nacional, não tenho algo que induza à convicção de que as primeiras três vagas serão preenchidas por escolha do Presidente da República e somente as que se seguirem pelo Congresso Nacional. Assim, a inversão operada quando da promulgação da Carta Estadual da Paraíba não é suficiente a levar à conclusão de que, primeiro, a Assembléia Legislativa procederá ao preenchimento das cinco vagas.” (Grifei).

Na ocasião ainda do julgamento da ADIn 219-8/PB, assim se pronunciou o Ministro Paulo Brossard  quanto à irrelevância da ordem dos vocábulos, em comentário ao Relator Ministro Sepúlveda Pertence:

“(…)esta interpretação topográfica invocada pelo requerente além de levar a um absurdo, contraria o princípio lógico  a ser observado no campo do direito constitucional intertemporal: de que o problema transitório deve, sempre que possível, ser resolvido de modo a propiciar a efetivação mais rápida do sistema constitucional permanente” (Grifei).

A referência constitucional portanto à lista tríplice assegura ao Presidente ou ao Governador a discricionariedade de livre escolha entre os três nomes nela constantes. Cabe portando ao Tribunal de Contas definir o critério prevalente para composição da lista, caso não haja esta definição na Constituição Estadual, ou mesmo em legislação infra-constitucional estadual. Corroborando este entendimento, decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 179.461-5/DF – Relator Ministro Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 22 mar. 1996), verbis:

“Ora, o art. 73, §2.º, I, da Lei Magna, determina que o Tribunal indique em lista tríplice, o que significa, desde logo, que a Corte compõe a lista tríplice para submeter os nomes à escolha do Presidente da República. Em conseqüência, quando houver de seguir, para tanto, o critério de antigüidade, o Tribunal comporá a lista tríplice, conforme o caso, com os três auditores ou três membros do MP junto à Corte mais antigos. Nessa hipótese de antigüidade, porque não lhe cabe fazer indicação por merecimento, o Tribunal não escolhe, mas, tão-só, aponta ao Chefe do Poder Executivo os três mais antigos, em lista tríplice, como quer a Constituição, em ordem a que, a partir dessa indicação, o Presidente faça sua escolha. (…) De outra parte, quando, no exercício da competência de indicar ao Presidente da República auditores ou membros do Ministério Público junto à Corte, houver o Tribunal de Contas de elaborar lista tríplice, segundo o critério de merecimento, outro não poderá ser, então, o procedimento senão o de escolher, de acordo com os padrões valorativos, três dentre os auditores ou os membros do Ministério Público aludido, conforme o caso, independentemente da antigüidade na respectiva área de recrutamento.” (…) Tanto a lei quanto a Constituição não autorizam a argumentação do impetrante, de que o Tribunal de Contas só poderia indicar um nome ao Governador, por se tratar de vaga a ser provida por antigüidade.

As normas são claras quando exigem lista tríplice, sem distinguir as hipóteses; e nada há de aberrante nisso. A referência a antigüidade e merecimento diz respeito aos critérios a serem observados na confecção da lista: os três mais antigos ou os três considerados merecedores.” (Grifei).

É induvidoso que a composição plural do Conselho das Cortes de Contas, preconizada pelo Constituinte deve ser alcançada o mais breve possível, sendo essa uma das bases do Direito Constitucional intertemporal. Nesse sentido, decidiu o STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.013-7/PI – Medida Liminar – Relator Ministro Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 08 out. 1999, p. 38), na qual se questionava a que classe caberia uma das vagas de Conselheiro, verbis: “A regra de transição, obviamente, há de ser aquela que possibilite, o mais rápido possível, chegar-se ao modelo definitivo da parte permanente da Constituição.”

A escolha dos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e os respectivos critérios já foram alvo de inúmeras decisões por parte da Corte Suprema. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.209/PI– Medida CautelarRelator Ministro Maurício Corrêa, decisão em 21-6-2000, Informativo STF, n.º 194, a Corte Suprema decidiu:

“Tribunal de Contas: Critério de Precedência.

Julgada medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores – PT contra o § 2º do art. 88 da Constituição do Estado do Piauí (redação dada pela EC 11/2000) o qual, ao estabelecer que três conselheiros do Tribunal de Contas do Estado serão escolhidos pelo Governador do Estado, impõe a observância de um critério de precedência (art. 88, § 2º, I: “três pelo Governador, com aprovação da Assembléia Legislativa, obedecidos os critérios e a ordem de precedência a seguir: a) um de livre escolha do Governador; b) um dentre Auditores indicados em lista tríplice; c)um dentre Procuradores do Tribunal de Contas, indicados em lista tríplice.”). O Tribunal, embora considerando que a ordem de precedência estabelecida na norma impugnada não ofende a CF, deferiu, em parte, a liminar para, em face do princípio da razoabilidade, dar interpretação conforme à CF, declarando que, havendo vaga no Tribunal de Contas do Estado, seja ela preenchida segundo a previsão estabelecida nas alíneas b e c do inciso I do § 2º do art. 88 da Constituição do Estado, assegurando-se, em conseqüência, a primeira escolha para o Auditor, tendo em vista a atual composição de cinco conselheiros nomeados pela Assembléia Legislativa e um pelo Governador — anterior à CF/88. Por maioria, deferiu-se, também, para, dando interpretação conforme à CF, explicitar que as listas tríplices a que se referem as alíneas b e c do referido dispositivo devem obedecer, alternativamente, aos critérios de antiguidade e merecimento, na forma do art. 73,§ 2º, I, da CF. Vencido nesse ponto o Min Marco Aurélio, por entender ser incompatível a previsão de lista tríplice para o preenchimento de vaga por antiguidade. Precedente citado: ADIn 585-AM (RTJ 155/43).” (Grifos nossos).

Corroborando a tese da irrelevância da colocação dos vocábulos, reitera seu entendimento a Corte Suprema no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.054-9/GO – Relator Ministro Francisco Rezek, decisão em 15-6-1994, ao asseverar:

“3.Com relação à fixação da ordem na escolha de Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais, o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento no sentido de que o art. 73, § 2º, da Constituição Federal estabelece mera distribuição de competência para indicação e nomeação de membro do Tribunal de Contas, sem que haja qualquer reflexo ou determinação no sentido de que a escolha a ser feita pelo Poder Executivo deva preceder à do Poder Legislativo (ADIn n.º 897-8/DF, Relator o eminente Ministro ILMAR GALVÃO).  (Grifei)

Ora, exsurge do entendimento esposado a clara irrelevância da posição dos vocábulos lançados no texto constitucional, sendo portanto possível, a critério da Corte de Contas, estabelecer preferencialmente quaisquer dos critérios (antigüidade ou merecimento) que entender aplicável.

Ainda em consonância com o entendimento acerca da  irrelevância da colocação dos vocábulos, reitera seu entendimento a Corte Suprema no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.596/PA – Relator Ministro Sepúlveda Pertence, decisão em 19-03-2003, Informativo STF, n.º 301, ao asseverar:

“O Tribunal, considerando que, embora não haja uma ordem de precedência compulsória estabelecida pela CF, deve prevalecer a interpretação que viabiliza a implantação mais rápida do modelo constitucional (…)”

Analogamente, a Constituição Federal ao tratar da composição dos Tribunais Regionais Federais, assim estabelece, verbis:

“Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.

(…);

Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:

I – um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira;

II – os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antigüidade e merecimento, alternadamente.” (Grifei).

Recepcionada pela Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, Lei Complementar n.º 35 de 1979, dispõe em seu artigo 100:

“Art. 100 – Na composição de qualquer Tribunal, um quinto dos lugares será preenchido por advogados, em efetivo exercício da profissão, e membros do Ministério Público, todos de notório merecimento e idoneidade moral, com dez anos, pelo menos, de prática forense.

§ 1º – Os lugares reservados a membros do Ministério Público ou advogados serão preenchidos, respectivamente, por membros do Ministério Público ou por advogados, indicados em lista tríplice pelo Tribunal de Justiça ou seu órgão especial.

§ 2º – Nos Tribunais em que for ímpar o número de vagas destinadas ao quinto constitucional, uma delas será, alternada e sucessivamente, preenchida por advogado e por membro do Ministério Público, de tal forma que, também sucessiva e alternadamente, os representantes de uma dessas classes superem os da outra em uma Unidade.”

Analogamente à controvérsia da colocação de vocábulos, no que tange aos critérios de merecimento e antigüidade na elaboração das listas tríplices a que se refere o § 2.º do art. 73 da CF/88, o STF também enfrentou questionamentos acerca do quinto constitucional, no qual também se discutiu acerca da existência ou não de ordem de precedência entre membros da classe dos advogados e do Ministério Público na composição dos Tribunais. Assim asseveraram os eminentes Ministros do STF no julgamento do Mandado de Segurança n.º 23.972-7/DF, no que toca ao critério de precedência:

“(…) o TRF não estava condicionado por norma constitucional ou infraconstitucional, a adotar uma ou outra classe. Já que não havia condicionamento, o que fez o TRF da 5.ª Região? Com base no precedente do antigo Tribunal Federal de Recursos, aplicou a norma específica do inciso I do art. 107, observando a precedência dos advogados. Poderia basear-se na precedência do art. 94, também.  Certo é, repito, que o TRF não estava condicionado nem por norma constitucional nem por norma infraconstitucional.”

Com clareza solar, o Ministro Sepúlveda Pertence, ainda nos autos do julgamento proferido no Mandado de Segurança n.º 23.972-7/DF, registrou:

“Surge, então, o problema. Há um critério para o primeiro provimento da vaga ímpar? Argumentou-se, com o que eu chamaria de um critério tipográfico (sic),  que a palavra “advogados”, no texto do art. 107, tenha sido mencionada antes da expressão “membros do Ministério Público”. A mim não me impressiona tal critério, porque procuro sempre uma razão de ser do dispositivo constitucional. Não consigo encontrar nada de racional que explique, de um lado, que o art. 94 mencione Ministério Público antes dos advogados e, de outro, em todas as disposições específicas das Justiças da União, se inverta a ordem (assim, no art. 104, II, com relação ao STJ; no art. 107, I, com relação aos TRF’s e no art. 111, I, com relação ao TST).

Prefiro dizer que a Constituição Federal não deu solução para o problema, o que não me impressiona. A Constituição não é um código. É um texto necessária e historicamente fragmentário. Cuida de resolver aqueles problemas em relação aos quais pareceu ao constituinte necessário dar tratamento e hierarquia constitucional. Poderia te-lo feito a lei ordinária, a meu ver, exatamente porque é inútil procurar na Carta Federal, com todas as vênias, qualquer critério. A LOMAN, assim como regulou o problema dos sucessivos provimentos no quinto, quando seja ímpar o seu número, poderia também ter adotado um critério qualquer, ainda que arbitrário, apenas para evitar disputas acerca de qual categoria daria o seu primeiro ocupante. Estou convencido de que não o fez. No mesmo sentido – o da inexistência de um critério constitucional – temos decidido repetidas vezes, a partir da ADIn 219, julgada em 24.6.93, de que fui relator (DJ 23.09.94), a propósito da ordem de nomeação dos conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais. E também ante soluções diversas dadas pelas Constituições estaduais, dando prioridade ou à livre nomeação do Governador de Estado, ou à eleição pela Assembléia Legislativa, ou às vagas vinculadas, aos Auditores e aos Procuradores.

O problema que se põe – e a LOMAN poderia te-lo resolvido, mas não o fez – é quanto ao nosso entendimento, em relação aos Tribunais de Contas, de que é dado estabelecer qualquer ordem, sobretudo nas Constituições estaduais, porque a Carta Federal não o resolveu.

Se não o fez, chego à mesma conclusão do eminente Relator, em um segundo momento, de que era necessário que o Tribunal – dados os critérios do art. 94 e similares da Carta Federal -, elegesse uma das categorias para iniciar o processo do seu primeiro provimento. Poderia ter, sim, escolhido uma ou outra das categorias componentes do ‘quinto’.” (Grifei).

Pondo termo à controvérsia, também o elucidativo voto do  Ministro Marco Aurélio, ainda nos autos do julgamento proferido no Mandado de Segurança n.º 23.972-7/DF, asseverou:

“Não confiro primazia a esta ou àquela categoria, para o efeito de preenchimento das vagas destinadas ao quinto. Entendo que Ministério Público e advocacia estão no mesmo patamar e formam, independentemente da ordem, da dimensão dada às nomenclaturas, o grande todo composto pelo quinto.  Essa conclusão decorre até mesmo do fato de a Constituição Federal referir-se, em certo passo, primeiramente, ao Ministério Público. E na regra básica concernente ao quinto  – o artigo 94 -, alude-se aos membros do Ministério Público e, posteriormente, aos advogados, de modo a compor, portanto, ambas as categorias, o quinto. Após essa referência, a revelar que não tem significado maior a ordem de colocação dos vocábulos, constatamos a disciplina quanto ao Superior Tribunal de Justiça, aos tribunais regionais federais e à Justiça do Trabalho, quando, então, menciona-se, primeiramente, a laboriosa classe dos advogados para, depois, aludir-se ao Ministério Público.” (Grifei).

CONCLUSÃO

Destarte, não havendo o texto constitucional federal  estabelecido uma regra de precedência entre antiguidade e merecimento, com efeito, a ordem de colocação dos vocábulos é irrelevante. Não havendo regra neste sentido estabelecida na Constituição do Estado, nem em lei estadual, caberá ao Tribunal de Contas decidir sobre qual o critério a ser adotado para a primeira vaga e,  a partir daí, estabelecer sua alternância.

Entretanto, seguindo a um referencial ético, o estabelecimento do critério há de ser impessoal, sem ter em mente a quem se quer atingir, seja para beneficiar, seja para prejudicar, exercício este nem sempre de todo fácil, vez que imparcialidade e independência pressupõem alto grau de desenvolvimento das instituições democráticas.

Tendo-se em mente que a atuação eficiente do Estado exige atuação imparcial e independente, ressalta Maria Teresa de Melo Ribeiro[12] que esta imparcialidade na Administração Pública surgiu historicamente da necessidade de, por um lado, salvaguardar o exercício da função administrativa e, conseqüentemente, a proteção do interesse público da influência de interesses alheios ao interesse público, qualquer que fosse a sua natureza e, por outro, afastar a interferência indevida no proce­dimento administrativo, em especial, na fase decisória, de outros sujeitos ou entidades, exteriores à Administração Pública. Diz a autora: “Imparcialidade é independência: independência perante os interesses privados, individuais ou de grupo; independência perante os interesses parti­dários; independência, por último, perante os concretos interesses políticos do Governo”.

Referências Bibliográficas
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MOURÃO de Oliveira, Licurgo Joseph. Direito Financeiro Sob a Égide da Lei de Responsabilidade Fiscal. 2001, mimeo.
Notas
[1] ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Silveira Chaves. São Paulo: Edipro, 1995. p. 211.
[2]  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 14. ed., São Paulo:Malheiros Editores, 1997, p. 176.
[3] OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Manual de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.137.
[4] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil – Jurisdição e Competência, Forum, Belo Horizonte, 2003, p. 606.
[5] PERELMAN, Chaïm. Ética e Direioto. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.08.
[6] DUPPRÉEL, E. Traité de Morale. Bruxelas, 1932, T. II, p. 483.
[7] TRIGUEIRO, Oswaldo. Direito Constitucional Estadual, Ed.Forense, Rio de Janeiro, 1980, p. 70-71.
[9] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 2.a. ed., Ed. Atlas, São Paulo, 2003, p. 1202.
[10] LAMMÊGO BULOS, Uadi. Constituição Federal Anotada, 5.a. ed., Ed.Saraiva, São Paulo, 2003, p. 876.
[11] SOBRINHO, Osório Silva Barbosa. Constituição Federal vista pelo STF, 3.a. ed., Ed.Juarez de Oliveira, São Paulo, 2001, p. 686.
[12] RIBEIRO, Maria Teresa de Melo. O principio da imparcialidade da administração pública. Coimbra Aimedina, 1996. p. 170 apud MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa. Emenda Constitucional n.º 19/98. São Paulo: Atlas, 2001. p. 35.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Licurgo Joseph Mourão de Oliveira

 

Advogado e Administrador de Empresas; Membro do Instituto Transparência Brasil associado à Transparency International América Latina y Caribe; Mestrando em Direito Público (UFPE) e Mestrando em Direito Econômico (UFPB); Pós-graduado em Contabilidade e Controladoria Governamental (UFPE), em Direito Administrativo (UFPE) e em Direito do Trabalho (ESMATRA); Auditor das Contas Públicas do Tribunal de Contas-PE; ex-Auditor Tributário do Tesouro da Cidade do Recife; Professor da Faculdade Maurício de Nassau do Bureau Jurídico-PE; Ex-Professor da UFPE nas cadeiras de “Orçamento e Finanças Públicas” e “Contabilidade e Auditoria do Setor Público”; Professor em cursos de Pós-Graduação das Universidades de Pernambuco – UPE, UFPE e CIESA (Centro Integrado de Ensino Superior da Amazônia); Instrutor da Escola de Administração Fazendária – ESAF do Ministério da Fazenda; Instrutor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

 


 

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