O interesse público na revogação de certame e sua axiologia

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Resumo: Este artigo se propõe ao estudo da axiologia do instituto da revogação do ato administrativo, verificando o momento oportuno da abertura do contraditório e da ampla defesa. A análise do fenômeno, consubstanciado nas premissas fáticas e de direito para o uso do instituto da revogação, é realizada por meio da abordagem sistêmica apoiada em revisão bibliográfica e no método lógico-detutivo.

Palavras Chave: Revogação. Licitação. Axiologia. Interesse público.

Abstract: This paper proposes studying the institute of the administrative act revocation, checking the timing of the contradictory and full defense opening. The analysis of the phenomenon, based on the factual and legal premises for the use of revocation institute, is performed by the systemic approach supported by literature review and logical-deductive method.

Keywords: Repeal. Bid. Axiology. Public interest.

Sumário: Introdução. 1. A ontologia do instituto. 2. Ponderação principiológica na espécie. 2.1.Devido processo legal. 2.2. Contraditório e ampla defesa. 2.3. Legalidade. 2.4. Impessoalidade. 2.5. Moralidade. 2.6. Publicidade. 2.7. Eficiência. 2.8. Celeridade processual. 2.9. Razoabilidade. 2.10. Segurança jurídica. 3. Jurisprudência pátria. 4. Transição de referenciais organizacionais. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A finalidade do Estado, como nos brinda Lima (1982; p. 15-16), pode ser definida a partir da utilidade pública dos seus atos, especialmente quando provê a segurança – física e jurídica – a manutenção da ordem pública e a distribuição da justiça. Quando discutido o interesse público, que deve fundamentar os atos administrativos, importa retomar sempre a sua finalidade e verificar sua conformidade com o pacto social fundante do ente público, tal como lecionou Rousseau sob o contrato social (1981; p. 27):

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e ela qual cada um, se unindo a todos, obedeça apenas, portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre quanto antes.”

Pode-se afirmar que é um verdadeiro axioma do Direito contemporâneo a superioridade do interesse público sobre o privado, “como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último” (BANDEIRA DE MELLO; 1997, p. 29). Assim, apresenta-se como disfunção que, sobre o influxo arejador da Súmula Vinculante nº 3 do Supremo Tribunal Federal, tenha-se tornado recorrente o equívoco de invocar indiscriminadamente – por analogia no âmbito do controle externo administrativo – os princípios do contraditório e da ampla defesa, em benefício de pretenso direito de administrado e diante de prejuízo do interesse coletivo quanto à eficiência estatal.

Pelo contexto apresentado, verifica com preocupação que, em casos de revogação de certame em face do interesse público, não encontrando o interesse privado lesivo guarida no âmbito de processo regular de licitação pública, muitas vezes tem-se utilizado do expediente de representação às Cortes de Contas como recurso extemporâneo. Esse fenômeno merece atenção das ciências sociais aplicadas em virtude de suas motivações potencialmente consubstanciarem uma afronta aos fundamentos de um Estado Democrático de Direito; até porque, “a ordem e a lentidão das formas exigem um espaço de tempo que, eventualmente, é recusado pelas circunstâncias”  (ROUSSEAU; 1981, p. 130). Assim, importa ainda averiguação, no fenômeno estudado, da relação da interpretação do instituto jurídico na transição dos referenciais teóricos da administração pública brasileira da Burocracia para o Gerencialismo.

A aplicação de um instituto jurídico está condicionada ao ordenamento em que se contextualiza o caso concreto. Nesse sentido verifica-se a possibilidade de interpretar a norma numa perspectiva de sistema fechado – se a abordagem for positivista – ou aberto, quando de uma abordagem funcionalista.

Para Kelsen (2005; p. 4) – representante do positivismo jurídico – “a norma que empresta ao ato o significado de um ato jurídico ou antijurídico é ela própria produzida por um ato jurídico, que por seu turno, recebe a sua significação jurídica de outra norma”. Nessa linha de raciocínio, a norma tem validade por estar fundamentada em outra norma considerada superior e, ao final da cadeia remissiva, à norma fundamental; sendo que conduta divergente da que esta prescreve se sujeita a sanção, em atenção ao princípio retributivo (vergeltung). Mas mesmo para o positivismo, a aplicação da norma se faz a partir do contexto de sua validade no sistema do dever ser; pois, “quando o Direito é aplicado por um órgão jurídico, este necessita fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar estas normas” (KELSEN; 2005, p. 387).

Enquanto para a corrente doutrinária positivista a norma é compreendida como uma moldura, que impõe a subsunção do fato concreto à lei – conformando o ser ao dever ser – na teoria tridimensional a norma é tida como funcional, sendo interpretada de forma contextualizada aos valores sociais – informados pelo princípio da moralidade – num dado tempo e espaço; pois, mesmo quando as leis permanecem graficamente as mesmas “se lhes acrescentam outras valências ideológicas, condicionando-lhe a aplicação” (REALE; 1998, p. 498).

Seja na perspectiva positivista ou tridimensional do direito, o ordenamento jurídico pátrio vigente se conforma a evolução social que repercute na interpretação legítima de qualquer instituto jurídico. No positivismo as mudanças sócio-culturais ingressam no mundo do dever ser a partir das alterações constitucionais, enquanto para os tridimensionalistas o próprio fenômeno da mutação constitucional seria conseqüência da natureza do ordenamento jurídico de um sistema organizacional aberto, como exemplifica o caput do art. 37 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CF/88) ao parear o princípio da legalidade – estrita – aos da moralidade e da eficiência – que são conceitos abertos.

Nesse contexto, ganha importância o estudo do instituto da revogação do ato administrativo, em especial quando, na sua operacionalização em benefício do interesse público, o fenômeno é composto por oportunidade de possível vinculação interpretativa do estabelecimento do contraditório e da garantia à ampla defesa. Tanto o instituto jurídico da revogação aplicado à licitação pública como o citado princípio constitucional, não se encontram estanques no sistema jurídico; a compreensão do fenômeno permitirá evitar disfunções fáticas que promovem reflexos nocivos no mundo do ser – sistemas econômico, social e cultural. Até porque, “a inflexibilidade das leis, que as impede de se moldar aos acontecimentos, pode, em certos casos, torná-las perniciosas, e causar, por si mesmas, a perda do Estado, em sua crise” (ROUSSEAU; 1981, p.130).

O recorte temático remete a uma perspectiva axiológica, requerendo uma metodologia de abordagem do instituto da revogação aplicado à licitação que comporte a concepção evolutiva do ordenamento jurídico – como conseqüência da evolução social e da instituição Estado; assim, a opção pela teoria de sistemas aparece como um requisito da problemática enfrentada neste estudo.

A abordagem sistêmica concebe o ordenamento jurídico – historicamente vigente no território brasileiro – como um sistema, compreendido como um conjunto ordenado, não-caótico, de elementos interrelacionados, aberto a estímulos multilaterais com outros sistemas – econômicos, sociais, culturais, políticos e jurídicos – e inserido num contexto evolutivo.

O sistema jurídico, compreendido como sistema organizacional aberto, possui como características tanto a morfogênese – entendida como a propriedade de si modificar, inclusive quanto a sua estrutura básica, numa orientação de adaptabilidade evolutiva para a autopreservação – como a homeostase que consiste numa busca por um estado firme que perpetua a sua existência. Complementando uma perspectiva paradoxal, verifica-se o processo negentrópico em que, conforme Katz & Kahn (1987; pp. 30-45), o sistema busca se contrapor a perda de energia e a tendência à estagnação por meio de uma certa constância de trocas com o meio.

Complementarmente, utilizou-se de revisão bibliográfica – na descrição contextualizada de institutos jurídicos e diplomas normativos – bem como pesquisa documental dos textos legais e método dedutivo, quando necessário tratar questões teórico-jurídicas numa perspectiva do dever-ser, auxiliando na compreensão das relações sistêmicas.

1. A ONTOLOGIA DO INSTITUTO

Pode-se compreender instituto jurídico como uma reunião de normas jurídicas afins, identificadas com um fim que se procura realizar; assim, “enquanto a ordem jurídica dispõe sobre a generalidade das relações sociais, o instituto se fixa apenas em um tipo de relação ou de interesse” (NADER; 1998, p. 100). Outra forma de conceituar um instituto jurídico é pelo que representa:

“(…) estruturas normativas complexas, mas homogêneas, formadas pela subordinação de uma pluralidade de normas ou modelos jurídicos menores a determinadas exigências comuns de ordem ou a certos princípios superiores, relativos a uma dada esfera da experiência jurídica”. (REALE; 1987, pp. 190-191).

A revogação é, portanto, instituto jurídico e tem a finalidade de rever a atividade interna da administração pública, visando adequá-la ao interesse público, por motivo superveniente à prática do ato administrativo. Assim, no delineamento do instituto, “a Lei determina que a revogação dependerá da ocorrência de ‘fato superveniente comprovado’. Isso indica a inviabilidade de renovação do mesmo juízo de conveniência exteriorizado anteriormente”. (JUSTEN FILHO; 2010, p. 669).

A revogação de ato administrativo não se confunde com a sua anulação, sendo que ambas podem ser aplicadas pela Administração no exercício regular da gestão da coisa pública, como nos clarifica o art. 53 da Lei nº 9.784[1], de 29 de janeiro de 1999, e orienta o Supremo Tribunal Federal por meio da Súmula nº 473, cujo enunciado preceitua que a “administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

2. PONDERAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA NA ESPÉCIE

A validez intrínseca das normas, como leciona Rocha (1999; p. 46), se lastreia nos princípios; pois, quando o legislador normatiza determinada realidade social ele se vale de idéias básicas que informam o direito positivo a partir do senso moral da coletividade em que se insere. Assim, pode-se afirmar que “as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição” (BAROSO; 1998; p.141), sendo que as normas-princípio são mais abstratas e se apresentam como fundamentos do próprio ordenamento jurídico.

Os princípios gerais de direito, especialmente os de escopo constitucional, têm função não somente interpretativa, contextualizando a parte dispositiva das normas ao sistema jurídico vigente, mas são eles mesmos normas gerais a serem seguidas, conforme nos ensina Bobbio (1997; pp. 158-159); no entanto, diferentemente das normas puramente dispositivas, os princípios possuem outra forma de aplicação ao caso concreto, impondo-se a ponderação.

Quando a aplicação de dois ou mais princípios gerais de direito apresentar um paradoxo – distintamente dos métodos interpretativos das normas em que se estabelece hierarquia, especialidade e prevalência temporal para a aplicação do Direito – resolve-se no caso concreto por meio de valoração na espécie fenomenológica. Essa hermenêutica principiológica se estabelece a partir da averiguação de: a) adequação, conferindo em cada princípio a obtenção da finalidade do ato jurídico; b) necessidade, por meio de diligência na busca do meio menos gravoso à direito ou garantia a serem restringidos na espécie; c) razoabilidade stricto sensu, predominando a proporção valorativa em que a relação entre custo e benefício for mais favorável às finalidades precípuas do Estado Democrático de Direito (SILVA; 2002, pp. 23-50)

Assim, além do princípio da supremacia do interesse público, basilar na fundamentação do ato administrativo, importa abordar aqueles outros que também informam – de forma adequada, necessária e razoável – a aplicação do instituto da revogação a certame aberto pelo Estado; até porque, “las teorías de la función judicial se han vuelto cada vez más complejas y sutiles, pero las más populares siguen sobordinándola a la legislación” (DWORKIN; 1994, p. 147).

2.1. Devido processo legal

O princípio do devido processo legal tem seu nome derivado do direito consuetudinário law of the land, cujos primeiros registros constam do início do século XIII com o advento da Magna Carta (INGLATERRA; 2011), aplicado inicialmente no processo penal e paulatinamente estendido ao direito processual civil e administrativo. O citado enunciado é substituido, com o amadurecimento de sua aplicação, pelo termo due process of law, especialmente após a confirmação da Magna Carta por Eduardo I e a promulgação do Statute of Westminster of the Liberties of London em 1354, por Eduardo III.

No ordenamento jurídico lusitano a influência do princípio do devido processo legal, originalmente desenvolvido na tradição consuetudinária, é incorporada no período de consolidação do Estado nacional e paulatina adoção da tradição de direito positivo[2]. Assim, pode-se afirmar que o devido processo legal está presente no sistema jurídico pátrio desde o primeiro ordenamento jurídico que vigeu no território brasileiro.

O devido processo legal é basilar na defesa de todos os direitos e sustentáculo no qual se desenvolve outros princípios, tais como o do contraditório e o da ampla defesa – em face de promover um rito preestabelecido, ou marcos processuais universais, que permite o desenrolar do processo de forma impessoal – na busca de um sistema que garanta efetividade na função judicante do Estado; está presente no sistema jurídico, pois, com status  de integrante do conjunto de normas fundantes do ordenamento jurídico vigente, expresso no art. 5º, LIV, da CF/88.

2.2. Contraditório e a ampla defesa

O princípio do contraditório e da ampla defesa pode ser definido pela expressão latina audiatur et altera pars, que pode ser traduzido como ‘ouça-se a outra parte’ naquilo que disser respeito a seu direito; sendo compreendido como corolário do princípio do devido processo legal, na medida que informa a faculdade de fazer prova do seu direito e do uso de todos os meios de defesa previstos na norma.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, garante aos legitimados o direito ao contraditório e à ampla defesa, quando houver litígio, sendo a via processual o veículo para o exercício das funções do Estado; assim, é por meio de autos devidamente documentados que se consolidam os atos jurídicos próprios à função administrativa no setor público (DINAMARCO; 2002, p. 83). A existência, portanto, de processo perante a administração pública não informa necessariamente a existência de litígio; até por isso, comumente os doutrinadores designam, quando se trata de ato unilateral da administração pública, os autos administrativos como a documentação de procedimento administrativo e não de processo stricto sensu que se desenvolve mais propriamente junto à função judicante (FERRAZ; 2001, p. 34). Até porque, como leciona Grinover (1990, p. 19):

“Do contraditório, como princípio de participação, surge uma importante indicação , que foi salientada pelas doutrinas alemã e italiana: o objetivo principal da garantia não é a de defesa, entendida em sentido negativo como oposição ou resistência, mas sim a "influência" tomada como ‘Mitwirkungsbefugnis’ (Zleuner) ou ‘Einwirkungsmoglichkeit ’ (Baur), ou seja, ‘como direito ou possibilidade de incidir ativamente sobre o desenvolvimento e sobre o resultado do processo’”[3].

Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão previstos no art. 5º, LV, da CF/88, preceituando a garantia de que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Dessa forma, o constituinte deixou claro sua concepção de que tais princípios não poderiam ser utilizados para o retardo injustificado do processo, em desfavor do interesse público: logo, em ato administrativo no qual não há espaço para litígio, a ponderação de princípios constitucionais deve se realizar de forma a prestigiar aqueles que informam a economia processual e a eficiência da administração pública.

2.3. Legalidade

O princípio da legalidade se encontra insculpido na norma fundamental do sistema jurídico brasileiro em várias passagens, especialmente no art. 5º, II, e art. 37, caput, da Constituição Federal. Se para o universo privado, dentro da perspectiva de finalidade do Estado informada pela teoria do pacto social, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, para o administrador público – até em virtude do controle social que deve haver sobre o ato estatal, visando evitar a restrição de direitos dos indivíduos na coletividade – a determinação é fazer apenas o que está autorizado em lei.

Em se tratando de ato administrativo, este deve se observar sempre à razoabilidade, para que haja efetividade do Estado Democrático de Direito. É assim que mesmo o princípio da legalidade deve ser interpretado dentro de parâmetros de razoabilidade que permita a aplicação ponderada de outros princípios, tais como os da eficiência administrativa e celeridade processual; pois, a forma não se justifica em si mesma, mas na sua finalidade que é o direito efetivamente protegido. Nesse sentido, é que se afirma que o interesse público não pode ficar sujeito à formalidade burocrática, “o Estado de Direito goza de prioridade axiológica sobre os princípios de segundo grau” (MEIRELLES; 2000, p. 637).

2.4. Impessoalidade

O princípio da impessoalidade, introduzido definitivamente na administração pública a partir da Teoria da Burocracia weberiana, tem duas faces: a isonomia e a equidade. Se num primeiro olhar – sob os auspícios da isonomia – todos devem ser tratados de forma igual perante a lei, numa segunda perspectiva – das políticas públicas traçadas com o fito de se alcançar a finalidade do Estado – o o ente público obedecendo as premissas do pacto social, deve tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade, buscando igualá-los. A Carta Magna do ordenamento jurídico pátrio claramente se utiliza da ótica equitativa quando, por exemplo, firma como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF/88) – objetivo que para ser alcançado implicará em tratamento diferenciado, como políticas de cotas e outras ações de proteção ao hipossuficente – enquanto firma o entendimento da igualdade formal, isonômica, no propósito de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV, da CF/88).

Entre os doutrinadores é recorrente a afirmação de que a isonomia é parte integrante ao devido processo legal; no entanto, como se verifica insculpido na Constituição Federal, a igualdade tem aspectos formais e materiais – estática e dinâmica – formando muitas vezes uma realidade paradoxal. “Assim sendo, o contraditório não se identifica com a igualdade estática, puramente formal, das partes no processo; não exprime a simples exigência de que os sujeitos possam agir em plano de paridade; nem determina ao juiz o mero dever de fazer alguma coisa” (GRINOVER; 1975, p. 25).

No ato administrativo, o princípio da impessoalidade, informa ao administrador o dever de ser isonômico no tratamento entre as partes, quando houver litígio entre interesses privados, mas utilizar-se da prerrogativa de soberania do interesse público no uso da sua faceta equitativa que se vincula à própria razão de ser do ente público e, portanto, à finalidade do ato.

2.5. Moralidade

O princípio da moralidade, em ação conjunta ao princípio da eficiência, é conceito aberto que permite uma interação do sistema jurídico com o mundo fático e, especialmente, permite uma interpretação contextualizada da lei. Se por um lado o administrador público está jungido a fazer estritamente o que está na lei, por outro o direito a ser aplicado não está na letra e sim em sua interpretação.

No ato administrativo, o princípio da moralidade informa dever do administrador público não somente para com as partes constantes em processo administrativo, mas precipuamente para com todo cidadão, conforme nos informa o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal ao legitimá-lo na ação fiscalizadora da moralidade pública. Assim, quando o legislador constituinte informa a moralidade como princípio pelo qual se deve reger a administração pública, está claramente informado ao administrador que a interpretação da lei – contendo o padrão ou a forma – para se atingir a efetividade do ato administrativo, deve se nortear pelo senso da moralidade pública e não das concepções pessoais do agente público ou das partes – strito sensu – constantes dos autos.

2.6. Publicidade

O princípio da publicidade, desde a formação do Estado liberal, cuja organização se estabeleceu no formato burocrático[4], foi tido como próprio da administração pública porque “se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo” (SILVA; 2000, p. 653).

A publicidade é condição, em regra, de eficácia do ato administrativo; assim, pode-se afirmar que o ato administrativo somente se aperfeiçoa a partir da sua devida publicação. E isso porque o ato administrativo, como veículo de gestão do Estado, deve estar voltado sempre ao uti universi e, quando não contrariar o interesse público, se dirigirá a proteção do uti singuli, mas tendo sempre em sua fundamentação basilar a defesa de direito difuso.

Além do caput do art. 37, em vários dispositivos a Constituição Federal explicita a relevância do princípio da publicidade para o exercício pleno da cidadania; logo, no Estado Democrático de Direito, fruto do pacto social em que se faz presente o controle social dos atos do ente político e das entidades vinculadas, não se pode consubstanciar ato jurídico perfeito da administração pública sem o atendimento da publicidade legal, até porque “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral” (art. 5º, XXXIII, da CF/88).

2.7. Eficiência

O princípio da eficiência pode ser compreendido como um comando ao administrador público no sentido de orientar todas as suas ações no sentido da concretização “material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones jurídico-administrativo” (FRANÇA; 2000, p. 168).

Com o advento da Emenda Constitucional nº 19/1998 passou a constar, de forma explícita no texto constitucional, o dever de eficiência, conforme se depreende de seu art. 37, caput. Assim, o processo administrativo é o meio pelo qual a Administração materializa o direito na proporção quantitativa e qualitativa em que o interesse do titular é juridicamente protegido.

Pode-se afirmar, em função do teor doutrinário do princípio da eficiência e das referências feitas pelo legislador no texto constitucional, que o termo eficiência grafado na Carta Magna mais se aproxima do conceito de efetividade da ciência da Administração, informando o dever de buscar a eficácia do ato administrativo – atendendo ao interesse público que informa a finalidade do Estado – por meio da eficiência, cumprindo os padrões de qualidade e a forma estabelecida em lei. Logo, o princípio da eficiência não se afasta do princípio da legalidade interpretado a luz do princípio da moralidade administrativa. Dito de outra forma:

“…princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social” (MORAES; 1999, p. 30).

2.8. Celeridade processual

O princípio da celeridade processual passou a constar explicitamente no texto constitucional a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, sendo grafada no seu art. 5º, LXXVIII, compondo o rol das garantias e direitos individuais. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, para que se proteja as garantias e direitos resguardados pelo Direito, deve-se ponderar o tempo da ação judicante ou do ato administrativo. O direito a celeridade processual informa ao administrador público o dever de ponderar os princípios constitucionais em cada ato administrativo verificando os passos que são absoluta e necessariamente encadeados e os que podem ocorrer de forma concomitante ou somente em caso de provocação de interessado, visando a eficiência no atendimento do interesse público.

Historicamente, o princípio da celeridade processual evoluiu do princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo)[5], do qual derivou ainda o princípio da instrumentalidade das formas. Esses princípios regem o processo, de forma a ponderar vários outros comandos em benefício da celeridade e efetividade processual que é questão de ordem pública; informa, assim, que somente se deve retirar do mundo jurídico o ato processual administrativo que causar efetivamente prejuízo às garantias individuais ou ao interesse público, primando pela celeridade da prestação pretendida pelo meio processual, em homenagens ao princípio da segurança jurídica e à presunção de legitimidade do ato administrativo (BUENO; 2009, p. 456).

2.9. Razoabilidade

Compreendido pela doutrina como princípio geral do direito, festejado de forma explícita no direito internacional e no constitucional, o princípio da razoabilidade pressupõe o estabelecimento de padrões para a aplicação do Direito ao caso concreto; assim, está intimamente vinculado ao conceito de efetividade esperada do ato jurídico perfeito. É, portanto, comum a invocação do princípio da razoabilidade para equilibrar os direitos e obrigações das partes – equity theory – em ajustes do direito privado, ou dosar a aplicação dos princípios de direito público na ação do Estado, em particular do princípio da isonomia que deve ser considerado no direito público não só entre as partes – inter alia – mas quanto aos direitos difusos inerentes à finalidade da ação estatal.

Pode-se afirmar que, em se tratando de processo administrativo, o princípio da razoabilidade modula os efeitos dos princípios de eficiência, celeridade processual, contraditório e ampla defesa, viabilizando à administração pública agir de forma lógica e coerente na gestão da coisa pública, especialmente quanto à competência discricionária, que deve-se amoldar à finalidade do ato e aos objetivos gerais do Estado (HARGER; 1998, p.141).

2.10. Segurança jurídica

A segurança jurídica é princípio basilar sobre o qual se erige o Estado Democrático de Direito; logo, é fundamental para a eficácia dos direitos e garantias fundamentais. Não se pode conceber qualquer sistema jurídico, que seja lastreado no estabelecimento de princípios e objetivos gerais do Estado garante de direitos, sem que se atrele o conceito de justiça ao de ordem pública; assim pois, a axiologia do ordenamento jurídico se funda na segurança que o mesmo estabelece para os bens jurídicos que assegura.

Embora a segurança jurídica se encontre de forma implícita no texto constitucional, verifica-se sua positivação em vários diplomas legais, como exemplifica, em seu art. 2º, a Lei nº 9.784/1999, cujo dispositivo tem sido reproduzido nas normas de processo administrativo dos Estados federados[6].

Na aplicação do princípio da segurança jurídica é comum o aparente paradoxo, enfrentado pelo administrador público, em que de um lado pesa o fato de que o administrado não pode ficar indefinidamente sujeito ao poder de autotutela do Estado – sob pena de uma crise do sistema – e de outro a necessidade da obediência ao devido processo legal: tal circunstância se resolve pela aplicação do princípio da eficiência no uso dos institutos da revogação e da anulação, quando configurada a respectiva aplicabilidade. É assim que a segurança jurídica manifesta dois de seus prismas: a) a presunção de legitimidade do ato administrativo; b) o estabelecimento proteção ao ato jurídico perfeito.

O ato jurídico perfeito se verifica quando do cumprimento de todos os pressupostos de eficiência e eficácia. De forma concisa, pode-se afirmar que o atendimento aos princípios gerais da administração pública, insculpidos no art. 37 da CF/88, são essenciais ao aperfeiçoamento do ato administrativo: assim, o ato deve estar em conformidade com a legalidade, interpretada a partir do senso de moralidade pública, deve se consubstanciar como impessoal – em suas vertentes isonômica e equitativa- atendendo ao interesse público de forma efetiva e, em face ao dever de transparência e fomento do controle social como pilar em que se erige o Estado Democrático de Direito, ser publicado. Nesse sentido, pode-se afirmar que a segurança jurídica, aplicada ao ato administrativo, se consubstancia a partir do aperfeiçoamento do respectivo ato jurídico, via de regra pela publicação do mesmo.

3. JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA

A revogação de licitação é – nos termos na corrente dominante na doutrina e jurisprudência pátria – ato discricionário do ordenador de despesa, quando presente fato superveniente que a requer para a defesa do interesse público. Orientou o Tribunal de Contas da União, na ementa do Acórdão nº 111/2007 – cuja referência se universaliza em face do que dispõe a sua Súmula nº 222 combinada com o teor da Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal (STF) – que o “juízo de conveniência e oportunidade a respeito da licitação é, pela sua própria natureza, ato discricionário, privativo da autoridade administrativa que deve resguardar o interesse público”, aperfeiçoando-se com a publicidade necessária.

Sendo a administração pública obrigada a dar publicidade aos seus atos, por meios razoáveis dentre os legalmente autorizados – até mesmo condição do exercício da plena cidadania – não se pode conceder presunção de ato jurídico perfeito à ato administrativo ainda inconcluso pela devida publicidade. É nesse sentido que tem entendido os tribunais superiores quanto ao ato da adjudicação do objeto que não gera direito subjetivo do licitante oponível ao Erário, gera apenas expectativa de direito de que – se o objeto for contratado – o licitante vencedor será signatário do ajuste de prestação do serviço ou fornecimento de materiais; até porque é com a homologação do procedimento licitatório – como um todo – devidamente publicada que se aperfeiçoa o ato administrativo adjudicatório, oportunizando eventual contraditório e ampla defesa, tendo sempre em vista o uti universi; como nos esclarece o Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio de sua jurisprudência, exemplificada na ementa do acórdão exarado no MS 7017/DF.

A aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, em especial quando o marco de abertura obrigatória e precedente a determinado ato administrativo for a constituição de direito subjetivo de administrado, não se subsume à previsão da Súmula nº 347 do STF por se tratar de pacificação da interpretação sistemática do conjunto de normas federais, bem como de princípios constitucionais, devendo a referência jurisprudencial ser buscada necessariamente no âmbito do Poder Judiciário. E, nessa perscrutação, verifica-se que a invocação indiscriminada de qualquer princípio jurídico, mesmo daqueles que informam a ampla defesa e o contraditório, se apresenta como uma postura desarrazoada por parte do administrador público, pois como nos esclarece Rui Barbosa, apud Guimarães (2000, p. 94), “o primeiro de todos os princípios é o da relatividade prática na aplicação deles à variabilidade infinita das circunstâncias dominantes”.

O art. 49, §3º, da Lei nº 8.666/93 dispõe que “no caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa”; o dispositivo rege perfeitamente os efeitos da anulação que desfaz o ato eivado de vícios que os tornam ilegais. No entanto, na revogação o ato jurídico torna-se insubsistente, em virtude de conveniência e oportunidade apurada pela Administração na defesa do interesse público; assim sendo, conforma-se como juízo de mérito em face de fato superveniente, não desfazendo os efeitos jurídicos dos atos da licitação, mas revogando-os em benefício dos interesses difusos atendidos com a adequada gestão do Erário.

O entendimento da jurisprudência pátria oscilou, quanto ao marco aquisitivo do direito subjetivo do licitante ao objeto adjudicado, entre os momento da homologação e da assinatura do contrato, consolidando-se neste de forma a se amoldar a supremacia do interesse público, basilar nos contratos regidos pelo direito público, como demonstram os acórdãos do Tribunal Regional Federal da Primeira Região e do STJ, exarados, respectivamente, em sede  do MS nº 22.973-4/DF e do RMS nº 3481/RJ.

Em respeito princípio da segurança jurídica, tratando-se do instituto da revogação aplicado a ato administrativo, faz-se necessário considerar a existência ou não de direito adquirido – configurado com a homologação do certame e assinatura do contrato – para se avaliar o momento da abertura do contraditório e ampla defesa; pois, mesmo não se abrindo formal e previamente antes do administrador exarar a revogação, restam os direitos de representação e pedido de reconsideração que podem ser exercidos posteriormente, com o atendimento das garantias do art. 5º, LV, da Constituição Federal, mas sem efeito suspensivo que ofenderia – se não presente o direito subjetivo violado – aos princípios da eficiência administrativa e celeridade processual, nos termos da melhor interpretação do art. 109 da Lei nº 8.666/93 e a luz dos comandos do art. art. 5º, LXXVIII, e art. 37, caput, ambos da Carta Magna, como orienta o STJ por meio do julgado do RMS 23.402/PR.

Quanto a comprovação de eventual direito do licitante, ofendido por ato da administração pública em revogar certame, aplica-se o cediço entendimento jurisprudencial e doutrinário de que cabe ao autor o ônus da prova de fato constitutivo de seu direito[7], bem como a quem acusa a demonstração da infração do pretenso direito[8], devendo a prova ser produzida de forma documental perante a administração, em particular em autos sob trâmite nas Cortes de Contas; logo, não há sentido prático em se atacar a presunção de legitimidade de ato administrativo de revogação de certame, sem o estabelecimento de adequado nexo causal que suporte logicamente essa postura por parte de órgão fiscalizador.

4. TRANSIÇÃO DE REFERENCIAIS ORGANIZACIONAIS

Na década de 1980 intensifica-se, no cenário internacional, a crescente discussão sobre a necessidade de uma reforma de caráter gerencial na administração pública, sendo denominado esse modelo de “nova administração pública”; essa reforma é implementada no Brasil a partir do advento da Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, refletida especialmente na evolução dos princípios estruturantes da administração pública, insculpidos em seu art. 37.

Embora o século XX fora denominado por Weber (1991) como o século das burocracias, cujo modelo das organizações espelharia um período de novos valores sociais, a abordagem burocrática das organizações emerge na administração pública brasileira na segunda metade da década de 1930 e suas disfunções impulsionam quase imediatamente a crítica dos teóricos da ciência da Administração; alguns crendo, como Burnham (1941), que a classe burocrata – gerada pelo modelo implementado – levaria ao estabelecimento de um novo sistema econômico que sucederia o capitalismo e o socialismo – denominado gerencialismo – onde posse e controle estariam separados, sendo este último de titularidade de profissionais da organização enquanto a posse ficaria reservada ao titular dos meios de produção[9].

O gerencialismo no serviço público se implementa contemporaneamente – em virtude das disfunções apresentadas pela Teoria da Burocracia – sob os paradigmas da abordagem interdisciplinar sistêmica. Esta abordagem consiste em conjunto de métodos capazes de integrar soluções próprias de várias ciências proporcionando princípios gerais que favorecem a compreensão do objeto de estudo, sendo na ciência da Administração compreendida pelas escolas cibernética, matemática – pesquisa operacional – e a da teoria geral de sistemas. Como leciona Bertalanffy (1975), no prefácio de sua obra Teoria Geral dos Sistemas:

“… a teoria dos sistemas consiste numa ampla concepção que transcende muito os problemas e exigências tecnológicas, é uma reorientação que se tornou necessária na ciência em geral e na gama de disciplinas que vão da física e da biologia às ciências sociais, e do comportamento à filosofia. É uma concepção operatória, com graus variáveis de sucesso e exatidão, em diversos terrenos, e anuncia uma nova compreensão do mundo, de considerável impacto…”

As organizações estão inseridas em ambiente que se lhe apresenta como nicho próprio a se organizar como um macro sistema, tais como o mercado ou o sistema político-legal. É para o ambiente que as organizações voltam seus produtos finalísticos, extraindo dele os insumos e energia necessários à sua sobrevivência. Se quanto a sua natureza um sistema pode ser fechado – tal como a Abordagem Clássica entendia a organização – no gerencialismo a organização é compreendida por premissa como um sistema aberto. E assim se apresenta harmônico à essa mudança de paradigma na administração a paulatina ampliação da compreensão do direito numa dimensão funcionalista.

Nesse contexto verifica-se que existem algumas circunstâncias que, como nos ensina Kelsen (2005; p. 388), não estão previstas no direito positivo, ficando a margem da apreciação da autoridade encarregada de aplicar ou executar o direito; pois, “todo ato jurídico em que o Direito é aplicado, quer seja um ato de criação jurídica quer seja um ato de pura execução é em parte determinado pelo Direito e em parte indeterminado”.

Na perspectiva da administração pública gerencial, focada na eficácia das políticas públicas por meio da eficiência administrativa, o ato administrativo goza de presunção de legitimidade com vistas ao atendimento do princípio da eficiência[10] da administração pública, implicando na impertinência[11] da sustação desse ato por órgão de controle externo quando não presente a prova de vício insanável, até em respeito ao princípio da segurança jurídica. A discricionariedade administrativa – na perspectiva da conveniência e oportunidade – existe para viabilizar uma administração voltada ao resultado, na materialização dos objetivos do Estado, em especial do bem comum (art. 3º da CF/88); assim, introduzir percalços meramente burocráticos à gestão da coisa pública, sem sentido gerencial para a proteção concreta de bem jurídico a ser efetivamente protegido, fere à razoabilidade e moralidade administrativa.

CONCLUSÃO

O ordenamento jurídico pátrio, embora de viés positivista, está sistematizado de forma aberta e sensível à evolução sócio-cultural e política, em especial quanto a valoração dos fatos sociais. É assim que, entendendo o Direito como a norma interpretada, a concepção de efetividade da administração e a moralidade pública – contextualizado em movimento morfogênico do sistema jurídico – têm influído decisivamente na distribuição da justiça e na compreensão da finalidade do Estado e, por conseguinte, do ato administrativo. Não se pode, portanto, compreender o direito sem levar em consideração os fatos e os valores sociais, numa perspectiva conhecida como teoria tridimensional; logo, a aplicação da norma requer a sua contextualização axiológica, porque, “nada é mais ilusório do que reduzir o Direito a uma geometria de axiomas, teoremas e postulados normativos, perdendo-se de vista os valores que determinam os preconceitos jurídicos e os fatos que o condicionam, tanto na sua gênese como na ulterior aplicação” (REALE; 1998, p. 495).

A ponderação dos princípios gerais de direito, em especial daqueles constitucionalizados, implica o entendimento de que, no sistema jurídico brasileiro – em harmonia aos princípios gerais do direito internacional, com destaque à razoabilidade – a revogação de certame licitatório, se realizado antes do aperfeiçoamento do ato jurídico homologatório, não gera direito indenizatório da pretensa contratação, quando fundada no interesse público e fomentada em fato superveniente; assim, não deve estar vinculada à prévia abertura do contraditório com garantia de ampla defesa. Até porque, o citado ato administrativo, ao aperfeiçoar-se com a publicação da decisão revogatória, implica na possibilidade do exercício do contraditório – tendo por partes o cidadão ou licitante e a autoridade administrativa – com todos os recursos inerentes a ampla defesa, por meio de um pedido de reconsideração ou da representação previsto no art. 109 da Lei nº 8.666/93.

Sendo o poder-dever do Estado de revogação de seus atos, quando presentes o interesse público e fato superveniente, regido pelos princípios do devido processo legal,  eficiência, celeridade processual, razoabilidade, legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, a axiologia do ato jurídico em comento requer ainda que a segurança jurídica seja ponderada para informar o momento do exercício do contraditório e da ampla defesa, de forma a atender a uti universi  – que se expressa na finalidade última do pacto social fundante do ente estatal – e ao princípio do devido processo legal, típico num Estado Democrático de Direito no qual se estrutura a administração pública efetivamente gerencial.

 

Referências
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Notas:
[1] Esse diploma, embora regule apenas o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, inspirou, ou influiu decisivamente em adequações, os diplomas de direito formal administrativo dos outros entes federados; sendo que o citado dispositivo se reproduz na íntegra, por exemplo, no art. 53 da Lei estadual nº 13.800, de 18 de janeiro de 2001, de Goiás.

[2] Presente na tradição romanista desde o enunciado da Lex Duodecim Tabularum.

[3] Nessa passagem Ada Pellegrini Grinover comenta a obra de Trocker, Processo civile e constituzione, editada em Milão em 1974, especialmente a passagem constante da página 371.

[4] Termo cunhado inicialmente de forma pejorativa, é composto pelos termos francês bureau e grego krátos, referindo-se ao exercício do poder pelos funcionários de gabinete;  ganhou outro significado a partir da difusão da obra de Weber (1996) dentre os teóricos da ciência Administração, passando a se referir a uma teoria que busca a excelência da organização no campo da eficiência administrativa.

[5] Tal princípio é consagrado no direito processual de vários ordenamentos jurídicos hodiernos que evoluíram na tradição romanista; estando presente, por exemplo, no Código de Processo Civil da França, em seu art. 114, §2º.

[6] Como exemplifica o art. 2º da Lei estadual nº 13.800/2001.

[7] Art. 333 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, denominado Código de Processo Civil.

[8] Art. 36 da Lei estadual nº 13.800/2001, denominada Lei do Processo Administrativo do Estado de Goiás.

[9] No caso da administração pública, os bens públicos, os bens jurídicos a serem protegidos e o próprio poder político, seriam de titularidade pública – do povo – enquanto a gestão ficaria restrita a uma classe cujos membros seriam devidamente selecionados para tal, de forma isonômica.

[10] Entendido doutrinariamente como efetividade.

[11] A não pertinência aqui se estabelece em diversos matizes lógico-dedutivos na perspectiva do dever-ser estabelecido no ordenamento jurídico vigente, mas especialmente quanto ao disposto no art. 2º da Constituição da República Federativa do Brasil, aplicado à todos os entes federados em virtude do princípio da simetria.


Informações Sobre o Autor

Einstein Almeida Ferreira Paniago

Professor e coordenador do curso de Direito na Faculdade Alfredo Nasser Conselheiro no CRC-GO gestor fazendário SEFAZ-GO mestre em gestão do patrimnio cultural e mestrando em direito relações internacionais e desenvolvimento PUC-GO


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