O Servidor Público brasileiro na Constituição de 1891

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Sumário: 1. Introdução. 2. O Poder Executivo. 3. Direitos e Garantias Fundamentais.  4. Cargos Públicos. 5. Responsabilidades. 6. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 7. Síntese e Conclusões.

 

1. Introdução.
Florivaldo Dutra de ARAÚJO faz um estudo sobre a evolução da função pública no Brasil precedente à Constituição de 1988.

Primeiramente indica que durante a monarquia, não havendo qualquer sistemática legal, o estudo do instituto da função pública é dificultado.

Lembra os poucos dispositivos a respeito dos servidores públicos e aponta somente dois, a saber:

1) o artigo 15, XVI – incumbência da Assembléia Geral (Câmara dos Deputados e Senado) de criar ou suprimir empregos públicos e estabelecer-lhes ordenados;

2) o artigo 102, IV – incumbência do Poder Executivo para nomear bispos, magistrados e diplomatas além de prover empregos civis e políticos;[1]

3) o artigo 179, XIV – que trazia o estabelecimento do acesso aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença que não fosse a dos seus talentos e virtudes;

4) inciso XXIX mesmo artigo que tratava da responsabilidade dos “empregados públicos” pelos “abusos e omissões praticados no exercício das suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos”.[2]

Em relação à Constituição de 1891, aponta o autor que a mesma não alcançou contribuição para a sistematização do instituto da função pública, embora tenha trazido em seu texto um número maior de dispositivos do que a Carta Imperial.[3]

Faz o mesmo quadro geral da situação do pessoal administrativo nos anos do Império e primeiros anos da República brasileiros nos seguintes termos:

“…havia um grupo de servidores de caráter permanente e estável, e outro, precário e contingente. Os primeiros eram chamados empregados públicos[4]ou funcionários públicos, firmando-se na época republicana a última designação.[5] A estes tornou-se tradicional associar os cargos públicos, organizados em carreiras e quadros. Os agentes em situação precária eram os extranumerários aos quais se associavam funções[6], sem cargos correspondentes, distribuídos em séries e tabelas.[7]

Esta distinção entre servidores permanentes e temporários remonta aos primeiros anos do Império. (…)

Nos primeiros anos da República foram feitas muitas tentativas, sem sucesso, de estabelecer, num corpo legislativo unitário, as normas regentes da função pública. (…)”

2. O Poder Executivo.

O que justifica a presença do tema atual no nosso texto, é a própria caracterização do Poder Executivo como elemento principal e de chefia da Administração Pública. Ao estabelecermos os pontos fundamentais que a nível constitucional tratavam da estrutura desse Poder, poderemos entender a respectiva estrutura e o próprio funcionamento da ligação jurídica dos agentes públicos com o Estado.

A análise das disposições constitucionais da função pública no período republicano inicia-se com a obra de Ruy BARBOSA.

Tal autor  já contava, a respeito do art. 41 da Constituição de 1891, que havia sido proposta a criação de um Conselho Executivo composto de oito membros que exerceria funções de restringir atos do Presidente da República.[8] Conta ainda que sabiamente tal proposição fora rejeitada, pois, desta forma, criaria-se um Executivo “…polycephalo…” sem vigor e poder decisório de ação, qualidades consideradas condições para a própria segurança pública.

Em seguida, tratando da duração do mandato presidencial:

PRAZO DA FUNCÇÃO PRESIDENCIAL – Sobre o prazo da funcção presidencial, a conclusão da Convenção constitucional foi de menos fácil acomodação. Na Constituinte as opiniões variaram entre um longo prazo, com uma cláusula tornando incompatível a pessoa eleita para a reeleição, e um curto prazo, sem nenhuma restrição. Em 1 de Junho, a Constituinte, em comissão geral, votou um prazo de sete annos, e a 2 uma cláusula additiva foi votada, tornando o eleito inelegivel para um segundo período. Em 6 de Setembro, por um voto final, foi o prazo fixado em quatro annos, sem nenhuma restrição sobre a elegibilidade do Presidente quanto aos períodos para os quaes pudesse ser escolhido. Não se verificaram os receios dos que diziam que era tal o poder do cargo que habilitava o seu titular a obter uma indefinida sucessão de períodos. Na prática a opinião publica limitou a elegibilidade a uma reeleição. Alguns, porém, dos nossos principais e mais reflectidos homens publicos têm posto em duvida a sabedoria do periodo de quatro annos, e advogado o de seis, acompanhado da prohibição de um segundo período. E a menos que se não imaginasse algum methodo pelo qual uma parte menos consideravel do periodo de quatro annos fosse dada a ouvir pretendentes a empregos e a fazer nomeações, seria sabio dar ao Presidente, dilatando-lhe o prazo, melhor chança de mostrar o que poderia elle fazer pelo paiz. Deve-se ademais admittir que inelegibilidade para um segundo período, dará á sanção do Executivo maior independencia. Parece, entretanto, improvavel seja feita qualquer mudança no periodo presidencial, a menos que algum inesperado acontecimento ponha em acção uma idéia que actualmente pertence antes ao dominio da theoria que ao da pratica. Nosso povo é sabiamente conservador em assumpto de emendar a Constituição.”[9]

O art.43 da Constituição de 1891 vinha com o seguinte enunciado:

“ O Presidente exercerá o cargo por quatro annos, não podendo ser reeleito para o periodo presidencial immediato.”

Em relação ao assunto pontifica o autor que na evolução política da humanidade, característica fundamental da forma republicana sempre foi a limitação temporal do poder do Chefe da Nação. Demonstra tal fato e explica o mesmo pela reação em oposição ao poder do soberano nas Monarquias por toda a vida.[10]

Outro ponto fundamental a ser destacado é o da posse no cargo de Presidente da República. Para tal, leia-se o art. 44 da Constituição de 1891:

“Ao empossar-se do cargo, o Presidente pronunciará, em sessão do Congresso, ou, se este não estiver reunido, ante o Supremo Tribunal Federal, esta afirmação: “Prometo manter e cumprir com perfeita lealdade a Constituição Federal, promover o bem geral da República, observar as suas leis, sustentar-lhe a união, a integridade e a independência.”

O comentarista constitucional inicia por trazer ao seu texto o princípio de que: “NÃO HÁ FUNCÇÃO DE UM CARGO, SEM O SEU EXERCÍCIO”[11]

Considerado como princípio axiomático pelo mesmo, tanto em matéria administrativa como constitucional, a prática de qualquer função de um cargo requer seja assumido o seu exercício com as solenidades determinadas pela lei. Tais solenidades são estabelecidas para que com a posse se dê o exercício da função de maneira regular.

A Constituição de 1891 trazia o seu art. 48.º com a seguinte redação:

“Compete privativamente ao Presidente da Republica: 2º Nomear e demitir livremente os Ministros de Estado; 3º Exercer ou designar quem deva exercer o commando supremo das forças de terra e mar dos Estados Unidos do Brasil, quando forem chamadas ás armas em defesa interna ou externa da União; 4º Administrar o exercito e a armada e distribuir as respectivas forças, conforme as leis federaes e as necessidades do Governo nacional; 5º Prover os cargos civis e militares de caracter federal, salvas as restrições expressas na Constituição.”

Ao tratar o presente artigo, o comentarista constitucional traz a definição de vitaliciedade e expõe que pela mesma podemos entender o:

“direito de não perder o cargo senão por effeito da sentença judicial”.

Atesta que àquele momento, este era um privilégio da magistratura, de certos ofícios de justiça e do magistério superior[12].

A origem do instituto em análise prende-se ao direito norte-americano no momento em que os Estados Unidos permitiam aos partidos vencedores dos pleitos desfrutassem das possibilidades de usufruir dos cargos públicos existentes. O que se deu no Brasil foi uma simples e imperfeita cópia que acaba por se distinguir do modelo norte-americano, ficando os partidos vencedores de cada pleito acabavam por “colar” para sempre os seus escolhidos aos postos oficiais mais vantajosos pela vitaliciedade[13].

O que acabou se dando foi uma apropriação até mesmo pelas leis da utilização da vitaliciedade a ponto de lançar a mesma as suas raízes na cultura nacional. Há cargos na Administração Pública, e disto não se pode ter dúvida, que realmente necessitam dar aos seus ocupantes certas garantias, sob pena de não se poder definitivamente exercer a função correspondente.

Ruy BARBOSA considera a vitaliciedade um privilégio e só aceita a concessão dos mesmos aos casos onde o bem público o exigir[14]. Demonstra ainda que a Constituição do Império no seu art. 179, § 16º, declarava “abolidos todos os privilégios, que não forem essencial e intimamente ligados aos cargos por utilidade publica”. Acaba por concluir o mesmo que a vitaliciedade só pode ser aceita se declarada constitucionalmente como requisito essencial à própria eficácia da função, característica de sua índole e imprescindível à sua defesa. E, por mais curioso que possa parecer em função dos debates que foram recentemente travados no nosso país, a conclusão de Ruy BARBOSA é que só deveriam ser mantidos como vitalícias as classes da investidura judiciária e as patentes militares[15].

Fora dos casos acima, a vitaliciedade não representaria garantia impessoal da função, mas apenas benefício pessoal do funcionário. Completam esta observação, segundo o autor acima, o art. 73 da Carta Republicana de então, pelo qual eram acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacitação definidas legalmente, os cargos públicos civis ou militares e o art. 179.º, § 14.º da Constituição de 1824, não revogado até então, segundo o qual “Todo cidadão póde ser admitido aos cargos publicos, civis, políticos, ou militares, sem outra diferença que não seja de talentos e virtudes”. As argumentações aqui apresentadas são as de que os princípios esposados nos artigos constitucionais expostos da “…administração pelas capacidades e da concorrência entre as capacidades…”, estariam em desconformidade com um regime onde o cargo se tornaria patrimônio de seu ocupante[16].

Da obra de Ruy BARBOSA, ainda, transcrevemos os seguintes parágrafos:

“Depois elle desnatura e anniquilla o Poder Executivo, paralyzando-lhe a acção prestadia em toda a extensão da sua maior tarefa: a de administrar.  Com um exercito de vitalicios não há governo possivel. Governo é presteza, é celeridade, é subordinação, é responsabilidade nos superiores pelos actos dos subalternos, é confiança dos proponentes nos prepostos; e nada absolutamente disto se concebe, onde cada empregado revestir contra a autoridade dos seus chefes a coiraça da vitaliciedade.

Não tem cotação, a não ser na ordem do ridiculo, o que, a este respeito, se está passando no Brasil. Foi a dictadura de 1891 a 1894 que semeou esta calamidade em pról dos seus amigos. O terreno, propicio a todas as aberrações, recebeu-a avidamente. Da administração federal passou á estadoal, da estadoal á municipal. Somos hoje, em consequencia, a terra dos vitalicios, isto é, a da administração mais tumultuária, mais degenerada, mais incapaz e mais esteril que se conhece entre os povos de alguma consideração.

Uma vez, pois, que, para acudir a esse destempero geral, não podemos contar com as Legislaturas, absorvidas nos interesses das suas facções, tente-se o remedio indispensavel pela Justiça Federal. (Editorial da Imprensa, de 17 de Dezembro de 1899.  Transcripto em Primores, Rio, 1932, pp. 179-184, e em O Divorcio e o Anarchismo, Rio, S. d., pp. 183-187)[17].

No tratamento dado à questão da competência exclusiva do governo para nomear e demitir todos os funcionários com exceção dos vitalícios, apontadas são as falhas de que primeiramente, quanto às nomeações é sabido pela simples leitura da Constituição que a nomeação de classes inteiras de funcionários públicos (nomeclatura da época) era de competência do governo em conjunto com outras autoridades. Serviam de exemplo os magistrados federais que indicados pelo Supremo Tribunal e os Ministros Diplomáticos que tinham as suas nomeações ratificadas pelo Senado.

Diante de tudo isto, não é verdadeira a afirmação de que competia exclusivamente ao governo nomear  todos os funcionários públicos. Já a exoneração dos mesmos não vitalícios é restringida pela lei em diversos exemplos como a seguir: “os collectores federaes e os escrivães não poderão ser demittidos, depois de afiançados, senão por falta de exacção no cumprimento dos seus deveres, ou em consequencia de actos que moralmente os incompatibilizem, para continuar no exercicio de seus cargos. (Decr. n. 4.059, de 25 de Junho de 1901, art. 39º) ” ou “…os funccionarios do quadro do Thesouro Nacional, “quando contarem mais de dez annos de efetivo exercicio, não poderão ser demitidos, salvo havendo contra elles prova de disidia, incapacidade, corrupção ou violação dos seus deveres, apurada em processo administrativo” (Lei n. 2.083, de 30 de Julho de 1909, art. 24.º).”[18]

Neste momento trazemos a opinião de Duguit a respeito do que ocorria na França:

“Enquanto dominava a concepção regalista do Estado, não se podia cogitar de dotar com um estatuto os funccionários. “Corrente era que lhes cumpria ser doceis agentes do Governo a quem devia tocar, discricionariamente, o poder de os nomeare exonerar, de os suspender e remover, de os rebaixar ou promover. Bem cedo, porém, se percebeu, ainda sob a concepção regalista do Estado,  que era necessário assegurar a independência dos funccionarios encarregados do serviço da justiça. Dessa necessidade nasceu a regra antiga da inamovibilidade dos magistrados, a qual outra coisa não é que a outorga peculiar de um estatuto positivo aos funccionarios de certa classe.

Mas, dominados da concepção regalista, quizeram, por muito tempo, os Governos que a norma de subordinação absoluta abrangesse, sem reserva alguma, até os funcionnarios technicos, não annuindo, assim, em lhes reconhecer um estatuto legal.

Hoje,  porém a concepção regalista do Estado vae perdendo a sua preponderancia: a noção de soberania agoniza. Já não se vê no Estado, acima de tudo, um poder soberano de imperante, mas, tão somente, individuos, que detêm, de facto, uma força, e que são obrigados, assim a manter, como a superintender os serviços publicos, especialmente os numerosos serviços publicos technicos, que, com as transformações economicas, vão surdindo.

Desde então se suscitou esta idéa, eminentemente justa, que o melhor meio de obter que os serviços publicos funccionem bem está em conferir legalmente ao funccionario uma situação estavel quanto a todas as vantagens ligadas ao seu cargo, emancipal-o inteiramente do validismo e das influências politicas, assegurar-lhe acessos regulares e, de todo o ponto, subtrail-o a qualquer perigo, não só de exoneração, mas também de remoção ou degradação arbitrárias”.[19]  

Fato é que o Brasil buscou no direito francês as idéias acima relacionadas, mesmo que possam ser consideradas por autores como Ruy BARBOSA contrárias a um bom regime administrativo. Conforme os exemplos já citados anteriormente, as mesmas se incorporaram profundamente na legislação brasileira a ponto de não permitirem exoneração discricionária de alguns funcionários. Os mesmos só eram demissíveis em determinadas condições.

Realmente, o princípio geral que imperava na França era o da exonerabilidade ad nutum, mesmo que com restrições e e exceções. Ruy BARBOSA elenca as seguintes:

“…o acto exoneratorio é submettido, igualmente, aos votos de um Conselho (…) Trata-se do pessoal das varias administrações centraes, negocios estrangeiros, finanças, colonias, obras publicas, instrucção, marinha, agricultura, commercio, justiça, interior, guerra? Trata-se da administração penitenciaria, dos agentes do ministerio de obras publicas, dos condutores de pontes e calçadas? Nestes e noutros casos não será licito resolver definitivamente a exoneração, primeiro que se oiça o Conselho competente, o qual ora é o dos Ministros, ora o dos empregados superiores designados na lei. Esse Conselho examina, discute, consulta e lavra o seu parecer, com que o Governo se póde conformar, ou não.”[20]

Pesquisando a jurisprudência do início deste século, pudemos encontrar a fórmula expressa nos termos de “em quanto bem servir”. Ruy BARBOSA nos explica que o próprio conceito jurídico encerrado na fórmula apresentada está definido pelo seu próprio enunciado. Tal princípio originou-se da sua aplicação na Grã-Bretanha a partir do Act of Settlement, adotado em  1701. Elucida o mesmo:

“Bem servir uma funcção, quando os seus encargos se acham taxados em leis especiais, é, evidentemente, desempenhar esses encargos, não attentando contra elles por acção ou omissão.”[21]

A situação prática de então era a de que quem nomeava poderia demitir, salvo as situações elencadas em que o funcionário era vitalício, era estabelecido prazo inerente ao serviço, ou o funcionário que bem servisse tinha o direito de ser mantido no cargo.

O conhecido juiz Marshal da Suprema Corte norte-americana, no caso Marbury v. Madison já pontificava:

“Quando o funccionario não é demissivel à descrição do Poder Executivo, a nomeação não é revogável, nem se pode annullar. Conferiu direitos legaes, que se não podem retomar.  A discrição do Executivo exercer-se-á emquanto não fizer a nomeação. Consummada esta, o seu poder sobre o cargo terminou, em todos os casos, nos quaes o funccionario não for por elle demissivel.”[22]

Já em relação aos Ministros de Estado, encontramos o seguinte no art. 50.º de nossa primeira Carta Magna republicana:

“Art. 50.º Os Ministros de Estado não poderão acumular o exercício de outro emprego ou funcção publica, nem ser eleios Presidente ou Vice-Presidente da União, Deputado ou Senador.

Paragrafo único. O Deputado ou Senador que aceitar o cargo de Ministro de Estado perderá o mandato, e proceder-se-á immediatamente a nova eleição, na qual não poderá ser votado.”

3. Direitos e Garantias Fundamentais. 

Dentre os vários direitos e garantias fundamentais elencados pela Carta de 1891, o primeiro que é relacionado com a análise da função pública, como veremos a seguir é o direito de petição.

Assim está expresso o art. 72, § 9.º daquela Constituição:

“É permittido a quem quer que seja representar, mediante petição, os poderes publicos, denunciar abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados.”

O comentarista da mesma já alertava para o fato de que ninguém usava este direito em virtude de que:

“ninguem ignora que a responsabilidade se baniu do regimem, que os abusos são os donos do Brasil, que os poderes publicos só têm ouvidos para ouvir a si mesmos”.

4. Cargos Públicos.

O tratamento dispensado aos cargos públicos, civis ou militares, na Constituição de 1891 está expresso no art. 73. daquela Carta. Senão, vejamos:

“Os cargos publicos civis, ou militares, são acessiveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial, que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as accumulações remuneradas.”

Ruy BARBOSA inicia os seus comentários ao artigo acima citado por questionar a nocividade ao interesse público e a imoralidade das acumulações de cargos por uma só pessoa[23]. Explica ele que normalmente as acumulações são nocivas, embora existam situações em que tal não acontece. No caso de então, a Constituição deixara para a lei ordinária a definição dos casos em que a acumulação não era danosa para a Administração Pública. Tendo o legislador ordinário deixado de edita-la, o espírito da norma constitucional não foi obedecido convenientemente.

Para esclarecer  que o sentido da norma constitucional deve ser obedecido na sua interpretação, Ruy declarava:

“As acumulações, por via de regra, prejudicam ao serviço publico, relaxam e desmoralisam a administração. Por via de regra, logo as accumulações devem ser vedadas, como inconvenientes á excellencia dos serviços, que a administração desempenha.”[24]

Neste momento o comentarista da nossa Constituição da República faz análise do que acontecia com os Governos e partidos, denominados de “Governos de arranjos e as clientelas dos partidos”, ao dividirem os cargos públicos como a seguir:

“O acervo dos empregos representa, a esses olhos, um grande bôlo, de que a desaccumulação systematica multiplica as fatias, habilitando os distribuidores a ensanchar o numero de commensaes e satisfazer a maior somma de appetites. Essa politica interesseira tem o seu meio de se recommendar á democracia. Manda embellecar o povo, induzindo-o a suppor que o principio da igualdade exige a partilha dos cargos entre todos os cidadãos. A cada um tem de caber o seu pedaço no despojo. Do bom serviço pouco se cura. Pouco tem com isso o paiz. Quanto mais numeroso o exercito dos servidores,melhor. Eis o que se quer; e, para uma nação de funccionarios, não há doutrina que mais fale á popularidade.”[25]

Alguns tipos de acumulações não foram  incluídas na proibição de acumulação do art. 73 como as de cargos científicos, técnicos e profissionais, congêneres ou dependentes entre si, cujo bem do serviço público só pode recomendar e as inevitáveis, ou necessárias, inseparáveis e interdependentes dos cargos sobre os quais recaiam.

Interessante a disposição do art. 79 que vemos a seguir:

“O cidadão investido em funcções de qualquer dos tres poderes federaes não poderá exercer as de outro.”

A questão relativa a esta impossibilidade de acumulação de funções é levantada por Ruy BARBOSA em debate travado na sua obra em comento[26] a respeito da acumulação das funções de Vice-Presidente e Senador da República. Apontado é que, embora não expressamente declarada, tal proibição da acumulação das funções ocorre em razão da forma de governo escolhida para nosso país. Caracterizando uma Constituição como determinadora dos contornos exatos da escolha do sistema político e apontando como se dará a vida e desenvolvimento da mesma no país que a produzir, justifica o autor a escolha do constituinte representada na impossibilidade de acumulação de funções por uma mesma pessoa em diferentes poderes da República. Demonstra Ruy que:

“Uma Constituição é a caracterização, nitidamente contornada, de um systema politico, indicado nas suas linhas capitaes, entregue, na evolução da sua vida organica, á acção da consciencia popular, confiado, na interpretação das suas consequencias legislativas, á intuição dos homens de estado. A evidencia das regras directrizes, a luz do alto, que desce dos principios, illumina os casos particulares, dictando, a cada occurencia imprevista, a cada combinação dos factos, a solução definida pelas necessidades da harmonia geral.”[27]

Aponta o autor que o ponto em questão iria depender de como a norma constitucional fosse regulada e as exigências mais importantes do sistema determinante da própria regulamentação. Conclui finalmente que, à medida que um princípio ou uma organização forem estabelecidos e formulados na nossa lei maior, tudo o mais, com as devidas ressalvas, que representassem contradição à primeira, deveriam perder qualquer valor legal, digamos assim, por serem inconstitucionais.

5. Responsabilidades.

O art. 82 da Carta de 1891 estabelece que:

“os funccionarios são estrictamente responsaveis pelos abusos ou omissões, em que incorrem no exercicio de seus cargos”.

É de se acrescentar que, mesmo com esta determinação constitucional, a jurisprudência de nosso tribunais, em todas as instâncias, nunca deixaram de considerar e reconhecer a responsabilidade civil da administração[28].

Ainda esclarece o nosso comentarista a questão da seguinte maneira:

“O funccionario é preposto do Estado, e entre preponente e preposto a responsabilidade é solidaria. Declarar, pois, a responsabilidade do preposto não é excluir a do preponente, como declarar a do preponente não seria negar a do preposto. Antes, sendo as duas ligadas entre si, a confissão de qualquer delas será o reconhecimento da outra. Basta, para abonarmos estas proposições, a doutrina expedida por um dos mais insignes mestres de direito administrativo, nas seguintes palavras:

“Si domanda se l’obbligazione dello Stato o delle amministrazioni pubbliche pei fatti dei loro funzionarii deba essere solidale tra l’amministrazione e il funzionario o no. La solidarietá é ammessa dalla giurisprudenza fra piu danneggianti diretti, per la impossibilitá di distinguere il fato dell’uno da quello dell’altro e la influenza respettiva nel risultato del dano, cioé per la indivisibilità della colpa che é il fondamento della obbligazione. Cosi deve essere del pari tra committente e commesso, di fronte ai terzi due complici dello stesso fatto giuridico… Presso di noi la questione è risoluta dall’art. 1.156 del codice civile, e, ci pare anche, dalla ragione di diritto. Perocchè, la solidarietà nasce per natura del fatto giuridico che è il titolo dell’obligazione, cioé la colpa che fà sorgere l’obbligo al risarcimento in tutti coloro in cui essa risiede”.[29]

Neste momento, mister se faz a juntada das lições de Chironi e Sabbatini selecionadas no texto de Ruy BARBOSA que esclarecem a questão:

“Póde affirmar-se como theoria geral a responsabilidade do Estado (commitente) pelo damno proveniente de culpa imputavel aos seus funccionarios (prepotos) nesta qualidade e no exercicio de suas funcções, quando por lei não for estabelecida a sua EXCLUSIVA responsabilidade pessoal ( quando per legge non sai stabilita la loro SOLA responsabilitá personale) CHIRONI. “Colpa contrattuale, 2ª. Ed., n. 230, p.525.” e

“A responsabilidade do Estado e outra  qualquer administração publica pelos actos ilicitos dos seus funccionarios, tanto no que respeita á culpa contratual, quanto á culpa extra-contratual e aquiliana e ao dolo, rege-se pelo Codigo Civil, salvo nos casos, em que a lei consagrar a responsabilidade EXCLUSIVA do empregado publico (salvo i casi in cui per legge sai sancita la responsabilitá ESCLUSIVA dell’ufficiale publico). SABBATINI. L’amministrazione secondo la legge. p. 146”.[30]

Baseado no art. 82 da Constituição da República, o qual manteve em vigor a norma do art. 179, n.29 da Constituição do Império, Ruy declara que o Estado, seja qual for ele, não pode criar categoria de funcionários declaradamente irresponsáveis.[31]

6. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Rica contribuição é a trazida por José Affonso Mendonça de AZEVEDO em sua obra de comentários à Constituição de 1891 através da interpretação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal até o ano de 1924. [32]

A seguir alguns excertos da obra acima referida que nos dão uma boa imagem do pensamento predominante a respeito dos funcionários públicos pelo nosso Tribunal maior no período inicial da República brasileira.

Em comentário ao art. 11, 3º:

“157 – Em face da Const. Da República, art. 11, n. 3, a lei não terá effeito retroactivo sinão em casos admitidos pela doutrina universalmente consagrada, sinão quando não tem deante de si um direito adquirido, nos termos definidos pela lei.

Assim sendo, as reformas administrativas devem assegurar e garantir a situação material dos funccionários publicos por ella atingidos.

A vitaliciedade e a inamovibilidade dos magistrados, quer federaes, quer estadoaes, é uma garantia de natureza social, que não se compadece com o arbitrio do Executivo, na exoneração ou remoção ad libitum, porquanto só no respeito devido a essas duas condições, para o exercício da funcção, reside uma bôa e imparcial administração da justiça – (11-10-1922).”[33]

No que diz respeito aos arts. 16 a 18, dentro da Seção I – Do Poder Legislativo:

“250 – Na attribuição constitucional que tem o Poder Legislativo de fixar a despeza publica e estipular os vencimentos do funccionalismo está incontestavelmente comprehendida a de, salva a restricção do art. 57, § 1º, alteral-os, eleval-os ou reduzil-os, de accôrdo com as conveniencias do momento, não constituindo taes vencimentos direito adquirido no sentido de que uma vez fixado não possam ser diminuidos – (10-7-1912).”[34]

A respeito do art. 48, nº 5:

“320 – O appellado, como official da Directoria dos Correios, era empregado demissivel ad nutum e, portanto, sem direito ao emprego de cujas vantagens foi privado pelo acto do governo, a quem cabe a faculdade de prover os cargos publicos, nomeando e demittindo os empregados, quando o exigir o serviço publico. A faculdade de demittir se limita pela vitaliciedade. Esta, como excepção, estabelecendo vantagens por um lado e onus por outro, só por Lei póde ser concedida, e Lei alguma a estabeleceu para os empregados do Correio.

O Dec. de 1894 (n. 1.692, de 10 de Abril), naquella epoca em vigor, contendo nos seus arts 385 e 386 disposições referentes ás demissões impostas, como penas disciplinares, não póde de modo algum tolher o exercicio da attribuição que tem o governo (art. 48, § 5º, da Constituição), de prover os cargos federaes, na qual está incluida a de demitir os funccionarios, salvas as restrições estabelecidas pela Constituição e pelas Leis.

Não sendo vitalício o emprego de que foi demitido o appelado, a sua reintegração effectuada equivale a uma nova nomeação e não lhe dá direito á percepção de vencimentos durante o tempo em que não exerceu o dito emprego”. – (3-10-1900).”[35]

“321 – A aposentadoria forçada, em cargo não vitalicio, é uma demissão attenuada por uma pensão; é acto legal, não existindo qualquer disposição de Lei que restrinja o arbitrio que a Const. Fed. Conferiu ao Poder Executivo no provimento dos cargos civis e militares. – (9-1-1907).”[36]

“322 – Dos autos não consta em qualquer tempo tenha sido o autor accusado de qualquer falta de exacção no cumprimento dos deveres, ou de qualquer acto que o incompatibilizasse com a continuação no exercício do cargo, estando, pelo contrario, de fl. 10 a fl. 15, provada a correcção com que sempre procedeu.

Os termos do art. 33 do Dec. n. 4.059, de 25 de Junho de 1901, são bem explícitos, e só permittem a demissão do collector em um destes dous casos: 1º, falta de exacção no cumprimento de deveres; 2º, pratica de acto que moralmente incompatibiliza o collector com o exercicio do cargo. Ao Poder Executivo compete demitir o collector, contra quem se arguiu algum desses factos, provando de qualquer modo; mas, é preciso que um edsses factos se verifique, para que o collector possa ser destituido do lugar. A hermeneutica juridica não possue, nem subministra ao interprete das normas do direito segredos, ou meios cabalisticos, por força dos quaes os termos usados pelo legislador nas Leis, ou pelo Poder Executivo nos decretos, tenham significação diversa da que se depara a toda cosnciência sã, a todo espirito probo, que intelligentemente attenta no preceito com o fim de lhe descobrir o sentido. O alludido art. 33, do Dec. de 1901, não encerra termos technicos, expressões proprias da arte do direito, que só aos competentes seja dado penetrar.

O que ahi se preceituou, patenteia-se aos olhos de todos. Sem a verificação de qualquer dos dous factos unidos que  facultam a demissão do collector, este não póde ser privado do cargo. Isto não importa na vitaliciedade. O funccionario, ou empregado vitalicio, só depois de um processo judicial pode perder o emprego, ao passo que no caso do art. 33, mencionado, basta que o Poder Executivo tenha a prova, por qualquer outro modo exibida, de se haver realizado um  dos factos que autorizem a demissão, para que esta se faça legalmente. Temos, portanto, uma modalidade juridica que está entre a vitaliciedade e a demissibilidade ad nutum. Esta, se é necessária, em se tratando de cargos de exclusiva confiança do Poder Executivo, como, por exemplo, os de comandante de forças de terra, ou de mar, de chefe, delegado e sub-delegado de policia, só póde ser nociva quando applicada a cargos que devem estar ao abrigo das mutações politicas. Foi esta, provavelmente, a consideração que dictou o art. 33, do Dec. n. 4.059. Nomeados e demittidos, ao sabor dos interesses de paixões politicas, os collectores não pódem ser os homens probos e cumpridores zelosos de seus deveres, que é mister que sejam.

A única discussão de uma certa gravidade que se póde suscitar ácerca do referido art. 23 do Decreto de 1901. É a concernente á allegação de ser esse artigo mero acto do Poder Executivo. Quanto a esse ponto:

Em um decreto do Poder Excutivo podia ser regularmente incluida, com força obrigatória para o Estado e para os individuos, a disposição do mesmo art. 33. Pelo art. 29, 6º, da Lei n. 746, de 29 de Dezembro de 1900, ficou o Poder Executivo autorizado “a reorganizar o serviço de arrecadação e fiscalização dos fundos da União nos Estados, podendo encarregar dessa cobrança as collectorias estaduaes, de accôrdo com os respectivos governos, aos agentes do Correio, a pessôa idonea devidamente afiançada, bem como crear agencias e recebedorias e restabelecer as collectorias federaes, nos lugares em que qualquer dessas providencias fôr julgada mais conveniente para mellhor assegurar a bôa arrecadação das rendas publicas”. Foi em virtude dessa autorização, dada uma certa amplitude, que o Governo expediu o Dec. n. 4.059, de 1901, que é um daquelles actos do Governo que s denominam regulamentos de administração publica[37]. (…). – (23-4-1913).[38]

Em relação ao art. 60, a respeito da competência para processar e julgar dos juizes ou Tribunais Federais:

“657 – Compete á Justiça Federal o crime commetido  por um empregado federal, em razão e por efeito de seu cargo, desempenho de suas funções e em cumprimento de ordens recebidas de seus superiores. – (5-1-1910).”[39]

“732 – É indiscutivel no estado actual do direito patrio e do estrangeiro o princípio da responsabilidade civil da União pelos prejuizos causados aos particulares pelos funncionarios publicos, orgãos de sua ação, quer essa responsabilidade se funde, como pretende a doutrina civilista, e ensinam os jurisconsultos latinos, na representação, devendo a União responder pelos actos de seus agentes, como todo preponente responde pelos actos de seus prepostos, quer se funde como pretende a doutrina chamada de direito publico, e ensinam os jurisconsultos allemães, nas relações de ordem administrativa ou publica, em ser o funccionario publico orgão da União, devendo attribuir-se a esta, como acto proprio, todo o uso ou exercico da auctoridade ou do poder publico (Const., art. 60, let. c; lei n. 221, de 1894, art. 13; “O Direito”, LXXVII – 495).[40]

“743 – Em face do nosso direito e jurisprudência, só o funccionário publico é responsavel pelos damnos occasionados por seu delicto, principalmente quando não ha conexão directa entre elles e o Poder Publico.

Segundo a doutrina moderna, quando o delicto é imputavel ao funccionario e não á funcção, isto é, quando age fora do espírito de sua funcção, só elle é pessoalmente responsável pelo prejuizo causado (Tirard – “De la responsabilité de la puissance publique” – pags. 48 e 225-228; – Giron – “Le Droit Administratif de la Belgique”, t. 1º, nº 231. – (22-5-1915).”[41]

“745 – A Const. Fed. Consagra expressamente a responsabilidade da União por pejuizos causados aos particulares por actos ou omissões dos seus funccionarios e empregados (Const., art. 60, let. c – P. Lessa – “Do Poder Judiciario” – pags. 154 a 171) – (27-11-1915).”[42]

“746 –  Se o funccionario age sem mandato, usurpando competências e atribuições, seus actos carecem de valor jurídico para obrigar o Estado a responder por elles – (22-7-1916).”

“752 – A União, por expressa disposição do art. 60, letra c, da Const. Fed., é obrigada a ressarcir os particulares dos prejuizos que lhes causar, e entre taes prejuizos não se pódem deixar de incluir os causados por funccionarios federaes.

Neste caso, os militares de terra e mar, que bombardearam a capital de um Estado, incontestavelmente o fizeram, utilisando-se de sua posição de commandante da flotilha do Rio Negro e de inspector da região militar. Fóra do exercicio das suas funções de commandante não podiam elles praticar o acto que cometteram.[43]  Si se utilisaram illegal ou criminosamente, das funções aos mesmos conferidas pela União, constitue esse facto uma condição necessária para que se verifique a hypotese prevista no art. cit. da Const. Fed.; pois, no exercicio legal das suas funcções nenhuma autoridade ou funccionario publico poderá praticar actos, por cujas consequencias seja responsável a União e obrigada a indemnisar – (28-12-1918).”[44]

A respeito do art. 67 da mesma Constituição Federal, apresenta o autor os seguintes arestos:

“1.072 – Discriminam-se as alçadas federal e local, na dualidade das Justiças, pela igual e correspondente differença no caráter das matérias, sem constituir fôro privilegiado, a diversa natureza das duas jurisdicções.

Têm o caracter federal no Districto Federal, que é do dominio da União, como território municpal separado para a capital da Republica, não só matérias de commum applicação nos Estados, mas também peculiares dessa circumscripção federalisada, na adherencia do interesse local, no direito da União, que são da acção governamental desta, conforme as restricções a que está sujeita a respectiva autonomia municipal pelos arts. 34, § 30, e 67 da Constituição da Republica.

Identificam-se no caracter dos empregos publicos para a distincção das materias das duas Justiças tanto a responsabilidade geral, como a civil, que nascem dos crimes dos respectivos funccionarios, e que resultam do mesmo dever contrahido nos corpos para bem desempenhal-os.

A analogia constitucional, com a jurisdicção criminal, attribuida nos crimes de responsabilidade dos empregados publicos federaes, ao Juiz Federal e aos Juizes Seccionaes pelos arts. 95 e 96 do Dec. n. 848, de 1890, para também competir á jurisdicção civil destes Juizes o conhecimento da obrigação originada de taes crimes, como materias implicitas no pensamento de funcções dos Juizes e Tribunaes Federaes, definidas expressamente na Constituição da Republica, attentos os intuitos da instituição do Poder Judiciario Federal, sendo assim ampliada a disposição do art. 15, let. a , do citado Decreto, sobre causas que tenham por origem actos administrativos do Governo Federal[45], ás derivadas do serviço relativo a taes actos.

É de caracter federal o emprego publico, o cargo de Inspetore de Hygiene do Districto Federal, a cujo exercicio foi imputada a obrigação de indemnisar o prejuizo resultante da violencia soffrida, conforme a sua constituição pelo Dec. n. 169, de 1890 para esse serviço administrativo da Republica, o qual, em parte, continuará reservado no mesmo Districto ao Governo da União, depois de organisada sua autonomia municipal, á vista da lei organica n. 85, de 1892.

Trata-se de obrigação pessoal e, portanto, a verificação da competencia jurisdiccional, não prejulga a questão suscitada pelo réo para isentar-se da demandada indemnisação, por Ter obrado na qualidade de subordinado do Governo” – (16-11-1892).[46]

“1.074 – A lei municipal do Districto Federal, que creou a vitaliciedade dos funccionarios municipaes, não é valida por contravir o disposto numa lei do Congresso Nacional. – (12-04-1902).”[47]

No tocante ao art. 72, § 8º:

“1.181 – O direito de locomoção ainda que para o exercicio de uma funcção ou cumprimento de deveres, mesmo de ordem moral, legitima o habeas-corpus.

A vitaliciedade e a inamovibilidade dos juizes não limitam o poder que aos Estados compete de proceder á divisão judiciária do seu territorio para melhor prover á administração da Justiça e attender o interesse publico, comtanto que se resguarde a situação material dos magistrados, cujos logares tenham sido extinctos.

A disponibilidade do funccionario publico ou do magistrado não impede que o Governo o chame para exercer as suas funcções  em outro termo, visto haver sido extincto, como medida de ordem geral, aquelle em que tinha exercicio, uma vez que as vantagens materiaes sejam respeitadas – (28-10-1923).”

Já em relação ao art.72  §20, sobre habeas corpus[48] :

“1.311 – Não se póde dizer ameaçado de constrangimento illegalmente em sua liberdade o funccionario publico que, perante a autoridade competente, é chamado pelos meios ordinarios e justificar-se das faltas e crimes que lhe são imputados no desempenho o cargo – (11-8-1897).”[49]

“1.468 – A requisição para a prisão de um funccionario feita com inobservancia das normas regulamentares dá logar á concessão de habeas-corpus[50] (11-4-1914).”[51]

“1.486-A – Concede-se habeas-corpus ao funccionario federal coagido no exercicio de suas funcções por funccionario estadoal.”

“Nega-se habeas-corpus[52] ao individuo que, estando preso fóra do districto da culpa, foi pronunciado em crime inafiançavel federal por juiz compoetente, que já providenciou para a sua remoção – (27-1-1915).”[53]

“1.486-D – Embora resultante a prisão de crime sujeito á jurisdicção commum, si o paciente é funccionario federal, o juiz federal é competente para conhecer do pedido de habeas-corpus[54] (art. 23, da lei 221, de 1894” – (10-4-1915).”[55]

“1.512 – Não se concede habeas-corpus[56] para assegurar a funccionario dispensado das funcções que exercia – (18-4-1917).”[57]

Em relação ao art. 73 da Constituição Federal de 1891, o qual tratava da acessibilidade aos cargos publicos concomitantemente com a vedação das acumulações remuneradas são decisões encontradas na obra de AZEVEDO:[58]

“1.670 – Si o funccionario aposentado está incluido no art. 7, do Dec. 117, de 1892 póde exercer qualquer emprego ou comissão; o art. 73, da Const. Se refere á acummulação de argos publicos remunerados (Acc. 971, de 8-4-1905) – (5-7-1909).”[59]

“1.672 – O S.T.F. em innumeros Accordãos tem condemnado a Fazenda Nacional no caso de demissão de funccionarios da Fazenda e outros, que contam mais de 10 annos de effectivo exercicio – (27-5-1910).”[60]

“1.673 – O dispositivo final do art. 73, da Const., prohibindo as acumulações remuneradas[61] , não pode, nem deve ser applicado com tamanho rigor, que exclua a percepção simultanea de dinheiros publicos por um só individuo, em compensação de quaesquer funcções, comissões ou empregos. É mistér distinguir quaes são realmente as accumulações que o legislador tem em mente vedar, como prejudiciaes ao serviço publico e á moralidade administrativa. Em primeiro logar é de attender que a Const. Fed., nada tendo que ver com a applicação dos dinheiros dos Estados e Municipios e com os direitos dos seus respectivos funccionarios, falando de modo geral – não deve ser entendida, no seu citado dispositivo, como abrangendo sinão dois ou mais empregos federaes; em segundo logar, não é menos de se attender á especie dos empregos accumulados – (14-12-1910).”[62]

“O art. 73. Da Const., prohibe a accumulação de dois cargos remuneradas, mas não a accummulação dos vencimentos de uma aposentadoria ou jubilação e os de um cargo; e a razão é que  – do exercicio simultâneo do dois cargos póde resultar que um delles seja prejudicado, emquanto nenhum prejuizo póde resultar para o serviço publico da accummulação dos vencimentos de uma aposentadoria e de um cargo – (13-9-1911).”[63]

“1.681 – A Const. Não veda que a lei ordinaria, para bom desempenho do cargo, estatúa a vitaliciedade do funccionario – (14-5-1914).”[64]

“1.701 – O funccionario publico não tem direito adquirido ao exercicio de um cargo administrativo extincto, nas só ás vantagens inherentes ao cargo.

Tratando-se de um official de marinha, o seu direito é ás honras e vantagens da patente – ( 27-4-1918).”[65]

“1.702 – É nullo o acto do governo estadoal que em execução de uma nova lei, priva o funcionnario das vantagens do cargo que exercia e ás quaes havia adquirido direito, por contar mais de 5 annos de exercicio, na forma da lei vigente ao tempo da sua nomeação.

Ainda mesmo que fosse rigorosamente constitucional, que não é, a disposição da lei delegando ao Executivo a attribuição privativa do Legislativo de supprimir empregos como e quando lhe parecesse conveniente, essa disposição era limitada por outra que garantia a indemissibilidade aos funcionnarios com mais de cinco annos de exercicio.

O S.T.F. tem, por numerosos Accs., decidido que os funccionarios vitalicios não podem ser privados das vantagens dos respectivos cargos, nem mesmo no caso de supressão destes.

Ora, o funccionario vitalicio[66] só se distingue do indemissivel[67] em que adquire direito ao cargo pelo facto da investidura, não o perdendo senão em virtude de sentença judicial, ao passo que o indemissível só adquire tal direito depois de certo tempo de exercício e poderá perdel-o se for encontradop em falta grave, apurada mediante processo administrativo.

Realizada a condição do exercicio, o direito do indemissivel merece o mesmo respeito que o do vitalício. E, assim,si este não póde ser privado das vantagens do cargo, nem mesmo no caso de supressão delle, também aquele não pode sel-o – (22-5-1918).”[68]

“1.704 – A gratificação por antiguidade, gratificação addicional e gratificação pro labore facto não se confunde com a gratificação pro labore faciendo[69]ella se agrega ao ordebado e assim compete ao aposentado quando a lei que lhe regula a aposentadoria se limita a dizer que lhe competem os vencimentos integraes ou pelo menos o ordenado integral.

É legal a lei que regulando a aposentadoria dos funccionarios lhes estabelece vantagens inferiores ás que percebem na actividade.

A solução contraria viria de encontro ao conceito juridico do ordenado, que sendo uma retribuição de serviços, só é um direito para o funccionario que os presta ou está disposto a prestal-os – (19-6-1918).”[70]

“1.705 – O funccionario nomeado por concurso, uma vez extincto pelo Governo o seu logar, tem o direito de perceber os vencimentos do seu cargo até ser nomeado para outro de iguaes ou de maiores vencimentos – (17-7-1918).”[71]

“1.707 – Realizadas as condições legaes da indemissibilidade, o funccionario publico que goza dessa garantia adquire direito ao cargo, de cujas vantagens não póde mais ser privado em virtude de lei posterior – (21-9-1918).”[72]

“1.708 – A estabilidade do funccionario é de interesse publico, porque do exercicio permanente da função resulta para elle um progressivo augmento de capacidade qualitativa e quantitativa de trabalho.

Esta consideração por um lado e por outro o principio contido no art. 73, da Const., tem dado origem, no actual regimen, a leis e regulamentos, que restringem cada vez mais o arbitrio do Executivo, nas demissões, estando já em, discussão numa das casas do Congresso um projecto de “Estatuto dos Funccionarios Publicos”.

Não foram outras as razões que determinaram Juizes e Tribunaes a darem á clausula – “serão conservados emquanto bem servirem”, – que no antigo regimem não significava uma garantia de estabilidade, como bem o accentua ARAÚJO Castro, na sua monographia – “Estabilidade dos Funccionarios Publicos”, a interpretação que hoje tem, é que irretorquivelmente fundamentada no Acc. Deste T., n. 2.132, de 13 de outubro de 1915.

Com effeito, desde que a lei assegura ao funccionario publico o direito de ser conservado no cargo emquanto bem servir, é inadmissivel a sua destituição sem que haja incorrido em faltas indicativas de que serve mal.

A não motivação do acto demissorio é por si só uma presumpção da illegalidade do mesmo acto – (27-11-1918).”[73]

“1.709 – Nos regimens democraticos o acesso aos cargos publicos não é uma mercê, não é um favor, é um direito e esse direito a nossa Const. o consagra no art. 73, sujeitando-o apenas a uma condição – a prova de capacidade para exercer o cargo.

De onde é logico concluir-seque, dada essa prova, e investido no seu cargo o seu titular, só poderia delle ser destituido com a perda da capacidade, devidamente verificada – (27-11-1918).”[74]

“1.710 – Conforme jurisprudencia do S.T.F., consagrada nos Accs. n. 1.516, de 30 de setembro de 1914 e n. 2.154, de 29 de julho de 1916, se firmou que as accumulações remuneradas são, expressamente e em absoluto, vedadas pelo art. 73, da Const. Fed., quaesquer que sejam as origens de onde emanarem as accumulações, a não ser que venham ellas expressas e facultadas na mesma Const., como succede em relação ao art. 23.

Nenhuma procedencia tem o argumento de que o subsidio póde ser accumulado, por não ser elle considerado como remuneração ao exercicio de uma funcção; mas um simples auxilio aos que exercem o mandato popular, porquanto o que a Const. terminantemente veda é a accumulação de remunerações, sendo sómente licito aos que accumulam funcções remuneradas optar livremente por uma das remunarações – (2-12-1918)[75].

“1.711 – Devem ser reconheidos os direitos á vitaliciedade de um professor do curso secundario de um Estado, desde que o foram expressamente estatuidos por lei vigente ao tempo da sua nomeação – (2-12-1918).”[76]

“1.712 – A disposição do art. 73, da Constituição da Republica, vedando as accumulações remuneradas, é applicavel aos funccionarios aposentados – (4-1-1919).”[77]

“1.714  – A prohibição de accumulação de cargos publicos remunerados, tradicionalmente consagrada pelo nosso direito no regimen extincto, foi erigida em preceito constitucional de carater geral e absoluto pelo art. 73, da Const. da Republica.

Para bem accentuar-lhe o caracter de generalidade, o legislador constituinte o subordinou ao titulo  Declarações de Direitos e na sua redacção usou das expressões cargos publicos civis ou militares[78] para comprehender os cargos fereraes, estadoaes e municipaes, vitalicios ou temporarios, e das palavras accumulações remuneradas[79], para abranger toda especie de remuneração por serviços em cargos publicos – ordenados, gratificações, subsidios, pensões, etc.

Redigido de modo tão claro e positivo, o art. 73, da Const. não comporta as distincções com que o legislador ordinario e o Poder Executivo tentaram modificar a rigidez da prohibição, della excluindo as accumulações remuneradas de cargo federal com estadoal, ou municipal, de subsidio com vencimentos, ou pensões de aposentadoria e outras.

O Tribunal, depois de alguma vacillação na interpretação do art. 73, fixou o seu verdadeiro sentido e tem applicado nos seus ultimos julgados com todo rigor a prohibição, que elle encerra, declarando contrararias ao pensamento, que a ditou, as distincções feitas pelas leis ordinarias e pelos actos do Executivo – (14-5-1919).”[80]

Em  relação ao art. 74 – o qual garantia a inamovibilidade, em toda a plenitude, das patentes, dos postos e cargos, temos alguns exemplos:

“1.748 – O art. 74 da Const. garante os cargos inamoviveis em toda a sua plenitiude.

Os lentes substitutos da Escola Militar, ex vi legis[81], são empregados vitalicios, e não pódem perder os seus logares ou ser administrativamente jubilados contra a sua vontade senão nos casos previstos no respectivo regulamento – ( 27-11-1895).”[82]

“1750 – “Não é contrario ás disposições  da Const., o Decreto que estabelece a reforma compulsória do appellado, porque tal reforma não importa perda da patente nem do posto; ao contrario, continua o assim reformado no goso das vantagens que lhe assegura esta mesma patente na situação em que a lei reguladora da reforma a collocou e nas condições estatuidas.

Assim não foi o appellado privado de sua patente, aliás garantida pelos arts. 74 e 76, da mesma Const..

Embora equivalentes, a reforma e a apoosentadoria não são termos synonimos, e bem differem em seus effeitos e consequencias; pois esta é uma graça concedida aos funccionarios que se invalidaram no serviço publico, e aquella (a reforma) um direito que tem o militar depois de certo numero de annos de serviço e que não lhe póde ser negado; ou um descanso que lhe é concedido por não poder, pela idade que attingio, desempenhar os serviços e as commissões inherentes ao posto que occupa; ou finalmente um castigo que lhe é inflingido por sentença. Não tem, pois, applicação ao caso sujeito o art. 75, da mesma Const. que apenas se refere á aposentadoria, e que assim não póde regular a reforma dos militares – (9-11-1904).”[83]

“1.751 – A garantia constitucional dos cargos inamoviveis firmada no art. 74, da Const., é geral, comprehensiva dos cargos federaes, tanto como dos estadoaes, anteriores ou posteriores ao actual regimem – (10-11-1906).

Cf. 6-11-1912.”[84]

“1.752 – Provido em cargo vitalicio, vitaliciedade que não é privilegio da pessoa, mas do proprio cargo, para seu bom desempenho, não podia ser o funccionario privado por lei e acto do Governo do Estado, sem infracção dos arts. 11, n.3, da Const. Fed., que veda effeito retroactivo á lei garantindo assim direitos adquiridos, e 74, que declara garantidos em toda a sua plenitude os cargos inamoviveis. Não procede a allegação de que a Const. só garante a vitaliciedade dos cargos que ella declara taes, desde que ella não veda que a lei ordinária, para bom desempenho do cargo, estatua a sua vitaliciedade.

O art. 63, da Const., declarando que o Estado reger-se-á pela Const. e pelas leis que adoptar, acrescentou – “respeitados os principios constitucionaes da União” -; não lhes é, pois, permitido agir com violação dos textos constitucionaes expressos supra mencionados – (14-5-1914).”[85]

“1.755 – Os cargos publicos são creados para satisfazer as exigencias do serviço publico e não para attender aos interesses dos funccionarios; assim é licito ao poder publico supprimir o cargo, quando julgar conveniente, garantindo, porém, os vencimentos dos funccionarios, ou que tiverem sido nomeados por prazo certo – (21-10-1922).”[86]

“1.756 – O que o art. 74 da Const. garante é o cargo vitalicio tal como é estabelecida a vitaliciedade pela lei do Estado – (19-12-1923)”.[87]

O art. 75 da Constituição de 1891 tratava da aposentadoria dos funcionários publicos em caso de invalidez “no serviço da nação”. Temos alguns arestos a este respeito:

“Art. 75 – 1757 – É illegal a reforma do official da Força Publica do Districto Federal si lhe faltou a condição constitucional da invalidez ao serviço da Nação – (23-6-1906).”[88]

“1.758 – A palavra – aposentadoria – jamais se applicou a militares, sendo apenas referente a funccionarios civis.

A Expressão – funccionarios publicos[89]também não se usa com aplicação a militares.

De militares se diz reforma e não aposentadoria[90]. Não foi intuito do legislador constituinte sujeitar a reforma á mesma condição de invalidez que estabelece para a aposentadoria, sem dúvida inspirada nos grandes interesses nacionaes que a lei da compulsoria, já então em vigor, teve em vista resguardar – (5-10-1907).

Cf. 6-6-1908; 11-5-1911; 10-6-1911.”[91]

“A aposentadoria só póde ser dada aos funccionarios publicos em caso de invalidez ao serviço da Nação. Na expressão – funccionarios publicos – comprehendem-se os magistrados.

A invalidade é estado de facto que póde e deve ser provado por exame directo e pessoal. A idade de 70 annos constitue uma presumpção, mas não a prova desse facto, pelo que é inconstitucional a lei 1.338, de 9 de janeiro de 1905, na parte em que autorisa o Executivo a aposentar o magistrado desde que atinja a idade de 70 annos – (2-12-1907).”[92]

“1.762 – Só é permittida a aposentadoria dos funccionarios publicos em caso de invalidez no serviço da Nação – (27-5-1914).”[93]

“1.763 – Si a invalidez não é verificada de accôrdo com as normas legaes, deve ser annulada – (19-8-1914).”[94]

“1.764 – Em face do art.75, da Const., não se póde dar a aposentadoria por invalidez presumida – (14-11-1914).”[95]

“1.765 – O Acc. de 4-10-1919 manteve o Acc. da Relação da Bahia que decidio que a Const. Federal firma como base da aposentadoria a invalidez absoluta, deixando á lei ordinaria determinar as condições e forma porque deve ser concedida.”[96]

Em relação ao art. 79, o qual proibia que o cidadão brasileiro investido em funções de qualquer dos tres poderes federaes exercer as de outro, não foi encontrado nenhuma decisão jurisprudencial na obra pesquisada.

Já a respeito do art. 82 – o qual tratava da responsabilidade dos funcionários públicos pelos abusos e omissões que incorressem no exercício de seus cargos, além da indulgência, ou negligência em não responsabilisarem efetivamente os seus subalternos – foram achadas algumas decisões:

“1.885 – Admittido o principio da responsabilidade do Estado pelo damno aos particulares causado por funccionarios publicos no exercicio de suas funcções e, quando por lei não esteja estabelecida a responsabilidade pessoal destes, a responsabilidade do Estado Dederal ou União não póde abranger senão o que resulta de actos dos próprios funccionarios della, quando nessa qualidade obram de modo contrario ao direito ou faltam ao dever prescripto por lei ou della decorrente; mas, nunca estender-se aos actos praticados por agentes fóra de sua jurisdicção e sujeitos a outro differente poder.

A doutrina contraria fôra não só a derogação dos princípios de direito que regem a responsabilidade, mas ao mesmo tempo seria subversiva dos que fundamentam a discriminação das competencias federal e estadoal (4-12-1897).”[97]

“1.886 – Indisputável é a responsabilidade civil do Estado pelos damnos causados aos particulares pelos funccionarios publicos, orgãos de sua acção, ficando-lhe salvo o direito regressivo contra estes, para haver o que houver pago pelos abusos ou omissões (Const., art. 82) – (28-7-1898).”[98]

“1.887 – Responsável é o Estado pelos actos praticados por orgãos de sua Constituição política, quaes o Governador e a Assembléa Legislativa – (16-9-1899).”[99]

“1.891 – O Estado só responde pelos damnos causados pelos seus agentes ou representantes quando estes procedam nesta qualidade, no exercicio das funcções que lhes foram confiadas, e de accordo com as instrucções, senão certas< que se presumem recebidas, ,as não quando excedem suas atribuições, ou quando, deixando o seu papel de agentes do Estado, praticam actos abusivos e contrarios aos legitimos interesses que teriam de representar, casos em que lhes é pessoal a responsabilidade dos actos que praticaram, e nenhuma resulta para o Estado – (18-12-1901).”[100]

“1.906 – Consoante a jurisprudência tranquila do S.T.F. e a lição das mais reputadas culturas de Direito, não é o Estado responsável civilmente pelos actos do Poder Judiciário, senão em casos expressamente declarados em lei: entre nós, sómente quando, em consequencia da revisão pelo S.T., se der a rehabilitação do condemnado (C.P., art. 86), e uma vez que não se verifique nenhuma das hypotheses do art. 84, da lei n. 221, de 1894.

Para determinar a responsabilidade do Estado, diz GIARDI, no “Primo Trattato Completo de Orlando”, vol. I – 445, não é possivel prescindir da culpa in elegendo ou in vigilando[101].Em consequencia desse principio, o Estado não é responsavel pelos damnos que derivam de uma prisão arbitraria ou de uma accusação intentada sem fundamento, pelo Ministerio Publico, embora tenha o accusado soffrido injustamente a prisão preventiva.

O resarcimento dos damnos causados á victima da prisão preventiva, quer a cargo do Estado, quer dos magistrados culpados, continúa a ser um desideratum para nossa legislação.

As faltas commetidas pelas autoridades judiciarias, escreve SOURDAT, não empenham a responsabilidade do Estado, porque a administração da Justiça é um dos privilégios da soberania.

Para GIORGI: ainda os mais ardentes propugnadores da responsabilidade civil illimitada do Estado, tem entendido que não é possivel reduzir os magistrados á condição de prepostos e continuam a fazer votos para que em leis especiaes se reconheça a responsabilidade do Estado pelos actos dos magistrados.

CESARIO CONSOLO, citando LAURENT, nel “Trattato del resarcimento del damno”, escreve: “Lámministrazione della giustizia e l’insegnamento sono servizi publici, peró i giudici egli insegnanti non sono preposti e lo Stato non é committente dia i suoi ordini, ma come organ della sovranittá nazionale.”

Mas, dado de barato que o Estado seja responsável civilmente pelos actos dos seus magistrados, mesmo assim a presente acção seria improcedente, porque si, houve prejuizos, seu ressarcimento deveria ocorrer antes por conta do Estado de Pernambuco, cujas autoridades administrativas praticaram a violencia soffrida peloo autor, sem a desculpa de que apenas satisfizeram uma requisição, desde que esta foi feita com inobservancia do Dc. N. 39, de 1892, que dispões que a extradicção de criminosos será feita mediante requisição da autoridade policial judiciaria dos Estados, por intermedio de seus Governadores.

Não se diga que por se tratar de um casourgente, a requisição podia ser feita pelo Juiz directamente á autoridade policial, porque o citado Decreto só permitte que assim se pratique, isto é, que a extradicção possa ser reclamada e satisfeita pelas autoridades policiais ou judiciarias competentes directamente entre si, nos casos que não admitam demora, sempre entre muncipios confinantes de Estados differentes[102] (5-7-1920).”[103]

7. Síntese e Conclusões

A primeira observação a ser feita a respeito do encontrado sobre o tratamento dado ao tema objeto do nosso estudo diz  respeito aos próprios cargos públicos e o seu exercício.

Encontramos que já àquela época, nas matérias administrativa e constitucional, a prática da função de um cargo requeria o mesmo fosse  assumido o seu exercício com as solenidades determinadas pela lei. Isto para que fosse dado o exercício da função de maneira regular.

O tema da vitaliciedade, ou seja, o direito de não perder o cargo senão em virtude de sentença judicial, tratado pelos autores de então, era privilégio da magistratura, de certos ofícios de justiça e do magistério superior.

Originado nos Estados Unidos da América o tema da vitaliciedade chegou ao Brasil imperfeitamente copiado e permitiu que os partidos vencedores de cada eleição conseguiam que os seus favorecidos não saíssem nunca mais dos cargos públicos que lhes eram presenteados.

A vitaliciedade acabou por transformar-se em um produto cultural no nosso país. Não era descabido, porém, afirmar já àquela época que certos cargos da administração pública necessitavam dar aos seus ocupantes garantias que possibilitassem ao seu ocupante o exercício da função correspondente.

A Constituição de 1891 trazia, o direito de petição para quem desejasse representar  os poderes publicos para denunciar abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados.

O comentário que se tem daquela época, porém, chama a atenção para o fato de tal preceito não ser utilizado em virtude de que a responsabilidade do Estado fora abolida na prática.

O tratamento dispensado aos cargos públicos, civis ou militares, na Constituição de 1891 está expresso no art. 73 da mesma. Pelo mesmo os cargos publicos civis, ou militares, eram acessiveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial, legalmente determinadas.

Ressalte-se, porém,  que eram desde então vedadas as acumulações remuneradas de cargos públicos.

A Constituição deixou para a lei ordinária a definição dos casos em que a acumulação seria permitida por não ser danosa aos interesses da Administração Pública. O legislador ordinário não cumpriu o seu dever de editar tal legislação o que tornou o intuito da norma constitucional sem aplicação conveniente.

Os cargos públicos eram como um grande bolo que era fatiado e distribuido entre os interessados.

Tal política era forma de enganar com boas aparências o povo incutindo-lhe a idéia de que por uma questão de igualdade, os cargos deveriam ser partilhados entre todos os cidadãos.

Já àquela época a preocupação com a prestação de bons serviços era inexistente.  Entendia-se que quanto maior o número de servidores, melhor.

Permitidas eram as acumulações como as de cargos científicos, técnicos e profissionais, congêneres ou dependentes entre si. Também eram permitidas para o bem do serviço público, as acumulações inevitáveis, ou necessárias, inseparáveis e interdependentes dos cargos sobre os quais recaiam.

Já na nossa primeira Constituição estava prevista a impossibilidade de um cidadão titularizar funções de mais de um poder.

Os cargos públicos civis ou militares eram acessíveis a todos os brasileiros, de acordo com os elementos legais que verificassem a capacitação dos que pretendiam neles ingressar.

O que podemos constatar é uma semelhança impressionante das discussões que se dão hoje em dia a respeito de alguns direitos dos funcionários públicos e de como estes últimos têm-se comportado desde o início da nossa República.

A análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já aponta para as discussões a respeito de temas como:

reformas administrativas assegurando e garantindo, ou não,  a situação material dos funcionários publicos por elas atingidos – a jurisprudência encontrada garante e assegura as mesmas;

a possibilidade do poder legislativo, no que concerne aos vencimentos do funcionalismo, de alterar os mesmos de acordo com as conveniencias do momento;

vitaliciedade;

responsabilidade da administração pública e dos funcionários públicos;

habeas corpus;

acessibilidade e não acumulação de cargos públicos;

inamovibilidade;

aposentadoria por invalidez no serviço público – aqui o artigo da Constituição reformado pela Emenda Constitucional Nº 66 acrescentou a obrigatoriedade do funcionário a ser aposentado contasse com pelo menos 30 anos de serviço público;

A análise da nossa primeira Constituição republicana impressiona pela constatação da atualidade de alguns temas nela constantes e aponta para a existência já àquela época de problemas atuais da administração pública.

Notas
[1] ARAÚJO (1998) Ob. cit. ant. p. 152.
[2] ARAÚJO (1998) Ob. cit. ant. p.153.
[3] ARAÚJO (1998) Ob. cit. ant. p.154.
[4] Grifo do autor.
[5] Apud CRETELLA JÚNIOR Ob. cit. p 89-102.
[6] Grifos do autor.
[7] Apud TÁCITO. O Estatuto de 1952 e suas Inovações. RDA, 1953. P.6
[8] BARBOSA, Ruy “Commentarios Á Constituição Federal Brasileira” – Vol III – p. 9.
[9] Ob. cit. ant. pp. 10 – 11.
[10] Ob.cit ant. p. 161 – 162.
[11] idem Ob.cit ant. p. 167.
[12] Constituição do Império, art. 155. Constituição da Rep., art. 57. Dec. nº 1.159, de 3 de Dezembro de 1892, art. 27. (Vitaliciedade de Funccionario Publico. Revista Forense, Volume VII, fasciculo 37.º. Bello Horizonte, 15 de Janeiro de 1907, p.43). apud  BARBOSA, Ruy. Ob.cit. ant. p.221.
[13] Ob.cit. ant. p.222.
[14] Ob.cit. ant. p.223.
[15] Ob. loc.cit.ant.
[16] Ob.cit. ant. p. 224.
[17] Ob.cit. ant. p.225.
[18] Ob.cit. ant. p.226.
[19] Duguit, Leon. Traité de Droit Constitutionnel, V.I, n.82, p.486 apud BARBOSA, Ruy. Ob.cit. ant. ps.227-228.
[20] BARBOSA, Ruy. Ob.cit. ant. p. 230.
[21] BARBOSA, Ruy. Ob.cit. ant. p. 239.
[22] Marbury v. Madison, I Cranch 162 2 L. ed. 68. – L. M. Salmon: History of th Appointing Power of the President. Papers of the American Historical Association, vol. I, n. 5, pg. 41. Apud BARBOSA, Ruy. Ob.cit. ant. p. 240.
[23] BARBOSA, Ruy. “Commentarios Á Constituição Federal Brasileira” – Vol VI –  p. 197.
[24] BARBOSA, Ruy. Ob. cit. ant. p.198.
[25] idem, ibidem
[26] BARBOSA, Ruy. Ob. cit. ant. p. 271.
[27] BARBOSA, Ruy. Ob. cit. ant. p. 272.
[28] BARBOSA, Ruy. Ob. cit. ant. p.399
[29] Meucci: Instituzioni di diritto aministrativo, 3ª ediz., pag. 310. Apud BARBOSA, Ruy. Ob. cit. ant. p.400. Tradução: “Se pergnta se a obrigação do Estado ou da administração pública pelos fatos dos seus funcionários deva ser solidária entre a administração e o funcionário ou não. A solidariedade é admitida pela jurisprudência no meio de mais danos diretos, pela impossibilidade de distinguir o fato de um daquele do outro e a influência respectiva no resultado do dano, isto é pela indivisibilidade da culpa que é o fundamento da obrigação. Assim deve ser da comparação entre quem causa o dano e quem o sofre, de frente aos terceiros dois cúmplices do mesmo fato jurídico… Junto a nós a questão é resolvida pelo art. 1.156 do código civil, e, parece também que, da razão do direito. Mas  ainda, a solidariedade nasce pela natureza do fato jurídico que é o titulo da obrigação, isto é a culpa que faz surgir a obrigação ao ressarcimento em todos aqueles nos quais essa reside.”
[30] BARBOSA, Ruy. Ob. cit. ant. p.401
[31] BARBOSA, Ruy. “O Impeachment” na Constituição da Bahia, Bahia, 1906, p. 27; Diario da Bahia, de 6 de Janeiro de 1906). Apud Ob. cit. ant. p.402
[32] AZEVEDO, José Affonso Mendonça de. “A Constituição Federal interpretada pelo Supremo Tribunal Federal ( 1891 – 1924)” – Rio de Janeiro: Tipografia da “Revista do Supremo Tribunal”, 1925.
[33] Ob. cit. ant. p. 51.
[34] Ob. cit. ant. p. 82.
[35] Ob. cit. ant. p.108.
[36] Ob. loc. cit. ant.
[37] Grifo do autor.
[38] Ob. cit. ant. pp. 108 – 112.
[39] Ob. cit. ant. p. 203
[40] Ob. cit. ant. p. 218.
[41] Ob. cit. ant. p. 220.
[42] Ob. loc. cit. ant.
[43] Grifo do autor.
[44] Ob. cit. ant. p. 221.
[45] Grifo do autor.
[46] Ob. cit. ant. pp. 307 – 308.
[47] Ob. cit. ant. p. 308.
[48] Grifo nosso.
[49] Ob. cit. ant. p. 381.
[50] Grifo do autor.
[51] Ob. cit. ant. p. 406.
[52] Grifos do autor.
[53] Ob. cit. ant. p.423.
[54] Grifo do autor.
[55] Ob. loc. cit. ant.
[56] Grifo nosso.
[57] Ob. cit. ant. p.432.
[58] AZEVEDO, Ob. cit. ant.
[59] Ob. cit. ant. p. 457.
[60] Ob. loc. cit. ant.
[61] Grifo do autor.
[62] Ob. loc. cit. ant.
[63] Ob. loc. cit. ant.
[64] Ob. cit. ant. p. 459.
[65] Ob. cit. ant. p.463.
[66] Grifos do autor.
[67] Grifo do autor.
[68] Ob. cit. ant. pp. 463-464.
[69] Grifos do autor.
[70] Ob. cit. ant. p. 464.
[71] Ob. loc. cit. ant.
[72] Ob. cit. ant. pp. 464 – 465.
[73] Ob. cit. ant. p. 465.
[74] Ob. cit. ant. p. 465.
[75] Ob. cit. ant. pp. 465 – 466.
[76] Ob. cit. ant. p. 466.
[77] Ob. loc. cit. ant.
[78] Grifos do autor.
[79] Grifos do autor.
[80] Ob. cit. ant. p. 467.
[81] Grifo do autor.
[82] Ob. cit. ant. p. 473.
[83] Ob. cit. ant. pp. 473 – 474.
[84] Ob. cit. ant. p. 474.
[85] Ob. loc. cit. ant.
[86] Grifo do autor
[87] Ob. loc. cit. ant.
[88] Ob. cit. ant. p. 475.
[89] Grifos do autor.
[90] Grifo do autor.
[91] Ob. loc. cit. ant.
[92] Ob. loc. cit. ant.
[93] Ob. cit. ant. p. 476.
[94] Ob. loc. cit. ant.
[95] Ob. loc. cit. ant.
[96] Ob. loc. cit. ant.
[97] Ob. cit. ant. pp.507 – 508.
[98] Ob. cit. ant. p. 508.
[99] Ob. loc. cit. ant.
[100] Ob. cit. ant. pp.508-509.
[101] Ob. cit. ant. p. 511.
[102] Grifos do autor.
[103] Ob. cit. ant. pp 511-512.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Francisco Mafra.

 

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.

 


 

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