Supralegalidade do artigo 6º do Decreto nº 5.450/05


Resumo: O artigo 6º do Decreto nº 5.450/05 extrapola os limites da legislação pertinente a licitações na medida em que determina a inaplicação da modalidade Pregão para obras de engenharia, criando assim vedação inexistente, extrapolando sua função normativa.


A Constituição Federal Brasileira traz em seu artigo 59, a seguinte disposição:


“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:


I – emendas à Constituição;


II – leis complementares;


III – leis ordinárias;


IV – leis delegadas;


V – medidas provisórias;


VI – decretos legislativos;


VII – resoluções.


Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.”


Desse modo, registrando esse dispositivo, teremos melhor compreensão do texto a seguir desenvolvido;


Assim, no sistema constitucional Brasileiro, há essa escala normativa sendo que não há uma hierarquia entre essas normas, mas tão somente uma questão de esfera de atuação, de tal maneira que matérias afetas a determinadas normas não podem ser reguladas por outras;


A respeito, veja-se o ensinamento doutrinário de Celso Bastos (‘‘Curso de Direito Constitucional’’, Saraiva, 1989, 11ª ed., p. 308): ‘‘Não existe hierarquia entre as espécies normativas elencadas no art. 59 da Constituição Federal. Com exceção das Emendas, todas as demais espécies se situam no mesmo plano.


A lei complementar, por exemplo, não é superior à lei ordinária, nem esta é superior à lei delegada, e assim por diante. O que distingue uma espécie normativa da outra são certos aspectos na elaboração e o campo de atuação de cada uma delas. Lei complementar não pode cuidar de matéria de lei ordinária, da mesma forma que a lei ordinária não pode tratar de matéria de lei complementar ou de matéria reservada a qualquer outra espécie normativa, sob pena de inconstitucionalidade. De forma que, se cada uma das espécies tem o seu campo próprio de atuação, não há falar em hierarquia. Qualquer contradição entre essas espécies normativas será sempre por invasão de competência de uma pela outra. Se uma espécie invadir o campo de atuação de outra, estará ofendendo diretamente a Constituição. Será inconstitucional.’’


Acompanhando essa linha de raciocínio, considerando a função do decreto nº 5.450/05, qual seja, regulamentar o pregão na modalidade eletrônica, a qual foi instituída pela Lei nº 10.520/02, temos como absolutamente inviável que o mesmo extrapole as diretrizes nela contidas, o que de fato se dá com a redação dada ao artigo 6º, in verbis:


“Art. 6o A licitação na modalidade de pregão, na forma eletrônica, não se aplica às contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral.”


Considerando que a lei 10.520/02 não proíbe a contratação de obras de engenharia por pregão, inclusive na modalidade eletrônica, jamais o poderia ter feito o citado decreto em seu artigo 6º, extrapolando seu limite de atuação, fugindo de sua função regulamentar;


Examinada a aplicabilidade do citado dispositivo legal, recordo que somente à lei compete inovar o ordenamento jurídico, criando e extinguindo direitos e obrigações para as pessoas, como pressuposto do princípio da legalidade. Assim, o Decreto, por si só, não reúne força para criar proibição que não esteja prevista em lei, com o propósito de regrar-lhe a execução e a concretização, tendo em vista o que dispõe o inciso IV do art. 84 da Carta Política de 1988;


Desse modo, as normas regulamentares que proíbem a contratação de obras e serviços de engenharia pelo Pregão carecem de fundamento de validade, visto que não possuem embasamento na Lei nº 10.520, de 2002. O único condicionamento que a Lei do Pregão estabelece é a configuração do objeto da licitação como bem ou serviço comum;


Em entendimento mais recente do TCU, a Lei nº 10.520, de 2002, não proíbe a contratação de obras e serviços de engenharia por meio de Pregão, tendo como único condicionante a configuração do objeto da licitação como bem ou serviço comum;


O entendimento doutrinário do eminente professor Marçal Justen Filho sobre a conceituação de bens e serviços é o seguinte:


Ou seja, há casos em que a Administração necessita de bens que estão disponíveis no mercado, configurados em termos mais ou menos variáveis.


São hipóteses em que é público o domínio das técnicas para a produção do objeto e seu fornecimento ao adquirente (inclusive à Administração), de tal modo que não existe dificuldade em localizar um universo de fornecedores em condições de satisfazer plenamente o interesse público. Em outros casos, o objeto deverá ser produzido sob encomenda ou adequado às configurações de um caso concreto. (…)


Para concluir, numa tentativa de definição, poderia dizer-se que bem ou serviço comum é aquele que apresenta sob identidade e características padronizadas e que se encontra disponível, a qualquer tempo, num mercado próprio.”


O entendimento de Joel de Menezes Niebuhr (in “Pregão Presencial e Eletrônico”), também abaixo transcrito, é semelhante:


“Sem embargo, perceba-se que a Lei nº 10.520/02 condiciona o uso da modalidade pregão somente aos bens e serviços comuns, sem excluir espécies de serviços e de contratações. Quer dizer que a Lei não exclui, de antemão, a utilização do pregão para a contratação de obra e serviço de engenharia. Se houvesse obra ou serviço de engenharia de natureza comum, simples, sem maiores especificidades, em princípio, seria permitida a adoção do pregão.”


Assim, concluímos pela total viabilidade de realizar licitação para obras e serviços de engenharia através de Pregão Eletrônico.



Informações Sobre o Autor

Ricardo Meneghelli de Freitas

Advogado, especialista em licitações e contratos administrativos


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