Uma introdução jurídica sobre Central de Regulação de Pacientes

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Resumo: A escassa literatura jurídica a respeito das Centrais de Regulação de pacientes torna mais difícil a compreensão do funcionamento deste modelo de distribuição de pacientes adotado pelos Estados. O enigma é difícil, mas com o presente texto passamos a iniciar o desvendamento. 


Palavras Chaves: SUS, distribuição, pacientes, captura, critérios, vida.


Abstract: The limited literature regarding the legal Central Regulatory patients makes it difficult to understand the operation of the pacient´s distribution model adopted by the States. The puzzle is difficult, but with this text we begin to start the unraveling.


Keywords: SUS, distribution, patients, capture, criteria, life.


Sumário: I. Introdução; II. Da Permanente Responsabilidade do Estado; III. Da Importância do Controle Social; IV. Da Regulação de Pacientes Oncológicos; V. Um Diagnóstico do Tribunal de Contas da União; VI. Das Conseqüências da Captura de uma Central de Regulação; VII. Dos Apontamentos Conclusivos; VIII. Bibliografia.


I. Introdução


O objeto deste estudo é o esclarecimento do papel e da necessidade de seu cumprimento pela Central de Regulação de pacientes do Sistema Único de Saúde. Órgão este necessariamente mantido em regime de cooperação pelo Estado e pelo Município em seu propósito existencial, ou seja, efetuar de forma objetivamente criteriosa a distribuição proporcional de 100% dos pacientes as Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia – UNACON cadastradas.


A nossa base científica de analise é a Central de Regulação mantida pelo Estado de Mato Grosso e pelo Município de Cuiabá que tem suas funções, principalmente, regulamentadas pelo inciso VI do artigo 2º da Lei Ordinária Estadual n.º 8.461/06, que Estabelece diretrizes da Política Estadual de Prevenção e Controle do Câncer, e dá outras providências[1], e também pela alínea a) do artigo 4º, e do inciso IV do artigo 13 do próprio Código Estadual de Saúde[2].


II. Da Permanente Responsabilidade do Estado


Apesar da vertente da municipalização da regulação da saúde estar ganhando corpo como método de organização da política pública de saúde. É necessário asseverar desde já que o conceito de Gestão Plena trata-se de administração de recursos financeiros, e que compete ao Estado, através da Secretaria de Saúde, o planejamento da política pública de saúde em atenção oncologia, conforme, por exemplo, estabelecem os incisos do artigo 3º da Lei n.º 8.461/06, que estabelece diretrizes da Política Estadual de Prevenção e Controle do Câncer, e dá outras providências[3].


A competência de planejamento estadual da política de combate ao câncer importa em dizer que o Estado detém responsabilidade na regulação dos pacientes, pois é, respectivamente, de sua competência o gerenciamento das informações e estabelecimento das ações necessárias para uma política Estadual de combate ao câncer.


Mister se faz asseverar que caso inexista a centralização dos dados referentes aos atendimentos do combate ao câncer se torna acéfalo o planejamento estadual de uma política estadual de combate ao câncer, ou seja, cada Município faria o combate ao câncer desvinculado dos outros Municípios.


Um dos meios utilizados para este planejamento unificado é a concentração das informações referentes a regulação dos pacientes oncológicos, que por exemplo no Estado de Mato Grosso estão inseridas no Sistema Central de Regulação – SISCER da Secretaria de Estado de Saúde[4], bem como no arquivo de dados do Programa de Avaliação e Vigilância do Câncer – PAV, instituído no Estado de Mato Grosso pela Portaria n.º 208/2.004[5].


III. Da Importância do Controle Social


O interesse da sociedade em controlar este serviço público é desde já caracterizado como o próprio interesse público de melhoria da qualidade de atendimento do Sistema Único de Saúde – SUS relacionado aos pacientes oncológicos.


A imputação de uma necessária adequação da Central de Regulação também, como já bem visto, também é tarefa da sociedade, principalmente, como dito por Jacob Kligerman (ex-presidente do Instituto Nacional de Combate ao Câncer – INCA), quando os encaminhamentos e fluxos do sistema nem sempre são adequadamente estabelecidos ou controlados por quem de responsabilidade pública, no sentido de salvaguardar a eqüidade do acesso e a necessária integralidade assistencial[6].


Em pesquisa recente realizada pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer – INCA sobre os dados dos registros de base populacional e de mortalidade dispõe que: “No Brasil, para o sexo masculino, a maior taxa média de incidência ajustada por idade foi observada em Cuiabá, com 90,6 milhões.[7]” Assim se assevera a grande magnitude do interesse público envolto na questão.


Os Estudos do INCA ainda indicam particularidades do tratamento do Câncer infantil, um dos quais é o alto índice de cura em relação aos cânceres que acometem adultos. Os índices de cura em neoplasias na infância são muito chegam a alcançar, senão vejamos:


90% de cura nos tumores oculares;


80% de cura nos tumores renais e alguns linfomas;


70% nas leucemias linfóides, que são os cânceres mais comuns na infância.


Assim o próprio Instituto Nacional de Combate ao Câncer – INCA indica que a probabilidade de cura é alta, mas depende, exclusivamente, da qualidade no atendimento, de um diagnóstico precoce e atendimento integral e adequado ao caso.


IV. Da Regulação de Pacientes Oncológicos.


No dia 30 de outubro do ano de 2.003 foi implementada pelo Estado de Mato Grosso a reorganização da assistência oncológica em Mato Grosso. Tal política de gestão da saúde regionalizada seguiu as diretrizes da Política Nacional para o Câncer. Na Resolução instituidora, a de número n.º 051/03.


O modelo adotado, desde então, é o controle do fluxo de pacientes pela regulação. Para compreensão do conceito de modelo de regulação do fluxo de pacientes na saúde, temos que previamente, adentrarmos a concepção de regulação propriamente dita. Tal ensinamento quem nos traz de forma clara é Gaspar Ariño Ortiz:


“A finalidade essencial da regulação é manter a atividade em funcionamento dentro de alguns parâmetros fixados. No essencial o regulador social funciona igual a um regulador físico, como o de uma caldeira a vapor: maneja forças importantes impedindo que ultrapassem determinados umbrais críticos (temperatura, pressão, velocidade, no caso dos reguladores físicos) para não pôr em perigo a estabilidade do sistema e para que possa funcionar eficientemente.[8]


O conceito de regulador físico como meio externo para equilibrar o sistema contra fenômenos naturais (alta ou diminuição da temperatura, pressão ou velocidade, entre outros), foi adaptado para teoria econômica como meio externo para equilibrar o mercado (sistema econômico) contra as falhas do mercado (oligopólio, monopólio, concorrência desleal, entre outras).


A regulação, na teoria econômica, é externa em razão de não ser o próprio mercado que tenta instrumentalizar o equilíbrio, mas sim o Estado como agente externo. A tese contrária à regulação, a auto-regulação, ou seja, o mercado livre de qualquer interferência do Estado é refutado pelo atual estágio de desenvolvimento de nosso constitucionalismo, pois como coloca Ericson Meister Scorsim[9], no liberalismo pleno seria impossível o equilíbrio entres os sistemas político, econômico e jurídico.


Então o objetivo da ação estatal da regulação, como trazido por Marçal Justen Filho, é conjugar as vantagens provenientes da capacidade empresarial privada com a realização de valores e princípios fundamentais da Constituição da República. Especialmente quando a atividade apresentar relevância coletiva, o Estado determinará os fins a atingir, mesmo quando seja resguardada a autonomia privada no tocante à seleção dos meios[10].


Os instrumentos que o Estado pode se utilizar na ação interventiva de equilíbrio do sistema são: a) incentivos financeiros; b) de comando; c) de controle.


O ato de regulação do Estado no mercado de saúde é caracterizado como instrumento de controle, mais propriamente do direcionamento do fluxo de pacientes dentro do mercado. O paciente que precisa do serviço médico do Sistema Único de Saúde – SUS e do mercado de saúde complementar é direcionado ao centro de atendimento disponível e capaz de atendê-lo. Assim como colocam Fausto Pereira dos Santos e Emerson Elias Merhy:


“O ato de regular em saúde é constitutivo do campo de prestação de serviços, sendo exercido pelos diversos atores ou instituições que provêem ou contratam serviços de saúde. (…) Em um sistema assistencialmente regulado, o usuário, ao adentrar a rede de serviços, passa a ser direcionado pelo sistema (Magalhães, 2002).[11]


O mercado é o sistema a ser equilibrado, e é composto tanto do Sistema Único de Saúde – SUS, como o mercado de saúde suplementar, o qual por sua vez é composto pelos prestadores da iniciativa privada conveniadas ao próprio SUS. O que está sendo controlado é o fluxo de pacientes (demanda) conforme a estrutura de atendimento do Sistema Único de Saúde (oferta), como bem ensina Marco Antônio Ratzsch de Andreazzi, Maria de Fátima Siliansky de Andreazzi, Márcia Cristina Chagas Macedo Pinheiro e Bernardo Sicsú:


“No que se refere ao mercado suplementar em saúde, a perspectiva da ação regulatória se reveste de importância capital em virtude da defesa da concorrência no mercado e do interesse público no que se refere à assistência suplementar a saúde. (…) O Estado, através de um órgão específico, estabelece o modo pelo qual a oferta e a demanda tenham suas práticas e expectativas respeitadas. Evitando, assim, oportunismos das partes, que poderiam levar a desequilíbrios de poder entre os agentes. É uma idéia de mediação entre a oferta e procura. Em função de encontrar a estabilização das relações entre os agentes envolvidos (produtores e consumidores) e, talvez, percebendo uma desvantagem dos consumidores no equilíbrio entre as partes, Kornis & Caetano (2001) entendem que a ampliação da ação do Estado na área da saúde, regulando a atuação das entidades intervenientes na assistência médica suplementar, poderá contribuir para a melhoria na prestação de um serviço cuja importância é cada vez maior para as famílias brasileiras.[12]


A finalidade deste controle, desta busca pelo equilíbrio, como já visto é a correção de falhas do sistema (SUS e mercado de saúde suplementar), sobretudo para garantir o acesso dos cidadãos a uma rede de saúde que possa ofertar um equilíbrio das relações entre os produtores e os consumidores.


Uma das falhas possíveis de acontecer é o desequilíbrio no sistema, em relação ao ponto de vista da oferta e não da demanda, o desequilíbrio corresponde em alguma forma de concorrência desleal. Porém esta falha é causada quando a entidade reguladora, no caso específico da regulação do fluxo de pacientes é a Central de Regulação, não cumpre com sua tarefa de instrumento de efetivação do equilíbrio. Assim a regulação que deveria catalisar o equilíbrio, faz o contrário, serve ao desequilíbrio dos elementos do sistema.


Este desvirtuamento da entidade reguladora é chamado doutrinariamente de captura. Tal fenômeno ocorre quando um dos elementos que deveriam ser regulados, neste caso alguma estrutura do SUS e mercado de saúde suplementar, se sobrepõe ao próprio órgão regulador, por razões diversas, mas o principal motivo é o poder econômico ou político, como bem ensina Ubner Mendes[13].


Diante desta conceituação introdutória sobre a questão que será abordada a seguir, é possível a feitura de uma analise crítica dos fatos que vêm ocorrendo junto a Central de Regulação do Sistema Único de Saúde no Estado de Mato Grosso.


V. Um Diagnóstico do Tribunal de Contas da União.


A partir de uma Representação feita Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União do Mato Grosso foi feito o estudo mais aprofundado sobre regulação oncológica pediátrica do Estado de Mato Grosso.


O inteiro teor do processo n.º 019.350/2008-9 evidencia a prática nefasta e ilegal de direcionamento de pacientes do Sistema Único de Saúde para o proveito do Hospital do Câncer.


Denota-se pelos dados constantes no acórdão n.º 1291/2009 (retirados das informações prestadas pela própria Central de Regulação que no ano de 2.008 houve uma clara desproporção entre o número de consultas marcadas para a Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá e o Hospital do Câncer, senão vejamos:


 4647a


A desproporção dos números das consultas dar-se-á, por exemplo, em relação ao número de leitos disponíveis para o SUS oferecidos pelas UNACON, senão vejamos:


 4647b


O serviço de cancerologia pediátrica denominado ÁGAPE foi autorizado em 2003 a autuar no CACON do Hospital do Câncer, pela Secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso ao não atendendo os critérios estabelecidos na legislação, tendo as seguintes razões: a) a responsável técnica não possui título de especialista em Hematologia pediátrica ; b) não possui cirurgião pediátrico em seu corpo clínico; c) não possui UTI pediátrica ;   d) não possui radioterapia no próprio hospital.


Como conseqüência muitas crianças com câncer estão sendo  atendidas em hospital sem UTI pediátrica e  sabe-se que como este tratamento é  muitas vezes agressivo e muitas  crianças vão apresentar alguma complicação da doença ou do próprio tratamento , no entanto quando essas necessitam de suporte em UTI pediátrica sabidamente  são transportados para outros hospitais e muitas vezes em situações de alto risco , isso porem não está sendo levado em consideração pela regulação oncológica. Ainda em muitos casos existe a necessidade de tratamento com radioterapia e muitos pacientes acabam realizado esse tratamento na radioterapia do Hospital Santa Casa.


Recentemente houve exclusão da Santa Casa de Cuiabá e Rondonópolis como serviços de alta complexidade em neurocirurgia e segundo relato foi repassado para o Hospital Geral. Como é de conhecimento de todos esse hospital também não possui UTI infantil (somente neo-natal), algo fundamental para  tratamento de pacientes pediátricos  graves, e como conseqüência muitas crianças estão sendo submetidas a cirurgia da cabeça e imediatamente após colocadas em ambulância para ser levadas para unidades hospitalares com UTI pediátrica.


Importante ressaltar que no Estado de Mato-Grosso não existe nenhum hospital público com serviço de ressonância magnética; nesse caso fica evidente que suporte no pós-operatório de UTI e menos importante que a falta de serviço de imagem, havendo nesse caso sinais de desrespeito com o ser paciente do SUS com ser humano.


O acórdão n.º 1291/2009 com base em relato da responsável pela Central de Regulação Oncológica em Mato Grosso concluiu que “o critério de encaminhamento dos pacientes de médico para médico não caracteriza um mecanismo de regulação, uma vez que se trata de mero procedimento de agendamento de pacientes”, senão vejamos:


“No caso concreto, pode-se afirmar que há risco de captura do regulador por grupos de interesse no direcionamento do fluxo de pacientes oncológicos pediátricos. Esta constatação se baseia, primeiro, na aceitação, por parte da CRO/MT, do critério de encaminhamento dos pacientes de médico para médico e, segundo, no mecanismo de captação de pacientes na rede SUS, por parte dos serviços de Oncologia, e posterior oficialização desse procedimento.”


O estudo realizado pelo Tribunal de Contas da União ainda ressalta que a desproporção dos números de consultas agendadas não se dá em razão de qualquer critério objetivo, mas sim em razão de captação dos usuários:


“sendo o interesse do usuário aquele que deve ser priorizado no mecanismo regulatório, seria aceitável detectar uma diferença na quantidade de atendimentos entre os UNACON, caso tal discrepância fosse devido à critérios objetivos bem definidos, como, por exemplo, resultado de pesquisa de avaliação por parte dos usuários sobre os serviços, capacidade instalada, qualificação dos profissionais disponíveis, entre outros.”


O próprio Tribunal de Contas ainda aponta que O Hospital do Câncer e o Hospital Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá oferecem ao SUS praticamente a mesma estrutura[14].


A captação de usuários, através do critério subjetivo de indicação de médico para médico, é a causa do desequilíbrio do fluxo de pacientes, e a Central de Regulação demonstra ser uma estrutura inerte ante a este problema, o que contraria a própria razão de existência deste órgão público.


Em síntese o Tribunal de Contas assevera que a responsabilidade é do gestor local ao “permitir que outros fluxos sejam criados a revelia de toda uma estrutura montada, que é a Central de Regulação, que tem o objetivo de organizar o fluxo de pacientes de acordo com protocolos pré-estabelecidos.”


As determinações do Tribunal de Contas da União para a Central de Regulação Oncológica de Mato Grosso foram as seguintes: a) doravante, não considera exclusiva ou preferencialmente o critério de indicação de médico para médico no protocolo de regulação dos pacientes de Oncologia Pediátrica que dão entrada na Rede de Atenção Oncológica de Mato Grosso; b) o protocolo de regulação dos pacientes de Oncologia Pediátrica seja construído com base em critérios equânimes, claros e objetivos, e seja amplamente divulgado para o público em geral.


Previamente a cabal demonstração, temos que asseverar os dispositivos legais que estabelecem o dever da Central de Regulação de efetuar uma distribuição igualitária do fluxo de pacientes oncológicos.


VI. Das Conseqüências da Captura de uma Central de Regulação.


A Lei Ordinária Estadual n.º 8.461/06, que Estabelece diretrizes da Política Estadual de Prevenção e Controle do Câncer estabelece que todos os casos de pacientes com câncer deverão ser regulados[15], obedecendo aos critérios mínimos nela estabelecidos para a garantia do fluxo nas unidades de alta complexidade em oncologia[16].


Os incisos XIII e XVI do artigo 5º da referida norma comentada não deixa dúvidas quanto a seguinte diretriz de gestão da Central de Regulação Oncológica: realizar a distribuição igualitária nos Centros de Alta Complexidade cadastrados dos novos casos de pacientes oncológicos:


“Art. 5º As diretrizes de gestão da atenção oncológica obedecerão às normas de controle, avaliação e regulação em oncologia, conforme abaixo: (…) XIII – os pacientes pediátricos e hematológicos, serão direcionados aos Centro de Alta Complexidade Oncológica – CACON, com estrutura física e de recursos humanos adequado, conforme níveis de hierarquia e protocolos pré-estabelecidos; (…) XVI – os casos novos de pacientes oncológicos serão encaminhados aos CACON’s em distribuição igualitária, conforme o nível de hierarquia, capacidade instalada, perfil assistencial e qualidade de assistência aos usuários de cada prestador;” (Grifo nosso).


Em 2.006, a Central de Regulação de Oncologia, respondendo questionamento institucional feito pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso ponderou estaticamente o surgimento de 4.700 (quatro mil e setecentos) novos casos de câncer por ano no Estado de Mato Grosso, sendo:


“Destes casos, estima-se que 15% tenham planos de saúde (700 casos) e 85% sejam usuários do SUS (3000 casos). Destes 3000/ano, teremos 290 pacientes/Mês, que deverão ser encaminhados aos três níveis de atenção para Assistência Oncológica, via Central de Regulação de Oncologia, distribuído aos prestadores de forma eqüitativa e proporcional, conforme normas estabelecidas para o fluxo de pacientes pelo SUS.”


A nota técnica do Conselho Nacional de Secretários de Saúde sobre a Política Nacional de Atenção Oncológica dispõe de forma clara que Mato Grosso, ainda no ano de 2005, teve 3.250 (três mil e quinhentos e cinqüenta) novos casos de câncer, não incluído na base de cálculo os pacientes com câncer de pele[17].


Em estudo aprofundado sobre o tema, as especialistas Rosane Bittencourt, Andrea Scaletzky e Júlio Rosse Boehl, demonstraram que a média percentual dos novos casos de pacientes oncológicos que as vítimas são crianças é de 2,8 %[18]. Assim aplicando este percentual à totalidade dos casos (3250) teríamos 91 (noventa e um) novos casos por ano de pacientes oncológicos pediátricos.


Os pacientes não estão sendo distribuídos de forma igualitária conforme ordena a Lei, mas pelo contrário estão sendo propositadamente direcionados para um só Centro de Atendimento, conforme será devidamente demonstrado pelos dados inequívocos levantados.


O Estado aceita de forma omissa que um órgão de sua estrutura, Central de Regulação, desvirtue o seu fim institucional de distribuir de forma igualitária o fluxo de pacientes (demanda) para qualificar o atendimento destes pacientes (oferta), e assim trazer equilíbrio ao Sistema Único de Saúde – SUS.


As conseqüências desta desproporcionalidade que afetam de maneira direta o interesse público envolvido são: 1º) filas para atendimento; 2º) profissionais minimamente qualificados a atender ficam sobrecarregados; 3º) atendimentos redirecionados aos médicos não minimamente qualificados; 4º) queda na qualidade de atendimento à população, e principalmente: 5º) risco de fechamento das Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia – UNACON.


Há um grande contra-senso. Enquanto especialista nacional, mundialmente reconhecido, como Jacob Kligerman (ex-presidente do INCA), no combate ao câncer, defende a expansão do Sistema com a inclusão de novas Unidades de Alta Complexidade – UNACO´S, o Estado e Município de Mato Grosso aceitam veementemente o monopólio, senão vejamos:


Corrigir essas distorções significa, em última instância, o desafio de se implantar uma efetiva assistência oncológica no SUS. Em termos da assistência oncológica, especificamente, o INCA propõe a expansão de CACON, com base em três premissas: 1) A cobertura de 75% da população brasileira pelo SUS; 2) a necessidade de um CACON para cada 715 mil habitantes e 3) sem que seja uma correlação com a qualidade dos serviços prestados, a cobertura BOA que um CACON com radioterapia oferece; a cobertura ACEITÁVEL que um CACON sem radioterapia oferece; e uma cobertura RUIM que serviços isolados oferecem.  Por que essas premissas? Para que se tenha a integralidade de ações, a integração de serviços e a articulação político-administrativa indispensáveis à prevenção e diagnóstico do câncer e ao tratamento integral dos doentes de câncer[19].


(…) Essa estratégia representou uma ruptura entre o modelo assistencial existente, baseado na oferta de serviços, e um novo modelo, agora baseado no atendimento da demanda. Isso porque a disponibilidade de serviços para uma assistência oncológica boa ou aceitável tem de ser ampliada, vez que, atualmente, o acesso ao diagnóstico e tratamento do câncer é insuficiente porque é centralizado nas capitais ou estados mais economicamente desenvolvidos, tornando- se, assim, a assistência oncológica parcialmente deficiente e deficitária a todos os doentes, que concorrem pelos mesmos serviços[20].


VII. Dos Apontamentos Conclusivos.


Os apontamentos conclusivos que fazemos são possíveis soluções para concretizar a distribuição uniforme, entre os hospitais disponíveis na rede, e que cumpram as exigências do Ministério da Saúde e ANVISA, dos pacientes diagnosticados como portadores de neoplasias malignas para serem tratados, adquirindo os serviços de particulares de forma isonômica em respeito aos princípios Constitucionais da Administração Pública.


O primeiro é sentido de não considerem exclusiva ou preferencialmente o critério de indicação de médico para médico no protocolo de regulação dos pacientes de Oncologia Pediátrica que dão entrada na Rede de Atenção Oncológica com abstenção de emitir a Autorização para Atendimento de Alta Complexidade – APAC acaso não seja feita a regulação de forma correta, ou seja, passando pela Central de Regulação.


O segundo no sentido de que o protocolo da regulação dos pacientes de Oncologia seja construído com base em critérios equânimes, claros e objetivos, e seja amplamente divulgado para o público em geral.


 


Bibliografia

ANDREAZZI, Marco Antônio Ratzsch de; ANDREAZZI, Maria de Fátima Siliansky de; PINHEIRO, Márcia Cristina Chagas Macedo e SICSÚ, Bernardo. Mercado de saúde suplementar: amplitudes e limites na arena da regulação. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/upload/biblioteca/TT_MI_04_MFatimaAndreazzi_MercadoSaudeSuplementar.pdf

BITTENCOURT, Rosane; BOEHL, Júlio Rosse; SCALETZKY, Andrea. Perfil epidemiológico do câncer na rede pública em Porto Alegre – RS. Revista Brasileira de Cancerologia – Volume 50 n°2 abr/maio/jun 2000.

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KLIGERMAN, Jacob. Instituto Nacional de Combate ao Câncer (Brasil). Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Câncer da criança e adolescente no Brasil: dados dos registros de base populacional e de mortalidade./ Instituto Nacional de Câncer. Rio de janeiro: INCA, 2008.

KLIGERMAN, Jacob. O Desafio de se implantar a Assistência Oncológica no SUS. Revista Brasileira de Cancerologia – Volume 46 n°1 Jan/Fev/Mar 2000.

MENDES, Ubner. Direito Administrativo Econômico. Reforma do Estado e Agências Reguladoras. São Paulo: Malheiros. 2002.

MERHY, Emerson Elias; SANTOS, Fausto Pereira dos. A regulação pública da saúde no Estado brasileiro – uma revisão. Revista Interface Comunicação, Saúde, Educação, v.10, n.19, p.25-41, jan/jun 2006.

ORTIZ, Gaspar Ariño. Sucessos e fracassos da Regulação. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n.º 3, ago-set-out, 2005.

SCORSIM, Ericson Meister. O processo de evolução do estado, da administração pública e do direito administrativo. Revista Interesse Público n.º 42. Porto Alegre: Editora Fórum. Ano 2007.

 

Notas:

[1] Art. 2º São princípios e diretrizes da Política Estadual de Prevenção e Controle do Câncer: (…) VI – a participação da sociedade mato-grossense é fundamental e deve ser estimulada tanto na condução da política do câncer no Estado, como na organização e assistência integral aos pacientes oncológicos;

[2] Art. 4º O estado de saúde, expresso em qualidade de vida, pressupõe basicamente: (…) exigir serviços públicos de qualidade de modo eficaz; (…) Art. 13 A organização, o funcionamento e o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde obedecerão as seguintes diretrizes: (…) IV – democratizar a gestão do Sistema Único de Saúde, com controle social e funcionamento dos Conselhos Estadual e Municipal de Saúde como unidades deliberativas do Sistema;

[3] “Art. 3º A Secretaria de Estado de Saúde terá competência para:  (…) IV – supervisionar a implantação de protocolos de conduta, normas e rotinas nos estabelecimentos de saúde em atenção oncológica; (…) IX – gerenciar os programas estaduais de câncer e as ações nesta área; (…) XII – produzir dados epidemiológicos de avaliação e vigilância do câncer, através do registro de câncer de base populacional e do registro de câncer, subsidiando desta forma a política de promoção e assistência de câncer;(…)XIII – elaborar os protocolos de normas e rotinas da atenção oncológica;(…)XIV – qualificar e hierarquizar os serviços que prestam assistência oncológica de acordo com seu nível de complexidade em parceria com municípios que possuem credenciamento para serviços de atenção e assistência oncológica.” (Grifos nossos)

[4] Conforme verificável em informação constante no próprio site da Secretaria. Disponível em: http://www.saude.mt.gov.br/site/admin_site/adm_fontes/controle.php

[5]Art. 2º Disciplinar que o pagamento da produção dos serviços credenciados ao Sistema Único de Saúde, das unidades de saúde pública, filantrópica e privada, será condicionado ao envio regular e oportuno das informações coletadas nos formulários próprios, disponíveis em papel ou meio magnético. Art. 3º Os formulários deverão ser preenchidos e encaminhados até o dia 10 (dez) do mês subseqüente à Coordenação de Prevenção e Controle do Câncer da Secretaria de Estado de Saúde.”

[6] KLIGERMAN, JACOB. Avaliação da Assistência Oncológica. Revista Brasileira de Cancerologia – Volume 48 n°4 Out/Nov/Dez 2002.

[7] KLIGERMAN, Jacob. Instituto Nacional de Combate ao Câncer (Brasil). Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Câncer da criança e adolescente no Brasil: dados dos registros de base populacional e de mortalidade./ Instituto Nacional de Câncer. Rio de janeiro: INCA, 2008. p.149.

[8] ORTIZ, Gaspar Ariño. Sucessos e fracassos da Regulação. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salavador, Instituto de Direito Público da Bahia, n.º 3, ago-set-out, 2005. 

[9] “Não há como simplesmente advogar a tese do mercado livre, que oferece a auto-regulação de seus conflitos intrínsecos, em face de nossa Constituição. A experiência histórica demonstra que o direito não é um mero instrumento à disposição exclusiva do sistema econômico capitalista. O direito é um bem da sociedade que não é dominável por apenas um grupo de atores sociais, ainda que possa sofrer uma influência significativa. Não é possível ao mercado afastar o Estado e o Direito. Ao contrário, ambos têm a fundamental missão de atuar de forma substitutiva e compensatória aos mecanismos de mercado. É preciso o equilíbrio entre os sistemas político, econômico e jurídico.” SCORSIM, Ericson Meister. O processo de evolução do estado, da administração pública e do direito administrativo. Revista Interesse Público n.º 42. Porto Alegre: Editora Fórum. Ano 2007. p.128. 

[10] JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito Regulatório. Revista Interesse Público n.º 43. Ano 2007. p.20.

[11] MERHY, Emerson Elias; SANTOS, Fausto Pereira dos. A regulação pública da saúde no Estado brasileiro – uma revisão. Revista Interface Comunicação, Saúde, Educação, v.10, n.19, p.25-41, jan/jun 2006. p.25. 

[12] ANDREAZZI, Marco Antônio Ratzsch de; ANDREAZZI, Maria de Fátima Siliansky de; PINHEIRO, Márcia Cristina Chagas Macedo e SICSÚ, Bernardo. Mercado de saúde suplementar: amplitudes e limites na arena da regulação. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/upload/biblioteca/TT_MI_04_MFatimaAndreazzi_MercadoSaudeSuplementar.pdf

[13] “A captura ocorre, em linhas gerais, quando o agente regulado, pelo poder econômico que possui, passa a determinar o comportamento do ente regulador. Acredita-se que ao desvincular este ente regulador do poder político, ou seja, conferir-lhe independência, aumentam as possibilidades de isto acontecer. Daí a importância da formatação institucional e dos mecanismos protetores que agência possuir. (…) Entre os anos de 1965 e 1985 defrontou-se o sistema regulatório americano com um problema que desvirtuou as finalidades da regulação desvinculada do poder político: a captura das agências reguladoras pelos agentes econômicos regulados. Explique-se: os agentes privados, com seu colossal poder econômico e grande poder de influência, diante de entes reguladores que dispunham de completa autonomia perante o poder político, não encontraram dificuldades para implantar um mecanismo de pressão que acabasse por quase que determinar o conteúdo da regulação que iriam sofrer. Os maiores prejudicados, por conseqüência, foram os consumidores”. MENDES, Ubner. Direito Administrativo Econômico. Reforma do Estado e Agências Reguladoras. São Paulo: Malheiros. 2002, p.105 e 121.

[14] “No entanto, pode-se verificar, nos itens 3.10 e 3.11 desta instrução, uma diferença na quantidade de atendimento de pacientes oncológicos pediátricos favorecendo o Hospital do Câncer, em detrimento do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá, apesar de as duas entidades oferecer ao SUS praticamente a mesma estrutura, segundo item 3.12 desta instrução. A Central de Regulação não conseguiu explicar, de forma clara, o motivo de tal discrepância no atendimento em tela” (fls. 313).

[15] Art. 4º Os níveis de atenção primária, secundária, terciária e os cuidados paliativos deverão seguir as diretrizes do modelo assistencial do Ministério da Saúde, em seus níveis de atenção: (…) II – atenção secundária: Secretaria de Estado de Saúde – SES/Ministério da Saúde – MS, englobando: b) a readequação dos serviços ambulatoriais destinados aos pacientes com suspeita de câncer através de exames complementares para diagnóstico e estadiamento, sendo que estes deverão estar 100% regulados pela Central de Regulação Oncológica (CRO); c) a reorganização e integração da rede de referencia e contra referencia municipal e estadual, conforme o fluxo de regulação oncológica dos níveis de atenção do SUS.

[16] Art. 1º Esta lei regula a necessidade de garantir o atendimento integral aos pacientes com doenças neoplasias malignas (câncer), estabelecendo uma rede hierarquizada de unidades que prestam atendimento a esses pacientes pelo Sistema Único de Saúde – SUS, atualizando os critérios mínimos para o fluxo das unidades de alta complexidade em oncologia.

[17] Nota técnica-  Política nacional de atenção Oncológica. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_atencao_oncologica.pdf

[18] “Os tumores da infância e adolescência acometem mensalmente cerca de oito novos pacientes e representam 2,8% dos pacientes tratados. Entre os oito novos casos/mês, 5 56%) acometem o sexo masculino, e o diagnóstico mais freqüente é a leucemia linfoblástica, acometendo três (37,5%) de cada oito pacientes novos. Os tumores de SNCatingem média em 2(25%) em cada 8 pacientes novos, seguidos em freqüência pelos tumores renais e linfomas não Hodgkin.” BITTENCOURT, Rosane; BOEHL, Júlio Rosse; SCALETZKY, Andrea. Perfil epidemiológico do câncer na rede pública em Porto Alegre – RS. Revista Brasileira de Cancerologia – Volume 50 n°2 abr/maio/jun 2000. p.95. 

[19] KLIGERMAN, Jacob. O Desafio de se implantar a Assistência Oncológica no SUS. Revista Brasileira de Cancerologia – Volume 46 n°1 Jan/Fev/Mar 2000.

[20] KLIGERMAN, Jacob. A Ampliação da Assistência Oncológica no Brasil. Revista Brasileira de Cancerologia – Volume 46 n°4 Out/Nov/Dez 2000.


Informações Sobre o Autor

Bruno José Ricci Boaventura

Advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT; Assessor Jurídico da Presidência da Câmara Municipal de Campo Novo do Parecis/MT e Associações ligadas a radiodifusão comunitária. Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso.


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