Análise de termos de ajustamento de conduta firmados em inquéritos civis públicos instaurados pelo Ministério Público de Lajeado-RS a partir de 2008

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária!

Resumo: Na revolução industrial interessava apenas o crescimento da produção e do acúmulo de bens. É somente a partir da década de 1970 que uma parcela significativa da humanidade se conscientizou dos limites quanto ao uso dos recursos disponibilizados pela natureza. Atualmente, há a necessidade emergente de gestão de danos ambientais, que passa pela resolução de conflitos socioambientais através da participação de todos. No Brasil, o papel do Ministério Público tem sido de muita relevância, principalmente pelos inúmeros acordos realizados na área de meio ambiente. Por esse motivo, mostra-se importante a pesquisa bibliográfica e documental para analisar os Compromissos de Ajustamento de Conduta firmados para resolução de conflitos socioambientais. Foram levantados dados de Inquéritos Civis Públicos com Termos de Ajustamento de Conduta firmados pelo Ministério Público de Lajeado-RS a partir de 2008. A análise e interpretação dos dados dos inquéritos foram realizadas a partir do confronto com o material bibliográfico. [1]

Palavras-chave: Sociedade e natureza. Conflitos ambientais. Compromissos de Ajustamento de Conduta.

Abstract: Interested only in the industrial revolution the production growth and the accumulation of stuffs. It is only since the 1970s that a significant portion of humanity became aware of the limits on the use of resources provided by nature. Currently, there is the need for management of emerging environmental damage that goes through the resolution of environmental conflicts through participation. In Brazil, the role of the Ministério Público is of great importance, especially for the numerous agreements made ​​in the environmental area. Therefore, shown to be important bibliographical and documentary research to examine the commitments of Compromissos de Ajustamento de Conduta established for resolution of environmental conflicts. Database of Inquéritos Civis Públicos to Termos de Ajustamento de Conduta signed by the Ministério Público de Lajeado-RS from 2008 were surveyed. The analysis and interpretation of survey data were taken from the confrontation with the bibliographic material.

Keywords: Society and nature. Environmental conflicts. Commitments Conduct Adjustment.

Sumário: Introdução. 1 A atuação do Ministério Público nos conflitos socioambientais. 2 Análise de Termos de Ajustamento de Conduta firmados pelo Ministério Público de Lajeado-RS a partir de 2008. 3 Resultados. Conclusão. Referências.

Introdução

A espécie humana, ao longo da história, conviveu e evoluiu biologicamente em harmonia com os agentes naturais. Apesar disso, a natureza sempre exerceu um fascínio sobre o homem, representado por um misto de admiração, contemplação e temor (PLATIAU et al, 2005).

A partir da Revolução Industrial as questões ambientais foram esquecidas em prol do crescimento da produção e do acúmulo de bens. Este processo, no qual o homem se separa da natureza (como se não fizesse parte dela) para dominá-la, perdendo o vínculo e modificando o meio, gerou graves problemas ambientais (SOARES, 2010). É somente a partir da década de 1970 que uma parcela significativa da humanidade se conscientizou dos limites quanto ao uso dos recursos disponibilizados pela natureza e que para que seja viável no longo prazo, demanda certo equilíbrio e limites precisos (HERRERA, 1984). A degradação do meio ambiente foi tamanha que a ecologia tornou-se uma questão política e, posteriormente, jurídica. Juntamente com os movimentos ambientais da década de 1970, surge o Direito Ambiental, que tinha como foco a fiscalização e controle, com inúmeras normas e conceitos vagos. “Ao começar a regular esses fatos, o Direito depara-se com o incerto, com o complexo, com a necessidade de proteger de forma ampla o ambiente. Ele deve flexibilizar-se, possibilitar a evolução e constante reelaboração” (SOARES, 2010, p. 130).

O Direito é feito para os homens e pelos homens, mas nem por isso se deve esquecer o vínculo com a natureza. É inútil pensar em utilizar o Direito para dominá-la ou regulá-la (OST, 1995).

Para Ost (1995, p. 10) “a nossa época perdeu, pelo menos depois da modernidade, o sentido do vínculo e do limite das suas relações com a natureza”.

Deve-se também considerar que os objetos constituintes do ambiente vão além da matéria e da energia, eles são também culturais e históricos (ACSELRAD, 2004). Por isso, a questão relativa ao meio ambiente é de uma complexidade muito grande, já que tem que sair de sua especialidade e buscar a compreensão dos conflitos sociais que envolvam o desenvolvimento econômico, políticas públicas, crescimento urbano e populacional, culturas e etnias, entre outros.

Dessa forma, “a diversidade de intervenção e de modos de vida aponta para as diferenças que tornam as questões ambientais intrinsecamente conflituosas, ou seja, marcadas pela tensão permanente entre economia e natureza” (SOARES, 2010, p. 121).

Conforme Berté (2009, p. 187) “percebe-se que a gestão ambiental passou por uma profunda modificação: a percepção da inter-relação entre ambiente e sociedade”. Para ele, ninguém mais pode fazer do meio ambiente apenas um uso ou fim, mas deve traduzir-se em gestão socioambiental. Portanto, o conflito ambiental deve ser tratado de forma que consiga lidar com as diferenças e restabelecer o vínculo entre o sujeito e o mundo, entre a sociedade e a natureza (SOARES, 2010).

Estabelecer padrões de qualidade ambiental e integrar as políticas públicas e privadas às de desenvolvimento socioambiental mostra-se o desafio para o alcance da tão almejada qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

Há a necessidade emergente de gestão, fiscalização e controle de danos ambientais, que passa pela resolução de conflitos socioambientais através da cultura do diálogo e da participação de todos os envolvidos.

No Brasil, o papel do Ministério Público (MP) tem sido de muita relevância, principalmente pelos inúmeros acordos realizados para atendimento da legislação ambiental (POMPEU, 2006). O Compromisso de Ajustamento de Conduta[2] (CAC) surge de um processo colaborativo entre as partes, pois suas condições podem ser negociadas no órgão público, sempre atendendo aos princípios ambientais.

Assim, “o CAC já é uma das formas mais utilizadas para compor litígios ambientais e um dos mais importantes instrumentos de proteção ambiental” (SOARES, 2010, p. 141).

Por esse motivo, mostra-se relevante a pesquisa bibliográfica e documental para analisar os TAC firmados para resolução de conflitos socioambientais, verificando-se a participação dos envolvidos. Foram levantados dados de Inquéritos Civis Públicos (ICP) com TAC firmados pelo Ministério Público de Lajeado-RS a partir de 2008. A análise e interpretação dos dados dos inquéritos foram realizadas a partir do confronto com o material bibliográfico.

1 A atuação do Ministério Público nos conflitos socioambientais

“No senso comum da sociedade ocidental, a palavra conflito traz um sentido negativo de desordem, de desarmonia, como perturbação ou disfunção e, por isso, deve ser evitado ou eliminado” (SOARES, 2010, p. 66).

Porém, a ideia de construção e transformação da sociedade a partir do conflito, trazidas por Marx e Simmel, aos poucos vem sendo incorporada (NASCIMENTO, 2001). Para Ponieman (2005), o conflito é inerente à vida, uma advertência de ruptura e a necessidade de reestruturar a situação ou a relação. A adoção de formas litigiosas para resolução desses conflitos faz perder a confiança mútua entre os cidadãos, dificultando ações coletivas e o desenvolvimento da sociedade.

A forma mais conhecida ou tradicional de intervenção em conflitos é a realizada pelo Estado, através do Poder Judiciário e fundamentada no Direito. O fundamento filosófico desse método tradicional de tratamento de conflito está no positivismo jurídico e está relacionado com o Estado Nacional e a consolidação do capitalismo como modo de produção. O Direito positivista trabalha com a lógica do certo ou errado, do ganha-perde, como uma estrutura para validação da norma (SOARES, 2010).

A partir da primeira metade do século XX começa-se a questionar o positivismo. Esse movimento de relativização ou flexibilização foi denominado de pós-positivismo (BARROSO, 2014). Apesar do seu enfraquecimento gradual, o positivismo ainda permanece no legalismo jurídico e na burocracia da prestação jurisdicional (LARENZ, 2005).

A teoria tridimensional do direito foi um dos movimentos que se recusaram a compreender o Direito como unicamente norma positiva, concebendo o fenômeno jurídico como aquele que necessita de um fato, um valor que confere ao fato uma significação e, ainda, uma norma que fornece a medida ou a relação entre os dois primeiros (REALE, 2000).

Para Bittar (2005), a ineficácia do Direito no Brasil é causada pela incapacidade do Estado de se adaptar à pós-modernidade, enfrentando graves problemas de legitimidade e representatividade. O autor cita como exemplos desse contexto a linguagem inacessível dos juristas, a ineficácia das sentenças, o descrédito das instituições, a cultura da burocracia, a importação de leis e sistemas que não condizem com a realidade brasileira, entre outros.

Dessa forma, atualmente a preocupação centra-se mais na eficácia e no sentido prático da resolução de conflitos, não mais na validade e formalidade, características marcantes do positivismo jurídico. E, além disso, para Alves (2006), centra-se igualmente no incentivo à negociação, à flexibilização e à utilização de métodos extrajudiciais para resolver as disputas.

Soares (2010, p. 128) sustenta que os métodos alternativos, rápidos, participativos e consensuais passam a ser um novo caminho, uma mudança significativa na forma tradicional de resolução de problemas pelo Poder Judiciário e pelo Poder Executivo, que “fundamentavam suas decisões na ciência, de forma autoritária e impositiva, assumindo apenas um dos discursos possíveis”. Para Alier (2007) as decisões acordadas são mais legítimas que as decisões impostas baseadas na solução ótima advinda da ciência.

Com relação aos conflitos ambientais, as decisões acordadas são fundamentais para gerar uma reflexão sobre as questões do meio ambiente e proporcionar maior efetividade das obrigações assumidas, pois houve participação do obrigado na sua escolha.

No momento da negociação as pessoas vão discutir o que é possível ser feito, diante de suas realidades. “Por ser uma assunção voluntária e consciente da obrigação, os envolvidos participam do processo e escolhem a forma e o modo de reparação do dano ambiental, sendo consequência natural e ‘sem traumas’ o cumprimento do acordo, porque a obrigação não lhes é imposta, mas advem da sua vontade” (SOARES, 2010, p. 141). E a participação ainda proporciona um momento de aprendizagem sobre a importância das questões ambientais. O direito fundamental ao ambiente sadio é, portanto, mais bem realizado em um clima de colaboração do que através de mecanismos adversariais e com excesso de formalismo.

O dano ambiental na maioria dos casos é de difícil ou impossível reparação e a restituição a um estado assemelhado ao anterior é um processo extremamente complexo e demorado. Inobstante, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é difuso. Conforme Mazzilli (2005) o direito difuso é aquele originado de uma situação de fato que atinge um grupo indeterminável de pessoas e de natureza indivisível. Assim, “o direito difuso adquire enorme projeção e relevância social. Ele serve de instrumento para conquista de melhor qualidade de vida às massas sociais” (PORTO, 2000, p. 30).

Portanto, o meio ambiente, como bem de uso comum do povo, é direito difuso e indisponível, cabendo também ao Ministério Público o dever de preservá-lo[3].

A partir da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público alcançou grande relevância no cenário nacional. O art. 127 o define como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

“A atuação do Ministério Público na área de meio ambiente se dá através da investigação via Inquérito Civil Público, do ajuizamento de Ações Civis Públicas e no processamento dos crimes ambientais”[4]. O Inquérito Civil Público é um procedimento administrativo de investigação e coleta de provas, realizado solene e formalmente, em âmbito interno no Ministério Público, e servirá de base para a formação de convicção para propositura (ou não) de demanda coletiva para a defesa de direitos supra-individuais (ABELHA, 2003).

No Inquérito Civil Público há a possibilidade de se firmar o Termo de Ajustamento de Conduta, um acordo no qual o investigado se compromete a cumprir medidas mitigadoras e reparadoras do dano ambiental. Para Mazzilli (2005), o TAC é um ato administrativo negocial. Conforme Turatti, Gravina e Bianchin (2005, p. 118) “o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC nada mais é do que um documento que traz expresso o compromisso firmado entre o causador do dano ambiental (pessoa física ou jurídica) e os órgãos ambientais responsáveis pelo controle e fiscalização do meio ambiente (entre eles o Ministério Público)”.

Assim, o TAC “possibilita a prevenção ou reparação do dano ambiental, ajustando a conduta do causador do dano e dispensando a propositura de ação civil pública” (TURATTI, GRAVINA e BIANCHIN, 2005, p. 119). Este acordo firmado no Ministério Público, portanto, tem como objeto o que o autuado pode ou não fazer, podendo ser cumulado com indenizações. Para possibilitar que seu objetivo seja alcançado, serão estipulados prazos para o cumprimento das obrigações estabelecidas. Caso essas obrigações assumidas pelo autuado não sejam cumpridas, há a imediata execução, pois o TAC possui eficácia de título executivo extrajudicial[5].

O TAC possui alguns requisitos a serem observados, como a identificação e qualificação dos compromissados, a descrição do dano, as sanções aplicadas, as obrigações a serem assumidas, os prazos a serem observados e a assinatura do compromitente e do Promotor de Justiça.

Por fim, salienta-se que o fator temporal é de extrema relevância quando se trata de dano ambiental, pois quanto mais rápido for reparado ou seu perigo for afastado, melhor protegido estará o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, para evitar a morosidade de um processo judicial, o TAC cumpre um papel efetivo de proteção ao meio ambiente (GONÇALVES, 2006).

2 Análise de Termos de Ajustamento de Conduta firmados pelo Ministério Público de Lajeado-RS a partir de 2008

O estudo foi realizado inicialmente fazendo-se uma triagem junto à Promotoria de Justiça Especializada de Lajeado buscando-se Inquéritos Civis Públicos nos quais tenha sido firmado Termo de Ajustamento de Conduta. A partir de critérios definidos, foi realizada a busca no sistema informatizado do Ministério Público Estadual, o Sistema Gerenciador de Promotorias (SGP).

Os critérios de pesquisa foram: tipo de expediente – Inquérito Civil Público; área – defesa comunitária. A partir de uma listagem disponibilizada pelo sistema foram selecionados inquéritos instaurados a partir de 2008, com TAC firmado pela Promotoria de Justiça Especializada de Lajeado com pessoa física.

O critério de ser o envolvido uma pessoa física deve-se ao fato de que, nesses casos, o investigado diretamente participa da audiência para formalização e definição do acordo. Dessa forma, no caso da pessoa física autuada a conscientização passa pela participação e compreensão do dano ambiental e seus efeitos.

Foram levantados dados dos Inquéritos Civis Públicos como fato, local do fato, data da averiguação, denunciante e tipo de procedimento originário, temas abordados em reuniões, conteúdo do TAC, forma de cumprimento, promoção de arquivamento e tempo de tramitação do expediente.

A análise e interpretação dos dados dos inquéritos foram realizadas a partir do confronto com o material bibliográfico. Foram localizados nove inquéritos a partir dos critérios observados. Desses expedientes localizados constatou-se que: a) houve cumprimento das obrigações assumidas no TAC com o arquivamento do expediente em cinco inquéritos; b) houve ajuizamento de ação judicial por falta de cumprimento das obrigações assumidas no TAC em três inquéritos; e c) um inquérito ainda está em fase de cumprimento.

Portanto, a partir de três ICP foram ajuizadas ações na Justiça Estadual (Varas Cíveis da Comarca de Lajeado-RS), em virtude do não cumprimento das obrigações assumidas no TAC. Estas ações estão tramitando até a presente data. Com relação aos seis demais ICP tecem-se os seguintes comentários:

O inquérito n.º 00802.00003/2008 tem como fato a instalação de empreendimentos avícolas em área de preservação permanente e sem licenciamento ambiental. A data da averiguação do fato foi 15/12/2006 e a data da instauração do ICP foi 14/01/2008.

Os compromissos assumidos no TAC, firmado em 14/07/2009, foram: a) em 120 dias encaminhar pedido de regularização ambiental e projeto de compensação ambiental à FEPAM[6] com implantação de requisitos técnico-ambientais; b) implantação de 120 mudas de espécies nativas, preferencialmente hidrófilas entre o aviário e ao longo da sanga; c) construção de dreno de alvenaria; c) implantação de vegetação nativa junto à vertente ou manancial, preferencialmente hidrófilas ou higrofilas na quantia de 50 mudas; d) implantação de gramíneas ao redor da vertente e entre o aviário e a sanga; e) apresentação de relatório anual à FEPAM.

Diante do indeferimento do licenciamento pela FEPAM, houve um aditamento ao TAC, em 17/06/2010, que incluiu as obrigações de, em 120 dias, apresentar à FEPAM e ao Ministério Público relatório comprovando a implantação de projeto de compensação apresentado; em três anos apresentar à FEPAM relatório comprovando a proposta de desativação e demolição das porções dos aviários situados em áreas de preservação permanente e recomposição com vegetação nativa; caso continue a atividade em outro local, comprovar apresentação de pedido de licença prévia e de operação. O cumprimento das obrigações consistiu na apresentação dos seguintes documentos comprobatórios: protocolo de pedido de regularização junto à FEPAM e pedidos de encerramento; áreas decretadas de interesse público; relatório de comprovação de implantação de projeto de compensação florestal. Em 01/11/2010 o Ministério Público promoveu o arquivamento do procedimento, que foi homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público em 14/12/2010.

O inquérito n.º 0080200017/2008 tem como fato danoso a instalação de loteamentos irregulares. A data da averiguação do fato foi 07/05/2008 e a data da instauração do ICP foi 30/06/2008.

Os compromissos assumidos no TAC, firmado em 01/07/2010, foram: pelo Município, apresentar relatório ambiental; pelos proprietários, encaminhar registro no Registro de Imóveis e não vender lotes sem prévia regularização. Em 21/07/2010 outro proprietário assinou TAC comprometendo-se a apresentar memorial descritivo, elaborar Plano de Compensação Ambiental, no caso de ocupação de área de preservação permanente, encaminhar registro no RI, e não efetuar a venda de lotes sem prévia regularização. Até o presente momento, para comprovação de cumprimento foram apresentados documentos que comprovam que algumas áreas foram registradas junto ao RI, porém há muitas pendentes. O procedimento não está arquivado.

No inquérito n.° 008002.00003/2009 o fato danoso é o corte de floresta nativa sem licenciamento ambiental, cuja data de averiguação foi 04/08/2009 e data da instauração do ICP 13/08/2009. Em 24/11/2009 foi firmado o TAC, no qual consta: adequar o Projeto de Recuperação Ambiental (PRAD) já protocolizado junto ao Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP), atendendo às recomendações previstas; implantar e executar o projeto até final de setembro de 2010; renunciar ao direito sobre a madeira apreendida; apresentar relação de pessoas a serem beneficiadas com a madeira perante o DEFAP; pagamento de R$2.000,00 ao Fundo Municipal do Meio Ambiente do município em questão (FMMA). Houve aditamento ao TAC em 29/03/2010 que consiste no plantio de 5.200 espécies nativas até final de setembro de 2010 e averbação da reserva legal da área, em um ano, a contar da aprovação do PRAD. O cumprimento foi comprovado com a apresentação de documento de beneficiamento da madeira; de pagamento do valor ao FMMA e de cumprimento das demais condições aditadas. Em 03/10/2011 o Ministério Público promoveu o arquivamento do procedimento, que foi homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público em 09/12/2011.

No inquérito n.º 00802.00005/2010, o fato investigado, cuja data da averiguação ocorreu em 19/02/2010, foi o corte de árvores nativas da espécie sibipiruna (Caesalpinia peltophoroides) e transplante de jerivás (Syagrus romanzoffiana) em logradouro público sem licenciamento ambiental. A data da instauração do ICP foi 12/02/2010. No TAC, firmado em 03/03/2010, restaram estabelecidas as seguintes obrigações: renunciar ao direito sobre os três jerivás plantados no canteiro central da rua em questão, doando-os ao município e arcar com as despesas necessárias à remoção dos jerivás plantados. Além da firmatura do TAC com o investigado, neste inquérito foi estabelecido o compromisso também com o Município de Lajeado, que se comprometeu a abster-se de autorizar ou executar supressão de vegetação sem prévio licenciamento ambiental; apresentar plano de recuperação urbanística da Rua Esperanto; executar o replantio de mudas adultas de sibipiruna e retirada dos jerivás plantados; indicar a localização do plantio dos três jerivás. Esta medida foi adotada porque o Município expediu a autorização sem licença ambiental para o investigado remover as árvores. Para comprovar o cumprimento foram apresentados projeto, aprovação dos moradores e ordem de serviço regulamentando supressão de vegetação. O procedimento foi arquivado em 18/10/2010 e a homologação do arquivamento pelo Conselho Superior do Ministério Público ocorreu em 19/11/2010.

Em 03/02/2010 foi averiguado pelo órgão denunciante o fato de manter camping em área de preservação permanente, com construção de casas para veraneio sem autorização do órgão ambiental (ICP n.º 0080200009/2010). A data da instauração do ICP foi 03/03/2010. No TAC, firmado em 18/08/11, consta o seguinte acordo: encaminhar pedido de regularização do camping junto à FEPAM; atender exigências da FEPAM referente ao pedido; plantio de 500 mudas de árvores e instalação de fossas sépticas e filtros biológicos anaeróbicos para tratamento final de esgoto. Foi protocolizado pedido de regularização ambiental do empreendimento; apresentação de Projeto de Implantação de Fossas Sépticas e Filtros Biológicos Anaeróbicos para tratamento final de esgoto doméstico, bem como Projeto de Plantio de Árvores para comprovação de cumprimento das obrigações. A data de arquivamento foi 17/09/2012, que foi homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público em 31/10/2012.

 Em 17/03/2010 foi averiguado o fato descrito do ICP n.º 0080200002/2011, dano ambiental decorrente da supressão da vegetação. O procedimento foi instaurado em 23/03/2011. Consta no TAC, firmado em 26/04/2011, as obrigações de apresentar Projeto de Recuperação de Área Degradada e/ou Compensação Ambiental e o plantio de mudas conforme projeto de recuperação. Foram apresentados pelo investigado o Projeto de Recuperação de Área Degradada e parecer técnico SEMA, autorizando a sua implantação, motivo pelo qual o inquérito foi arquivado em 05/11/2012 e homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público em 21/01/2013.

3 Resultados

A partir da análise dos ICP foi possível observar o tempo transcorrido entre a data de verificação do fato e de arquivamento do expediente; a forma de comprovação do cumprimento das obrigações assumidas no acordo firmado; a participação dos investigados na definição dos termos e cláusulas do TAC e a interferência de um terceiro mediador para conciliar as possibilidades e necessidades dos investigados com a garantia do direito difuso ao meio ambiente, preservando e recuperando-o na maior medida possível.

Em todos os inquéritos houve a presença dos investigados, mas questiona-se se, diante do conflito ambiental, a decisão foi da autoridade ministerial ou possibilitou-se a reflexão e participação dos envolvidos.

Nota-se, por exemplo no inquérito n.º 00802.00003/2008, que teve como fato a instalação de empreendimentos avícolas em área de preservação permanente e sem licenciamento ambiental, que consta nos autos ofícios da Prefeitura Municipal e Câmara Municipal de Vereadores do município em questão indicando os reflexos negativos na economia do Município a partir da desativação dos aviários. Os investigados apresentaram a dificuldade na transferência dos aviários para um local apropriado, pela inviabilidade financeira. Diante disso, foi aditado o TAC, observando-se as questões apresentadas pelos envolvidos e mediadores. O MP, a FEPAM, o Município de Marques de Souza e os envolvidos ajustaram ações progressivas de proteção ao meio ambiente, com etapas a serem desenvolvidas que não inviabilizassem totalmente o empreendimento, pois realizáveis a curto, médio e longo prazo.

Foi possível perceber que a atuação de mediadores, neste caso Prefeitura Municipal e Câmara Municipal de Vereadores de Marques de Souza, foi fundamental para estimular a participação dos envolvidos.

Observou-se também que nos ICP que investigaram o corte de floresta foram observadas as questões sociais quando foi viabilizada a utilização da madeira apreendida já cortada por uma relação de pessoas apresentadas ao DEFAP; assim como no ICP que investigou a instalação de camping, pois houve a adequação do local para minimizar os danos ambientais permitindo-se a continuidade do acesso dos frequentadores, o que oportuniza o contato com a natureza.

Percebeu-se que a comprovação do cumprimento das obrigações assumidas no acordo firmado em alguns casos foi insuficiente. No ICP n.º 00802.00005/2010 não há comprovação do efetivo plantio das árvores das espécies sibipiruna e jerivás.

Ainda no inquérito n.º 00802.00005/2010 não foi observado o laudo técnico que aponta ser o jerivá uma espécie de árvore nativa. O MP e o Conselho Superior do MP apontaram ser uma espécie exótica, indicando como melhor solução a retirada desta árvore e recolocação da sibipiruna que havia sido removida. A decisão parece estar mais preocupada com a validade e a formalidade do que com a eficácia, pois considerou que, tendo o investigado e o Município agido sem a licença ambiental, deveria retornar o estado anterior ao fato. Do ponto de vista ambiental este novo transplante das espécies pode não ter sido a melhor decisão.

Portanto, percebe-se que ao mesmo tempo em que há dificuldade de se desvincular do formalismo e dos preceitos do Direito positivista na definição dos termos do acordo, neste caso não houve observação da total comprovação do cumprimento das obrigações assumidas.

Com relação ao tempo transcorrido entre a data de verificação do fato e a data de homologação do arquivamento do expediente, verificou-se que os cinco inquéritos arquivados tramitaram por 48 meses, 28 meses, 09 meses, 32 meses, 34 meses. Portanto, entre os cinco expedientes que já estão arquivados, a média de tempo de tramitação entre a averiguação do fato e a homologação do arquivamento foi de 30,2 meses. Trata-se de um tempo razoável em relação ao tempo médio de tramitação de uma ação no Poder Judiciário. Houve uma mitigação do dano ambiental neste período, já que as condições do TAC foram cumpridas. Portanto, para evitar a morosidade de um processo judicial, o TAC cumpre um papel efetivo de proteção ao meio ambiente.

Além disso, verificou-se que houve cumprimento das obrigações assumidas no TAC com o arquivamento de cinco inquéritos; houve ajuizamento de ação judicial por falta de cumprimento das obrigações assumidas no TAC em três inquéritos; e ainda está em fase de cumprimento com relação a um inquérito. Ou seja, na maioria dos casos as obrigações assumidas foram cumpridas, o que indica que houve efetividade.

Conclusão

No momento em que os conflitos chegam ao Poder Judiciário o tratamento dado a eles observa um mesmo ritual. “São tratados como números, partes, requerente e requerido e, com isso perdem a identidade e individualidade” (SPENGLER, BITTENCOURT e TURATTI, 2012, p. 41). Warat (2010) sustenta que quando aquele que decide é um terceiro distante do conflito, que decide porque representa um órgão do Estado que tem a possibilidade delegada de exercer o monopólio da coerção devida, tem-se as condições para o surgimento de um órgão executor de um Estado de exceção camuflado.

O compromisso, por sua vez, requer o reconhecimento da parte contrária, que não pertence exclusivamente a um lado e só terá sentido de for recíproco (SPENGLER, BITTENCOURT e TURATTI, 2012).

Com relação aos conflitos ambientais, as decisões acordadas são fundamentais para gerar uma reflexão sobre as questões do meio ambiente e proporcionar maior efetividade das obrigações assumidas, em virtude da participação do obrigado na sua escolha.

Assim, as novas teorias acerca da resolução de conflitos referem que a preocupação deve centrar-se mais na eficácia e no sentido prático da resolução de conflitos, integrando as partes envolvidas sem excesso de formalismo. Ocorre que o Estado ainda enfrenta dificuldades em praticar uma ética da discussão, numa lógica de deliberação pública da qual o cidadão seja parte ativa, enfrentando graves problemas de legitimidade e representatividade.

Mostra-se necessário que o Direito “seja capaz de se revelar aberto e flexível a espaços para práticas institucionalizadas ou não institucionalizadas, capazes de colocar os sujeitos envolvidos como verdadeiros interlocutores de um diálogo” (SPENGLER, BITTENCOURT e TURATTI, 2012, p. 141).

O Estado tem o papel fundamental de auxiliar na inserção da consciência coletiva de participação ativa dos cidadãos, que por muito tempo permaneceram regulados por normas estanques, rígidas e formais.

Os resultados da pesquisa demonstram que para a resolução do conflito ambiental é fundamental a participação dos investigados na definição dos termos e cláusulas do TAC e a interferência de um terceiro mediador para conciliar as possibilidades e necessidades dos investigados com a garantia do direito difuso ao meio ambiente, preservando e recuperando-o na maior medida possível.

Por fim, salienta-se que o fator temporal é de extrema relevância quando se trata de dano ambiental, pois quanto mais rápido for reparado ou seu perigo for afastado, melhor protegido estará o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, para evitar a morosidade de um processo judicial, o TAC cumpre um papel efetivo de proteção ao meio ambiente.

É necessário um aprofundamento na pesquisa para verificar o nível de consciência ambiental antes e depois da firmatura do TAC. Esta pesquisa, dessa forma, não está concluída e será desenvolvida pela autora através de entrevistas com os investigados nestes ICP e compilada na dissertação a ser apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES.

 

Referências
ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
ACSELRAD, Henri. Conflitos Ambientais – a atualidade do objeto. In: _______. Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.
ALIER, Juan Martinez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais. São Paulo: Contexto, 2007.
ALVES, Eliana Calmon. Poder Judiciário: enfoque para as soluções alternativas de conflito. Biblioteca Digital do Superior Tribunal de Justiça, BDJur. Data de publicação: 13.09.2006. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/3075>. Acesso em: 30 jan. 2014.
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navegandi. Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em: 03 fev. 2014.
BERTÉ, Rodrigo. Gestão Socioambiental no Brasil. Curitiba: Ibpex, 2009.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O Direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela de interesses difusos e coletivos. São Paulo: Saraiva, 2006.
HERRERA, A. A crise da espécie. In: BURSTYN, M. et al. Que crise é essa? São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 56-68.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Os conflitos na sociedade moderna: uma introdução conceitual. In: BURSZTYN, Marcel (Org.). A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Garamond, 2001.
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
PLATIAU, Ana Flavia Barros, et al. Primeira parte. In: THEODORO, Suzi Huff (Org.). Mediação de conflitos socioambientais. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
POMPEU, Cid Tomanik. Direito das águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
PONIEMAN, Alejandro. Qué hacer com los conflitos. Buenos Aires: Losada, 2005.
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. O Ministério Público e a tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2000. 115f. Dissertação (Pós-graduação em Teoria Geral do Processo) – Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2000.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2000.
SOARES, Samira Iasbeck de Oliveira. Mediação de conflitos ambientais: um novo caminho para a governança da água no Brasil? Curitiba: Juruá, 2010.
SPENGLER, Fabiana Marion; BITTENCOURT, Caroline M.; TURATTI, Luciana. Políticas Públicas no tratamento de conflitos: um novo olhar para a jurisdição. Alemanha: Académica Espanõla, 2012.
TURATTI, Luciana; GRAVINA, Magda; BIANCHIN, Araceli. A (in)eficácia dos termos de ajustamento de conduta na solução de danos ambientais no Vale do Taquari. Estudo & Debate, Lajeado, v. 12, p. 117-131, 2005.
WARAT, Luiz Alberto. A rua grita Dionísio! Direitos humanos da alteridade, surrealismo e cartografia. Rio de Janeiro: Lume Júris, 2010.
 
Notas:
[1] Trbalho orientado pelo Prof. Renato de Oliveira Professor colaborador da UNIVATES, Doutor em Sociologia pela Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales pela EHESS França, e-mail: [email protected].

[2] O Compromisso de Ajustamento de Conduta é firmado e consubstanciado em um termo, conhecido como Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Na negociação das condições não se pode dispor sobre o direito difuso de proteção ao meio ambiente, porém pode-se dispor sobre a forma e a maneira de recuperação e cessação do dano.

[3] Conforme art. 225, caput, da Constituição Federal, impõem-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

[5] O art. 5°, § 6°, da Lei n.° 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e outros, refere que “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

[6] FEPAM: Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente do Rio Grande do Sul.


Informações Sobre o Autor

Luzia Klunk

Bolsista CAPES/PROSUP mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES advogada


Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária!

A Utilização do Hidrogênio Verde Como Instrumento Para Efetivação…

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! THE USE...
Equipe Âmbito
33 min read

O amparo legal ao direito dos animais e seu…

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! Cairilayne Danielly...
Equipe Âmbito
24 min read

Competências Jurídicas do Estado do Tocantins sobre o Meio…

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! Autor: Marcos...
Equipe Âmbito
16 min read

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *