Aspectos jurídicos da exploração de recursos naturais em terras indígenas

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Resumo: Analisa e revisa a literatura sobre as terras indígenas brasileiras, como primado maior do desenvolvimento das comunidades indígenas, e sobre a exploração de recursos naturais em terras indígenas, pelas próprias comunidades e por terceiros, assim como do contexto geral no qual se insere a questão. Analisa que existe menção constitucional que permite a pesquisa e lavra das riquezas minerais além do aproveitamento de recursos hídricos por terceiros em áreas indígenas. Verifica que a exploração não tradicional se sujeita às normas de proteção ambiental.


Palavras-Chave: direito; terra indígena; índio, recursos naturais; meio ambiente.


Abstract: Analyzes and reviews the literature about Brazilian indigenous lands, as the indigenous communities’ development’s biggest rule, and about the natural source’s exploration in indigenous lands, by own communities and by other people, and also about the general context the question is inserted. Focuses on Brazilian constitution’s texts that allow the minerals’ research and mining and also allow the hydrological resources’ use by other people in indigenous lands. Verify the non-traditional exploration by indigenous peoples follows environment protection laws.


Key words: law; indigenous lands; indian; natural resources; environment.


Sumário: Introdução. 1. Terras Indígenas: Noções Gerais. 2. Exploração de Recursos Naturais em Terras Indígenas. 2.1. Minérios e Recursos Hídricos. 2.2. Extração Comercial de Madeira. 2.3. Pesca Comercial. 3. Proteção ao Meio Ambiente nas Terras Indígenas. Conclusão.


Introdução


O presente artigo pretende discutir a exploração dos recursos naturais em terras indígenas e a proteção ambiental aplicável.


A Constituição Federal de 1988 revelou um grande esforço do Constituinte no sentido de preordenar um sistema de normas que pudesse efetivamente proteger os direitos e interesses dos índios, dando um largo passo à frente na questão indígena ao dispor sobre a propriedade das terras ocupadas pelos índios, a competência da União para legislar sobre populações indígenas, autorização congressual para exploração em terras indígenas, relações das comunidades indígenas com suas terras, preservação de suas línguas, usos, costumes, tradições e crenças (art. 231)


Assim, a Constituição Democrática de 1988 revolucionou a relação entre o Estado e os povos indígenas porque rompeu com a política integralista que vigorava até então.


A questão da terra passou a se concentrar como ponto central dos direitos constitucionais indígenas, porquanto, no tocante a seus demais direitos (costumes, crenças e tradições), não houve relevantes conflitos que, assim como as terras, exigissem grandes movimentações políticas a fim de aplacar intensos conflitos sociais, agrários e econômicos.


1. Terras Indígenas: Noções Gerais


A Constituição Federal traz, no seu artigo 231, §1°, a explicação da alocução “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”:


“São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.” (grifo nosso)


O termo tradicionalmente significa a manutenção de hábitos consuetudinários, como: a organização social baseada em normas de parentesco, o uso de instituições jurídicas próprias na resolução de conflitos internos, organização ritual e religiosa, modo de produção, modo de ocupação e utilização da terra. O que não significa imutabilidade dos hábitos e instituições, uma vez que podem ter se modificado, em algum grau, devido ao contato com os não-índios. ANTUNES[i] assevera que “tradicionalmente refere-se a um modelo de economia não monetarizada, sustentada de formas não diretamente vinculadas ao modelo de mercado e que, não raras vezes, é desenvolvida de forma comunitária.


Por sua vez, o termo permanente remete ao caráter temporal da ocupação da terra pelos índios, que nas palavras de José Afonso da Silva: “… não significa um pressuposto do passado como ocupação efetiva, mas, especialmente, uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis e indisponíveis são destinadas, para sempre, ao seu habitat.”[ii]


O Estatuto do Índio (Lei n° 6.001/73), que permanece em vigor, recepcionado pela Constituição de 1988 no que lhe for compatível, traz o conceito de terras indígenas no seu artigo 17, a saber:


Reputam-se terras indígenas:


I – as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, da Constituição (hoje revogada);


II – as áreas reservadas de que trata o Capítulo III deste Título;


III – as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas.”


Segundo MARQUES[iii], somente as terras indicadas no inciso I podem ser consideradas terras públicas. As indicadas nos incisos II e III podem ser classificadas como terras particulares. Assim, as terras ocupadas são aquelas de posse imemorial de que trata o art. 231, CF; as reservadas são aquelas estabelecidas pela União em qualquer parte do território nacional (reservas, parques e colônias agrícolas indígenas)[1]; e , por fim as terras de domínio das comunidades ou de silvícolas são aquelas adquiridas por qualquer meio aquisitivo de propriedade previsto na lei ordinária, incluindo a usucapião[2].


Por força do artigo 20 da Constituição Federal, as terras indígenas são bens da União. São bens públicos de natureza especial, inalienáveis, indisponíveis têm os direitos sobre si imprescritíveis (art. 231, §4°). Apesar de possuir o domínio, a União não tem direitos de gozo e fruição sobre essas terras. Ao contrário, tais direitos cabem, exclusivamente, às comunidades indígenas, por meio dos institutos da posse permanente e do usufruto exclusivo (art. 231, §2º).


A outorga constitucional dessas terras ao domínio da União visa precisamente preservá-la e manter o vínculo que se acha embutido na norma, ou seja, cria-se aí uma propriedade vinculada ou propriedade reservada com o fim de garantir os direitos dos índios sobre ela. Por isso, são terras inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas imprescritíveis.[iv]


Em 1997 o Supremo Tribunal Federal decidiu: “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, embora pertencentes ao patrimônio da União (CF, art. 20, XI), acham-se afetadas, por efeito de destinação constitucional, a fins específicos voltados, unicamente, à proteção jurídica, social, antropológica, econômica e cultural dos índios, dos grupos indígenas e das comunidades tribais.”[3]


Cabe salientar que a propriedade aqui aplicada é diferente do conceito típico do direito civil[4], já que a União apesar de titular do domínio, não exerce, em tese, o direito de gozo e fruição. Esses direitos cabem às comunidades indígenas através dos institutos da posse permanente e usufruto exclusivo.


O usufruto exclusivo nas terras indígenas também se difere do instituto correlato do direito privado, principalmente pelo seu caráter coletivo. Os titulares do direito são as comunidades indígenas e não cada índio individualmente. Porém assemelham-se na natureza de direito real sobre coisa alheia e permitem a percepção dos frutos e utilidades do bem.


Desse direito decorrem limitações e impedimentos às atividades econômicas de terceiros nas áreas indígenas, com exceção da mineração e do aproveitamento de recursos hídricos (231, § 3º, CF), condicionadas à prévia autorização do Congresso Nacional, à oitiva das comunidades afetadas e à garantia de participação nos resultados da lavra.


Esse usufruto, portanto, é intransferível e, por ser pleno, compreende o uso e a fruição, quer se trate de minerais, de vegetais ou animais.


Resta irrefutável que a comunidade indígena tem o direito ao usufruto de suas terras de uma forma ampla e irrestrita. Como legítimos senhores e possuidores de suas terras são os próprios índios que devem escolher quem pode ou não delas se utilizar, ou seja, qualquer uso da terra indígena deve ter o crivo e a aprovação da comunidade indígena.


2. Exploração dos Recursos Naturais nas Terras Indígenas


Como já vimos, o art. 231 da Constituição Federal reconhece os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo à União demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens.


O parágrafo 1° do referido artigo indica que, entre outras formas de apropriação indígena, a terra tradicionalmente ocupada é a utilizada para as atividades produtivas dos índios. Enquanto o 2° parágrafo garante o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes, o 6° parágrafo torna nulo e extinto qualquer ato que por objeto a exploração dessas riquezas.


Sendo assim não há nenhuma vedação constitucional à exploração dos recursos naturais pelos indígenas.


O instituto do usufruto exclusivo indígena não pode ser interpretado como uma proibição de desenvolvimento de atividades produtivas que excedam às suas necessidades de subsistência, uma vez que as comunidades indígenas têm direito ao desenvolvimento consoante com sua autodeterminação. Deve ser absorvido como uma proteção especial e não como uma restrição.


Analisemos os dispositivos infraconstitucionais.


O Estatuto do Índio atribui aos índios o direito à exploração das riquezas do solo, ao corte de madeira e o exercício da caça e da pesca em suas terras. Assegura, pois, aos indígenas o direito à exploração de recursos naturais.[5]


O Decreto n. 1.141/94 também não impede a exploração dos recursos naturais pelos indígenas nas terras por eles ocupadas. Disciplina que as ações de proteção ambiental e apoio às atividades produtivas voltadas às comunidades indígenas constituem encargos da União, e prevê que referidas ações serão realizadas mediante programas nacionais e projetos específicos, elaborados e executados por diversos ministérios. Tais ações devem contemplar: diagnóstico ambiental, acompanhamento de recuperação de áreas degradadas, controle de atividades potencialmente nocivas ao meio ambiente da área indígena, educação ambiental, e identificação e difusão de tecnologias indígenas e não-indígenas, consideradas apropriadas do ponto de vista ambiental e antropológico.


Do que se depreende dos diplomas legais analisados, as atividades dos indígenas em suas terras não são vedadas ou limitadas expressamente, ao contrário, os textos autorizam a exploração de recursos naturais e o exercício da caça e da pesca. Segundo os dispositivos citados, todas as ações devem ser orientadas pela União, com o auxílio da Funai, e devem explorar a natureza de forma imprescindível à sobrevivência pautada pela razoabilidade e equilíbrio.


Diferente é o entendimento quando se tratar de atividades não-tradicionais, que deverão se submeter à legislação ambiental. Ensina MARÉS[v]:


“Por outro lado, as populações indígenas produzem excedentes que comercializam para a aquisição de bens e serviços de que não dispõem internamente. A extração desses excedentes deve ser orientada segundo os padrões legais de proteção ambiental nacional.”


2.1. Mineração e Aproveitamento de Recursos Hídricos em Terras Indígenas


O Art. 231, §7º, da Constituição, estatui que: “Não se aplica às Terras Indígenas o disposto no Art. 174, §3º e §4º”. Este por sua vez dispõe sobre as atividades das cooperativas de garimpeiros.


A Constituição estabeleceu uma clara distinção no tratamento jurídico dado à mineração e ao garimpo em Terras Indígenas. Se, por um lado, a mineração por terceiros está sujeita a condições específicas, por outro lado, o garimpo em Terra Indígena por terceiros é absolutamente proibido. [vi]


Para esclarecer melhor a questão, se faz necessário diferenciar garimpagem e mineração ou lavra. Pelo que se depreende dos artigos 36 e 70 do Código de Mineração (Decreto-Lei n° 227/67), garimpagem é um processo rústico e manual de extração de minérios dos garimpos[6], enquanto a lavra[7] refere-se a um processo industrial, que inclui a extração e o beneficiamento de minérios.


A Lei 7.805/89, ao regulamentar o regime de permissão de lavra garimpeira, dispõe expressamente, em seu Art. 23, que: “A permissão de lavra garimpeira de que trata esta lei: a) não se aplica a Terras Indígenas.”


Não se aplica às terras indígenas as regras gerais que disciplinam a permissão de lavra garimpeira. Portanto há a necessidade de suprir essa lacuna, com a edição de normas específicas que regulamentem o exercício de atividades garimpeiras pelos próprios índios. Por outro lado, os índios não podem ser impedidos de exercer um direito (ao usufruto exclusivo de seus recursos naturais e à própria garimpagem, faiscação e cata, atividades permitidas pela Constituição e pelo atual Estatuto do Índio[8]) devido à ausência de regulamentação legal.[vii]


O parágrafo 3° do artigo 231 da Constituição estabelece uma exceção ao regime de usufruto exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos existentes em terras indígenas.


In verbis:


“§ 3º – O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.”


O professor Paulo de Bessa Antunes[viii] constata que, pelos termos da CF, “a mineração em terras indígenas não está proibida no Brasil. O que a Constituição determinou foi, apenas e tão-somente, que o Congresso Nacional autorizasse a atividade e que a comunidade indígena afetada fosse ouvida, assegurando-se à mesma a percepção de royalties.” E conclui que a participação nos resultados da lavra e da exploração dos potenciais energéticos hidráulicos é uma extensão dos direitos previstos no art. 176, §2°, ainda não regulamentado[9], assim expresso:


Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.


§ 2º – É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.”


Bem anota Juliana Santilli[ix] que enquanto o Congresso Nacional não aprovar lei que regulamente o cumprimento das exigências constitucionais (art. 231, §3°), nenhuma atividade de mineração pode ser desenvolvida em terra indígena por terceiros. Lembra a autora que há necessidade da lei exigir, além de estudo de impacto ambiental, exigir laudo antropológico para examinar os impactos e conseqüências da pesquisa ou lavra mineral, ou da construção de uma usina hidrelétrica, pois só um expert pode dizer, com certeza científica, sobre os impactos e prever medidas atenuadoras.


Em relação aos recursos hídricos, cabe ressaltar que além da necessidade de subsistência física, há uma dimensão cultural do direito à água, e seu valor múltiplo, incide direitos que remontam a manifestações tradicionais e expressões próprias de uma identidade cultural.[x]


Tendo em vista a indissociabilidade entre os povos indígenas e os bens ambientais de suas terras, AYALA (2007) afirma que “os povos indígenas têm direito originário de não ser privado, expropriados ou usurpados no livre acesso, completo e permanente aos recursos hídricos”, para o desenvolvimento de suas práticas tradicionais.


Ainda explica que além dos requisitos já analisados acima, autorização do Congresso Nacional e audiência das comunidades indígenas – que significa que deve haver um consentimento mútuo entre os povos afetados e o Estado – há também que existir relevante interesse da União, declarada em lei complementar (hoje inexistente), nos termos do parágrafo 6° do art. 231, pois do contrário, qualquer ato jurídico a esse respeito é nulo. Dessa forma conclui que se encontra proibido, por ser inconstitucional, qualquer exercício de direito de terceiros, tendo por objeto a exploração de potenciais energéticos.


2.2. Extração de Madeira nas Terras Indígenas


Nos termos do art. 79 do Código Civil[10], árvores juntamente com o solo constituem o bem imóvel, já que o incorporam naturalmente como acessório.


Dada a similitude entre os institutos de usufruto exclusivo indígena e o usufruto de ordem privada, tem-se que o usufruto indígena se estende aos acessórios da coisa. Tratando-se de florestas, o Código Civil estabelece que o dono e o usufrutuário devem prefixar a extensão do gozo e a maneira de exploração. No caso indígena a extensão está fixada constitucionalmente, uma vez que o entendimento de terra indígena a abrange como uma universalidade de bens. Não obstante, o artigo 24 do Estatuto do Índio é expresso no seu parágrafo 1° que o usufruto se estende aos acessórios e seus acrescidos.


Não resta dúvida, portanto, que os recursos florestais existentes nas Terras Indígenas estão entre as riquezas naturais que são objeto do usufruto exclusivo assegurado constitucionalmente aos índios.


Assim, os índios podem usar livremente os recursos florestais de suas terras em atividades tradicionais, voltadas para a subsistência ou consumo interno, podendo cortar árvores para construir casas, fazer utensílios domésticos, móveis, instrumentos de trabalho, cercas, canoas e barcos, e usar seus recursos florestais para quaisquer outros fins que visem possibilitar a sobrevivência física e cultural da comunidade indígena. Portanto, não incidem sobre as atividades tradicionais desenvolvidas pelas comunidades indígenas as limitações gerais estabelecidas pelo Código Florestal. Assim, podem plantar, fazer roças e aldeias mesmo nas áreas de preservação permanente estabelecidas pelo Código Florestal.[xi]


Freqüentemente nos deparamos com notícias de índios envolvidos com extração ilegal de madeiras ou outras atividades lesivas ao meio ambiente. No entanto, essas situações ocorrem de forma pontual, operadas por lideranças contaminadas pela cultura do branco, não raro em detrimento de toda a comunidade.[xii]


Em algumas comunidades a extração de madeira chegou a proporções alarmantes, como é o caso da extração de mogno pelos índios caiapós (ANTUNES, 2008) e o caso da terra indígena do Alto Rio Guamá, no Pará, em que 50% do território já foi desmatado.[xiii]


A exploração irregular de madeira em áreas indígenas ocorre, segundo ANTUNES (2008), de duas maneiras diferentes. A primeira é a exploração clandestina, que acontece sem autorização, não raras vezes com conivência pelos órgãos de fiscalização.


A segunda maneira é a exploração comercial realizada pelos índios ou com a autorização destes. O autor evidencia que a extração de madeira por grupos indígenas é um mau negócio, pelo baixo preço pago aos índios e pelos graves riscos para a sobrevivência da comunidade, já que a exploração, em regra, não é sustentável.


Em ambas as situações são aplicáveis as normas de proteção ambiental, sendo passível de sacões de ordem administrativo, civil e penal.


2.3. Pesca durante Período de Defeso


Os mesmos fundamentos que autorizam a exploração de madeira pelos índios em suas terras os autorizam a pescar e caçar livremente, com objetivo de abastecimento interno e subsistência.


Porém se a finalidade é comercial, essas atividades devem se sujeitar às condições e restrições impostas pelas normas de proteção ambiental.


No estado de Mato Grosso a pesca é regulada pela Lei Estadual n° 7.881/2002, que estabelece restrições e impõe o período de defeso (piracema):


Art. 21º É proibido extrair recursos pesqueiros do Estado de Mato Grosso:


I – nos lugares e épocas interditadas pelos órgãos competentes;


II – a jusante e a montante nas proximidades de barragens, cachoeiras e corredeiras, escadas de peixes e desembocaduras de baías;


III – de espécies e tamanhos proibidos pela legislação;


IV – com qualquer aparelho, método ou técnica e apetrechos proibidos pela legislação pesqueira, tais como, armadilha tipo tampagem, pari, cercado anzol de galho, e qualquer outro aparelho fixo, aparelho tipo elétrico, sonoro ou técnica e apetrechos proibidos pela legislação pesqueira, tais como, armadilha tipo tampagem, e qialquer outro aparelho fixo.


V – nos locais onde o exercício de pesca cause embaraço à navegação;


VI – com substância Tóxicas;


VII – com explosivos;


VIII – através de derivação de cursos d´água ou esgotamento de lagos de domínio público.


Art 22º Fica proibido o exercício de qualquer modalidade de pesca no Estado de Mato Grosso nos meses de novembro a fevereiro, podendo ser alterado esse período atendendo a estudos técnicos-científico.” (grifo nosso)


Mas infelizmente, todo ano, no período de defeso ocorrem diversas apreensões de pescado, dentre inúmeras, muitas de pescado oriundo da Terra Indígena Umutina, localizada no município de Barra do Bugres-MT, às margens do rio Paraguai e do rio Bugres.


A Terra Indígena Umutina foi regularizada em 1989 com uma área de 28.120 hectares. A partir de 1991, dentro de uma política do Sistema de Proteção ao Índio (SPI), os Umutina foram obrigados a receber em seu território membros de outras comunidades indígenas, tais como paresi, nambikwara, kaiaby, terena, irantxe, bororo e bakairi.


No início do século XX os Umutina foram vítimas da violência do homem branco. Foram descritos e tidos pelos não índios como indígenas agressivos e violentos que impediam, pela força, a invasão de seu território tribal. Apesar dos efeitos desagregadores advindos do contato, como a perda da língua nativa, de sua terra tradicional e das doenças que causaram um grave decréscimo populacional, esse povo possui um forte sentido de identidade étnica, reconhecendo-se como tradicionais moradores do alto-Paraguai, envolvidos atualmente na recuperação de suas manifestações sócio-culturais tradicionais. [xiv]


A aldeia Umutina é um dos grandes problemas de Mato Grosso e da fiscalização no período de piracema, quando é proibido pescar no Estado. A quantidade de pescado retirado do local, por meio dos atravessadores, é sempre grande. No ano de 2007 chegou a quatro toneladas de pescado. Em 2008 houve redução para uma tonelada, devido à ampla fiscalização. Grave é ainda o problema da violência decorrente dessa situação.[xv]


A grande problemática da população da Aldeia Umutina, em torno de 400 habitantes, na época da piracema, é que cerca de 90% da população é de pescadores. A atividade é praticada o ano todo, com o timbó, método tradicional passado de geração em geração, e representa 80% da renda da aldeia.


A solução discutida atualmente para a situação é garantir a profissionalização dos índios, por meio da concessão da carteira de pescador profissional, que é requisito para ser beneficiado pelo seguro-desemprego no período de defeso.


3. Proteção ao Meio Ambiente nas Terras Indígenas


A Constituição Federal estabelece uma relação intrínseca entre a tutela do meio ambiente e a proteção da pessoa humana, o art. 225 preconiza que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida. A Carta Magna tem o fim imediato de tutelar a qualidade do meio ambiente, e o fim mediato de proteger a saúde, o bem-estar e a segurança da população, sintetizado na expressão qualidade de vida.


O art. 225 da Constituição impõe ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente. O Poder Público tem a incumbência de tomar as providências enumeradas nos incisos do § 1º do mesmo artigo para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Atualmente, o meio ambiente é concebido como um bem do povo, que, por ser findável, deve ser protegido para uso sustentável pelas presentes e futuras gerações.


A relação entre a proteção dos direitos dos povos indígenas e a proteção dos bens ambientais é estreita e tem sido reconhecida pelos tribunais brasileiros, a despeito da lacuna doutrinária. AYALA (2007) cita a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região no agravo de instrumento n° 200101000306076/PA, como exemplo de correta interpretação de colisão entre valores constitucionais, relacionando geração de energia e garantia dos direitos indígenas:


“As políticas governamentais – inclusive aquelas voltadas a minimizar os efeitos da crise de fornecimento de energia elétrica – devem curvar-se à Constituição. Viabilizar o inverso seria, no mínimo, subverter o Estado de Direito.”


A proximidade dos povos indígenas com o meio ambiente, no sentido de habitat, revela um caráter dúplice do direito ao meio ambiente equilibrado. De um lado os indígenas têm direito ao equilíbrio do meio ambiente como pessoas que são e porque ele é a base da sua existência digna, sua produção tradicional, sua história, cultura e espiritualidade. De outro, eles têm o dever de preservação, utilizando de técnicas sustentáveis para a exploração comercial.


As controvérsias ambientais, neste caso, são baseadas na confrontação entre legislação de proteção ambiental e a proteção cultural do modo tradicional dos povos indígenas disporem de seus recursos naturais.


GRANZIERA[xvi] ensina que dano ao meio ambiente consiste no prejuízo, perda de valor, causada por uma ação, ou omissão, específica ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Os princípios do poluidor-pagador, prevenção e precaução vêm fundamentar a necessidade da atuação preventiva, com investimentos nos cuidados para que as atividades não causem efeitos danosos à sociedade. Ainda é preciso razoabilidade e proporcionalidade nas ações do poder público, para garantir que a proteção ao meio ambiente se efetive, como parte do desenvolvimento econômico e social.


Assevera ainda a autora que, nos termos do art. 225, §3° da Constituição Federal, as responsabilidades civil, penal e administrativa são independentes e se aplicam cumulativamente, conforme o caso.


Convém ressaltar que, em matéria de responsabilidade penal, não existe inimputabilidade penal do índio. O que há é uma atenuação da pena conforme o grau de “integração” do índio com a sociedade – ressaltando a defasagem do termo.


No ensinamento de NUCCI[xvii] “nem sempre o índio deve ser considerado inimputável ou semi-imputável, mormente quando estiver integrado à civilização. Portanto, depende da análise crítica de cada caso concreto.”


Sendo assim, o indígena que cometer qualquer crime, neste caso os crimes ambientais tipificados nas leis de proteção ambiental, poderá ser processado e condenado normalmente, sendo-lhe aplicado a atenuação de pena prevista no Estatuto do Índio.


A Constituição protege o modo de vida tradicional dos povos indígenas, e que suas atividades tradicionais, desenvolvidas e compartilhadas ao longo de gerações, e reproduzidas segundo usos, costumes e tradições indígenas, estão claramente excluídas da possibilidade de aplicação das normas incriminadoras previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98). Atividades tradicionais como caça, pesca e extrativismo, ainda que realizadas mediante o emprego de técnicas, métodos, petrechos ou substâncias não permitidas pela legislação ambiental, estão isentas das penas cominadas aos crimes ambientais.


Nas palavras de MARÉS (2008), “O usufruto de suas terras, segundo seus usos, costumes e tradições, implica na possibilidade de, sem restrições, utilizar os bens e recursos da área. Portanto os indígenas podem fazer roça, aldeia, extrair lenha e alimentos para uso da comunidade, sem qualquer restrição, porque restrições impostas administrativamente ou por lei, implicariam em inconstitucionalidade.”


Diversas são, entretanto, as conseqüências penais quando se tratar de atividades não-tradicionais, que deverão se submeter à legislação ambiental.


Continua MARÉS (2008): “Por outro lado, as populações indígenas produzem excedentes que comercializam para a aquisição de bens e serviços de que não dispõem internamente. A extração desses excedentes deve ser orientada segundo os padrões legais de proteção ambiental nacional.


Conclusão


Muito claro está que, devido ao reconhecimento pela Carta Magna do seu direito originário, as comunidades indígenas têm direito à posse permanente e ao usufruto exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam e de suas riquezas necessárias a seu bem-estar e a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.


Como parte da sociedade brasileira, as comunidades indígenas têm direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Elas mais especialmente, porque esse direito subsidia outro direito constitucional dos indígenas: o direito à terra como fonte de subsistência física, social e cultural.


Por ser tutela constitucional, o direito à terra e usufruto exclusivo se sobrepõe ao tratamento normativo de proteção ambiental, porém não se sobrepõe ao direito de toda sociedade a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.


A Constituição protege o modo de vida tradicional dos povos indígenas, e suas atividades tradicionais, desenvolvidas e compartilhadas ao longo de gerações, e reproduzidas segundo usos, costumes e tradições indígenas, estão claramente excluídas da possibilidade de responsabilização penal, civil ou administrativa por dano ambiental.


Diversas são, entretanto, as conseqüências quando se tratar de atividades não-tradicionais. Estas deverão se submeter à legislação ambiental. A extração de excedentes comercializados pelas comunidades para a aquisição de produtos e serviços de que não dispõem internamente deve ser orientada pelas normas de proteção ambiental, sob pena de responsabilidade, como qualquer ato lesivo ao meio ambiente.


Anotam Carlos Marés, Márcio Santilli e Beto Ricardo em seu estudo: “… basta verificar qualquer carta imagem de satélite com os limites das terras indígenas que saltará aos olhos a evidência de que a cobertura vegetal dessas áreas sempre está mais preservada aos seus vizinhos imediatos.”[xviii]


Assim, concluí-se que muitas vezes as degradações ambientais causadas pelos índios decorrem da influência dos não-índios, que gerou novas necessidades decorrentes do consumismo e da limitação dos territórios dos povos indígenas.


 


Notas:

[1] Estatuto do Índio. Art. 27. Reserva indígena é uma área destinada a servidor de habitat a grupo indígena, com os meios suficientes à sua subsistência. Art. 28. Parque indígena é a área contida em terra na posse de índios, cujo grau de integração permita assistência econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em que se preservem as reservas de flora e fauna e as belezas naturais da região. (…) Art. 29. Colônia agrícola indígena é a área destinada à exploração agropecuária, administrada pelo órgão de assistência ao índio, onde convivam tribos aculturadas e membros da comunidade nacional.

[2] Estatuto do Índio. Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinqüenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena.

[3] STF: Primeira Turma, RE nº 183188/MS, Relator Ministro Celso de Mello, DJU de 14.02.1997, p. 1988.

[4] “… direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.” DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.126.

[5] Artigos 18, 44 e 46.

[6] Trabalho individual de quem utilize instrumentos rudimentares, aparelhos manuais ou máquinas simples e portáveis, na extração de pedras preciosas, semi-preciosas e minerais metálicos ou não metálicos, valiosos, em depósitos de eluvião ou aluvião, nos álveos de cursos d’água ou nas margens reservadas, bem como nos depósitos secundários ou chapadas (grupiaras), vertentes e altos de morros; depósitos esses genericamente denominados garimpos. (art. 70, I)

[7] Art. 36. Entende-se por lavra o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver, até o beneficiamento das mesmas.

[8] O artigo 44 do Estatuto do Índio estatui que “As riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade o exercício da garimpagem, faiscação e cata das referidas áreas.”

[9] O projeto de Lei n° 2.057/91, que institui o Estatuto das Sociedades Indígenas, estabelece normas disciplinadoras da exploração mineraria em terras indígenas.

[10] Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.
[i] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 566.

[ii] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 860.

[iii] MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.117-118.

[iv] SILVA. op. cit., p. 856.

[v] SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. Curitiba, Juruá:2008, p. 144.

[vi] Socioambiental. (http://pib.socioambiental.org). Acesso: 05/08/2009.

[vii] Idem.

[viii] ANTUNES. op. cit., p.748.

[ix] SANTILLI, Juliana (Coord.). Os Direitos Indígenas e a Constituição. Núcleo de Direitos Indígenas e Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 1993. p. 146-157.

[x] AYALA, Patryck de Araújo. Deveres Ecológicos e regulamentação da atividade econômica na Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes & LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 281-285.

[xi] Socioambiental. op.cit.

[xii] FILHO, Roberto Lemos dos Santos. Índio, Convenção 169/OIT e Meio Ambiente. Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 16-21, abr./jun. 2006.


[xiv] Socioambiental. Povo Umutina. Op. cit. Acesso: 06/09/2009.

[xv] Diário de Cuiabá, 2008. Sema e Funai defendem profissionalização da pesca para índios Umutinas (http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=311077). Acesso: 06/09/2009.

[xvi] GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009, p.579-582.

[xvii] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 8ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 273-274.

[xviii] FILHO, Roberto Lemos dos Santos. op.cit.


Informações Sobre o Autor

Ellen Cristina Oenning Romero

Acadêmica do 5° ano de Direito da UFMT. Técnica Judiciária do TRF 1ª Região


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