O Principio da Precaução e o desenvolvimento econômico

Inicialmente é visível a relação existente entre o comércio e o meio ambiente, o que torna o princípio da precaução uma peça fundamental quando se requer um posicionamento diante dos riscos e incertezas cientificas que permeiam o cotidiano da sociedade contemporânea.[1]


A Constituição Federal de 1988 almeja a harmonização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico[2]. O que consiste no chamado desenvolvimento sustentável, ou seja, na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como da sua conservação no interesse das gerações futuras.[3]


A concepção existente até pouco tempo era de que os recursos naturais eram ilimitados, existiam em abundância, motivo pelo qual o homem não se preocupava com a questão ambiental, ao contrário, a degradação do meio ambiente era sinônimo na maioria das vezes de progresso.[4]


O homem via a natureza como um depósito, onde se retira tudo que lhe parecia interessante, deixando no lugar o lixo, os resíduos do processo de produção. O processo de evolução da humanidade era subordinado à degradação ambiental.


O divórcio entre a concepção de atividade econômica e ambiente é, pois, um incontestada crise ambiental. A problemática ambiental questiona os processos econômicos e tecnológicos que são sujeitos à logística de mercado, resultando em degradação do ambiente e prejudicando a qualidade de vida. Pelo que se pode depreender, a crise ambiental questiona a necessidade de introduzir reformas no Estado, incorporando normas no comportamento econômico e produzindo técnicas para controlar os efeitos contaminantes, com o propósito de dissolver as externalidades sociais e ecológicas geradas pela racionalidade.[5]


Ainda é necessário salientar que ao objetivo de toda atividade, deve-se contrapor o grau de risco ao meio ambiente e à saúde. Para Winter meta e risco[6] colocam-se lado a lado em estreito relacionamento.[7]


Sendo assim, a questão não é tão simples assim e tampouco deve ser reduzida a uma ótica exclusivamente das relações comerciais.[8] Não se deve esquecer que tanto as normas que pregam o liberalismo econômico, como as normas multilaterais sobre meio ambiente participam de um fenômeno comum: a globalização. Assim, é igualmente o fenômeno da globalidade que deve impelir os Estados para adoção de uma lógica de cooperação, tanto no âmbito da OMC[9], quanto dos mecanismos existentes nos acordos multilaterais sobre meio ambiente.[10] É justamente nesse sentido que o Princípio 12 da Declaração do Rio dispõe sobre a cooperação entre os Estados, propondo uma alternativa para esse impasse:[11]


Princípio 12 – Os Estados devem cooperar para o estabelecimento de um sistema econômico internacional aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável em todos os países, de modo a possibilitar o tratamento mais adequado dos problemas da degradação ambiental. Medidas de política comercial para propósitos ambientais não devem constituir-se em meios para a imposição de discriminações arbitrárias ou injustificáveis ou em barreiras disfarçadas ao comércio internacional. Devem ser evitadas ações unilaterais para o tratamento de questões ambientais fora da jurisdição do país importador. Medidas destinadas a tratar de problemas ambientais ou globais devem, na medida do possível, basear-se em um consenso internacional.[12]


Desse modo, Mirra dispõe “a adoção do princípio da precaução significou a consagração definitiva de um novo enfoque na criação, a interpretação e na aplicação do Direito Ambiental, que é o enfoque da prudência e da vigilância no trato de quaisquer atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, em detrimento do enfoque da tolerância com essas atividades.”[13]


Condessa ressalta que “o ambiente e a economia têm vivido em tensão e até mesmo em antagonismo. Com efeito, com o apoio dos poderes políticos, o mundo, confundindo a qualidade de vida, o bem estar, com o consumismo, com a abundância de bens industriais e o desperdício, desde há mais de um século, que tem vivido uma civilização industrial, geradora dos efeitos ecologicamente depredadores, socialmente injustos e economicamente inviáveis e insustentáveis.”


Para Beck a sociedade industrial em fase de transição pode ser intitulada como sociedade de risco (risk society), pois esta é inflamada por incertezas. Para ele, há uma dimensão perigosa para o desenvolvimento, com relação à função da ciência e do conhecimento; o autor acredita que as conseqüências do desenvolvimento cientifico e industrial são o perigo e o risco, trazendo a possibilidade de catástrofes e resultados imprevisíveis na dimensão estruturante da sociedade.[14]


Cumpre asseverar que, mesmo diante das negociações travadas no cenário ambiental, o princípio da precaução perde força quando os países passam a ponderá-lo diante da inevitável relação entre comércio e meio ambiente.[15]


Dessa forma, cremos ser ainda bastante atual a advertência realizada por Kriele, assim sintetizada “(…) a moderna doutrina constitucional está às voltas com o problema relativo ao desenvolvimento de instituições, que de um lado, consigam impor o interesse público em face das poderosíssimas organizações privadas como sindicatos associações e conglomerados econômicos, e, de outro, logrem assegurar um regime democrático e de liberdades na acepção mais ampla, que tenha como baldrame a própria concepção  de dignidade humana”.[16]


Comparando-se o principio da precaução com o da atuação preventiva, observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados sejam eliminados. Já o principio da precaução determina que a ação para eliminar impactos danosos seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidencia cientifica absoluta.[17]


No entendimento de Rehbinder, o principio da precaução significa mais do que uma política do ambiente que visa prevenir, reduzir ou eliminar a poluição já existente, “mas assegura que a poluição é combatida na sua incipiência  e que os recursos naturais são utilizados numa base de produção sustentada.”[18]


Este princípio reforça a regra de que as agressões ao ambiente, uma vez consumadas, são, normalmente, de difícil reparação, incerta e custosa, e pressupõem uma conduta genérica in dúbio pro ambiente. Isso significa que o ambiente prevalece sobre uma atividade perigosa ou risco e as emissões poluentes dever ser reduzidas, mesmo que não haja uma certeza da prova cientifica sobre liame de causualidade e os seus efeitos[19]. Assim devem ser considerar não só os riscos ambientais iminentes, mas também os perigosos futuros provenientes de atividades humanas e que, eventualmente, possam vir a comprometer uma relação intergeracional e de sutentabilidade ambiental.[20]


Considerando este quadro de incertezas, OST alerta que “a enormidade das questões em jogo, a irreversibilidade dos processos em curso e o constrangimento, quase irreversível, de um movimento de desenvolvimento que arrasta as nações num consumo sempre acrescido, de que sabemos, contudo, conduzir a uma ruptura da carga do sistema ecológico. E, como na tragédia, os alertas não faltam, com vista, se ainda há tempo, a inverter o movimento e inventar uma outra origem para esta moderna história do dilúvio.”


Por fim, não se pode olvidar que tanto o Poder Público como as empresas e a sociedade civil devem estar engajadas na questão ambiental para que a ocorrência dos danos ecológicos seja evitada. A preservação do meio ambiente, no Brasil e/ou no mundo, perpassa indubitavelmente pelo processo de conscientização, informação e educação ambiental. Somente assim a política ambiental implementada pelo Estado cumpre com a tarefa não apenas de preservar o meio ambiente como também de formar cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres para com o meio ambiente.[21]


Notas:

[1] LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. O principio da precaução no comércio multilateral. 2006.

[2] Pode-se dizer que a nossa Carta Magna adotou expressamente o princípio do desenvolvimento sustentável, na medida em que dispõe ser a defesa do meio ambiente um dos princípios gerais da atividade econômica (art. 170, VI da CR). Assim, há uma obrigação de se levar em conta o meio ambiente ao exercer uma determinada atividade econômica.

[3] BUGLIONE, Samantha. O desafio de tutelar o meio ambiente.

[4] É necessário ressaltar as palavras de Edgar Morin quando se analisa o conhecimento científico e a procura pela certeza: “O primeiro ponto é que é preciso derrubar uma concepção do conhecimento científico que se tinha imposto depois de Newton. Depois de Newton, o conhecimento certo tinha-se tornado o objeto da ciência. O conhecimento científico tornava-se procura da certeza. Ora, hoje, a presença da dialógica da ordem e da desordem mostra-nos que o conhecimento deve tentar negociar com a incerteza. Isto significa ao mesmo tempo que o objetivo do conhecimento não é descobrir o segredo do mundo, ou a equação-chave, mas dialogar com o mundo”. (MORIN, Edgar. Ciência com consciência.)

[5] Leff, Enrique. Ecologia y capital. México. Siglo XXI, 1994. p.292-293

[6] Quanto à avaliação dos riscos, constata-se que a União Européia a divide em quatro componentes: identificação do perigo, caracterização do perigo e avaliação da exposição e caracterização do risco.

[7] Winter G. in DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico.

[8] A predominância dos interesses econômicos que caracteriza a nossa época e a submissão do espaço político coletivo ao império financeiro trazem um bem-estar, além de restrito a poucos, falso e precário. Somente o tratamento coletivo dos problemas da humanidade, com a predominância dos interesses do homem, e não de alguns homens, construindo o império da solidariedade e do Direito, pode opor-se às barbáries de nossa época.”

[9] O significado da sigla OMC – Organização Mundial do Comércio.

[10] SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. 2003. p. 163.

[11] OLIVEIRA, Rafael Santos de. BUDÓ, Marília Denardin. O princípio da precaução nas relações internacionais.

[12] Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, firmada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro durante os dias 3 a 14 de junho de 1992.

[13] MIRRA, Álvaro Luiz Vallery. Biotecnologia e segurança ambiental. p. 134.

[14] Beck, Ulrich. “La Sociedad del Riesgo, hacia una nueva modernidad”. 1998.

[15] LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. O principio da precaução no comércio multilateral. 2006.

[16] Einführung in die Staatslehre, 2ª ed., 1981. apud MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina constitucional e o controle da constitucionalidade como garantia da cidadania. Declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no Direito brasileiro. In: RDA 191/41

[17] Aragão, Maria Alexandre de Sousa. O principio do poluidor-pagador, cit., p. 68.

[18] Rehbinder, Eckard. O direito do ambiente na Alemanha.

[19] Canotilho, Jose Joaquim Gomes. Direito público do ambiente. Coimbra: Faculdade de Direito de Coimbra, 1995. p. 40-41.

[20] LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do invidual ao coletivo extrapatrimonial. 2º edição. Editora Revista dos Tribunais. 2003.p.47

[21] Colombo, Silvana Brendler. Políticas públicas e aplicação do princípio da precaução.


Informações Sobre o Autor

Pâmela Oliveira dos Reis

Advogada, especialista em Contratos e Direito Ambiental.


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