A função social do contrato e sua perspectiva na legislação brasileira

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Resumo: A função social do contrato relaciona-se diretamente com o desenvolvimento da sociedade em aspectos econômicos, sociais e políticos, pois, tendo a sociedade sofrido transformações ao longo dos tempos, o direito contratual também sofreu evoluções à medida que não permaneceu estático perante às necessidades dos cidadãos. Daí o surgimento da função social do contrato. O contrato foi criado com alto grau de obrigatoriedade em relação aos seus efeitos com a elaboração do Código Francês de 1804, devido à Revolução Francesa e a Revolução Industrial, quando a sociedade exigiu o reconhecimento dos direitos inerentes à liberdade, igualdade e fraternidade, em torno do liberalismo econômico e contratual. Mas o Estado Liberal não satisfez as necessidades dos indivíduos, à medida que o Estado não intervinha nas relações contratuais. Surge então o Estado Social, tendo como característica o envolvimento do Estado no campo contratual, pois é inviável o contrato estar adstrito ao campo livre da criação dos indivíduos. Com o advento da Constituição Federal de 1988, os direitos dos cidadãos foram garantidos, dentre eles, os direitos dos consumidores, função social da propriedade, moradia, educação, saúde, alimentação, trabalho, lazer, segurança. Dois anos depois, nasce o Código de Defesa do Consumidor, o qual alavancou toda a proteção contratual a que o Estado se dispõe, tanto na ordem legislativa, com criação de normas, quanto na ordem Judiciária, agindo de acordo com função social no julgamento dos contratos. E com a elaboração do Código Civil de 2002 foi reconhecida expressamente a função social do contrato, expresso no artigo 421, no qual tem como fundamental a vinculação dos princípios do equilíbrio contratual (justiça contratual), da boa-fé objetiva e da autonomia da vontade. De acordo com o artigo 421 do Código Civil, a liberdade de contratar é condicionada e restrita de modo a observar não só os interesses do indivíduo, mas também os interesses de terceiros e da coletividade, objetivando o bem comum e a ordem social. A intervenção dos poderes públicos, chamados a corrigir e a dirigir as forças econômicas e sociais, resultando na institucionalização dos contratos e na intervenção legislativa neste campo, antes reservado somente à autonomia da vontade. A nova teoria contratual fornece o embasamento teórico para a edição de normas cogentes, que traçarão o novo conceito e os novos limites da autonomia da vontade, com o objetivo de assegurar que os contratos cumpram a sua nova função social. [1]

Palavras-chave: Nova teoria dos contratos; Princípios contratuais; Cláusulas gerais; Função social do contrato e a legislação brasileira.

Sumário: Introdução, 1. Apontamentos Históricos da Função Social do Contrato. 2. A Função Social do Contrato Presente nos Ordenamentos Jurídicos Vigentes. 3. Código de Defesa do Consumidor e a Função Social do Contrato. Considerações finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO.

O presente trabalho tem como objetivo o esclarecimento da função a que o contrato se constitui atualmente, face ao novo sistema adotado pela legislação brasileira, com advento da Constituição de 1988 corroborado com Código Civil de 2002, tendo em vista toda uma evolução concernente ao desenvolvimento das relações contratuais, que sem dúvida nenhuma constitui um instrumento preponderante nas relações econômicas e possibilita uma tarefa instigante do ponto de vista legal, doutrinário e prático. Na medida em que, o contrato é um instrumento utilizado em larga escala em nossos dias e em torno de tantas pessoas, que utilizam por meio deste, para que se vinculem direitos e obrigações, nada mais correto que aos contratantes exista à liberdade de contratar e se determine a função social para salvaguardar toda coletividade.

Especificamente, a função social do contrato, constitui-se sob a forma de interação entre os interesses do indivíduo e da sociedade, e obviamente entre a sociedade e o Estado, a fim de delimitar os valores e as condutas a serem adotadas no desenvolvimento do contrato, logicamente, características da sociabilidade a que o direito corresponde nos dias atuais.

A função social na sociedade moderna apresenta-se como aspecto inovador perante o contrato, pois ao longo dos anos sofreu uma profunda transformação, desde sua primeira concepção, ainda sem nenhuma estrutura social, na qual era apenas usada para fins de obrigatoriedade dos seus efeitos, até chegar ao caráter social em que se constitui hoje, com direcionamento não apenas para os interesses particulares, mas também demonstrando efeitos relativos a terceiros e a toda uma coletividade, pois, o contrato, no sistema econômico atual abrange também interesses que extrapolam a individualidade.

 No que diz respeito à evolução do contrato, tratada na primeira abordagem, o desenvolvimento social e contratual referente às transformações econômicas ocorridas desde os tempos da Idade Média, passando pelos acontecimentos sociais, como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, ocorridas no final século XVIII, os quais originaram o contrato, período que tinha como característica a liberdade contratual e o liberalismo econômico, como princípios basilares de uma necessidade de contratação, em decorrência da evolução industrial que ocorria no período. Notadamente nesse ínterim, não havia por parte do Estado nenhuma intervenção nas relações contratuais – que não fosse a de obrigar os seus efeitos, logo, a função social não existia perante o contrato.

Posteriormente, com o capitalismo em plena expansão e as relações contratuais cada vez mais utilizadas, foi-se percebendo uma necessidade de proteção contratual aos indivíduos para que não se submetessem a tratamentos desumanos e desleais. Deu-se então o surgimento da função social do contrato, que tem como característica o respeito à dignidade da pessoa humana e o solidarismo.

A função social do contrato tem como característica o envolvimento do Estado de modo a interferir no campo contratual e desta maneira buscar satisfazer as necessidades dos cidadãos, que sempre sofreram abusos onde o mais forte dispunha de maior poder econômico e vencia o mais fraco – hipossuficiente. Contudo esta função social determinou o acento social a que o contrato possui e que impera na sociedade contemporânea. Necessário ressaltar, que a função social do contrato se destina equacionar as relações contratuais em busca de justiça, portanto, não tem nenhuma característica protelatória dos efeitos do contrato.

O contrato é um meio de transferência de riquezas e de criação delas, imprescindível o envolvimento dos princípios na elaboração deste, pois o choque de interesses entre os contratantes e também entre os indivíduos e a sociedade, muitas vezes, transforma-se num conflito. Para que isso não ocorra, o contrato deve seguir os princípios contratuais, quais sejam: a boa-fé objetiva, o equilíbrio contratual (justiça contratual) e autonomia da vontade. Esses se caracterizam pela liberdade contratual que é tida atualmente e direcionada para os fins sociais. O segundo enfoque objetiva esclarecer a importância da função social do contrato na legislação brasileira, e a consequente tarefa do Estado de intervir na relação contratual, com a observância do dirigismo contratual e o protecionismo social característicos da legislação vigente.

Sob este enfoque, a função social do contrato é delimitada pelo seu relacionamento com os princípios norteadores do direito, quais sejam: a eticidade, a socialidade e a operabilidade, os quais ensejam uma aplicação no campo contratual sempre em satisfação das condutas e regras a que devem ser observadas no contrato, pois a ética e a boa conduta existem em prol de um relacionamento solidário da sociedade, buscando sempre uma satisfação do interesse comum e da coletividade. De acordo com este entendimento da função social do contrato, a operatividade do direito contratual toma como meta o alcance da justiça contratual perante os indivíduos e a sociedade.

E por fim, a terceira problemática estudará o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, no concernente à função social do contrato, assim como as cláusulas gerais que se verificam nos contratos.

Conforme o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, a relação entre os contratantes e os efeitos do contrato devem sempre seguir de acordo com a função social do contrato. Portanto, a função social do contrato não está apenas no artigo 421 do Código Civil, está também inserido no Código de Defesa do Consumidor como princípio contratual a ser seguido. Outra importante denominação da função social do contrato é a preceituação de cláusula geral, que deve estar presente em todas as relações contratuais e seus objetivos, não só no concernente aos interesses das partes, como também nos efeitos que são observados além das partes, referente aos terceiros e a coletividade.

O direito contratual vigente tem como principal objetivo a função social, à medida que o individualismo e o voluntarismo não cabem mais nesta concepção, pois, o direito tende a humanizar as relações e a conter a existência de desigualdades entre os indivíduos.

Portanto, o estudo da função social do contrato é de suma importância, pois à medida que, as relações sociais acontecem, as atividades econômicas imperam dentro da sociedade, a tecnologia se desenvolve, enfim, o inevitável progresso, as necessidades dos indivíduos e da coletividade influenciam no direito contratual.

Com a efetivação da função social do contrato, inevitavelmente haverá a edição de normas cogentes, que traçarão o novo conceito e os novos limites da autonomia da vontade, com o fim de assegurar que o contrato cumpra a sua nova função social.

1 – Apontamentos Históricos da Função Social do Contrato.

Em plena ascensão dos ideais liberais, os burgueses, após a Revolução Francesa, detinham o domínio do sistema econômico, político e jurídico. A liberdade de contratar de caráter individualista tornou-se predominante no ordenamento jurídico vigente – Código Civil francês de 1804. O Código de Napoleão, o qual dava o direito do indivíduo usar, gozar e fazer o que bem entendesse dos seus bens, também refletia os interesses liberais. O caráter liberal-burguês, do sistema econômico, fez com que o contrato se formasse no instrumento destinado às suas pretensões, que eram o acúmulo de riquezas e concentração da propriedade. Diante disso, os burgueses detinham controle do Estado, pois com a crescente economia baseada na industrialização e comercialização, os seus interesses eram obtidos facilmente.

O conceito ideal de contrato no liberalismo econômico era a de que o Estado não podia intervir nas relações contratuais, ou seja, existia tão somente o livre-arbítrio dos contratantes. Desta forma, o Estado estava engessado não possuía poder no plano jurídico.

Leciona Teizen Jr[2], “o liberalismo econômico entende que o bem-estar individual pode cumprir um fim mais alto e desinteressado: o bem comum”.

Este entendimento de bem comum, ia de encontro com a real situação da sociedade econômica liberal, pois os mais frágeis economicamente não detinham nenhuma vantagem perante este modelo, pelo contrário, eram vítimas do progresso econômico, diante das aspirações lucrativas dos mais abastados que tudo podiam, no sistema estatal baseado no laissez-faire, laissez-passer (deixar fazer, deixar passar).

Apesar de todo o domínio estatal obtido pelos burgueses, a sociedade nunca se encontrou paralisada, estática. Pelo contrário, reagia sempre de acordo com as transformações sociais, políticas e econômicas, porém inevitavelmente havia algumas desigualdades, sempre alguma classe era desfavorecida.

Discorre Teizen Jr.[3], contudo, “as rápidas transformações, o desenvolvimento das forças produtivas, as profundas contradições e desigualdades geradas na sociedade capitalista, além das duas Grandes Guerras, da explosão demográfica, da concentração de capitais na politização das massas exploradas, fazem surgir uma nova problemática, que coloca em evidência a insuficiência dos esquemas privados ante a nova realidade de fins do século XIX e início do século XX, ensejando a intervenção do Estado”.

Assevera o autor acima, uma série de acontecimentos em matéria social, econômica e intelectual, transformou o modelo econômico liberal para o modelo social, reconhecendo direitos jurídicos aos mais fracos.

Nesse aspecto, Lobo, citado por Teizen Jr[4], leciona a respeito da transição do Estado Liberal para o Estado Social:

“o Estado Social, sob o ponto de vista do direito, deve ser entendido como aquele que acrescentou à dimensão política do Estado Liberal (limitação e controle dos poderes políticos e garantias aos direitos individuais, que atingiu seu apogeu no século XIX) a dimensão econômica e social, mediante a limitação e controle dos poderes econômicos e sociais privados e a tutela dos mais fracos. O Estado social se revela pela intervenção legislativa, administrativa e judicial nas atividades privadas. As Constituições sociais são assim compreendidas quando regulam a ordem econômica e social, para além do que pretendia o Estado liberal”.

Diante disso, notadamente a intervenção estatal é a principal característica da passagem do Estado liberal para o Social. Conforme os acontecimentos de ordem social foram se acentuando, a fragilidade dos indivíduos diante das consequências sofridas pelas guerras, pelos confrontos pelo poder, deixavam os mais fracos expostos às problemáticas econômicas liberais. Sem proteção as pessoas possuíam nenhum valor, nem função dentro da sociedade, pois, muitas vezes, sem habitação, sem remuneração adequada, sem possibilidade de progresso, eram apenas seres sem destino, sem personalidade. Dentro desta nova realidade o direito manifestou a função social como princípio regulador das relações entre os indivíduos, a fim de acabar com as desigualdades e proteger os cidadãos.

Discorre Teizen Jr.[5], “Os movimentos sociais e filosóficos assim como a evolução econômica, permitiram desmistificar a crença igualitária da Revolução Francesa. A meta da justiça retributiva, conquista da Revolução Francesa, dá lugar à justiça redistributiva, com o acentuado intervencionismo estatal e dirigismo contratual que, no Brasil, é fartamente documentado a partir de 1930”.

Com a intervenção estatal, surge o protecionismo social e o dirigismo contratual, que originaram da nova concepção contratual exercida pela função social do contrato.

O dirigismo contratual é caracterizado pela intervenção do Estado em todas as atividades sociais, afastando, assim, o exercício do liberalismo (o deixar passar e o deixar fazer), e estabelecendo uma relação contratual de forma dirigida, regulando a operação jurídica, dizendo como o contrato deve ser feito ou impondo cláusulas, com a finalidade de estabelecer a justiça contratual.

Explana Santos,[6] “Stiglitz sustenta que o intervencionismo estatal se traduz, legislativamente, na sanção de leis protetoras dos estratos sociais economicamente mais debilitados, dos quais são exemplo aquelas que regulam o contrato de trabalho, a lei do inquilinato, ou para aqueles desprovidos de poder de negociação, como são os consumidores quando estão diante de monopólios ou cartéis.(…) O Estado também intervém quando o juiz efetua a revisão do contrato, seja porque houve rompimento do equilíbrio contratual, ou quando fatores externos tornam o pacto excessivamente oneroso ou anula cláusulas consideradas abusivas”.

Miguel Reale citado por Teizen Jr.[7], “O dirigismo quer dizer que o Estado, quando legalmente autorizado, pode interferir na vida contratual, substituindo-lhe as cláusulas por outras de natureza legal, mas sem romper todo liame de proporcionalidade, o equilíbrio econômico do contrato”.

Diante desses ensinamentos, notadamente há intervenção do Estado-legislador, com o objetivo de estabelecer normas, com intuito de reduzir ou eliminar as desigualdades em âmbito contratual.

A igreja sempre manteve sua explanação e pensamentos concernentes às transformações histórico-sociais assim como acontece, ainda, nos dias atuais. Sua influência nem sempre foi percebida ou aceita, no entanto, sua opinião e sua forma de pensar referentes aos acontecimentos sociais e as mudanças da sociedade sempre tiveram presentes.

Teizen Jr.[8], “a doutrina católica, chamada “doutrina social da Igreja”, teve seu ponto alto registrado por Santo Tomás de Aquino, para quem a propriedade é um dos direitos naturais do homem, isto é, a faculdade de que todo homem tem de possuir os bens que necessite”.

Algumas citações a respeito dos pensamentos religiosos são demonstradas pelas famosas encíclicas papais, abordadas por Teizen Jr.[9]:

“1. A Rerum Novarum(…) – A Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, reconheceu á propriedade privada sua função social, sua função de utilidade comum à todos, deixando a salvo a iniciativa privada, garantindo dessa forma a liberdade e a dignidade humanas. Apregoa que “o proprietário que tenha recebido bens em abundância não é possuidor absoluto, mas simplesmente administrador da Providência Divina, que lhe assegurou bens para seu próprio proveito e também para o benefício de todos os demais.”

2. As mensagens de Pio XII – O Papa Pio XII, nas mensagens papais conhecidas como La Solemita (…)(1941) e Oggi(…) (1944), reabre o tema da doutrina da função social da propriedade, relembrando, na primeira, que o reconhecimento da propriedade privada era fundamental para que se pudesse obter uma justiça social e um desenvolvimento econômico favorável, e que só o respeito à iniciativa privada é que poderia assegurar a prosperidade da própria função social da propriedade.”

Santos[10], “tão antiga como o contrato, vinda em uma época em que a religião, a moral e o direito marchavam mesclados, em que o acordo era celebrado ante os altares, porque assim o queriam a sabedoria e justiça divinas, a religião não desapareceu para quem possui uma vincada mentalidade voltada para assuntos sacros, mas é inaceitável no mundo em que a incredulidade e o indiferentismo estão na moda”.

Conclui-se que a função social do contrato surge a partir da transição do Estado Liberal para o Estado Social. O liberalismo econômico criou profundas desigualdades, e essas, continuaram durante o advento do capitalismo, na medida em que os indivíduos eram cada vez mais perseguidos e usados apenas como instrumento das pretensões lucrativas do capitalismo. Evolutivamente, o Estado foi se incorporando nas relações entre os indivíduos, tanto no âmbito econômico quanto no jurídico, através das legislações e do Estado-Juiz, alavancando o surgimento da função social do contrato.

O desequilíbrio rotineiro das relações contratuais entre os indivíduos acontecia até então, devido à maneira como eram realizados os contratos. O contratante economicamente mais forte lançava suas prerrogativas e seus interesses de forma com que a parte contratante mais fraca e mais debilitada não tivesse outra escolha, senão a de acatá-las. A fraca atuação estatal em matéria legislativa e jurídica corroborava para este evento.

Diz Miguel Reale citado por Teizen Jr.[11], afirma que:

“Enquanto prevaleceu a correlata concepção de Estado de Direito inerente ao liberalismo oitocentista, destinado essencialmente à proteção da ordem jurídica – fato este que se prolongou até a guerra universal de 1914, foi pacífico o entendimento que:

1.uma vez aperfeiçoado, o contrato vale como lei entre as partes;

2. não podendo o Poder Público interferir na vida contratual, impedindo ou alterando os seus efeitos”.

Porém, diante das novas realidades sociais, econômicas e políticas, uma nova concepção da teoria dos contratos foi sendo adotada.

Teizen Jr.[12], duas são as causas, diz San Tiago Dantas, que influenciaram a evolução da teoria dos contratos, exercendo pressão crescente sobre a sua estrutura sistemática:

1. O sentido solidarista, que prepondera na política contemporânea dos Estados democráticos.

2. A intervenção crescente do Estado nas relações econômicas, para exercer, por órgãos próprios, um número cada vez maior de atividades.

Os limites impostos à autonomia da vontade consolidaram com o passar do tempo, os efeitos sociais do contrato.

Porém, a autonomia da vontade não está totalmente desvinculada do meio jurídico, ou seja, a sua limitação e restrição não significam que o contrato não será cumprido. É o que extrai com a exposição doutrinária a seguir.

SANTOS[13], a despeito da relatividade da autonomia da vontade, esse postulado tem os seguintes e principais efeitos, como bem o apontou Edgard Ferreyra:

“a) Em razão da liberdade de contratação é faculdade natural de cada pessoa aceitar ou rechaçar uma proposta de contrato. A negativa é um ato lícito e não implica responsabilidade.

b) O mesmo poder da vontade que engendrou um contrato serve para deixá-lo sem efeito, por meio do mútuo dissenso, o que para os romanos é o distrato.

c) Os vícios da vontade impedem ou anulam os efeitos do contrato.

d) A força do contrato e sua imutabilidade levam por corolário o de seu cumprimento com fidelidade. A lei os assegura mediante seu poder coativo para que se cumpra o prometido e sanciona o descumprimento com a previsão de indenização por perdas e danos.”

Explana ainda o autor:

“Desde que afetem as normas de ordem pública, a moral, os bons costumes e os direitos de terceiro, a autonomia da vontade não pode ter caráter absoluto, pois o próprio direito positivo se incumbe de decotar os excessos. “É justo que o ordenamento jurídico reconheça liberdade às pessoas, porém também é justo que as pessoas reconheçam liberdade á sociedade e ás demais pessoas que a integram, este reconhecimento implica a própria liberdade com o fim de harmonizar os interesses individuais com o interesse geral. Por isso, na medida em que o necessitado ou o desejado por uma pessoa não afete os interesses da comunidade nem outra pessoa em particular, o ordenamento atribui plena autonomia para estabelecer e regular suas relações jurídicas”.

Continua o autor, Santos[14], neste ponto, o equilíbrio é fundamental. Nem o cego pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), nem o franco e simples descumprimento sob qualquer pretexto.

Teizen Jr.[15], “a autonomia privada já não é mais uma garantia de liberdade do cidadão em face do Estado, tem como eixo da relação contratual a confiança fundada na boa-fé. Tem assegurado, nas normas cogentes, o equilíbrio das partes na relação jurídica, mediante a proibição de cláusulas abusivas garantindo a adequação das normas contratuais para evitar riscos ou prejuízos decorrentes dessa relação contratual”.

Diante do exposto, a autonomia da vontade ainda não sofre profunda limitação a ponto de ser extinta no direito contratual. Porém, diante do inevitável desenvolvimento econômico e tecnológico, ela encontra-se em decadência.

O Estado a partir do século XX torna-se bastante presente, em âmbito legislativo e jurídico, a fim de regular e julgar o direito contratual, evitando os desequilíbrios iminentes de uma sociedade capitalista em pleno progresso.

As evoluções da sociedade fazem com que o direito se adeque ao modelo social atual. O mundo contemporâneo é dinâmico ensejando constantes modificações, sejam elas, referentes aos negócios, ao desenvolvimento, ao progresso da tecnologia, à rápida evolução das cidades, ou até mesmo relativo a aspectos ambientais.

Diante desta evolução, os contratos tornam-se absolutamente necessários e não podem ser pactuados utilizando valores e princípios ultrapassados.

Sobre esse ponto discorre Santos[16]: “As relações contratuais se desenvolvem atualmente, de forma dinâmica e cada vez mais qualificada, “tecnificada”, para usar um neologismo, mas que serve para demonstrar o incremento industrial trasladado para a eficiência dos negócios contratuais. O desenvolvimento do comércio cada vez mais conglobante afasta a forma tradicional de contratar. A legislação protetiva do último decênio do século XX, e que vai nortear o século XXI, é salvaguardar o mais fraco que contrata com o econômica e tecnicamente mais forte e mais bem preparado”.

Sobre esse aspecto a evolução tem que ser constante, sob pena de os mais fracos na relação contratual, continuarem sofrendo do dinamismo, muitas vezes desregrado dos economicamente e tecnicamente mais fortes. Mais especificamente de um modelo contratual muito utilizado atualmente “Contrato de Adesão”.

O direito contratual atual exercido pelos contratantes, regrado pelo ordenamento jurídico, julgado pelos juízes, através de suas decisões e estudado pelos juristas, sofre a necessidade de harmonizar o vínculo contratual perante a crescente busca pelo lucro, muitas vezes, desmedida, por uma das partes contratantes.

Orlando Gomes, citado por Teizen Jr.[17], discorre que: “No contrato contemporâneo, a lei embora ainda se preocupe nos mesmos termos com a formação do contrato tradicional, se interessa mais pela regulação coletiva, visando a impedir que as cláusulas contratuais sejam iníquas ou vexatórias para uma das partes. Sua preocupação é controlar o comportamento daqueles que ditam as regras do contrato, a fim de que não se aproveitem de sua posição para incluir cláusulas desleais mais do que tornar anulável o negócio jurídico celebrado com vício do consentimento, vício que nos contratos de massa não tem a menor relevância.”

Teizen Jr[18], para Antônio Junqueira Azevedo, a idéia de função social do contrato “(…) está claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (artigo 1º, IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro(…)”.

Para melhor esclarecimento, a conceituação de contrato é a ideal forma de entendimento e delimitação do interprete em sentido macro, para assim viabilizar o momento social que se expõe, conforme leciona Teizen Jr.[19]:

“Como acontece com todos os conceitos jurídicos, também o conceito de contrato não pode ser entendido numa dimensão exclusivamente jurídica – como se fosse uma realidade autônoma, dotada de autônoma existência nos textos legais e nos livros de direito. “Os conceitos jurídicos – e entre estes o de contrato – refletem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem uma função instrumental.”

Assim, o contrato pode ser entendido como a fonte de obrigações que resulta da própria vontade humana de se vincular. Em vinculação às atividades econômicas, pode ser compreendido como instrumento jurídico das operações econômicas.

Dower[20], leciona que o contrato não possui aplicação aos negócios jurídicos de natureza não-patrimonial. Baseados nessa particularidade, ele adere ao conceito de contrato idealizado pelo Prof. Darcy Bessone: O contrato é o acordo de duas ou mais pessoas para, entre si, constituir, regular, ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial.

Conclui-se, portanto, que, ao definir o contrato existe a necessidade de colocá-lo em mais de uma dimensão, não só a jurídica, mas sim, relacioná-lo à realidade social e às relações socioeconômicas.

Como bem assevera Teizen Jr.[21], a função da disciplina legal dos contratos deve corresponder exatamente à sua concepção de conjunto de normas destinadas a regulamentar operações econômicas, segundo interesses e valores prevalecentes em determinado momento histórico.

O contrato sofreu diversas evoluções, contudo, chegou à situação a que se encontra hoje, vinculado à função social, por consequência das rápidas transformações da sociedade capitalista, que almeja sempre a obtenção de lucro. Com a finalidade de estabelecer parâmetros de equilíbrio e de justiça social perante o progresso, o contrato sofre no mundo contemporâneo as intervenções necessárias do Estado a fim de buscar o fim das desigualdades e amparar os menos favorecidos, evitando a má-fé dos contratantes.

2 – A Função Social do Contrato Presente nos Ordenamentos Jurídicos Vigentes

Na atualidade, os ordenamentos jurídicos em vigor, observam os princípios contratuais, dentre eles, a função social do contrato e da sociabilidade sobre a qual se assenta o contrato.

Com o decorrer do tempo, o aumento das relações de consumo e o desenvolvimento da economia de mercado, percebeu-se a vulnerabilidade do consumidor em face da agressividade das grandes empresas, e grandes multinacionais, que não mediam esforços para alcançar um número cada vez maior de consumidores para a obtenção de lucro.

Em razão disto, o adveio do Código de Defesa do Consumidor traçando um modelo de proteção aos economicamente mais frágeis – hipossuficientes -, o qual se dá através de normas que estabeleçam os direitos e as obrigações de ambas as partes contratantes, e também o modelo de intervenção estatal legislativa e jurídica das atividades contratuais, tanto de caráter preventivo quanto de caráter julgador.

À título exemplificativo, uma das formas de desequilíbrio contratual entre as partes é a onerosidade excessiva, que está prevista no Código de Defesa do Consumidor[22] artigo 6º, inciso V, assim descrito:

“Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor:

(…) V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

Saad[23], sobre o inciso V, artigo 6º do CDC, este autor aduz que o referido inciso vincula o contrato à cláusula rebus sic stantibus (se as coisas se mantém) de modo expresso. Afirma ser lícito ao consumidor reivindicar a modificação do contrato se fatos supervenientes tornarem excessivamente onerosas as obrigações assumidas. É o mesmo que dizer que as condições existentes ao tempo da conclusão do contrato se alteraram substancialmente no curso do tempo.

No mesmo código[24], o artigo 6º pode ser analisado concomitantemente com o que dispõe o artigo 51, § 1º, inciso III:

“Artigo 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(…) § 1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

(…) III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”.

De acordo com Godoy[25], “[…] o Código de Defesa do Consumidor fez melhor que o Código Civil, que, como regra, dispôs sobre a anulabilidade do ajuste lesionário, só modificável – assim não por autuação direta do juiz – se a parte oferecer suplemento suficiente ou concordar com a redução do proveito. Pelo CDC, a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, pelo Judiciário, é mesmo um direito básico do consumidor (artigo 6º,V). E, ao permiti-lo, a lei atende ao princípio da conservação do contrato, que, […], é corolário da sua própria função social”.

Com a instituição do Código Civil[26], a função social do contrato como princípio contratual, passa a ser positivada de forma explícita:

“Artigo 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

À título elucidativo seguem os enunciados sobre função social do contrato definidos na I Jornada de Direito Civil[27], promovida em setembro de 2002 pelo Conselho da Justiça Federal:

“21. A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.

22. A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.

23. A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.

O aludido dispositivo, portanto, torna explícito que a liberdade de contratar somente poderá ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando ainda a conjugação dos valores da boa-fé e da probidade, previstos no art. 422 do Código Civil[28].

Embora mantida em princípio, a liberdade contratual tende a ser admitida apenas em razão de sua funcionalidade, considerado o conjunto dos interesses da sociedade. Significa dizer, com outras palavras, que nesse quadro a liberdade contratual já não se ostenta absoluta, mas relativa.

Neste aspecto, necessário apresentar a título exemplificativo os enunciados 167, 360, 361, respectivamente da IV e V Jornada de Direito Civil, elaborado pelo Conselho da Justiça Federal[29]:

“167 – Arts. 421 a 424: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos.

360 – Art. 421: O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes.

361 – Arts. 421, 422 e 475: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.

A função social constitui um princípio do novo direito contratual, dominante na sociedade contemporânea. O contrato para fins de regular as operações econômicas de transferência e criação de riquezas deve satisfazer a função social, bem como estar acompanhada pelo princípios intrínsecos da boa-fé objetiva. Essa concepção socioeconômica encontra-se também disposta no artigo 170 da Constituição Federal[30],, que dispõe:

“Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios;

(…) III – função social da propriedade;

(…) V – defesa do consumidor;

(…) VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

(…) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Ainda em se tratando da Constituição Federal[31], o contrato deve possuir elemento caracterizador da dignidade da pessoa humana e do solidarismo social. É a redação do artigo 1º e 3º:

“Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(…) III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; (…)”.

Godoy[32], ora, dúvida não pode haver de que a função social do contrato, hoje, e aliás desde a passagem, já descrita, do Estado Liberal para o Estado Social, em que se valoriza o interesse social, ao lado do interesse de cada qual dos indivíduos, seja um princípio jurídico, daqueles que dão fundamento não só à ordem econômica, no Brasil (artigo 170 da CF), como ainda à própria estruturação da República, assentada sobre o valor social da livre iniciativa (artigo 1º, IV, da CF); mas, também, e antes, integra os próprios objetivos constitucionais (artigos 1º, III, e 3º, I da CF) de estabelecimento de relações solidárias e de valorização da pessoa humana no trato entre os indivíduos.

A justiça contratual é um novo princípio dos contratos, de direta inspiração constitucional. A Constituição Federal tem como característica ensejar a criação de leis e regulamentos destinados a assegurar os direitos e garantias que ela dispõe em seu bojo. É através dela que derivam todos os demais ordenamentos jurídicos que devem seguir rigidamente todos os princípios nela consubstanciados, sob pena de se tornar  inconstitucionais.

Desta maneira, todos os códigos atuais relacionados com a função social, traduzem de forma explícita todos os direitos e obrigações inerentes à função social do contrato, com a presença de normas específicas que regulam e delimitam a atuação contratual da sociedade contemporânea.

Por fim, em relação aos ordenamentos jurídicos descritos acima, Teizen Jr[33] tece comentário sobre a presença da função social do contrato, e esclarece que é incontestável a força crescente dos princípios contratuais típicos do Estado Social, os quais, de um modo ou de outro, comparecem no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor brasileiros. “São eles:

a) princípio da função social do contrato;

b) princípio da boa-fé objetiva;

c) princípio da equivalência material do contrato”.

Diante disso, a presença da função social do contrato em meio às relações jurídicas, exerce sua aplicabilidade como princípio, buscando proporcionar a justiça contratual e a preservação da dignidade da pessoa humana, assim como, assegurar a sociabilidade a que o direito se destina.

3 – Código de Defesa do Consumidor e a Função Social do Contrato

Com o aumento das relações de consumo, tendo em vista o aumento da economia, o desenvolvimento cada vez maior das relações de massa, e a fragilidade com que os consumidores se relacionam contratualmente, percebe-se a importância deste Código,

Como esclarece Godoy[34], inúmeras são as hipóteses de proteção do consumidor diante de sua vulnerabilidade […]. Assim, por exemplo, garante-se o consumidor diante da situação de lesão ou onerosidade excessiva (artigos 6º, V e 51, § 1º,III), da propaganda abusiva (artigo 37), da oferta imprecisa(artigo 31), da compra a distância (artigo 49), da redação contratual que não seja clara (artigo 46), […], garantindo-se ainda que a interpretação lhe seja favorável (artigo 47).

Diante do exposto, pode-se afirmar que o direito contratual brasileiro com a edição da Constituição Federal de 1988 passou a estabelecer parâmetros sociais, que vão de acordo com a sociabilidade a que se volta às relações econômico-sociais em meio ao Direito. Pois com o advento das garantias constitucionais concernentes à propriedade, ao direito do consumidor, à proteção ao meio ambiente, às leis trabalhistas, á proteção de ordem econômica e da liberdade de concorrência, o desenvolvimento do direito em matéria contratual concebeu aos cidadãos o caráter de proteção destas relações em meio à economia e ao desenvolvimento da sociedade.

Assim sendo, pode-se afirmar que o Código de Defesa do Consumidor alterou a situação contratual na legislação brasileira, pois, possibilitou uma maior observância dos preceitos de fragilidade e de vulnerabilidade em meio às relações contratuais, que os consumidores sempre sofreram em face da imposição de um modelo econômico capitalista, onde a evolução e o progresso muitas vezes agem de forma a estabelecer condutas que não vão de acordo com o interesse social e a justiça contratual.

Finalizando, e sob a perspectiva dos direitos dos consumidores e como forma de intervenção estatal nos contratos, foi publicado no dia 08 de dezembro de 2012, a Lei 12.741, que modifica o código de defesa do consumidor em seu Art. 6, III. Essa lei, foi criada com o objetivo de regulamentar o disposto no art. 150 § 5° da Constituição da República Federativa do Brasil. Versa tal lei sobre a regulamentação da informação ao consumidor acerca dos impostos intrínsecos aos produtos vendidos pelo mercado, melhor dizendo, repassados aos consumidores. Assim dispõe a lei 12.741/2012[35]:

Art. 1º Emitidos por ocasião da venda ao consumidor de mercadorias e serviços, em todo território nacional, deverá constar, dos documentos fiscais ou equivalentes, a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda.

§ 1º A apuração do valor dos tributos incidentes deverá ser feita em relação a cada mercadoria ou serviço, separadamente, inclusive nas hipóteses de regimes jurídicos tributários diferenciados dos respectivos fabricantes, varejistas e prestadores de serviços, quando couber.

§ 2º A informação de que trata este artigo poderá constar de painel afixado em local visível do estabelecimento, ou por qualquer outro meio eletrônico ou impresso, de forma a demonstrar o valor ou percentual, ambos aproximados, dos tributos incidentes sobre todas as mercadorias ou serviços postos à venda.

§ 3º Na hipótese do § 2º, as informações a serem prestadas serão elaboradas em termos de percentuais sobre o preço a ser pago, quando se tratar de tributo com alíquota ad valorem, ou em valores monetários (no caso de alíquota específica); no caso de se utilizar meio eletrônico, este deverá estar disponível ao consumidor no âmbito do estabelecimento comercial.(…)”.

Notadamente tal regramento surgiu para estabelecer informações aos consumidores acerca do percentual pago ao produto final com adição dos impostos vinculados aos produtos e serviços. Sobre outra ótica, tal regulamentação contribui para o entendimento do consumidor a respeito do preço principal dos produtos ou serviços que adquiri – contrata -, dando maior transparência na divisão entre preço do produto e preço que consumidor paga pelos impostos. Está lei é norma cogente garantidora da transparência necessária para que o consumidor possa saber o que consome, além de fiscalizar a parte forte da relação consumerista – o empresariado – no sentido de realmente saber o preço do que está pagando sobre o produto adquirido, sem o repasse de impostos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivou o presente trabalho científico, sob título “A função social do contrato e sua perspectiva na legislação brasileira”, entender uma nova compreensão relacionada com a absorção pelo instituto jurídico, o contrato, dos princípios e cláusulas que estão em plena atividade no mundo jurídico, e que são garantidas após o advento da Constituição Federal.

O contrato no mundo contemporâneo assume uma nova roupagem acerca de seu desenvolvimento, desde sua elaboração até seus efeitos relativos às partes e a terceiros. Verifica-se no atual modelo contratual que o contrato deve conter uma eficácia social voltada para o bem comum e interesse social, deixando de lado o individualismo e autonomia da vontade soberana, onde o contrato não poderia sofrer intervenções de terceiros na relação contratual.

É neste aspecto, que a função social do contrato reflete seus dogmas de condicionamento da liberdade de contratar, pois, as relações contratuais devem estar em consonância com os objetivos expostos pelo legislador e também se voltarem para um exame na esfera judicial, quando não observar os requisitos de caráter social.

Através do rebus sic stantibus (se as coisas se mantêm), o contrato pode ser revisado e consequentemente revisto, quando não está de acordo com a eficácia social, quando não possuir transparência e lealdade, ou ainda, não restar comprovado seus legais efeitos perante a sociabilidade a que o contrato deve se comprometer.

O Código Civil em seu artigo 421, estabelece parâmetro a ser seguido no desenvolvimento do contrato, portanto, regula e impõe condições à liberdade de contratar a fim de melhor interesse das partes e também de terceiros. A principal meta a ser alcançada é a igualdade entre as partes, tendo como subsídios, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual.

Os princípios contratuais dão base para o direito contratual e justificam a necessidade de verificação da função social em meio às relações contratuais. Tendo em vista que a função social do contrato também é um princípio contratual. Esta denominação de princípio enseja uma condição para a criação e manutenção dos contratos e direciona as atividades contratuais de modo que assegurem o bem-estar e o equilíbrio das prestações e contraprestações em relação às partes.

A interpretação e aplicação do referido princípio se dão por meio de uma constante atuação do Estado no concernente ao instituto jurídico denominado contrato, à medida que o Estado sempre se voltará para as questões sociais de modo a preservar a dignidade da pessoa humana, e a conter, ou melhor, eliminar os contratos que decorrem da violação deste princípio que rege o direito contratual. Deste modo protegendo os mais frágeis e os mais fracos economicamente.

A proteção aos consumidores satisfeita pelo Código de Defesa do Consumidor, torna um aliado do direito contratual, pois, na medida em que, a sociedade evolui, surge também a necessidade de amparo às desigualdades que vem sendo criadas em decorrência dos acontecimentos sociais e econômicos.

Sobre todo já exposto, inevitavelmente as relações contratuais devem ser justas e equilibradas, para garantir a preservação da dignidade da pessoa humana e, assegurar uma satisfação social a que o contrato se denomina atualmente. Para tanto, o Estado faz sua parte, ditando normas cogentes e protegendo o indivíduo e a coletividade também, com a realização de interpretação e de julgamento dos contratos pelo Poder Judiciário. Logo, as pessoas não devem permanecer submissas a uma conduta alheia que atinja sua honra e seus interesses, devem sim, calcar por uma justiça contratual e pela satisfação de seus ideais, quando estes estão de acordo com os propósitos sociais que o direito se propõe.

 

Referências
CÓDIGO CIVIL. Vade Mecum Saraiva. 14ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva. 2012.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Vade Mecum Saraiva. 14ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva. 2012.
COSTIUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Vade Mecum Saraiva. 14ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva. 2012.
DOWER, Nelson Godoy Bassil. Curso Moderno de Direito Civil. 2. Ed. São Paulo: Ed. Nelpo, 2001.
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
JÚNIOR, Ruy Rosado de Aguiar, Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012, disponível em: http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovadobbs1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Acessado em 10/12/2012.
LEI 12.741/2012. acessado em 13/12/2012.http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1033581/lei-12741-12.
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. Ed. São Paulo: LTR, 1998.
TEIZEN JR, Augusto Geraldo. A Função Social no Código Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.
 
Notas:
 
[1] Trabalho orientado pela Profa. Fátima Fagundes Barasuol Hammarstron, Mestre em Desenvolvimento pela Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ ; pesquisadora junto ao CNPq e membro do projeto “O direito ambiental no contexto da sociedade de risco: em busca da justiça ambiental e da sustentabilidade”; Docente da Graduação e Pós Graduação da Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ.

[2] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit. 2004, p. 86.

[3] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 88.

[4] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 89.

[5] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 119.

[6] SANTOS, A.J. Op. Cit. 2004, p. 41.

[7] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 79

[8] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 119.

[9] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 121.

[10] SANTOS, A.J. Op. Cit. 2004.

[11] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 87.

[12] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 76.

[13] SANTOS, A.J. Op. Cit. 2004, p. 51.

[14] SANTOS, A.J. Op. Cit. 2004, p. 51.

[15] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 83.

[16] SANTOS, A.J. Op. Cit. 2004, p. 63.

[17] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 83.

[18] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 84.

[19] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 124.

[20] DOWER, N.G.B. Curso Moderno de Direito Civil. 2. Ed. São Paulo: Ed. Nelpo, 2001, p. 8.

[21] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit, 2004, p. 125.

[22] CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Op. Cit. 1990, art. 6.

[23] SAAD, E.G. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. Ed. São Paulo: LTR, 1998, p. 157.

[24] CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Op. Cit. 1990, art. 6.

[25] GODOY, C.L. B. de. Op. Cit. 2004, p. 48.

[26] CÓDIGO CIVIL, 2002, Art. 421

[27] GODOY. C.L.B. de. I JORNADA DE DIREITO CIVIL, promovida em setembro de 2002, pelo CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. p. 132.

[28] CÓDIGO CIVIL, 2002, Art. 422

[29] JÚNIOR, RUY ROSADO DE AGUIAR, Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012, disponível em: http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf. Acessado em 10/12/2012.

[30] CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988. Art. 170

[31] CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988. Art. 1.

[32] GODOY, C.L.B.de. Op. Cit. 2004, p. 100.

[33] TEIZEN JR. A.G. Op. Cit. p. 129.

[34] GODOY, C.L.B. de. Op. Cit. 2004.

[35] Lei 12.741/2012, acessado em 13/12/2012. http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1033581/lei-12741-12.


Informações Sobre o Autor

Igor Ortiz Machado

Graduado em Direito e pós-graduando pela Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ, Advogado no RS e MT, militante nas áreas de Direito Civil e do Trabalho


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