A Teoria Geral das Obrigações na sistemática brasileira

Dever jurídico é conceito amplo onde se encontra inserido o conceito de obrigação. Francisco Amaral ensina que o dever jurídico se contrapõe ao direito subjetivo, sendo o primeiro constituído de uma situação passiva que se caracteriza pela necessidade do devedor observar certo comportamento compatível com o interesse do titular do direito subjetivo.

O dever jurídico é comando imposto, pelo direito objetivo e dirigido a todas as pessoas para que observarem certa conduta, sob pena de receberam uma sanção pelo não cumprimento do comportamento prescrito pela norma jurídica.

O dever jurídico abrange não apenas o direito obrigacional ou de direito pessoal, mas também aqueles de natureza real, relacionado com o Direito das Coisas[1], o Direito de Família, Sucessões, o Direito de Empresa e os direitos de personalidade.

Pela doutrina tradicional a obrigação[2] é uma relação jurídica, do lado passivo do direito subjetivo, consistindo no dever jurídico de observar certo comportamento exigível pelo titular deste. E que tem como característica ser transitória, o que às vezes não é observado no dever jurídico.

 A relação jurídica obrigacional não é integrada por qualquer espécie de direito subjetivo. Somente aqueles dotados de conteúdo de econômico (direitos de crédito[3]) passíveis de circulação jurídica, poderão participar de relações obrigacionais, o que descarta, de plano, os direitos da personalidade.

Como bem ressalta Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald no mundo contemporâneo a estrutura da obrigação apresenta-se marcada por grandes desigualdades sociais e jurídicas. E, tendo o direito o primado de lutar e garantir o império da igualdade e da dignidade humana, além de servir de mecanismo para a efetivação dos direitos sociais já previstos constitucionalmente.

Também as relações obrigações não fogem à incidência da legalidade constitucional, exigindo-se que estejam sintonizadas com a valorização da cidadania. Portanto, a obrigação é vista como um processo, ou seja, uma série de atividades exigidas de ambas as partes para consecução de uma finalidade, que é o adimplemento, evitando-se os danos de uma parte à outra nessa trajetória, de forma que o cumprimento se faça a forma mais satisfatória ao credor e ao mesmo tempo menos onerosa ao devedor.

Desta forma, nessa ótica dinâmica da obrigação há o reconhecimento e imposição de outros deveres às partes, além daqueles tradicionalmente descritos pela vontade e com o fito de permitir que a relação alcance seu término natural e normal, preservando-se a liberdade dos parceiros, impedindo-se assim, que no curso da relação jurídico, um sujeito seja reificado pela superioridade econômica do outro.

Portanto, o conceito da obrigação como um processo enfatiza a noção de pluralidade, aduzindo à dinâmica da relação jurídica e instituindo a relação de cooperação entre as partes.

O direito das obrigações exerce notável influência na vida econômica, principalmente em face da alta frequência das relações jurídicas obrigacionais no mundo consumerista.

É através das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, retratando a estrutura econômica social e traduzem as projeções da autonomia privada na esfera patrimonial.

Com razão lecionou Josserand[4] ao aludir que a teoria das obrigações situa-se na base, não somente do direito civil, mas de todo o direito, não sendo exagero afirmar que o conceito de obrigação constitui a armadura e o substractum do direito, e mesmo, de um modo mais geral, de todas as ciências sociais. (In: Josserand, Louis, Cours de droit civil positif français, v.2, p.2).

Os direitos obrigacionais ou jus ad rem diferem em linhas gerais dos direitos reais ou ius in rem, vejamos: a) quanto ao objeto, posto que exijam o cumprimento de determinada prestação, ao passo que estes incidam sobre uma coisa;

b) quanto ao sujeito, porque o sujeito passivo é determinado ou determinável, enquanto nos direitos reais é indeterminado (são todas as pessoas do universo, que devem abster-se de molestar o titular). De acordo com a escola clássica, o direito real não apresenta apenas dois elementos: de um lado, uma pessoa, sujeito ativo de um direito, e de outro, uma coisa, objeto desse direito.

Para teoria personalista e anticlássica, o direito real não passa de uma obrigação passiva universal. Coube a Planiol opor-se à bizarra concepção e sustentou a inviabilidade da afirmação que concebia uma relação entre a pessoa e coisa.

 A relação jurídica é sempre entre duas pessoas, entre dois sujeitos, o ativo e o passivo. Desta forma, nunca poderia haver entre pessoa e coisa. Foi também Planiol que alertou que no direito real há uma obrigação passiva universal, uma obrigação de abstenção de todas as pessoas.

Assim, analisando a relação jurídica em si, o poder jurídico exercitável diretamente contra os bens e coisas em geral, independentemente da participação de um sujeito passivo.

No fundo, a abstenção coletiva [5]não representa a verdadeira essência do direito real, senão apenas uma simples consequência do poder direto e imediato do titular do direito sobre a coisa;

c) quanto à duração, posto que sejam transitórios e se extinguem pelo cumprimento ou por outros meios, enquanto que os direitos reais são perpétuos, não se extinguindo pelo não uso, mas somente nos casos expressos em lei (desapropriação, usucapião em favor de terceiro, etc.);

d) quanto à formação posto que possam resultar da vontade das partes, sendo ilimitado o número de contratos inominados (numerus apertus) ao passo que os direitos reais só podem ser criados por lei, tendo seu número limitado e regulado por esta, daí, chama-los de numerus clausus;

e) quanto ao exercício, porque exigem uma figura intermediária, que é o devedor, ao passo que os direitos reais são exercidos diretamente sobre a coisa sem necessidade da existência de um sujeito passivo, que pode existir apenas potencialmente;

f) quanto à ação que é dirigida somente contra quem figure na relação jurídica como sujeito passivo (ação pessoal), ao passo que a ação real pode ser exercida contra quem quer que detenha a coisa.

É certo, porém, que por vezes os direitos de crédito tenham certos atributos próprios e peculiares dos direitos reais, como acontecem com certos direitos obrigacionais que facultam o gozo da coisa, os chamados direitos pessoais de gozo: os direitos do locatário e os do comodatário, por exemplo.

Assim, se de um lado, a lei atribua eficácia real a certos contratos, que normalmente são constitutivos de simples direitos de crédito, conforme estabelece o direito do promitente comprador ou o direito de preferência presente no contrato de locação e deferido ao locatário.

Ônus jurídico é definido pela necessidade de observar determinado comportamento para a obtenção ou conservação de uma vantagem para o próprio sujeito e não para a satisfação de interesses alheios.

Um típico exemplo é o ônus processual presente no art. 333, I do CPC, de provar o que se alega.

Então, a obrigação visa obter comportamento para satisfazer interesse do titular do direito subjetivo, ao passo que o ônus satisfaz o próprio interesse do agente. A lei não o impõe, apenas faculta.

Segundo Orlando Gomes, o ônus jurídico é a necessidade de agir de certo modo para a tutela de interesses próprios. O não atendimento do ônus gera consequências apenas para a parte que não o atendeu. Outro exemplo: levar um imóvel a registro.

Direito potestativo[6] é o poder que a pessoa tem de influir na esfera jurídica de outrem, sem que este possa fazer algo para não se sujeitar.

Na obrigação a sanção é estabelecida para a tutela de interesse alheio, já na sujeição quem não observar o comportamento determinado, não se cogita em sanção mas suporta os efeitos da vontade do titular do direito.

Exemplificando: Quem ajusta contrato por prazo indeterminado está sujeito a vê-lo denunciado a qualquer momento pelo outro contratante; Quem recebe o mandato se subordina à vontade do mandante de cassar a outorga a qualquer momento; o condômino se sujeita à pretensão de divisão de qualquer dos outros comunheiros.

O estado de sujeição, por sua vez, constitui um poder jurídico do titular do direito (por isso é denominado potestativo) não havendo correspondência a qualquer outro dever.

Resumindo, diferem substancialmente entre si os direitos subjetivos dos chamados direitos potestativos, eis que àqueles contrapõe-se a um dever enquanto a estes correspondem apenas ao estado de sujeição.

A propósito a prescrição está relacionada com os direitos subjetivos, logo está relacionada também com o dever, com a obrigação e a correspondente responsabilidade[7]. Desta forma atinge as ações condenatórias (tais como ações de cobrança e de reparação civil).

Atinge, pois a pretensão condenatória e executória. Por outro lado, a decadência está relacionada com os direitos potestativos, e nesses casos, haverá estado de sujeição. Por essa razão, se relaciona às ações constitutivas positivas e negativas (um bom exemplo é o da ação anulatória de um ato ou negócio jurídico).

Porém, em alguns casos um direito potestativo e um estado de sujeição estarão relacionados com a imprescritibilidade, ou melhor, a não subordinação à prescrição ou decadência, conforme acontece nos impedimentos matrimoniais e nulidade absoluta de negócio jurídico.

Enfim, a obrigação em sentido técnico pertence, portanto, à categoria dos deveres jurídicos especiais ou particulares.

 A obrigação deve ser afinal visualizada sob o prisma dual, onde haverá inicialmente o débito, debitum[8] ou schuld e em caso de inadimplemento surgirá a responsabilidade ou haftung[9].

Em face dessa dualidade é ainda possível identificar schuld sem haftung[10] ou débito sem responsabilidade conforme ocorre na obrigação natural[11] ou incompleta, que não pode ser exigida.

Também é identificável haftung sem schuld[12], ou seja, responsabilidade[13] sem débito conforme ocorre com a fiança.

O Direito das obrigações no Código Civil de 1916, elaborado no final do século XIX (1899) refletia uma sociedade estável, agrária e conservadora, além de recém-saída da escravidão.

Desta forma é justificável o posicionamento do Livro das Obrigações colocado após o Direito de Família e do Direito das Coisas e, por essa razão, não contemplavam aspectos importantes da economia capitalista como, por exemplo, a correção monetária, as indenizações por danos extrapatrimoniais, as cláusulas de escala variável ou indexadores, além de tratar de forma insuficiente dos juros compensatórios e moratórios.

O Direito das Obrigações no Código Civil de 2002, a Lei 10.406/2002 que alterou alguns aspectos do Livro de Obrigações.

Primeiramente, posicionou-o logo após a Parte Geral, abrindo, portanto, a sua Parte Especial. Tal modificação veio a atender tanto o pedido da doutrina, como a um entendimento lógico.

Apesar de não ter operado mudanças substanciais na teoria geral das obrigações, alguns institutos ganharam assento privilegiado em título específico é o caso, por exemplo, da cessão de crédito e a assunção de dívida.

Tendo ainda o referido diploma legal reconhecido em diversos pontos, a correção monetária como efeito da desvalorização da moeda.

Outras características relevantes também são importantes, como: a) a conservação da sistemática tradicional das modalidades de obrigações, deixando-se, de se referir, por ser trabalho da doutrina, sobre o problema das fontes das obrigações;

b) aceitação da revalorização da moeda nas dívidas de valor;

c) no campo da responsabilidade civil, matéria mereceu tratamento em título próprio (o Título IX), consagrou-se a responsabilidade objetiva, além de expresso reconhecimento do dano extrapatrimonial;

d) alteração da medida determinativa da indenização, relativizando-se o critério da extensão do dano, ao se permitir a redução do quantum indenizatório, a critério do juiz, e por equidade, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano (art. 944, parágrafo único do C.C.).

Seguindo o vetor traçado pelo Código Civil Suíço, a teoria geral das obrigações, unificando as obrigações civis e comerciais, perfazendo uma unificação parcial do Direito Privado, com a absorção, inclusive, de regras gerais de Direito Cambiário, em seu Título VIII – Dos Títulos de Crédito.

No Brasil, o doutrinador Clóvis do Couto e Silva pondera que o tratamento da relação obrigacional como totalidade define uma ordem de cooperação em que credor e devedor não ocupam posições antagônicas. Hodiernamente, não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade a qual se dirige a relação dinâmica. É precisamente a finalidade que determina a concepção da obrigação como processo.

Por isso, concluímos que as obrigações emanadas de negócios jurídicos são complexas e acrescendo-se as obrigações principais os chamados deveres anexos ou laterais.

Seriam obrigações de conduta honesta e leal entre as partes, vazadas em deveres de proteção, informação e cooperação, a fim de que não sejam frustradas as legítimas expectativas de confiança dos contratantes quanto ao fiel cumprimento da obrigação principal derivada da autonomia privada.

O regramento contratual contemporâneo é resultado de heteronomia de fontes, principalmente por acrescentar à autonomia privada os deveres impostos pela boa-fé objetiva.

Para além da perspectiva tradicional de subordinação do devedor do credor, existe o bem comum da relação obrigacional, voltada ao adimplemento da forma mais satisfatória ao credor e menos onerosa ao devedor[14].

O bem comum na relação obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperação dos indivíduos na busca de satisfação de interesses patrimoniais recíprocos, sem comprometimento dos direitos de personalidade e da dignidade de credor e devedor.

A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, eis que a cláusula geral previsto no art. 421 do C.C. indica que a funcionalidade da relação obrigacional reside na preservação da harmonia de seus participantes.

A intervenção da sociedade sobre o contrato é benévola principalmente por estimular o adimplemento da relação obrigacional, mediante a cooperação dos contratantes, para que seja possível o resgate da liberdade que fora cedida em razão da contratação.

Justamente pela tutela da liberdade[15], as obrigações serão efêmeras, de natureza puramente transitória. Lembremos que no Código Civil de 1916 de feição marcadamente individualista, visualizava a obrigação apenas pelo olhar do credor, pois o devedor era mero coadjuvante.

Atualmente percebemos a ideia de solidariedade e responsabilidade, até mesmo perante a sociedade, pois esta demanda o cumprimento da obrigação como forma de pacificação do tecido social e incremento do tráfico negocial.

O conteúdo da relação obrigacional é dado pela autonomia privada e integrado pela boa-fé.  Os deveres principais da prestação constituem o núcleo dominante, a alma da relação obrigacional.

Daí que sejam estes que definem o tipo de contrato. Exemplificando, a compra e venda (art. 481 do C.C.) consiste em intercâmbio de obrigações de dar coisa certa e quantia certa, com base na autonomia negocial dos contratantes.

Todavia, outros deveres impõem-se na relação obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos como deveres acessórios, anexos ou laterais ou instrumentais.

Tais deveres de conduta são conduzidos pela boa-fé ao negócio jurídico, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação integra-se.

Estes incidem tanto sobre o devedor como o credor, a partir de uma ordem de cooperação, proteção, informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor, o crédito do titular ativo e a solidariedade entre ambos.

Arnoldo Wald[16] aduz que, mormente o contrato se transformou em bloco de direitos e obrigações de ambas as partes, sendo certo que a plasticidade do contrato transforma a sua própria natureza, fazendo com que os interesses divergentes do passado sejam convertidos numa verdadeira parceria, com maior ou menor densidade.

Visualiza-se o contrato como relação jurídica dinâmica, total e contínua, que nasce, vive e morre. E, como os doutrinadores germânicos costumam aduzir que as relações obrigacionais formam uma fila de deveres de conduta, vistos no tempo, ordenados logicamente por uma finalidade, consistente na realização dos interesses legítimos das partes.

É consagrada a relevância da boa-fé como princípio, cláusula geral e especialmente geradora de deveres de conduta destinados à exata satisfação dos interesses globais envolvidos na relação complexa, não eixando de lembrar sobre a centralidade da vontade na determinação do objeto do negócio jurídico.

A própria neodimensão da autonomia privada a traduz como poder dos particulares de criação da norma individual nos limites dados pelo ordenamento, visa justamente proteger e reforça a volição, a fim de que seja real, fiel e equilibrada. Uma vontade das partes, e não apenas do credor.

Se a dogmática[17] do século XIX fora guiada pelo império da vontade, que fizera com que os juristas apontassem unanimemente que todos os deveres derivassem desta.

Deu-se um giro de cento e oitenta graus, onde se conclui que todos os deveres emanam atualmente do princípio da boa-fé. Devendo o equilíbrio apontar a existência de deveres que resultem da vontade e outros decorrentes da boa-fé e da proteção jurídica e social do contrato.

Há um novo direito para uma nova economia descortinada pela sensível evolução dos contratos e do Código Civil de 2002.

 

Referências:
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LEITE, Gisele. A diferença entre os direitos reais e direitos pessoais, direitos obrigacionais ou de crédito. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5160 Acesso em 20.02.2014.
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TARTUCE, Flávio. Direito Civil 2. 7.ed., São Paulo: Editora Método, 2012.
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SIMÃO, José Fernando. Direito Civil Contratos. Série Leituras Jurídicas, Provas e Concursos. 3.ed., São Paulo: Editora Atlas, 2008.
WALD, Arnoldo. Um novo direito para a nova economia: a evolução dos contratos e o Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.
 
Notas:
[1] O Direito das Coisas é o conjunto de normas jurídicas que rege a atribuição das coisas com eficácia real. Apesar de ser ramo do direito privado projeta-se juridicamente no âmbito do direito público posto que o regime dos direitos reais sofra interferência de institutos próprios do direito público, como por exemplo,
a função social da propriedade. A questão terminológica sobre o Direito das coisas sempre acarretou dúvidas infindas se confrontada com a expressão “direitos reais”.  Direito das coisas é ramo de Direito Civil cujo conteúdo é formado de relações jurídicas entre pessoas e coisas determinadas ou ao menos, determináveis. Entendendo-se que a coisa é tudo que não for humano. O que é radicalmente contestado pela teoria personalista que reafirma claramente ser os direitos reais, as relações entre pessoas porém intermediadas por coisas. A teoria personalista nega a realidade metodológica aos Direitos Reais e ao Direito das Coisas, sendo entendidas como meras extensões metodológicas.

[2] A palavra obrigação decorre do verbo latino obligare, composto de ligare, dando significado de ligar, atar, amarrar. Já o substantivo obligatus significa aquele que se obriga, obrigado. O recurso etimológico foi igualmente prestigiado por Caio Mário da Silva Pereira que aponta que a expressão latina traz a ideia de vinculação, liame, cerceamento de liberdade de ação em benefício de pessoa determinada ou determinável.

[3] Conveniente frisar que o direito de crédito corresponde ao dever de prestar que é de natureza essencial pessoal, não se confundindo, portanto com os direitos reais em geral.

[4] Ettiénne Louis Josserand (1868-1941) foi advogado francês e coautor do projeto de Código de Obrigações e Contratos libaneses. Era o decano da Faculdade de Direito de Lyon, conselheiro do Tribunal de Cassação francês em 1938. Criticou veemente a noção de quase-contrato, sendo o primeiro doutrinador a cogitar de contrato forçado. Foi principalmente por iniciativa da teoria do risco de Raymond Saleilles, obrou um dos fundamentos da responsabilidade civil, tratando de princípio geral a responsabilidade das coisas, conforme prevê o art. 1.384, primeiro parágrafo do Código Civil francês. Foi crítico da evolução do direito privado francês após a Primeira Guerra Mundial, que de acordo com ele fora do direito comum criado uma "classe direita" levando a guerra civil. Foi autor da seguinte assertiva: “A liberdade é o estoque comum de direitos e deveres, é uma possibilidade, uma potencialidade de direitos, nada menos e nada mais".
 

[5] A concepção dos direitos reais como absolutos e erga omnes pressupõe que é um fato jurídico fundamental oponível a qualquer pessoa que não seja titular da coisa. Noutros termos, o proprietário poderá fazer uso da coisa como bem entender desde que atue na forma da lei e não cometa nenhum
ato ilícito, e as demais pessoas tem o dever de não interferir no direito real do proprietário. A expressão latina erga omnes significa literalmente para todos, é particularmente usada no meio jurídico para indicar os efeitos de algum ato, lei ou direito que atingem a todos os indivíduos. Em alguns processos é conhecido também o efeito erga omnes, tais como as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, onde se ataca um ato normativo e que a princípio teria validade contra todos, como se fosse uma lei. Também a inconstitucionalidade reconhecida em ação devida que não tenha o efeito erga omnes, como no caso de recurso extraordinário contra decisão judicial interposto junto ao STF, a esta decisão poderá ser dado o efeito erga omnes por meio da Resolução do Senado Federal, conforme prevê o art.53, inciso X, da Constituição Federal.

[6] É um direito que não admite contestações. É o caso, por exemplo, do direito assegurado ao empregador de despedir um empregado, no âmbito do direito do trabalho, cabe a este apenas aceitar esta condição; como também num caso de divórcio, uma das partes aceitando ou não, o divórcio será processado. Observa Francisco Amaral, o direito potestativo atua na esfera jurídica de outrem, sem que este tenha algum dever a cumprir. Os direitos potestativos podem ser constitutivos, como por exemplo, o direito do dono de prédio encravado (aquele que não tem saída para via pública) de exigir que o dono do prédio dominante lhe permita a passagem.

[7] A responsabilidade por dívida alheia pode nascer da vontade das partes, constituindo garantia contratual ou mesmo por imposição legal (garantia legal). Pode-se confirmar pela dicção do art. 818 do C.C., segundo o qual pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. Não se trata de dívida própria, mas de responder por obrigação de terceiro. Para o dever, vige a obrigação civil completa, em que há dívida e responsabilidade. Já para o fiador, há tão-somente a responsabilidade de pagar integralmente a dívida, ficando sub-rogado nos direitos do credor (art. 831 do C.C.). E também responderá o devedor perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança (art. 832 do C.C.) e o fiador tem direitos aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora (art. 833 do C.C.).

[8] A responsabilidade por dívida alheia pode nascer da vontade das partes, constituindo garantia contratual ou mesmo por imposição legal (garantia legal). Pode-se confirmar pela dicção do art. 818 do C.C., segundo o qual pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. Não se trata de dívida própria, mas de responder por obrigação de terceiro. Para o dever, vige a obrigação civil completa, em que há dívida e responsabilidade. Já para o fiador, há tão-somente a responsabilidade de pagar integralmente a dívida, ficando sub-rogado nos direitos do credor (art. 831 do C.C.). E também responderá o devedor perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança (art. 832 do C.C.) e o fiador tem direitos aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora (art. 833 do C.C.).

[9] Em geral, o haftung e o schuld, ou seja, a responsabilidade e o dever estão relacionados ao débito e repousam sobre o devedor. Sendo o patrimônio do devedor que deve responder por suas dívidas. Mas, por vezes, a responsabilidade sobre o débito pode recair sobre outra pessoa, como por exemplo, o fiador. Bem explica Judith Martins-Costa que a teoria dualista proposta por doutrinadores alemães dos finais dos oitocentos, notadamente, Bekker e Brinz, e aperfeiçoada no início do século XX por Von Gierke que decompunha a obrigação em dois momentos: o schuld, como um dever legal em lato sensu, mas em sentido estrito significa a dívida autônoma em si mesma e que tem por conteúdo um dever legal. Já haftung que consiste na submissão ao poder de intervenção daquele a quem não se presta o que deve ser prestado.

[10] É comum no português ouvirmos referências ao schuld e o haftung, o que revela per si um equívoco posto que em alemão as referidas palavras sejam femininas.

[11] É bom destacar que os deveres morais não são e nunca foram deveres jurídicos e seu descumprimento ou cumprimento não gera efeitos senão no campo social. O dever de urbanidade que existe normalmente em saudar uma pessoa com “bom dia, boa tarde ou boa noite”, é puramente moral. Caso não seja feito, poderá ser moralmente punido, ou ainda angariar a pecha de mal-educado. Por outro lado, a obrigação natural gera efetivos efeitos jurídicos, posto que uma vez feito o pagamento feito voluntariamente não pode ser repetido, ou seja, pedir de volta. De sorte, que a obrigação natural não é moral, pois se o fosse, a repetição do pagamento indevido será possível.

[12] Leciona José Carlos Moreira Alves que são duas importantes distinções entre a dívida e a responsabilidade. A primeira decorre em momentos diversos: a dívida desde a formação da obrigação e a responsabilidade posteriormente quando o devedor não cumpre a prestação devida. A segunda é que o debitum é elemento não coativo (o devedor é livre para realizar ou não a prestação) já a obligatio é um elemento coativo. (In: MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. v.1, p.5.).

[13] Inicialmente a responsabilidade recaia sobre o corpo do devedor e veio a sofrer fortes modificações com o decorrer dos anos. Sublinhe-se que no Império Romano não podia tolerar que um cidadão romano fosse escravo de outro e, por isto, o devedor era considerado servorum loco, ou seja, tinham uma condição especial pela qual não poderia ser ultrajados impunemente pelo senhor e poderiam adquirir sua liberdade mesmo contra a vontade do senhor. Concluiu Bonfante, a condição imposta aos devedores foi motivo de longa luta entre os patrícios credores e os plebeus devedores, conforme noticia algumas histórias tumultuadas. Mas teria a Lex Poetelia Papiria efetivamente acabado com a possibilidade de prisão do devedor? A questão é bem polêmica. Charles Demangeat afirmava que a lei suavizava a condição do devedor porque o credor fica proibido de acorrentá-lo, mas isto não impede que seja aprisionado (Cours élémentaire de droit romain. 3.ed. Paris: A. Maresq Ainé, 1876, v.1. p.153). Bonfante afirmava que a possibilidade de manter-se preso o devedor ou quem se oferecesse em seu lugar fora então, proibida, salvo exceções, desaparecendo o caráter penal do vínculo obrigatório segundo o qual o objeto do direito de crédito era, em primeiro lugar, o corpo do devedor. Foignet e Dupont, por outro lado, afirmavam que a lei apenas impediu o exercício da manus iniectio sem um prévio julgamento do devedor e este foi o motivo de conduzir o nexum ao desuso (Le droit romain des obligations. 5.ed., Paris,  Rousseau e Cie, 1945, p.38. Já Alexandre Correia e Gaetano Sciacia entendem que ocorrera a supressão da própria manus iniectio (Manual de direito romano, 2.ed., São Paulo: Saraiva, 1953, v.1, p.277). E, ainda na opinião Charles Maynz a lei aboliu o próprio nexum ( MAYNZ, Charles. Courses de droit romain, v.1, p. 85). Note-se que a responsabilidade é sempre maior que a dívida nas hipóteses de solidariedade e de indivisibilidade.

[14] O art. 5º, LXVII da CF/1988 prevê a possibilidade de prisão do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Quanto ao depositário infiel, deve-se frisar que a prisão restou inviabilizada pela Súmula Vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal, bem como pela Súmula 419 do STJ. As súmulas decorem do entendimento do Supremo Tribunal Federal pelo qual “diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII) não foi revogada pela ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto- Lei n° 911, de 1º de outubro de 1969” (RExt. 466.343-1).

[15] Antes da preocupação atual da liberdade e com a dignidade humana, no direito romano já apontava Menezes Cordeiro asseverava que a ideia de prisão do devedor por inadimplência já estava contida na Tábua III e confirmava que o período de cárcere privado era de sessenta dias, podendo, inclusive, o credor acorrentar o devedor, havendo, contudo, o dever do primeiro alimentá-lo. Informa que o devedor era conduzido a três feiras consecutivas, trans Tiberium (fora de Roma) ou matá-lo, partes secanto (cortando em postas) sendo as partes proporcionais às dívidas, no caso de concurso de credores. In: Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo III, Coimbra: Almedina, 2010, p. 298.

[16] Arnoldo Wald é doutor, Livre-Docente, Professor Catedrático de Direito Civil da UERJ, Doutor Honoris Causa da Universidade de Paris II, ex-Procurador do Estado, ex-Procurador-Geral da Justiça, ex-membro do Conselho Federal da OAB por mais de vinte anos, membro da Comissão de Revisão do Projeto do Código Civil, Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia,  Membro do Comitê Executivo da Câmara Internacional do Comércio e Advogado.

[17] Dogmática é palavra que deriva de dokein, que significa ensinar, doutrinar. O conceito é trazido por Tércio Sampaio como o enfoque zetético, que vem de zetein, significando perquirir, pesquisar, questionar e indagar. O enfoque dogmático releva o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões. O zetético, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as dúvida. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita são infinitas. As questões dogmáticas têm função diretiva explícita e são finitas. Nas primeiras, o problema tematizado é configurado com um ser (que é algo)? Nas segundas, a situação nelas captadas configura-se como um dever-ser (com dever-ser algo?). Por isso, o enfoque zetético vai saber o que é alguma coisa. Enquanto que o enfoque dogmático preocupa-se em possibilitar uma decisão e orientar a ação.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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