Aspectos da responsabilidade civil do médico

Tem aumentando a freqüência, nos tribunais brasileiros, das ações por erro médico. Os pacientes vêm, cada vez mais, exercendo o seu direito de postular em juízo ressarcimento por eventuais prejuízos que tenham sofrido em conseqüência de um atendimento médico-hospitalar. E, os direitos dos pacientes como cidadãos, entre eles o de receber um adequado – correto, eficiente – serviço médico-hospitalar quando tiver necessidade, encontram amparo nas determinações de nossa Constituição Federal.  Pode-se afirmar que este direito faz parte, inclusive, do princípio, que vem expresso em nossa Carta Magna, do respeito à dignidade humana, como bem acentua Márcia Cadore: “A dignidade humana é fundamento do Estado Democrático de Direito e, portanto, deve informar as relações de direito público e de direito privado. A este fundamento estão submetidos o administrador, o juiz, o legislador” (Serviços Públicos Delegados: Consumidor ou Usuário do Serviço Público?. In: MARCO REGULATÓRIO – Revista da AGERGS – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul. Porto Alegre – RS, nº8, março, 2005, p.89). E fere a dignidade do cidadão, na sua vida em sociedade, se for lesado por um atendimento médico-hospitalar não tiver os seus prejuízos ressarcidos pelo causador dos mesmos. As lesões aos pacientes podem ocorrer, no contexto dos atendimentos em saúde no Brasil, não sendo exclusividade de nosso país a possibilidade delas se  verificarem, como relata a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: “Desvios como esse tornam possível entender por que num país desenvolvido, como os Estados Unidos, entre 44 mil e 98 mil pacientes são vítimas de erro médico, anualmente. Ou, ainda, por que um em dez pacientes, na Europa, volta do hospital com algum efeito adverso (como uma infecção, por exemplo) provocado pela falta de maiores cuidados com a segurança hospitalar” (Perigo Invisível – Especialistas discutem biossegurança em saúde. BOLETIM INFORMATIVO ANVISA. Brasília – DF: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) Ministério da Saúde, agosto de 2005, p.8).

A responsabilidade civil em geral tem legislação inserida em nossos diplomas legais que permite o manejo destas situações pelos tribunais. Esta mesma legislação é aplicada, pelos julgadores, em casos de erro médico, para decidirem face ao que for postulado pelos pacientes nos casos concretos. Apesar de, inicialmente, ter sido abordada a responsabilidade civil médica mais pelos médicos, atualmente os juristas já têm se dedicado mais intensamente a escrever sobre este tema. Há evidências do surgimento, da presença, de uma doutrina específica sobre erro médico e seu manejo pelos tribunais. A jurisprudência, inclusive, tem apresentado uma visão tendendo a uniformidade, mesmo nos diferentes estados da federação. As decisões dos tribunais, apesar de determinadas características peculiares a cada um, não parecem diferir substancialmente. Nota-se esta tendência, esteja-se no tribunal de um ou de outro estado brasileiro. Apresenta-se aqui uma visão desta doutrina, adaptável aos diversos tribunais brasileiros, respeitadas as suas peculiaridades locais.

Busca-se aqui definir conceitos que, exprimindo a realidade jurídica nacional, permitam lidar com as situações de erro médico que se apresentem perante os tribunais, em termos de responsabilidade civil. Isto, tudo, no terreno do Direito Civil, expressão dos direitos potestativos dos cidadãos, por refletir, e expressar, no terreno da lei infra-constitucional, os direitos constitucionais, entre eles estando princípios gerais do direito de caráter universal. Portanto, vem o Direito Civil expressar bem a dignidade da pessoa no contexto do nosso país. Permitindo, pois, que assim se expresse Antônio Junqueira de Azevedo: “É o direito civil que, atualmente, por ter como objeto a vida e, em especial, a vida e a dignidade da pessoa humana, dão sentido e conteúdo ao sistema” (O Direito Pós-Moderno e a Codificação. REVISTA DE DIREITO DO CONSUMIDOR. São Paulo, nº33, jan/mar. 2000, p.127). Como se aborda a responsabilidade civil na medicina, são expostas as peculiaridades desta responsabilidade, mormente no que tange à culpa do médico, face à natureza contratual, por vezes até extracontratual, da sua responsabilidade perante o paciente, no inadimplemento da obrigação através da qual se compromissou com este. Bem inserida se encontra a responsabilidade civil do médico em nosso ordenamento jurídico, sendo-lhe aplicáveis os conceitos da teoria geral das obrigações – dos contratos, bem como podem se lhe aplicar todos os demais dispositivos, de nosso direito positivo, que regem as relações contratuais entre as partes. Nem por isto, dependendo do caso concreto, os dispositivos que regem a responsabilidade extracontratual deixam de ter aplicação neste tema do erro médico, é assim que entendem a doutrina e a jurisprudência pátrias, devido às características peculiares da qual se reveste a relação, em termos de assistência médica, que se estabelece entre o médico e seu paciente.

Sobre responsabilidade profissional nos ensinam Antônio Macena de Figueiredo, Henrique Freire e Roberto Lauro Lana: “Assim como no cotidiano das relações sociais, é necessário observar determinadas normas de conduta individual, exercer uma profissão implica duplamente obediência às normas, pois o profissional, além do dever de obediência às regras gerais aplicadas a todos os cidadãos, deve atuar conforme as orientações normativas específicas inerentes ao exercício da atividade profissional” (Profissões da Saúde – Bases Éticas e Legais. Rio de Janeiro: REVINTER, 2006, p.45). A responsabilidade civil do médico tem as suas peculiaridades e a sua evolução, do ponto de vista legal, se insere dentro do evoluir da sociedade brasileira como nação. De uma característica paternalista, o atendimento médico evoluiu para um estado em que a autonomia do paciente deve ser respeitada na sua totalidade, sendo esta primordial em um atendimento médico. E, para se autodeterminar, exercer a sua autonomia, o paciente deve ser informado, pois só existe autodeterminação – autonomia – com liberdade. Só somos livres para decidir se estivermos adequadamente informados sobre o que estamos decidindo, como bem preleciona Flora Margarida Clock Schier: “Assim, o que se quer realmente destacar é que a informação, desde 1962, quando proposta por Kennedy (nota do autor: John F. Kennedy, Presidente dos Estados Unidos da América do Norte), como direito fundamental dos consumidores, até os dias de hoje, é a base de identificação, e a verificação de todos os demais direitos dos consumidores, na verdade, é a pedra fundamental dos direitos dos consumidores” (A Boa-Fé – Como Pressuposto Fundamental do Dever de Informar. Curitiba: Juruá, 2006, p.86). Na Europa, também, o dever de informar é valorizado nas relações de consumo pois, como nos transmite Cíntia Rosa Pereira de Lima,  já em 1975 uma Resolução do Conselho da Comunidade Européia listava cinco grupos de direitos fundamentais dos consumidores e como um destes grupamentos citava o do “direito à informação e à educação” (A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. REVISTA DE DIREITO DO CONSUMIDOR. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.47, julho-setembro, 2003, p.202).  Parte-se desta  visão, que é universal, do dever de informar, para situarmos a responsabilidade de informar que tem o médico dentro da realidade nacional. Se a sociedade evoluiu neste sentido, nesta direção deve evoluir o relacionamento dentro da relação médico-paciente, em termos de assistência médico-hospitalar, caracterizando-se, pois, como dever legal do médico, em termos de responsabilidade civil, a correta informação ao paciente sobre as características do seu atendimento médico.

Um dos aspectos, da responsabilidade civil, em que se detêm na análise os doutrinadores é na caracterização das duas teorias que permitem aos julgadores interpretar a responsabilidade civil por ocasião da lide jurídica, que venha a se estabelecer, no caso concreto. São elas, a teoria da responsabilidade objetiva e a teoria da responsabilidade subjetiva. As duas são a expressão do que seja a responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico, mais especificamente em nosso Direito Civil. Sobre elas nos diz Luciana Mendes Pereira Roberto: “Ver-se-á adiante que a responsabilidade civil subjetiva é aquela que necessita de culpa (provada ou presumida) do agente para sua verificação. Na responsabilidade objetiva, não há necessidade de culpa do agente lesionador, bastando apenas a ação ou omissão, o resultado danoso e o nexo de causalidade entre ambos” (Responsabilidade Civil do Profissional de Saúde & Consentimento Informado. Curitiba: Juruá, 2005, p.171). A responsabilidade subjetiva – teoria da culpa – vem insculpida no artigo 186 (“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”), do nosso Código Civil, mesmo que este tenha estabelecido casos específicos de responsabilidade sem culpa. A responsabilidade subjetiva é a que predomina em nosso ordenamento jurídico.

Se comenta muito sobre o conceito de responsabilidade civil. Sobre o conceito de responsabilidade nos diz Irany Novah Moraes: “Responsabilidade é a obrigação de assumir as consequências de ação própria ou, na dependência das circunstâncias, alheia. Assim, aquele que é o sujeito da ação poderá responder por ela perante as autoridades competentes arcando com o ônus de suas decisões” (Erro Médico e Justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5.ed., 2003, p.551). Também abordando responsabilidade Rodrigo Mendes Delgado ensina: “De forma muito singela, e sem maiores complexidades “responsabilidade “ é o instituto que liga alguém às conseqüências do ato que pratica” (O Valor do Dano Moral – Como chegar até ele. Leme – SP: Editora J. H. Mizuno, 2004, p. 31). E sobre, especificamente, o que é responsabilidade civil nos transmite a sua definição René Savatier: “La responsabilité civile est l’obligation qui peut incomber à une personne de réparer le dommage causé a autrui par son fait, ou par les fait des personnes ou des choses dépendant d’elle” (Traité de la Responsabilité Civile – En Droit Français – Civil, Administratif, Professionnel, Procédural. Tome I, 12.ed., Paris: Librairie Générale de Droit et Jurisprudence, 1951, p. 1). Em tradução livre do autor: “A responsabilidade civil é o dever que pode incumbir a uma pessoa de reparar o dano causado a outrem por um fato seu, ou pelo fato de pessoas ou coisas dependentes dela”. Numa definição simples a responsabilidade civil seria o dever – obrigação – que cabe a alguém de reparar o dano – prejuízo – que cause a outrem, e do qual tenha sido o causador, ou seja, o responsável, direta ou indiretamente.

O dever que pode surgir, para alguém, em juízo, da responsabilidade civil, poderá ter uma origem contratual ou extracontratual, ou seja, de um fato: uma ação ou omissão. Portanto ele advém tanto da convenção – entre as partes de um contrato, como da norma – a prática de um ilícito civil, ou seja, com repercussão na área civil de nosso direito. De acordo com o adágio latino “naeminem laedere” (a ninguém prejudicar), que norteia a responsabilidade civil, aquele que causar dano a outrem deve ser o responsável pela reparação. Pode-se dizer, em terreno de erro médico, que o adágio latino da medicina “primo non nocere” (primeiro não prejudicar), vai ao encontro daquele que dá uma orientação para a responsabilidade civil.

Se a doutrina até talvez tenha uma certa dificuldade para dar um conceito para o instituto da responsabilidade civil, é com facilidade que aborda as conseqüências, no terreno prático, que advêem da sua aplicação na sociedade, pois se há um dano, o causador do mesmo será responsabilizado, surgindo pois para a pessoa, tanto física como jurídica, o dever de indenizar outra pessoa pelos prejuízos que porventura tenha lhe causado. Diz inclusive, o Código Civil brasileiro, no caput, do seu artigo 942, verbis: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos a reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”, já prevendo uma garantia – maneira viável juridicamente – para que a indenização se efetue efetivamente. Fica evidente que, além de filiar-se à teoria da culpa – responsabilidade subjetiva – como prevê no seu artigo 186, o nosso Código Civil determina que a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos por um paciente é um dever de todos, que por qualquer modo tenham responsabilidade pelo prejuízo, pela lesão sofrida por um paciente. Cabe mencionar, que o Código Civil pátrio somente em situações especiais – não é frequente, ou seja, é pouco comum no seu texto legal – aceita, admite, a responsabilidade sem que haja culpa no agir do agente lesante, que é a responsabilidade objetiva.

Em nosso Código Civil o texto que tem por título: DA RESPONSABILIDADE CIVIL, é o TÍTULO IX (Parte Especial – Livro I), que apresenta dois capítulos: CAPÍTULO I – DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR (do artigo 927 ao 943), e CAPÍTULO II – DA INDENIZAÇÃO (do artigo 944 ao 954) e traz o manejo da responsabilização civil em juízo estabelecido nos seus artigos, assim como aborda aspectos da presença legal da culpa no ato do agente lesante.

A responsabilidade civil subjetiva – teoria da culpa – tem quatro elementos, pressupostos, cuja presença é necessária, na caracterização do agente do ato médico, como responsável pelo ressarcimento judicial dos prejuízos causados a um paciente, quais sejam:

1. dano;

2. ato médico lesante;

3. o nexo causal entre o dano e o ato lesante;

4. culpa.

O agir culposo do médico tem que ter nexo causal com o prejuízo, ou seja, deve ser o que causou dano ao paciente. Ou seja, deve haver uma conduta médica que cause um evento danoso e entre esta conduta e o evento – dano ao paciente – uma relação de causa e efeito, como nos ensina Paulo José da Costa Júnior: “Entre ambos, conduta e evento, estabelece-se um elo, que junge os termos numa relação de causa e efeito” (Nexo Causal. 3.ed., São Paulo: Editora Siciliano Jurídico, 2004, p.11). E, sobre os danos, nos ensina Rodrigo Mendes Delgado: “E o que vem a ser dano? De forma muito simples podemos dizer que “dano” é um resultado que causa ao lesado uma diminuição em um bem de sua propriedade, um prejuízo, uma perda. Alíás dano é uma palavra que provém do latim “damnu” ou “damnum” que significa prejuízo, perda” (O valor do Dano Moral – Como chegar até ele. 2.ed., Leme – SP: Editora J. H. Mizuno, 2004, p.32).

Assim, pois, temos três dos pressupostos necessários para se caracterizar a responsabilidade civil de um médico por  lesão a um direito do paciente, quais sejam, o ato lesivo, o dano e o nexo causal. Estes, quando ocorrem juntos, na presença de uma conduta culposa (o quarto elemento necessário para configurar, em juízo, a responsabilidade subjetiva) podem gerar a obrigação judicial de indenizar. Na ausência de um deles pode não se caracterizar, judicialmente, a responsabilidade civil de um médico por dano a um paciente. Cabe mencionar, para um melhor entendimento do que seja a conduta culposa, o que nos diz Paulo José da Costa Júnior: “A ação culposa caracteriza-se por uma deficiência na execução da direção. E esta deficiência se deve ao fato de a orientação dos meios não corresponder àquela que deveria em realidade ser imprimida para evitar lesão aos bens jurídicos” (Nexo Causal. 3.ed.; São Paulo: Editora Siciliano Jurídico, 2004, p.32).

Outro artigo, além do artigo 186, de relevância, em termos de responsabilidade civil do médico, em nosso Código Civil é o artigo 389 (“Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogados”), de extrema validade no regramento dos efeitos da responsabilidade civil, no terreno do erro médico.

Pode ser considerado como elemento primordial da responsabilidade civil do médico, e sua consequente responsabilização em juízo, o encontro da presença de culpa no seu agir. A presença, com certeza, de culpa no agir do agente, no caso, o médico, é indispensável para caracterizar-se a sua responsabilidade subjetiva por danos causados a outrem. A presença, que pode se dar até tenuemente, de uma atitude antijurídica na conduta do agente é que leva à denominação de responsabilidade subjetiva, expressando um componente anímico que se caracteriza por uma voluntariedade introjetada na pessoa, na mente, daquele que causa um dano através de um ato médico. Isto vai se exteriorizar num agir culposo, culpa esta que pode ser no sentido estrito; negligência, imprudência e imperícia; pode se manifestar também sob a forma dolosa, como componente da culpa em seu sentido amplo,  e, neste caso, o agente lesante quer o resultado danoso (dolo direto) ao paciente, ou assume o risco de que ele ocorra (dolo eventual). Mas tanto a culpa em seu sentido estrito como o dolo, são caracterizados pela legislação, doutrina e jurisprudência como um agir culposo, que faz surgir a necessidade de reparar o dano causado a um paciente, se alguma destas formas de culpa se fizer presente neste agir profissional do médico. A atuação do profissional da medicina, nestes casos, está sempre contaminada pelo caráter culposo da sua conduta, e sendo culposo o seu modo de atuar tem que ressarcir os prejuízos que porventura ele venha a causar a outrem. A culpa provada, em juízo, ou mesmo sendo presumida, é o embasamento da teoria da responsabilidade subjetiva, à qual se filiou o nosso diploma material, em termos de responsabilidade civil, e faz surgir a obrigação de ressarcir prejuízos, como bem determina o nosso Código Civil, em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Ficando, pois, comprovada a culpa exsurge a obrigação, de indenizar um paciente por danos sofridos, extensiva a todos que, de alguma forma, estejam vinculados como causadores do prejuízo por este sofrido, em um atendimento médico-hospitalar. Sobre a culpa cabe complementar com o que nos transmite Hildegard Taggesell Giostri: “A culpa, conforme já visto, diz respeito àquele tipo de erro de conduta, moralmente imputável. É uma falha que não seria cometida por um dos pares do agente, autor do erro, se estivesse em idênticas circunstâncias. Sabe-se que em lato sensu, a noção de culpa abrangeria o dolo mas, no caso, a previsibilidade será o traço diferencial capaz de caracterizar uma e o outro” (Algumas reflexões sobre a arte da Anestesia e a responsabilidade profissional do Anestesiologista. REVISTA DE DIREITO MÉDICO E DA SAÚDE – APEDIMES – Associação Pernambucana de Direito Médico e da Saúde. RECIFE: Editora Livro Rápido, v. 3, nº 03, julho de 2005, p.59).

Em nosso ordenamento jurídico convivemos também, em termos de responsabilidade civil, com a teoria da responsabilidade objetiva. Na responsabilidade objetiva (teoria do risco), ao contrário da responsabilidade subjetiva, não se cogita  da presença de culpa no agir do agente lesante. Perquire-se a existência do dano, prejuízo, sem ser necessária a presença de culpa na conduta daquele que causou o dano. O nexo causal – relação de causa e efeito entre o agir lesivo e o prejuízo – prescinde da presença de culpa neste agir lesivo para que surja o dever de indenizar por prejuízos decorrentes deste atuar que seja causador de uma lesão, violação, a um direito, a um bem jurídico, de outrem. Em sede de responsabilidade objetiva, pois, a responsabilidade de indenizar o dano  surge para o agente lesante sem que exista culpa no seu agir.  É necessária apenas a presença do nexo causal entre o ato lesante e o dano sofrido. Também chamada a responsabilidade objetiva de teoria do risco justamente por se associar à imagem do risco, ou seja, se violamos um direito alheio somos de imediato responsáveis pela indenização do prejudicado. O dever de ressarcir o dano causado não é dependente do agente ter atuado com culpa na sua conduta. Nestes casos o nosso direito positivo não exige a sua prova, para ser responsabilizado pelo prejuízo o agente lesante. Basta alguém ter sofrido um prejuízo que esteja vinculado à conduta lesiva, sua causadora, para que surja a responsabilização do agente lesante por este dano. A característica da teoria da responsabilidade objetiva é sua desvinculação da existência da culpa na ação do agente lesante. Mas, continua sendo exigida a constatação do ato lesivo, do dano e do nexo causal, pressupostos ainda indispensáveis da responsabilidade civil, mesmo em terreno da responsabilidade objetiva, a chamada responsabilidade sem culpa. O prejuízo tem, pois, mesmo aqui, na responsabilidade objetiva, que ter relação de causa e efeito – nexo causal, com o ato lesivo que foi o seu causador. Pode se citar como exemplo de responsabilidade objetiva em nosso Código Civil a do empregador pelos atos de seus empregados (prepostos), como vem expresso em seu artigo 932, no inciso III, verbis: “São também responsáveis pela reparação civil: (…)

III – o empregador ou comitente, por seus empregados , serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”, mas, cabe ressaltar, é excepcional a presença da teoria da responsabilidade objetiva (teoria do risco) nos dispositivos do Código Civil brasileiro. Em nosso ordenamento jurídico é dominante, a teoria da culpa (responsabilidade subjetiva). E sobre a diferença entre as duas: responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva preleciona Rui Stoco: “ “Em teoria, a distinção subsiste, ilustrada por um exemplo prático: no sistema da culpa, sem ela real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou melhor esta indagação não tem lugar” (Responsabilidade Civil e sua Intrepretação Jurisprudencial. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.77).

De uma posição de indefinição em nosso ordenamento jurídico, foi a responsabilidade civil, gradativamente, se isolando, inclusive da responsabilidade penal, até chegar em um momento em que ficou individualizada e completamente autônoma como instituto jurídico no direito brasileiro, inclusive, refletindo o direito francês, distinguiu sempre bem a responsabilidade objetiva da responsabilidade subjetiva. Apesar de haver leis especiais em nosso direito positivo que na responsabilização do agente lesante utilizam a responsabilidade objetiva, no nosso Código Civil impera a responsabilidade baseada na culpa do agente causador do dano, ou seja, a responsabilidade subjetiva. Exemplificamos, como norma que, em nosso ordenamento jurídico, não segue a responsabilidade subjetiva, com o Código de Defesa do Consumidor – CDC (lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990), dispositivo legal especial – lei extravagante, que com exceção do que se refere ao profissional liberal (em seu artigo 14, no parágrafo 4º, para este, determina: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”) é um microssistema legal que utiliza integralmente a responsabilidade objetiva no que se refere à responsabilização por danos sofridos pelo consumidor brasileiro em decorrência da prestação de serviços, como se depreende da leitura do seu artigo 14, em seu caput: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Portanto, é necessária a presença de culpa no agir do médico, e isto é o que vai ser avaliado na sua conduta pelos tribunais, para que este possa vir a ser responsabilizado por um dano a um paciente. Foi no início do século XIX que o Código Civil francês introduziu a regulação dos atos humanos que fossem prejudiciais a outrem e a obrigação de indenizar os prejuízos, porventura decorrentes destes atos, passou a ser conseqüência de qualquer agir do ser humano. Com os médicos, não poderia ser diferente, e estes também passaram a ser responsabilizados por seus atos danosos aos pacientes, no caso de atuarem profissionalmente com comportamento culposo.

A responsabilidade civil em caso de erro médico é regida pelos mesmos dispositivos genéricos que regem a responsabilidade civil, via de regra, na sociedade brasileira em geral. E este regramento geral da responsabilidade civil, em nosso ordenamento, transmite que quem seja capaz e consciente de seus atos e pratique livremente uma conduta que venha a ser prejudicial a outrem, com a vontade expressa de fazê-lo, ou, até, involuntariamente, revestido seu agir, neste caso, de simples culpa, deverá cogentemente indenizar os prejuízos que forem consequência do seu ato danoso.

Quando aborda-se, em juízo, a responsabilidade civil do médico há necessidade de haver prova insofismável da culpa estar presente na ação do médico quando do atendimento médico causador de prejuízo ao paciente. E, como diz o Código de Processo Civil brasileiro, em seu artigo 333 (“O ônus da prova incumbe: I – ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito”), a prova em juízo de que o médico agiu com culpa, como regra geral, compete ao paciente, ou seja, ao autor da ação. Há necessidade da presença de culpa na conduta de um médico, para que lhe seja atribuída responsabilização pelos prejuízos causados a um paciente, pois o nosso ordenamento jurídico adotou a teoria da responsabilidade subjetiva que exige a presença de culpa no agir do agente lesante, no caso o médico, como bem expressa, em relação a danos causados a um paciente, o nosso Código Civil, em seu artigo 951: “O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”. Em relação a fazer prova, ao médico, dentro do processo, como réu, compete o determinado no mesmo artigo 333, do nosso diploma adjetivo, no seu inciso II: “O ônus da prova incumbe: (…) II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.

Cabe, neste ponto uma abordagem do que seja erro médico, já que este é o causador de um dano a um paciente passível de ser responsabilidade do médico indenizar por decisão judicial, e, sobre ele, nos diz Hildegard Taggesell Giostri: “Erro médico, pode, então, ser entendido como uma falha no exercício da profissão, do que advém um mau resultado ou um resultado adverso, efetivando-se através da ação ou da omissão do profissional” (Erro Médico – À luz da jurisprudência comentada. 2.ed., Curitiba: Editora Juruá, 2004, p.125).  Trazemos também o conceito de João Monteiro de Castro: “O erro médico supõe uma conduta profissional inadequada, associada à inobservância de regra técnica, potencialmente capaz de produzir dano à vida ou agravamento do estado de saúde de outrem, mediante imperícia, imprudência ou negligência” (Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Editora Método, 2005, p.141).

Imperícia, imprudência ou negligência, estas que, uma delas, pelo menos, se achando presente em um ato médico e vindo este ato a causar lesão – prejuízo – em um paciente, é, esta presença de uma delas, o pressuposto para que se considere presente a culpa no atendimento de um médico. Esta culpa do profissional basta ser leve, ou levíssima, pois é válido o que era aceito como verdade em relação à Lei Aquília do Direito Romano: “in lege aquilia et culpa levissima venit”, ou seja, “na lei aquília mesmo a culpa levíssima é valorizada”, o que em termos de direito é doutrinariamente importante já que esta lei foi originalmente criada para subsumir os casos de danos, causados por um indivíduo a outrem, no âmbito daquele direito. E, ao tratar da vida humana, da integridade física do ser humano, o nosso ordenamento jurídico não admite a culpa mesmo que levíssima, pequena. Mas a culpa do médico, tanto a culpa levíssima como a culpa grave, tem que ser provada pelo paciente, é deste, via de regra, o ônus da prova, caso contrário todos os danos sofridos pelo paciente podem ficar debitados, quando em juízo, ao infortúnio.

Se um tratamento médico, clínico ou cirúrgico, que um paciente recebe é o que seja indicado para uma determinada doença de que este esteja acometido, sendo o médico cauteloso no instituir o referido tratamento, e não ficando provado ter havido negligência, imprudência ou imperícia no seu agir profissional não se pode cogitar de obrigá-lo a indenizar qualquer prejuízo que sobrevenha ao paciente, porque a responsabilidade civil, no caso de atividade em medicina, exige a presença de culpa na conduta do médico, para que seja reconhecida pelos tribunais a existência do dever de indenizar danos.

A culpa médica se expressa numa ação ou omissão conscientes, ou seja um maneira de deliberadamente procurar através de uma certa conduta obter um resultado desejado ou quando se manifestar presente a imperícia, negligência ou imprudência na conduta profissional de um médico. Sobre imperícia  nos ensina Hildegard Taggesell Giostri: “Portanto, imperícia é um tipo de culpa – por ação – que pode ocorrer quando o médico se conduz de maneira errada ou equivocada, seja por falta de experiência, por despreparo técnico ou por falta de conhecimento específico em determinada área” (Erro Médico – À luz da jurisprudência comentada. 2.ed., Curitiba: Editora Juruá, 2004, p.40). A respeito de imperícia Delton Croce e Delton Croce Júnior nos transmitem: “Consiste, portanto a imperícia na falta de cabedal normalmente indispensável ao exercício de uma profissão ou arte. (…)

Na imperícia o agente, embora diplomado médico, é, ao menos parcialmente, falto de conhecimentos técnicos, teóricos ou práticos ao executar um ato, profissional” (Erro Médico e o Direito. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, p.18-19). Para descrever negligência e imprudência nos valemos do ensinamento de José de Aguiar Dias: “Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regem a conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam operar com atenção, capacidade solicitude e discernimento. Consiste a imprudência da precipitação no procedimento inconsiderado, sem cautela, em contradição com as normas do procedimento sensato. É a afoiteza no agir, o desprezo das cautelas que devemos tomar em nossos atos” (Da Responsabilidade Civil. Volume I, 10.ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995, p.120). Sobre a negligência nos dizem ainda Delton Croce e Delton Croce Júnior: “É a omissão (culpa in omittendo) aos deveres que as circunstâncias exigem” (Erro Médico e o Direito. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, p.17). E sobre a imprudência os mesmos autores ensinam: “A imprudência, denominada pela doutrina forma ativa ou militante de culpa, é uma atitude em que o agente exerce determinada atividade, que guarda necessariamente relação com arte ou profissão, com intempestividade, precipitação, afoiteza ou insensatez, deixando de empregar as precauções indicadas pela experiência como capazes de prevenir possíveis resultados lesivos” (Erro Médico e o Direito. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, p.19). Para ser responsabilizado um médico por um erro em um paciente, que cause danos a este, é necessário que uma destas formas tradicionais de culpa em sentido estrito esteja presente, e devidamente comprovada, na sua conduta.

O erro é inerente à atividade do médico no seu exercício profissional, visto a medicina ser regida por fenômenos biológicos, todos eles revestidos de um certo grau de aleatoriedade, sendo necessário que a medicina com suas limitações conviva com estes. Nem sempre, portanto, a culpa por um acontecimento infausto a um paciente deve ser atribuída ao médico. Há erros invencíveis, mesmo para um médico que atue com a melhor prudência, diligência e perícia no atendimento ao paciente. O médico, se atua com um comportamento e tecnologia adequados a um determinado local e momento, pode até errar, pois é inerente ao exercício da medicina isto ocorrer, mas não lhe será atribuída a responsabilidade por esta evolução desfavorável no atendimento a um dado paciente, ou seja por algo que era imprevisível. Pelo contrário, se o erro vier acompanhado de um agir culposo, com imperícia, imprudência ou negligência na conduta do médico, causando danos ao paciente, previsíveis e evitáveis através de uma atuação profissional correta, então poderá, em juízo, o médico ser responsabilizado pelo prejuízo ao qual tenha dado causa. Cabe ao magistrado aquilatar se havia, com certeza, culpa no agir do médico, através dos elementos – as provas, entre outros – que estejam presentes num processo por erro médico.

Há situações em juízo, nas quais o magistrado vai presumir a existência de culpa no agir do médico, devido às circunstâncias da ocorrência do fato médico lesivo. Uma delas é a chamada teoria da res ipsa loquitur (a coisa fala por si mesma) que é utilizada pelo magistrado quando há um dano ao paciente com evidências de que não ocorreria a lesão ao paciente, se o médico não tivesse atuado com culpa na sua conduta. O fato danoso não teria ocorrido sem a presença de culpa no agir do médico, podendo o magistrado, em certos casos, até dispensar a perícia. Passa a haver presunção de culpa no atuar do médico. Sobre esta teoria nos diz Jerônimo Romanello Neto: “Além disso, houve a criação da res ipsa loquitur (a coisa fala por si mesma), pela qual, diante da evidência do erro médico, até mesmo os peritos seriam dispensados e o juiz admitiria a culpa do profissional” (Responsabilidade Civil dos Médicos. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998, p.33). O que é complementado pelo ensinamento de Miguel Kfouri Neto: “Nos Estados Unidos, desde 1863, com “Byrne vs. Boadle” aplica-se, de forma reiterada, o princípio res ipsa loquitur (a coisa fala por si mesma). A coisa, neste caso, é o dano, o fato danoso. Superam-se assim, com facilidade as regras relativas à prova de culpa, em matéria de responsabilidade civil. As circunstâncias falam por si mesmas. Não há outra explicação para o dano, a não ser a atuação culposa do agente.

Ante a simples ocorrência de um fato – morte do doente, paralisia de um membro, amputação etc. – surge a presunção de negligência, contra o médico e a favor do paciente. Extrai-se a ilação de que o fato não teria ocorrido se não tivesse havido culpa do médico” (Culpa Médica e Ônus da Prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 133).

A teoria da “perte d’une chance” também faz surgir a presunção de culpa no agir do médico, pois passa-se a trabalhar, em juízo, com a noção de que o seu atuar diminuiu a possibilidade de sucesso no tratamento do paciente. Isto pode implicar em agressão à integridade física deste, como, até, por vezes, se relacionar a sua própria sobrevivência – sua existência. Como nos ensina Alaércio Cardoso: “Esta teoria é de grande utilidade na responsabilidade civil dos profissionais, cujas obrigações são taxadas como sendo de meios, tornando eficaz a proteção contra os danos dessa natureza. A chance tolhida com a culpa do profissional, entretanto, deve ser séria, viável, plausível e não meramente eventual.

É verdade que, na prática, no caso concreto, essa constatação nem sempre é fácil, cabendo ao prudente arbítrio do juiz identificar se, no caso que lhe é apresentado, o autor da pretensão ressarcitória realmente foi privado de uma chance” (Responsabilidade Civil e Penal dos Médicos nos Casos de Transplantes. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002, p.303-304). O magistrado mesmo na incerteza da presença de culpa no atuar do médico como causadora do dano ao paciente, mesmo que haja apenas uma dúvida de que isto seja o que tenha ocorrido, presume a culpa do médico. É o que nos diz, sobre esta teoria, Jerônimo Romanello Neto: “Ao juiz basta uma dúvida, pois não há necessidade da prova de culpa” (Responsabilidade Civil dos Médicos. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998, p.32). Por não ter o médico dado todas as chances ao paciente para se recuperar de uma doença nossos julgadores aceitam que há nexo causal entre a lesão ao paciente e o agir culposo do médico, sendo pois este responsabilizado pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos por outrem e advindos deste seu agir.

Há no Código Civil brasileiro uma preocupação em na amplitude do conceito de dano – prejuízo – abranger também o dano moral. Como se depreende da leitura do seu artigo 186, verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (o grifo é nosso). O dano, palavra derivada do vocábulo do latim “demere”, que quer dizer, diminuir, apequenar, tirar, é uma diminuição patrimonial, que pode ser tanto material, como moral. E, para um médico ser responsabilizado por um dano é bom frisar-se há necessidade de se provar a culpa no seu agir. Alem disto a lesão a um direito do paciente causada pelo médico, repita-se, tem que guardar uma relação de causalidade – nexo causal – com o ato médico culposo responsável por este dano. O conjunto probatório dentro do processo tem a finalidade de demonstrar esta ligação entre um ato lesivo e o dano sofrido. No ordenamento jurídico brasileiro somente aqueles prejuízos efetivos e diretamente causados pelo médico são sujeitos a terem o seu ressarcimento, por este profissional, determinado em juízo. Isto vem bem determinado, no Codigo Civil brasileiro, no artigo 403: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Refere-se este artigo do nosso Código Civil às perdas e danos que nada mais são que o dano que possa ter sido causado, a um paciente, pelo erro do médico. Não havendo dano – prejuízo – não há ilícito civil punível, em termos de responsabilidade civil. Também a conduta culposa tem que estar presente, no seu sentido estrito, no atuar do médico, assim como deve ter sido previsível o resultado danoso ocorrido e, portanto evitável pelo profissional em seu atendimento ao paciente, se tivesse agido com perícia, prudência e diligência. É isto que a norma do nosso Código Civil veda ao médico: agir com imperícia imprudência ou negligência; se agir assim e causar dano a um paciente pode ser responsabilizado, judicialmente, por este prejuízo que causou. E este dano pode ser de dois tipos: o patrimonial – material e o extrapatrimonial – moral. No dano moral a doutrina e a jurisprudência pátrias incluem o dano estético, o qual é admitido – aceito – poder ser atribuído, em decisão judicial, de uma forma independente – autônoma – do dano moral. No mesmo sentido vai Arnaldo Marmitt quando nos diz: “Dano estético é espécie do gênero dano moral, consistindo em qualquer modificação corporal que forme seqüela ou que imprima no ser humano um estado psíquico desconfortável, de intranqüilidade e de revolta, que pode importar em complexos outros, como o de inferioridade perante terceiros. É o afeamento, a ferida ou a cicatriz desagradável e permanente que causa contrariedade e prostração” (Dano Moral. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 1999, p.123). Os danos materiais englobam os danos emergentes: aquilo que efetivamente foi prejuízo material da vítima do erro médico, e os lucros cessantes: o que a vítima deixou de auferir, ou seja, aquilo que a vítima de erro médico, deixou de receber como remuneração no exercício de sua atividade laboral como efeito direto da lesão que lhe foi causada. Perspectivas de ganhos hipotéticos e futuros não são considerados, apenas aqueles efetivamente comprovados por documentação hábil. O dano moral será arbitrado pelo magistrado, dentro do exercício do poder discricionário que lhe é conferido, visando sempre este, em sua decisão, adequar-se aos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.

São excludentes da responsabilidade do médico o caso fortuito e a força maior, por isto, cite-se como dispositivo de extrema utilidade na análise – subsunção – em juízo de casos de danos em pacientes, por atos médico, o artigo 393, do mesmo código: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos era possível evitar ou impedir”. Sobre caso fortuito e força maior nos transmitem Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza: “Segundo corrente doutrinária majoritária (em verdade, trata-se de entendimento pacificado), entende-se por caso fortuito aquele que se mostra imprevisível e, por isso, inevitável, sendo o caso de força maior aquele que pode até ser previsível, porém é inevitável” (Responsabilidade Civil Médica e Hospitalar. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001, p.31). Eximem, pois, o médico, da responsabilidade civil, nos casos em que sofra o paciente um prejuízo em um atendimento médico, ambos, a força maior e o caso fortuito. Sobre eles nos diz Deilton Ribeiro Brasil: “Conseqüentemente, o acontecimento provindo seja por fato da natureza, imprevisível – ou previsivel mas irresistível -, seja por fato humano, mas irresistível, que seja a causa do inadimplemento da obrigação, exclui a responsabilidade do devedor, isentando-o de culpa, ipso facto, da indenização correspondente ou decorrente. (…) Numa conclusão, ambos  caso fortuito ou força maior – provocam a exclusão da responsabilidade imposta ao devedor de indenizar os danos causados por seu inadimplemento. Para que se configure o caso fortuito ou força maior, exigem-se os elementos seguintes: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor; b) o fato deve ser superveniente e inevitável e c) finalmente, o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano” (Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2003, p.106-108).  O que é complementado pelo que nos ensina Maria Helena Diniz: “O requisito objetivo da força maior e do caso fortuito configura-se na inevitabilidade do acontecimento, e o subjetivo, na ausência de culpa na produção do evento” (Código Civil Anotado. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p.760).

Também excluem a responsabilidade civil do médico a culpa exclusiva de terceiros, estranhos ao atendimento médico, que ajam com dolo ou culpa e não estejam em situação de preposição em relação ao médico. Se for culpa exclusiva do paciente, o dano que sofreu, também fica excluída a responsabilidade civil do médico por prejuízos que este venha a ter com um atendimento médico. Estas excludentes da responsabilidade do médico, culpa exclusiva do paciente (“consumidor”) ou de terceiro, subsumem-se ao teor do Código de Defesa do Consumidor – CDC (lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990), no parágrafo 3º, inciso II, do seu artigo 14: “Parágrafo 3º: O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: (…)

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. A relação de causalidade fica, nestes casos, alterada, ou seja, rompe-se o nexo causal entre o ato do médico e o dano sofrido, e, sem o nexo causal, fica descaracterizada a responsabilidade subjetiva do médico, em termos de responsabilidade civil.

Se houver culpa concorrente, do médico e do paciente, não vai haver exclusão completa da responsabilidade civil do médico mas, o paciente vai ser responsabilizado por sua parcela de culpa, e desta parcela, que couber ao paciente a responsabilidade, o médico não é inculpado. Há repartição da responsabilidade. O dever de indenizar do médico pode, em juízo, ser diminuído se o paciente contribuiu para com o surgimento de sua lesão decorrente do atendimento médico. Exemplifique-se com as situações em que o paciente omite do médico informações clínicas vitais na decisão de tomada de condutas terapêuticas pelo profissional, ou quando não segue orientações do médico sobre cuidados a tomar em conseqüência da doença ou das terapêuticas que foram instituídas pelo profissional. Ao se analisar, pois, um episódio em que um paciente sofra um prejuízo – dano – em decorrência de um atendimento médico pode haver constatação de culpa só no agir do médico – agente lesante, como esta pode estar presente só na conduta do paciente – o lesado, ou mesmo o agir culposo estar presente no atuar tanto do agente lesante (médico), como no agir do lesado (paciente), ou seja, na atuação de ambos por ocasião do atendimento em saúde. A medida exata do que a ação de cada um contribuir para o evento danoso ao paciente será o parâmetro para atribuir o valor da indenização. Será, pois, a indenização devida pelo médico ao paciente, proporcional à sua contribuição no surgimento do prejuízo ao paciente, se ambos contribuíram com uma determinada parcela de culpa para o surgimento do dano neste, tudo isto entendido dentro dos critérios da responsabilidade subjetiva da responsabilidade civil. O que, em suma, é o disposto em nosso Código Civil no artigo 944: “A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente a indenização”, e no artigo 945: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. Assim o concurso de culpas, do médico e de seu paciente, vai configurar uma convergência de responsabilidades que causam uma diminuição da quantia – verba indenizatória – em pecúnia em que é penalizado o profissional, dentro do princípio da indenização proporcional, que vai incidir nos casos de ocorrência simultânea de responsabilidades. Tudo isto vai ocorrer devido a teoria da causalidade adequada pois esta teoria determina que se perquira qual a causa mais provável, à luz do direito brasileiro, que tenha compatibilidade circunstancialmente, no tempo e no espaço, com o dano ocorrido, para então avaliar qual o grau de responsabilidade do agente lesante pelo prejuízo sofrido pelo lesado. Se a atuação do paciente, contrariando recomendações médicas e omitindo informações, não foi o fator adequado para lhe causar prejuízo, este fato não será significativo na avaliação da averiguação de sua culpa concorrente como causador do episódio danoso. Médico e paciente, cada um, será o responsável apenas pela parcela de prejuízo ao qual deu causa. Poderá até o fato danoso ter ocorrido por motivos que escapam do âmbito do agir culposo, tanto do médico como do paciente lesado.

No que tange ao fato de ser um contrato – relação contratual – o que se estabelece entre o médico e seu paciente, por ocasião de um atendimento médico, não paira mais a menor dúvida tanto na doutrina como na jurisprudência. Neste sentido é o que nos transmite Maria Leonor de Souza Kühn: “A responsabilidade médica é considerada de natureza contratual por praticamente toda a doutrina” (Responsabilidade Civil – a natureza jurídica da relação médico-paciente. Barueri – SP: Editora Manole, 2002, p.61). Nos diz o mesmo Luzia Chaves Vieira: “Hoje existe uma esmagadora maioria de doutrinas que se inclina por reconhecer a existência do contrato médico” (Responsabilidade Civil Médica e Seguro. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001, p.49). No mesmo sentido vai Cleonice Rodrigues Casarin da Rocha: “A opinião de que a responsabilidade do médico seja contratual, é compartilhada de forma geral pelos Tribunais brasileiros” (Natureza Jurídica do Contrato Médico. In; LANA, Roberto Lauro; FIGUEIREDO, Antônio Macena de (coordenadores). Temas de Direito Médico. Rio de Janeiro: Editora Espaço Jurídico, 2004, p.56).

Sobre as características gerais desta relação contratual, que é a mais freqüente entre o médico e o paciente, nos diz João Monteiro de Castro: “Há muito se considera que a responsabilidade contratual não pode ser fundada senão na culpa. Assim, tanto hoje quanto no passado, a maior parte dos autores continua a ver o fato imputável ao devedor contratual que não executou sua obrigação, ou a fez mal, sob o ângulo da culpa” (Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Editora Método, 2005, p.50-51). E, sendo um contrato, é permitido que na sua análise se diga que ele seja, dentre outras características: inominado, atípico (os contratos atípicos têm previsão no Código Civil brasileiro, no artigo 425: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas nesse Código”), intuitu personae, bilateral, oneroso ou gratuito, de caráter civil e comutativo. Pode haver um contrato principal e contratos acessórios. Mesmo que seja recomendável juridicamente a forma escrita, é um contrato que, por vezes, surge da informalidade de um telefonema entre o médico e o paciente, ou mesmo a marcação de uma consulta, gerando a partir daí direitos e obrigações. Assim, a forma de contratar é livre, sendo o objeto jurídico deste contrato uma obrigação de meios. Esta obrigação de meios (criação doutrinária do jurista francês René Demogue que dividiu as obrigações, objeto dos contratos, em de meios – moyens, e de resultado – résultat) é aquela pela qual o médico se obriga neste contrato com o paciente. Sobre estas obrigações nos esclarece Luciana Mendes Pereira Roberto: “Destarte, obrigação de meio é aquela na qual o devedor não se compromete a realizar um resultado específico, contudo promete valer-se de toda a sua diligência, técnica, profissionalismo, destreza, cuidado e força de vontade para realizar a obrigação da melhor forma possível, dentro de suas possibilidades. De outra feita a obrigação de resultado é aquela em que o devedor se compromete não somente a ser diligente, mas especialmente a realizar um resultado determinado, em prol do credor, e este fica ciente de que o resultado de fato será efetivado” (Responsabilidade Civil do Profissional de Saúde & Consentimento Informado. Curitiba: Editora Juruá, 2005, p.199-200). E diz mais, a mesma autora; “a importância dessa distinção reside no ônus da prova, senão veja-se: se a obrigação for de resultado, a culpa será presumida, no caso de o resultado não ser alcançado; mas se a obrigação for de meio, não há que se falar em presunção de culpa, cabendo ao credor provar a culpa” (Responsabilidade Civil do Profissional de Saúde & Consentimento Informado. Curitiba: Editora Juruá, 2005, p.180).

Ao contratar com o paciente o médico não se compromete a curá-lo, mas sim a exercer a sua atividade de acordo com os ditames da profissão médica, empregando os meios adequados na direção de obter a cura, embora esta possa vir a não ser obtida. Como bem ressalta Nestor José Forster: “Exigir do médico, entretanto que ele tenha a obrigação da cura, ou seja, do resultado, é formular exigência além de qualquer possibilidade humana. Se pudesse, o médico “curaria” a própria morte, que ele não consegue vencer sempre. É inexigível do profissional um resultado que ele não pode governar. Daí dizer-se que a obrigação do médico é de meios, não de resultados” (Erro Médico. São Leopoldo – RS: Editora Unisinos, 2002, p.70). É pois o próprio agir do médico o objeto jurídico que foi contratado com o paciente. Se não agir com culpa o médico pode ter considerada como adimplida a sua obrigação para com o paciente mesmo que venha a cometer, por exemplo, um erro de diagnóstico que seja inevitável, portanto escusável e atribuído, portanto, tão só a um infortúnio. A sua responsabilidade fica circunscrita pois à atuação com correção nos atos médicos através de uma atuação diligente, prudente e perita, respeitando o estágio científico da Medicina naquele determinado momento, ou seja, obedecendo a lex artis. Pode-se caracterizar assim a obrigação de meios do médico para com seu paciente. Na obrigação de resultado que, via de regra, não é aquela pela qual o médico se obriga com o paciente neste contrato de prestação de serviços médicos, fica o profissional com o compromisso de atingir um objetivo específico, um fim determinado, certo, ao qual se propôs ao contratar. Aqui o que é perquirido para considerar a obrigação adimplida é se o resultado avençado foi alcançado na execução do contrato. Caso o resultado específico não for alcançado será considerado ter havido um inadimplemento contratual, ou seja, a obrigação pela qual o profissional se comprometeu contratualmente não foi cumprida. Existe uma exceção, no que se refere à obrigação do médico para com o paciente ser uma obrigação de meios, assim consideram a doutrina e a jurisprudência pátrias, majoritariamente, que é a especialidade médica da cirurgia plástica estética, embelezadora. É aceito por estas, predominantemente, que na execução de cirurgias plásticas estéticas, embelezadoras, o cirurgião está assumindo, contratualmente, com o seu paciente uma obrigação de resultado. Isto, traz como implicação processual de que pela não obtenção do resultado contratado na cirurgia plástica estética presumir-se-á a culpa como presente no agir do médico. Mesmo uma cirurgia plástica em que o resultado não seja completamente diferente do esperado, mas sendo defeituosa a correção cirúrgica estética efetuada pelo profissional, isto poderá corresponder a uma  inexecução da obrigação de fazer pela qual se obrigou o médico com o seu paciente. Na cirurgia plástica restauradora (corretiva), que é aquela que corrige casos de defeitos congênitos, lesões decorrentes de acidentes – traumatismos, sequelas de agressões, queimaduras, dentre outros adquiridos, e aqui se inclui a cirurgia plástica corretiva (restauradora) realizada para corrigir sequela de uma cirurgia plástica embelezadora (estética) que ocasionou problemas ao paciente, a obrigação pela qual se compromete o cirurgião plástico, é considerada ser a obrigação seguindo-se a que é a regra geral em relação ao médico, qual seja, há um compromisso contratual do profissional com o seu paciente através de uma obrigação de meios.

Ao nos depararmos com um erro médico estamos nos defrontando com o inadimplemento de um contrato, um atendimento médico defeituoso que gera uma correspondente responsabilização, em termos de um contrato não cumprido, se houver culpa no agir do médico, pré-requisito para gerar uma possível responsabilização pela inadimplência contratual que tenha causado danos ao paciente, ou seja, provoque um prejuízo àquele que é titular de um direito, bem jurídico patrimonial ou extrapatrimonial, violado. São admitidos todos os meios probatórios utilizados em direito para fazer prova, em juízo, de um eventual caso de erro médico, e nesse particular, frise-se a importância probatória que exercem em casos tais o prontuário e ficha clínica com dados os mais diversos do atendimento do paciente. Na seara do erro médico a perícia médica, por vezes indispensável ao deslinde da lide jurídica, adquire vital importância dentro do processo deste tipo de ação. Para haver procedência nestas ações de erro médico há necessidade de que emerja dos autos a certeza da culpa do médico, através de um robusto conjunto probatório, ou seja, ficar provado nos autos com segurança a presença da culpa no atuar do profissional, para que se possa impor, em decisão judicial, ao médico a sanção de ressarcir os danos causados a um paciente. Se o autor de uma ação por erro médico não se desempenhar a contento no fazer prova da culpa do médico ao causar uma lesão no paciente, bem como não comprovar estarem presentes os demais elementos – pressupostos – da responsabilidade subjetiva, pode restar inculpado o profissional por prejuízo – dano – sofrido por um paciente. E, não bastam meras imputações, afirmações, há que se acostar aos autos provas concretas do agir culposo do médico, assim como comprovar-se a presença dos demais requisitos para configurar-se a responsabilidade subjetiva – teoria da culpa – do médico por eventuais danos que venha a causar aos seus pacientes. Esta é uma característica doutrinária da obrigação de meios, pela qual se compromete o médico na sua relação contratual com o paciente: cabe ao paciente provar que o médico em seu atendimento não agiu com a devida perícia, diligência, ou prudência. Em sendo uma obrigação de resultado, aquela pela qual se comprometeu o médico, como no caso da cirurgia plástica estética, deverá haver inversão do ônus de provar, cabendo ao médico demonstrar em juízo que não se houve com imperícia, negligência ou imprudência, inclusive podendo afastar estas modalidades de culpa do seu agir comprovando que atuou uma causa diversa do seu ato médico como causadora do dano ao paciente.

Além das constatações doutrinárias e jurisprudenciais que estabelecem a necessidade de se comprovar a culpa do médico no seu atuar profissional para responsabilizá-lo por danos a um paciente, no mesmo sentido, contudentemente, vai a legislação consumerista brasileira, pois o Código de Defesa do Consumidor – CDC (lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990), diz, em seu artigo 14,  no parágrafo 4º: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Isto quer ela seja uma obrigação de meios, quer ela se constitua em uma obrigação de resultado; na primeira, o paciente deve fazer a prova da culpa do médico, na segunda, esta é presumida e compete ao médico fazer prova que não agiu com culpa ou comprovar nos autos alguma causa de exclusão da sua responsabilidade pelos danos sofridos pelo paciente, quais sejam a saber, a força maior, o caso fortuito e a responsabilidade exclusiva do paciente ou de terceiro. E, não só a obrigação de resultado impõe a inversão do ônus da prova em um caso de erro, também pode ser esta inversão de provar imposta pelo magistrado, dentro do processo, conforme disposto no Código de Defesa do Consumidor – CDC, em seu artigo 6º, no inciso VIII, verbis: “Art. 6º São direitos básico do consumidor: (…)

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”, já que, com exceção do disposto no artigo 14, em seu parágrafo 4º (“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”), em tudo mais se aplica o conteúdo do Código de Defesa do Consumidor – CDC em relação ao contrato, de consumo de serviços de saúde, que se estabelece entre um médico e seu paciente, sendo este um usuário do serviço médico e o médico um prestador deste tipo de serviço.  

Mas, cabe lembrar, que mesmo em sede de cirurgia plástica estética, onde, por ser mediada por uma obrigação de resultado, doutrinariamente já está presumida a culpa do médico, como nos casos em que a inversão do ônus de provar é determinada de ofício, ou mesmo instado pela parte, pelo magistrado, já estando  a partir daí, pois, presumida a culpa do profissional, não deixa de ser exigido ao autor da ação, comprovar, nos autos do processo, os demais pressupostos – elementos – da responsabilidade subjetiva. Ao magistrado cabe, fica aqui evidente, verificar, amparado na teoria da carga probatória dinâmica (incumbe ao magistrado atribuir maior ônus probatório a quem mais condições tem de fazê-lo), averiguar quem desfruta de melhor situação para trazer ao processo elementos de prova, permitindo assim uma justa e adequada demonstração dos fatos na lide.

Há aspectos contratuais e extracontratuais existentes na relação jurídica negocial que se estabelece entre o médico e seu paciente. Sobre os extracontratuais nos ensina Cleonice Rodrigues Casarin da Rocha: “Nela quem sofre o dano não é um credor, um sujeito concreto e determinado, é pela simples razão de que o dever de não causar dano obriga ao causador frente a totalidade da comunidade, pois aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Somente após ter sido produzido o evento danoso, é que o enfermo que sofre o dano causado por erro médico se converterá em credor do seu causador, ou seja, o médico que o produziu” (A Responsabilidade Civil Decorrente do Contrato de Serviços Médicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.346). A  natureza extracontratual da relação médico-paciente se expressa por um ilícito extracontratual, um ilícito civil, gerado fora de um contrato, ou seja, há a transgressão de uma norma jurídica, um dispositivo legal é contrariado pelo médico no seu exercício profissional. É a, assim chamada, responsabilidade aquiliana, delitual, extracontratual que se caracteriza por surgir de uma violação da norma jurídica imposta erga omnes em sociedade, logo como uma determinação para todos os seus integrantes, qual seja o dever, expresso em lei, de não causar prejuízo a outrem (naeminem laedere). Dão um comando legal neste sentido, entre outros de nosso Código Civil, o artigo 186,: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, o artigo 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, e o artigo 927, em seu caput: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Podem vir, pois, a existir situações em que a relação médico-paciente venha se dar no campo extracontratual e a responsabilidade por eventuais danos que porventura o paciente venha a sofrer terá um enfoque, quando em juízo, no terreno da responsabilidade aquiliana, ou seja, extracontratual. Sobre isto nos diz Humberto Theodoro Júnior reportando-se, em paráfrase, a Teresa Ancona Lopez de Magalhães: “A responsabilidade indenizatória pela falha da assistência médica ocorrerá tanto naquela convencionada entre as partes como na que se deu independentemente de contrato. E as diferenças, em termos de processo, praticamente não existirão, tendo em vista a natureza muito especial do contrato de assistência médica de sorte a exigir prova da culpa pelo evento danoso, tanto na responsabilidade contratual como na extracontratual, e uno é o conceito de culpa para ambas as hipóteses” (MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopez de. Responsabilidade Civil dos Médicos. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 1984, p.311, apud: THEODORO JÚNIOR, Humberto. A Responsabilidade Civil por Erro Médico. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Direito & Medicina: aspectos jurídicos da medicina. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2000, p.114).

Em casos  de ocorrência de erro médico este pode ter ocorrido por fato de terceiro gerando responsabilidade civil para o médico, por este terceiro estar participando do atendimento médico realizado pelo profissional ao paciente. O médico, em relação aos seus auxiliares em um ato médico desempenha um papel, do ponto de vista legal, de preponente. Alguém que participe da atividade – preposto – junto ao paciente e execute totalmente, ou mesmo de uma forma parcial, algum ato que seja integrante do atendimento médico prestado, caso ocasione algum dano a este paciente gera para o profissional da medicina, seu preponente, a obrigação de indenizar danos que porventura venha a causar. Tudo isto à luz do nosso Código Civil, que prevê no artigo 932, inciso III, verbis: “São também responsáveis pela reparação civil: (…)

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Bem referendado este artigo pela Súmula 341, do STF – Supremo Tribunal Federal que diz: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”. Ou seja, aquele – preposto, que pode até ser outro médico – que desempenha alguma tarefa a mando de alguém faz surgir para este – preponente, comitente, no caso, um médico – a responsabilidade civil pelos danos que venha a causar na execução do seu serviço. É o que pode ocorrer num caso em que um médico se faça substituir no atendimento, a um doente, por um colega médico e sobre ele exerça uma supervisão, superioridade no sentido de haver uma subordinação, mesmo que só técnica na condução do atendimento ao paciente, embora seja ocasional esta atividade, e este médico substituto venha a causar algum dano ao paciente. Se a substituição for integral, dentro dos adequados ditames éticos e demais aspectos legais, assumindo o novo profissional integralmente o atendimento ao paciente, apresentando as mesmas qualificações técnicas e de autonomia, em todos os sentidos, o médico substituído não terá responsabilidade pelos danos porventura causados ao paciente por aquele que o substituiu.

No caso de trabalho em equipe, cada um responderá pelos danos pelos quais for responsável. Caso não seja possível encontrar o responsável por um dano, quando o atendimento se der por diversas pessoas, como, por exemplo, no caso de uma equipe de médicos, todos responderão solidáriamente em termos de responsabilidade civil. É a aplicação da teoria da causalidade alternativa: se não se identifica o autor do dano, todos que participaram do atendimento responderão, do ponto de vista legal, solidariamente pelos prejuízos causados ao paciente. Sobre a causalidade alternativa nos ensina Marco Fridolin Sommer Santos: “O certo é que, para a configuração da causalidade alternativa, pouco importa se o dano ocorreu por um ou por vários fatos atribuíveis a diversos sujeitos responsáveis; pouco importa, v. g., que o dano seja de autoria singular ou coletiva; tanto pode ser quanto não ser. E nisto diferencia-se substancialmente a causalidade alternativa, do regime tradicional de responsabilidade coletiva, que pressupõe várias causas atribuíveis a cada um dos sujeitos considerados como responsáveis.

O seu pressuposto é a indeterminação do nexo entre o dano sofrido pela vítima e um, alguns ou todos os membros de um grupo, em qualquer uma das modalidades tradicionais de causalidade. Configurada essa hipótese, substitui-se a demonstração da causalidade real pela causalidade suposta, a partir da teoria da causalidade alternativa” (A AIDS sob a perspectiva da responsabilidade civil. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p.224).

Sobre a responsabilidade do médico por fato de terceiro nos transmite Sálvio de Figueiredo Teixeira: “Assim responsável é o médico quanto ao diagnóstico, à orientação terapêutica, à cirurgia em si. Responsável igualmente é pelos atos da equipe que comanda e pelo pessoal qualificado que orienta” (A Responsabilidade Civil do Médico. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coordenador). Direito & Medicina – Aspectos Jurídicos da Medicina. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2000, p.198). Sobre o mesmo tema nos ensina João Monteiro de Castro: “Quanto à responsabilidade de médico, interessa particularmente a disposição existente no inciso III (nota do autor: refere-se ao inciso III, do artigo 932, do Código Civil brasileiro), que remete ao empregador ou comitente a obrigação de reparar o dano cometido por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Pela lei nova, superada a presunção de culpa pela responsabilidade objetiva, o responsável indireto é chamado para compor a reparação civil, ao lado do lesador que se enquadrar nas hipóteses previstas. Melhor explicando, tanto os autores do ato lesivo (empregados, serviçais e prepostos) quanto a pessoa que tenha com eles relação jurídica subordinante (empregador ou comitente) são solidariamente responsáveis pela reparação (art. 942 do novo CC) do dano causado” (Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Editora Método, 2005, p.85-86). Cabe a transcrição do texto do artigo 942, de nosso Código Civil, que diz: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932”.

Também o fato da coisa, já que no exercício de sua atividade, até pelos avanços tecnológicos da ciência médica, o médico utiliza-se de instrumentos, equipamentos, aparelhos, substâncias e materiais, dentre outros elementos, os mais diversificados possível devido à complexidade de que se revestem os atendimentos médico-hospitalares. Numa interpretação, pode-se dizer, extensiva os julgadores subsumem este fato ao artigo 938, do Código Civil brasileiro, verbis: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele cairem ou forem lançadas em lugar indevido”. E as coisas, nos serviços em saúde, fazem parte do atendimento médico, integram o atuar, o agir, do médico, naquilo que corresponde a este profissional no tocante à seleção, adequação, manutenção e utilização. Sem dúvida, lesões aos pacientes haverão que serão causadas por problemas dos materiais e equipamentos em virtude de defeitos de fabricação, ou seja, não são decorrentes de mau manuseio, escolha errônea, deficiente conservação, ou mesmo inadequada utilização pelo profiissional. Se, um médico vier a ser condenado a ressarcir prejuízos decorrentes de vícios de fabricação cabe-lhe postular, judicialmente, o ressarcimento junto ao verdadeiro causador do dano, ou seja, o responsável pelo defeito de fabricação do produto causador do dano no paciente. Poderá, então, vir a ser responsabilizado pelos danos causados o fornecedor, solidariamente com o fabricante e importador, respondendo, em juízo, por eventuais prejuízos que possam ter ocorrido aos pacientes, o que pode já ocorrer sem que o médico seja processado pelo paciente e sim que este busque, judicialmente, ressarcir-se diretamente com o responsável pelo defeito de fabricação ou outros responsáveis solidários pelos prejuízos que sofreu. Mas, não poderá o médico exercer as funções de fornecedor, comerciante, importador sob pena de passar a responder não de forma subjetiva – subjetivamente, de acordo com a teoria da culpa, nos termos do Parágrafo 4º, do artigo 14 do CDC – Código de Defesa do Consumidor, lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990 (“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”), pelos danos que causar, mas será responsabilizado, objetivamente, nos termos do caput, do artigo 12 do mesmo CDC (“O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”) como um autêntico fornecedor de produtos, ou qualquer outra forma de responsável solidário prevista neste artigo do CDC. Como bem complementa José Carlos Maldonado de Carvalho: “Em suma, na atividade médica empresarial são responsáveis solidários todos aqueles que tenham participado de forma efetiva, dessa cadeia de fornecimento, em qualquer de suas linhas (produção, circulação e distribuição dos produtos ou de prestação de serviços), cabendo ao consumidor a escolha daquele contra quem dirigirá a sua pretensão, assegurado ao demandado, contudo o direito de regresso” (Iatrogenia e Erro Médico – sob o Enfoque da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p.26).

A responsabilidade do médico caracteriza-se pela necessidade da presença de culpa – negligência, imprudência ou imperícia – no conduta do médico para que se possa postular, em juízo, um ressarcimento por danos que um paciente tenha sofrido em decorrência de um ato médico. Apesar de sua atipicidade como contrato, fica bem definida a relação contratual que se estabelece entre o médico e seu paciente. Este contrato tem como objeto jurídico uma obrigação de meios, exceção feita à cirurgia plástica estética onde, assim encaram a doutrina e jurisprudência pátrias majoritariamente, a obrigação é de resultado.

Fica evidente que as regras gerais de responsabilidade civil, tanto no campo do direito material, substantivo – nosso direito civil, como em nossa lei adjetiva – o direito processual civil brasileiro, têm formal aplicação de maneira rotineira nos casos em que se analisa a responsabilidade civil do médico por eventuais danos causados a um paciente.

Sendo, do ponto de vista legal, uma típica infração contratual, o dano que porventura um médico no exercício profissional cause a um paciente dá origem à necessidade deste profissional ressarcir as perdas e danos que, por este motivo tenha sofrido este paciente. Estas perdas e danos podem ser constituídas, por decisão judicial, de uma indenização por dano moral (neste incluído, ou atribuído separadamente, o dano estético) e o dano material (dano emergente e lucro cessante – lucro frustrado).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Neri Tadeu Camara Souza

 

Advogado e Médico – Direito Médico
Autor do livro: Responsabilidade civil e penal do médico – 2003 – LZN

 


 

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