Dano moral e Juizado Especial Civil

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De algum tempo a casuística tem mostrado a utilização do rito processual do Juizado Especial Cível como caminho ordinário à pretensão de ressarcimento de danos morais.

Tudo virou ‘dano moral’. Falou. Dano moral. Não falou. Dano moral. Olhou. Dano moral. Não olhou. Dano moral. Mais, quando sequer há um dano, ou melhor, pensa a pessoa ser titular de um direito material indenizável em face da perda de uma chance, isso se traduz em dano moral passível de indenização.

Frente a isso, temos questionado, já algum tempo, o porquê da escolha deste Juizado Especial, que doravante nominaremos de JEC, como caminho para obtenção da prestação da tutela jurisdicional, o que tem causado o questionamento de que tal escolha deve-se á celeridade processual, ainda que pretensa, ou à irresponsabilidade processual.

A cada dia tem tornado-se mais presente que a escolha dá-se em face da irresponsabilidade processual em face de eventual sucumbência e a isenção de qualquer pena dela decorrente, nos termos da Lei nº. 9099/95, quando em seu artigo 55 textualmente aduz que ‘A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé…

Vejamos o porquê de tal pensamento.

O Instituto do Dano Moral, pela primeira vez indenizado em nosso Estado no ano de 1973, com o advento da Constituição Federal de 1988 tornou-se popular e, como tal, tem dado margem à sua banalização.

Muito bem leciona o Eminente Ministro João Oreste Dalazen do Colendo TST, ao relatar o acórdão do Recurso de Revista, número 450338, ano 1998, da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, quando traz esclarecimentos relevantes no que concerne aos direitos inerentes à personalidade, verbis: “… durante largo período a doutrina reconheceu que eram apenas a vida e a honra. A doutrina moderna, todavia, avançou para reputar dano a direito personalíssimo da pessoa humana e, portanto, passível de configurar dano moral, as seguintes espécies: a) dano estético; b) dano à intimidade; c) dano à vida de relação (honra, dignidade, honestidade, imagem, nome); d) dano biológico (vida); e) dano psíquico.”

Diante disso, convém expor que: “entende-se por dano moral, segundo a lição de Roberto Brebbia, aquela espécie de agravo constituída pela violação de algum dos direitos inerentes à personalidade“.[1]

Por conseguinte, o dano moral pode ser caracterizado como todo aquele que resulta de uma ofensa que atinge os valores abstratos humanos e que tem como causa impulsiva uma ação ou omissão, não estribada em exercício regular de um direito, em que o agente produz um prejuízo ou transgride direito de outrem, por dolo ou culpa.

Sua reparabilidade tem previsão expressa em vários textos legais e encontra fundamento na teoria da responsabilidade civil, porém, o seu principal preceito está incrustado na Constituição Federal de 1998 – artigo 5°, incisos V e X.

Essa obrigação de ressarcir surge quando estão presentes os seguintes elementos: a ilicitude, manifestada pela ação ou omissão do causador; o dano propriamente dito; e o nexo de causalidade entre ambos. Assim, tendo em vista a importância de se tutelar esse direito subjetivo, os pretórios também assimilaram essa diretriz que se irradia largamente em reiterados julgados nacionais o que, a toda prova, nada mais faz do que traduzir o disposto no 159 do Código Civil de 1916, ou no próprio artigo 186 do Diploma Civil de 2003, e de acordo com a Doutrina, o direito obrigacional de reparar o dano (material e/ou moral), finca suas raízes, num, digamos assim, tripé, ou seja, a existência inconteste e provada de um fato lesivo, de que deste tenha resultado, como nexo causal, um dano.

Vê-se, assim, que tal instituto jurídico tem raízes no mais subjetivos dos direitos, ou seja, no não palpável, não mensurável, enfim, no que o lesado aduz ter sofrido.

Em face disso, é que se tornou corrente a banalização de tal instituto.

Circulou pelo correio eletrônico durante o mês de julho de 2003 sentença proferida por um Juiz da Comarca de Tubarão, SC, onde, com justificada inconformidade, aduzia que “No Brasil, morre por subnutrição uma criança a cada dois minutos, mais ou menos. A população de nosso planeta já ultrapassou seis bilhões de pessoas e um terço deste contingente passa fome, diariamente. A miséria se alastra, os problemas sociais são gigantescos e causam a criminalidade e a violência generalizada. Vivemos em um mundo de exclusão, no qual a brutalidade supera com larga margem os valores humanos. O Poder Judiciário é incapaz de proporcionar um mínimo de Justiça Social e de paz a sociedade.  E agora tenho de julgar um conflito surgido em decorrência de um vestido. Que valor humano importante é este, capaz de gerar uma demanda jurídica?”

No fato, a pretensão alicerçava-se na pretensa obstaculização de ingresso da Autora em uma festa social em razão de seu vestido o que, segundo o entendimento da mesma, ensejava-lhe a pretensão indenizatória por danos morais.

Segundo o entendimento de João Roberto Parizatto[2]: “O Direito Positivo Brasileiro admite a reparabilidade do dano moral, eis que todo e qualquer dano causado a alguém deve ser indenizado, de tal obrigação não se excluindo o mais importante deles que é o dano moral, que deve autonomamente ser levado em conta. O dinheiro possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma, lenir a dor.’

Porém, nem todo o contratempo ordinário da vida dá ensejo à ressarcibilidade. Tal contratempo deve possuir alguma monta, ou seja, deve produzir efeitos sensíveis no subjetivo do lesado. Note-se, portanto, que a pecúnia indenizatória deve ser estabelecida de forma a substituir a dor psíquica ou moral ou, não conseguindo isto, no mínimo abrandá-la e, não ser estabelecida de forma ilícita para garantir futuro ou criar ao lesado nova situação econômico-financeira sem justa causa.

E é justamente isso que se tem demonstrado no JEC, ou seja, as pessoas procuram, em face da irresponsabilidade processual ensejada pela Lei nº. 9099/95, alguma forma de auferir pecúnia e, nessa senda, não se omitem de lançar mão de toda e qualquer pretensão indenizatória ao que dão o nome de ‘dano moral’.

Porém, dano moral é muito mais que o simples dissabor, deve, em verdade, produzir efeitos no campo subjetivo e social.

É que, os eventuais e pretensos danos da esfera subjetiva devem traduzir-se no constrangimento e sofrimento pela retirada de sua vida cotidiana, ou seja, deve fugir à normalidade. E isso porque se os problemas são cotidianos eles são inerentes à vida !!!

A ressarcibilidade, portanto, deve estar intimamente ligada à problemas que fujam do cotidiano, ou seja, que sejam efetivamente extraordinários. O que ocorre é que, dia após dia, as pessoas não se suportam mais. Não suportam ou toleram a convivência e, à cada problema, logo tentam auferir uma vantagem pecuniária e, para tanto, por não ter certeza da procedência de sua aventura, escudam-se na irresponsabilidade processual do rito do JEC para, em sucumbindo, nada ter a perder.

Mais, na incerteza da existência de um direito material concreto, originador de um dever indenizatório na regra clássica da responsabilidade civil – agente»conduta»dano – também a aventura processual irá socorrer-se da inexistência da responsabilidade, ou responsabilização, processual que é natural do JEC.

E que outro nome dar-se à tais condutas que não seja ‘irresponsabilidade processual’ ?

É o que a casuística tem demonstrado, ou seja, a utilização do JEC para buscar a tutela jurisdicional para direitos temerários, sem o risco sucumbencial.

Dano Moral é muito mais que os dissabores da vida !!! ‘O simples desgosto pessoal não significa que a pessoa tenha abalada a sua dignidade a ponto de ensejar reparação por danos morais.[3]

Décio Antônio Erpen, ao Relatar o processo nº. 596.185.181, muito bem leciona que ‘O direito existe para viabilizar a vida, e a vingar a tese generosa do dano moral sempre que houver um contratempo, vai culminar em truncá-la, mercê de uma criação artificiosa. … Nessa nave do dano moral em praticamente todas as relações humanas não pretendo embarcar’ para aduzir o que de muito já tem sido reclamado perante o Estado Judicante, ou seja, uma forma de obstar esta verdadeira indústria do ‘Dano Moral’ que se instalou no País onde se coloca a ‘vida (e as relações naturais humanas) à serviço dos profissionais do direito[4]

Também o Desembargador Clarindo Favretto é do entendimento da restrição do que Erpen chamou de ‘tese generosa do dano moral’ e que, em nosso entendimento, é sinonímia da ‘indústria indenizatória pelo dano moral’ que urge ser obstada.

Sentencia o Desembargador, ao relatar o processo nº. 599.260.973, que: ‘….tenho que só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo….’.

Ora, não pode ser entendido como fugir à normalidade o convívio com os pares sociais. As pessoas existem e fazem parte da sociedade em que estamos inseridos, assim como existem as pessoas que nos são mais ou menos gratas. Contudo, daí passar-se a condenação??

Como bem leciona o Desembargador Favretto, ‘Os aborrecimentos naturais da vida não rendem indenização….’ e, notadamente, um acidente de carro com pequenos, senão que imperceptíveis danos materiais, um mero xingamento na rua em face do trânsito, um negócio jurídico que sucumbiu, um contrato que se rescindiu, enfim, problemas cotidianos, à toda evidência, não podem gerar qualquer indenização pois, se assim fosse, a vida estaria ceifada em seu exercício.

Todavia, a lição que sempre parece mais pontual, pela prudência externada, é a produzida pela Douta Magistrada Leila Vani Pandolfo Machado quando, ao relatar o processo nº. 1597531217, muito bem leciona que ‘Não configura dano moral os transtorno ou aborrecimentos normais do quotidiano ou mesmo excepcionais, mas superáveis e sem amiores[5] conseqüências de ordem psíquica e moral.’

E vai mais além ao impor condições à ressarcibilidade do dano moral quando sentencia que o ‘Dano moral exige mais que o dissabor exige a presença de sofrimento psíquico, moral, de gravidade e de conseqüências nefastas, impossíveis de avaliação material.’

Posto isso, tampouco a mera alegação do dano é inservível à procedência do pleito indenizatório. Antes e ao contrário, prescinde de prova robusta da constituição do direito, ex vi do disposto no art. 333 do Código Processual Civil e, à toda evidência, não quer nos parecer tranqüilo e pacífico que seja o rito simplista do JEC o melhor seio processual para um dilação probatória conclusiva, ante a precária prova que ali se encerra.

É que se o dano moral é direito subjetivo, impar que seja devidamente provado e isso, ordinariamente, não se faz de forma simplista.

Como bem salienta o Douto Des. Sérgio Pilla da Silva, ao relatar o processo nº. 70002382679, ‘para fazer jus à reparação do dano moral, mister restassem provados o ato ilícito, as conseqüências danosas e o nexo de causalidade entre as irrogadas ofensas e os prejuízos morais decorrentes daquelas na pessoa da Autora. Era ônus que cabia à apelante e do qual não logrou se desincumbir.[6]

É cediço ônus do lesado, então autor do pleito indenizatório, portanto, a demonstração e comprovação, incontroversa, dos fatos constitutivos de seu direito. Inteligência do art. 333 do CPC, antes mencionado.

Ademais, tampouco nos parece crível o balisamento indenizatório aos patamares do valor da ação previstos pela Lei nº. 9099/95.

De outro norte, também é sempre pontual relembrar que nenhuma obrigação surge fora das fontes obrigacionais imediata (lei) ou mediata (atos de vontade). Ora, o dano há de ser concreto ! a expectativa, a hipótese, por si, não dão azo à ressarcimento. Ou o dano existe, ou não há o que ser indenizado. Sequer há de pensar-se em indenização derivada do próprio inadimplemento contratual se este não se traduziu em dano.

A figura do dano, portanto, é condicionante à existência do direito material da ressarcibilidade.

Esse entendimento é uníssono na doutrina e na jurisprudência. Mas, de igual sorte quanto ao dano moral, quando a existência da pretensão resistida reside justamente nessa expectativa de concretude, qual o caminho processual a ser adotado ? o JEC e a razão não outra que a inexistência de responsabilização processual.

Daí então, contrato não cumprido, mas mesmo que sem dano, ação indenizatória no JEC, em regra, sob o pretexto de dano moral.

Portanto, o que se vê, ou melhor, o que a casuística tem demonstrado, é que ou se repensa a situação da ausência da sucumbência no JEC, ou o gravame será crescente e, mais uma vez, voltaremos a falar na falta de serviço público jurisdicional pelo crescente número de processos distribuídos.

Pergunta que talvez fosse pontual seria para saber-se quantos destes processos efetivamente detém um direito material resistido e, a partir de então, qual destes direitos materiais tem a necessidade de uma tutela jurisdicional efetiva para a concretização de um direito no plano concreto.

Na razão desse questionamento, quiçá, talvez resida um norte ao melhor serviço público.

Cumpre-nos, enquanto operadores do Direito, em zelar pela integridade do Direito, enquanto facilitador da vida em sociedade. Obstasse-nos a conduta de utilizar o Direito como recurso a impedir o convívio social e seus frutos, sejam eles bons ou ruins.

Era o que se tinha a pôr para ilações e discussões.

 

Notas:
[1] El daño moral.. Buenos Aires: Ed. Bibliográfica Argentina, 1950. p. 91 apud  João Oreste Dalazen. Aspectos do dano moral trabalhista. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. vol. 65, n. 1°, out/dez, Porto Alegre/RS: Síntese, 1999, pág. 69.
[2] Dano Moral. Editora Parizatto, 2ª edição/2000 – MG., pág. 01.
[3] Apelo Cível nº 70000890111, Relator Des. Marco Aurélio Caminha, TJRS.
[4] Também Erpen
[5] transcrito como no original
[6] comentários por nós apostos

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Enio Duarte Fernandez Junior

 

Graduado em Direito (FURG, Rio Grande, Brasil, 1992). Pós-Graduado, Especialização, em Direito Civil e Empresarial (FURG, Rio Grande, Brasil, 1994). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidad del Museo Social Argentino, Buenos Aires, Argentina, 2004). Pós-Graduado, Especialização, em Responsabilidade Civil Extracontratual (Universidad Castilla La Mancha, Toledo, Espanha, 2010). Mestrando do Programa de Mestrado da PUCRS para a Área de Concentração; Fundamentos Constitucionais do Direito Público e do Direito Privado. Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande e Professor Assistente da Faculdade Anhanguera do Rio Grande/ Anhanguera Educacional S.A. (Disciplinas: Direito Civil – Obrigações e Direito Processual do Trabalho). Professor da Pós Graduação da Faculdade Anhanguera do Rio Grande/Anhanguera Educacional S.A. Professor da Pós Graduação da Faculdade Anhanguera Pelotas / Anhanguera Educacional S.A. Membro de Conselho Editorial. Advogado. Conselheiro Julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RS.
http://lattes.cnpq.br/0158186272674623

 


 

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