O procedimento de registro tardio de nascimento à luz da Provimento n° 28 do Conselho Nacional de Justiça

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo principal expor minuciosamente o procedimento de registro tardio de nascimento à luz do Provimento n° 28 do Conselho Nacional de Justiça de 05 de fevereiro de 2013, apresentando o rito procedimental exigido para a realização do registro. Apresentar a evolução histórica do direito registral brasileiro, iniciando com sua estreita relação com o direito canônico da Igreja Católica Apostólica Romana e sua posterior separação em busca da laicidade estatal. Expor o desenvolvimento histórico da ideia da gratuidade para realização do registro como forma de efetivação de direitos fundamentais e o problema do sub-registro de nascimento e a premente necessidade de sua erradicação.

Palavras-chave: Registro. Nascimento. Tardio. Sub-registro. Cidadania.

Sumário: Introdução. 1 Evolução histórica. 1.1 Da omissão na realização do assento de nascimento. 1.2 A criação do CNJ e a atividade notarial e registral. 2 O procedimento de registro tardio de acordo com a resolução n28 do CNJ. Conclusão

Introdução

O Estado brasileiro, talvez devido à sua colonização portuguesa, sempre teve um relacionamento muito estreito com a igreja Católica, fato que se comprova diante da Constituição de 1824 que consagrou o Brasil como um país católico, bem como diante do papel das Paróquias a quem competia a realização e guarda de todos os atos notariais e registrais que ocorriam no interior do país, como escrituras, celebração de casamentos e registros de atos com repercussão perante a sociedade e o Estado.

Essa unidade e semelhança perdurou por diversos períodos ao longo da história brasileira, seguindo no sentido de uma cada vez mais evidente separação entre a Igreja e o Estado, movimento que começou a se firmou no Brasil através da primeira constituição da república de 1891 e que a partir daí evoluiu no sentido de se firmar como uma característica fundamental do Estado brasileiro, alicerce de direitos fundamentais.

Observe-se que ainda hoje a legislação notarial e registral brasileira ainda guarda muitíssimas semelhanças com do Codex Iuris Canonici.

Esta histórica proximidade entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica Apostólica Romana, bem como outros fatores que podemos levantar como o desconhecimento da população, os custos envolvidos no registro civil, as dificuldade de acesso da maior parte da população aos ofícios, geraram um problema que ainda perdura até hoje, que será objeto do presente estudo.

O sub-registro civil se verifica na constatação da diferença entre a expectativa de número de nascimentos calculada pelo IBGE e os registros oficiais realizados em cartório, assim novos brasileiros, que seriam sujeitos de direito perante o Estado brasileiro, diante da sua não contabilização perante os órgãos oficiais, deixam de ser contabilizadas para todos os fins de politicas públicas.

1 Evolução histórica

Inicialmente, cabia aos párocos das freguesias registrarem os atos da vida civil dos brasileiros; por meio do sacramento do batismo, a pessoa passava a existir para Deus e para o Estado, situação que gerava incorreções, uma vez que a Igreja não se encontrava amplamente acessível a todos. Índios, caboclos, escravos, praticantes de outras religiões e mesmo aqueles que não tinham dinheiro para pagar a cerimônia, ficavam de fora dos registros e em consequência não eram contabilizados pelo Estado.

Com o passar do tempo o Estado, constatando a inexatidão registral que delegar esta função às paróquias cristãs provocava, trouxe para si a responsabilidade para a realização os atos notariais e registrais, porém a situação do sub-registro perdurou ainda por muito tempo, a lei 6.015/73, Lei de Registros Públicos – LRP tem diversas semelhanças com o código canônico, o que conservou a situação generalizada do sub-registro no País.

Somente em 1988, por meio da Constituição Cidadão o Brasil passou a enfrentar de fato o problema do sub-registro, no seu artigo 5º o inciso LXXVII, consagrou: são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.

Com a expressão “os atos necessários ao exercício da cidadania” o constituinte originário abriu a possibilidade de assento de nascimento e expedição da certidão de forma gratuita a todos, não obstante, a norma de eficácia contida, na classificação de José Afonso da Silva, permaneceu sem regulamentação ainda por alguns anos, somente passando a ser efetivamente gratuita a certidão de nascimento por intermédio da lei 9.534 de 1997 que alterou a redação da lei 9.265 de 1996 que passou a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º São gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados: (…)

VI – O registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.”

A certidão de nascimento é a porta de entrada da pessoa na vida civil da nação. Primeiro ato que contabiliza a pessoa perante os órgãos estatais, o registro de nascimento é o instrumento hábil para planejamento de políticas públicas de saúde, que levam em consideração o número de habitantes, índice de natalidade, número de pessoas em idade escolar, número de nascimentos estes que são fornecidos por todos os cartórios de registros civis espalhados nos mais distantes locais do País.

Uma vez realizado o registro civil a criança recebe um assento, único para toda a vida, e uma certidão do que se encontra neste assento, que a possibilita exercer todos os direitos da vida civil, como matricular-se em escola, tirar Identidade, Cadastro de Pessoa Física – CPF, título de Eleitor, todos documentos decorrentes do registro de nascimento.

1.1 Da omissão na realização do assento de nascimento

A desinformação, descaso, desconhecimento, as mais diversas causas, podem levar à situação do sub-registro, situação em que a pessoa não possui assento de nascimento, não sendo contabilizada para fins de políticas públicas, situação que no extremo impossibilita a criança de estudar, tirar documentos e exercer os mais básicos direitos garantidos pela Constituição.

Ciente deste problema, o Estado brasileiro mobilizou-se em torno do objetivo de erradicação do sub-registro civil de nascimento, mobilização esta que atua em duas frentes, primeiramente no estímulo de registro de nascimento das crianças recém-nascidas logo após o parto, um exemplo disso é o estimulo à criação de unidades interligadas dentro das próprias maternidades; secundariamente buscou-se solucionar o problema daqueles que deveriam ter sido registrados e não o foram, o que culminou na expedição do Provimento n° 28 de 2013 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que regulamentou de maneira bastante prática a forma de correção desta distorção que se dá por meio da realização do procedimento de registro tardio de nascimento.

1.2 A criação do cnj e a atividade notarial e registral

O Conselho Nacional de Justiça – CNJ foi instituído pela Emenda Constitucional n° 45 de 2004 como um órgão do Poder Judiciário, que criou o art. 103-B da Constituição, conferindo competência de controle administrativo e financeiro perante todos os órgãos do Poder Judiciário, sua criação foi objeto de intensos debates a respeito da delimitação de sua competência, polêmica que atualmente está superada, estando hoje plenamente delineada, conforme diversas manifestações do Supremo Tribunal Federal.

Autorizado a expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência e recomendar providências. Receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do Poder público. O CNJ tem regulamentado com bastante intensidade a atividade notarial e registral nacional. Uniformizado procedimentos de norte a sul do País tudo com o fito de melhor atendimento da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

2. O procedimento de registro tardio de acordo com a resolução n° 28 do cnj

No exercício desta aspiração, o Conselho Nacional de Justiça editou, em 08 de fevereiro de 2013, o Provimento n° 28, que dispões sobre o registro tardio de nascimento das pessoas naturais.

Iniciando sua exposição com uma série de considerações que o fundamentam como: a alteração da lei 6.015/73 que passou a admitir o registro de nascimento após o prazo legal diretamente na serventia extrajudicial independentemente da idade do registrando e sem multa; os aspectos sociais do sub-registro, em consonância com a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito da Criança, “a criança é registrada imediatamente após o nascimento”; a publicação da lei 12.662/2012 que assegura a validade da Declaração de Nascido Vivo – DNV em todo território nacional até que seja lavrado o assento do registro de nascimento; o procedimento estabelecido na Lei de Registros Públicos – LRP para o registro de nascimento realizado após o prazo legal e os requisitos do assento de nascimento; os princípios e funções institucionais do Ministério Público; o rol de legitimados a requerer o registro; a proteção dos direitos decorrentes do indigenato, com regulamentação própria; bem como as contribuições de diversas entidades da área; resolve o Corregedor Nacional de Justiça editar o provimento que passará a reger o procedimento de registro tardio.

O art. 50 da LRP estabelece prazos não exaustivos para a realização do registro de nascimento. Podendo ocorrer no local do nascimento ou na residência dos pais no prazo de 15 dias para o pai e até 45 dias para a mãe, ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório: art. 2°. O requerimento de registro será direcionado ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do lugar de residência do interessado e será assinado por 2(duas) testemunhas, sob as penas da lei.

Residência é o lugar onde a pessoa se encontra, mesmo que sem ânimo definitivo, visa facilitar a realização do registro mesmo que o registrando somente esteja a passeio no local onde solicita a lavratura do assento, sendo desnecessário o parágrafo único do mesmo artigo.

Poderá dar início ao procedimento de registro tardio qualquer interessado, inclusive o próprio registrando desde que maior de 18(dezoito) anos, art. 50, § 3º da LRP, bem como aqueles definidos no art. 52 da lei 6.015: pai; mãe; parente presente mais próximo maior de idade; administradores de hospitais, médicos e parteiras, que tiverem assistido o parto; pessoa idônea da casa em que ocorrer o parto; pessoa encarregada da guarda judicial do menor.

As duas testemunhas, signatárias do pedido, se vinculam à veracidade das informações oferecidas, sendo ideal que sejam mais idosas que o registrando e o conheçam há tempos, a fim de que possam atestar as informações necessárias para realizar o registro e o conhecimento da inexistência de registro anterior, sob pena de incorrer no crime de falso testemunho. Estas serão entrevistadas pelo Oficial ou preposto autorizado, sob as penas da lei, sobre a identidade do registrando bem como de quaisquer outros fatos relatados por ele.

No requerimento constará: dia; mês; ano; lugar de nascimento; hora, quando possível; sexo; prenome e sobrenome; fato de ser gêmeo. Quanto aos genitores, deverão fazer constar prenomes e sobrenomes; naturalidade; profissão e residência atual; inclusive para procedimento de reconhecimento de paternidade. Nomes dos prenomes dos avós maternos e paternos conhecidos.

Note que às testemunhas não cabe o papel de conhecer todos os fatos declarados pelo registrando, mas declarando-se conhecedoras, comprometem-se pela veracidade da declaração.

O requerimento pode se dar por formulário padrão oferecido pelo próprio cartório. Devendo o Oficial certificar por autenticidade as firmas do interessado ou do representante legal e das testemunhas que assinarem na sua presença e, quando possível, instruir o procedimento com fotografia e impressão datiloscópica do registrando.

O procedimento poderá ser iniciado por procurador legal devidamente constituído, por analogia com o procedimento de reconhecimento de paternidade, devendo a procuração pública e específica ser apresentadas ao Oficial de Registro Civil, juntamente com todas as informações que comporão o assento.

Sendo o requerente analfabeto sem representante, aporá sua digital no requerimento e terceiro assinará a rogo o requerimento, tornando-se testemunha instrumentária, seja o impedimento para a assinatura por analfabetismo ou por outra razão que o impeça de assinar, como braço quebrado.

A ausência de informações como o fato de ser gêmeo, informações sobre os pais, informações dos avós maternos e paternos e a impossibilidade de fotografar o requerente e arquivar sua impressão digital, não impedem a realização do procedimento.

Caso não possua identificação de nenhum dos genitores será adotado o sobrenome indicado pelo registrando, caso possa se manifestar, ou o indicado pelo requerente, em caso negativo. A pessoa não pode ser registrada sem um sobrenome, uma vez que sua identificação ficaria impossível no seio da sociedade, a aposição de um único sobrenome ou dos sobrenomes somente de um dos genitores, embora não aconselhada, é possível.

Em se tratando de registrando maior de doze anos, este também será entrevistado pelo Oficial.  A entrevista serve para o oficial formar o seu convencimento a respeito da veracidade das declarações e da inexistência de registro anterior; apurar se consegue o registrando se expressar em idioma nacional; se conhece o local declarado como sua residência; eventual explicação do representante legal ou genitor para a não realização do registro no prazo devido; se as testemunhas realmente conhecem o registrando; escolas que frequentou; onde busca assistência à saúde; se tem irmãos, se sim, onde estão registrados; se já casou, se positivo, onde; se tem filhos e onde estão registrados; se já tem algum documento com Identidade, Carteira de Trabalho, Título de Eleitor ou outros.

O rol das informações listadas é meramente exemplificativo, podendo a ausência ou imprecisão de algumas respostas serem relevadas por parte do registrador.

Desta forma, o requerente que não reconhece a localidade onde requer o registro, de per si não fica impossibilitado de prosseguir ao registro do assento de nascimento, uma vez que o procedimento pode ser iniciado na localidade de domicílio dos seus tios onde está hospedado, por exemplo.   

Tal permissivo visa em facilitar ao máximo a situação de ausência do assento de nascimento, possibilitando que o procedimento seja iniciado em locais onde o registrando está de passagem, sem animus definitivo.

É possível que pessoas busquem realizar procedimento de registro tardio a fim de se esquivarem de obrigações perante a Justiça, assim, cabe ao registrador solicitar certidões das policias Estadual e Federal e de tramitação de processos, especialmente condenações criminais ou ordens de captura, em nome dos requerentes.

Em município com mais de um cartório de registro civil, bem como em regiões onde as cidades são muito interligadas, é possível que o registrador solicite certidão negativa de registro de nascimento aos cartórios da região, com o fito de minorar o risco de duplicidade de registros.

Caso o requerente possua documentos oficiais como RG, CTPS, documento de Reservista, Título de Eleitor, CPF, estes devem ser apresentados, servem tanto para comprovar a identidade do registrando como sua naturalidade, filiação, idade, local onde haja sido registrado anteriormente.

Ocorre que após a realização do procedimento de registro tardio o requerente passa a ter um novo assento de nascimento, com nova numeração, o que o força a expedir novos documentos de identidade, CTPS, aqueles onde os dados da certidão de nascimento compõem o corpo do documento.

No caso de o requerente comparecer ao cartório portando a primeira via do registro de nascimento e o delegatário constatar que assento não foi realizado no livro de nascimento, ou não havendo correspondência entre referência apresentada e o assento, o procedimento deve ocorrer da mesma forma, devendo ficar retida no cartório a certidão de primeira via apresentada pelo requerente servindo para instrução do procedimento. Nessa situação, igualmente, o registrando deverá tirar nova documentação.

Por fim, ausência de algumas destas informações ou a falta de alguns dos documentos supramencionados não impossibilitam a realização do procedimento de registro tardio, todavia a razão da não apresentação deve ser motivada e reduzida a termo que comporá o corpo do procedimento. 

Naturalmente, cada entrevista com registrando, responsáveis e testemunhas serão realizadas separadamente, a fim de que se possam apurar eventuais contradições, a entrevista será reduzida a termo e assinada pelo entrevistado e pelo registrador ou seu preposto.

Sendo o registrando menor de 12 anos de idade ficará dispensado do requerimento escrito e da apresentação de testemunhas desde que apresentada pelo declarante a Declaração de Nascido Vivo – DNV devidamente preenchida.

Ao oficial que realizar o registro tardio de crianças nascidas fora de maternidades ou estabelecimentos hospitalares deverá informar ao Ministério Público da comarca os dados da criança, dos pais e o endereço onde ocorreu o nascimento. Informação que repassada ao Parquet geralmente resta sem qualquer uso, tendo em vista que todo o procedimento de compilação das provas foi realizado em fase anterior. Havendo a possibilidade de judicialmente vir a requer o cancelamento do registro, providência que não pode ser adotada na via administrativa tendo em vista tratar-se de declaração de estado da pessoa, somente desconstituída por decisão judicial.

A maternidade é sempre certa, desta feita será lançada de acordo com a Declaração de Nascido Vivo, documento público preenchido por profissional de saúde apto para provar a maternidade.

O provimento n° 16 do CNJ aplica-se aos registros de nascimento tardios, tanto para os reconhecimentos de paternidade como de maternidade, que é espontâneo por parte dos genitores. Todavia, situações em que se exige o reconhecimento de maternidade são bem mais raros, já tendo ocorrido conosco no caso de omissão da maternidade no assento de nascimento por erro de anterior delegatário, tendo que ser realizado procedimento de reconhecimento de maternidade.

Admitindo-se que o(a) declarante possa declarar que estava separado de fato de seu cônjuge ao tempo da concepção para que não se aplique a presunção do art. 1597 do Código Civil.

Afirmando o §5º do art. 9° que “Se não houver elementos nos termos do presente artigo para se estabelecer ao menos um dos genitores, o registro deverá ser indicado sem a indicação de filiação”.

Nesta situação o mais prudente seria encaminhar o caso a Juiz Corregedor Permanente para que opinar sobre o caso. Situação em que caberia a ele conjuntamente com o registrando escolher um sobrenome a ser adotado.

Nos casos em que o registrando for pessoa incapaz internada em hospital psiquiátrico e congêneres, recolhido em abrigo institucional de longa permanência ou instituições afins, poderá o Ministério Público, independentemente de prévia interdição requer o registro ao Oficial competente fornecendo os elementos necessários. Devendo ser anotado à margem do registro de se trata de registro tardio realizado na forma do art. 13 do Provimento, sem que se faça referência à anotação nas respectivas certidões, salvo aquelas solicitadas em inteiro teor.

O Ministério Público poderá também solicitar o registro tardio de nascimento atuando como assistente, ou substituto, em favor de idoso ou menor de idade quando omisso o seu responsável legal.

Realizado o assento de nascimento tardio, haverá anotação que se trata de registro tardio com identificação do procedimento, anotação que também não constará nas certidões comuns, devendo ser arquivado todo o procedimento em pasta própria com indicação do assento, livro, folha, registro que resultou.

Quanto à duplicidade de registros o oficial deverá sempre colaborar com a autoridade investigante a fim de apurar a eventual fraude, constatando a superfluidade de registros deverá comunicar o fato ao Juiz Corregedor Permanente que ouvido o Parquet adotará as providências cabíveis, devendo ser cancelado o assento mais recente, devendo ser transpostas ao registro mais antigo as anotações e averbações que não forem incompatíveis.

Excepcionalmente o registro a ser cancelado poderá ser o mais antigo, a depender de consideração judicial, casos onde no registro mais recente haja reconhecimento de filiação justificam a manutenção do mesmo com o cancelamento do mais antigo.

Havendo o cancelamento do assento a respectiva referência será invalidada e sobre a mesma somente haverá expedição de certidão por ordem judicial ou a pedido das partes interessadas. Aqui não se trata de simplesmente apagar o assento de nascimento cancelado do livro, alterando todos os números de ordem realizados a partir do registro cancelado, ou apondo novo assento no local, com o intuito de conferir uma melhor segurança ao sistema deve-se averbar à margem do registro o seu cancelamento por ordem judicial bem como se anotar a referência do novo assento ou daquele que foi mantido.

Conclusão

Diante do que foi explanado no presente estudo podemos perceber que a legislação brasileira é laica, embora no passado tenha recebido uma forte influência da religião católica, atualmente Estado e Religião estão separados, restando hoje somente uma reminiscência histórica da influência do Código Canônico na atual legislação notarial e registral pátria, o que não descaracteriza o seu caráter laico.

 O sub-registro civil é um problema real e presente no Brasil devendo ser objeto de combate permanente através de políticas públicas efetivas atuando tanto no sentido de que todas as crianças sejam registradas logo após o nascimento e que todos aqueles que eventualmente não o foram possam vir a solicitar o seu registro por meio de um procedimento gratuito, acessível, simplificado e desjudicializado.

Um forte movimento no sentido da desburocratização do registro civil, atribuindo poderes de solicitar diligência, produção de prova, formação da livre convicção motivada do registrador civil, com o objetivo de que constatado o erro estatal da ausência de registro da pessoa o mesmo possa ser corrigido de maneira rápida e eficiente pelo profissional mais qualificado para tal. Tudo no sentido de que os assentos realizados nos ofícios venham a retratar a realidade material da população, contribuindo para o planejamento de políticas públicas de saúde, educação, assistência.

Há um forte desejo do legislador pátrio e do CNJ em desjudicializar alguns procedimentos de jurisdição voluntária que sejam dotados de suficiente certeza e segurança jurídica, podendo ser realizados em ofício extrajudiciais sem necessidade de manifestação judicial, como exemplos temos o procedimento de separação e divórcio que passou a ser admissível a sua realização por meio de escritura judicial, o próprio procedimento de registro tardio que somente excepcionalmente exige a manifestação judicial, a emancipação de filhos, ou mesmo propostas de desjudicialização de procedimentos como usucapião, tutela e curatela.

Percebe-se também uma forte tendência de compartilhamento de competência entre o Magistrado, o Promotor de Justiça e o Registrador Civil, este passando a servir como fiscal e aplicador da lei nos casos em que autorizado, com autonomia para pedir documentos e realizar instrução registral, funcionando quase como um “juízo” administrativo de primeiro grau podendo ao final recusar o registro e suscitar dúvida ao Magistrado, que neste momento atua como corregedor permanente, podendo determinar o registro sob sua responsabilidade.

O registro civil de nascimento é a porta de entrada do cidadão na vida civil, ato base para constituição de todos os demais direitos fundamentais, sem o qual o cidadão fica impedido de exercer os direitos mais básicos de cidadania como saúde e educação, devendo ser absolutamente prioritária a erradicação do sub-registro seja com o registro imediato dos recém-nascidos através das unidades interligadas, seja por meio do procedimento de registro tardio do Provimento n° 28 do CNJ que visa a corrigir erros do passado, tudo no intuito de conferir os direitos fundamentais de forma gratuita ao maior número possível de pessoas.

Referências
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LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. 3. ed. São Paulo: Método, 2012. 716 p.
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Informações Sobre o Autor

Raphael Pinheiro Cavalcanti Guimarães

Tabelião e Registrador Civil no município de Arneiroz no Estado do Ceará. Possui MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-Graduando em Direito Notarial Registral e em Direito Civil


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