Veículo automotor como garantia de operações de crédito na América Latina

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1. Considerações Iniciais

Desde 1965, as operações de crédito com garantia de bens móveis no Brasil, no âmbito do mercado de capitais, podem ser celebradas por meio de contrato com cláusula de alienação fiduciária, cláusula essa que tem como essência a transferência da propriedade de coisa móvel com fins de garantia[1].

Dentre as justificativas para a introdução do instituto à Lei 4.728 de 14.07.1965, ressalta-se a necessidade de se ter garantias constituídas sobre mercadorias em circunstâncias nas quais era impossível a constituição do penhor, vez que este demandava a entrega do bem ao credor[2].

Desta forma, passamos a ter, a partir da referida lei, instituto moderno, apto ao fomento das operações de crédito, em um cenário em que o mercado de consumo no Brasil já se fazia presente, ainda que de forma latente e escassamente regulamentado.  

O instituto adotado por aqui encontra paralelo em diversos países latino-americanos que desenvolveram modalidade especial de penhor (prenda), com características aptas a atingir o mesmo escopo acima mencionado. Nesses países, o instituto se revela sob diferentes designações, dentre as quais identificamos:

a)    Prenda sin deplazamiento (Chile, Uruguai)

b)    Prenda con registro (Argentina, Paraguai)

c)    Prenda sin transmisión de Posesión (México)

d)    Prenda sin tenencia del acreedor (Colômbia)

Todos conservam a característica essencial de que o bem dado em garantia permanece sob posse do devedor, o que permite, portanto, dar dinamismo e solidez às operações de crédito com garantia e à economia em geral de cada país.

É objetivo deste artigo analisar, em linhas gerais, o direito positivo de diversos países latino-americanos (Argentina, Chile, Colômbia, México, Paraguai e Uruguai), além do Brasil, e comparar o tratamento aos bens móveis (em especial veículos automotores) enquanto garantias nas operações de crédito.

2. Brasil

No Brasil, a alienação fiduciária de bens móveis rege-se pelos artigos 1361 a 1368 do Código Civil (CCB), além dos artigos 1421, 1425, 1426, 1427 e 1436 do mesmo código, pelo Decreto-Lei 911/69 (art. 2º e seguintes). Já o art. 66B da Lei 4768/65, cuja redação atual foi dada pela lei 10.931/04, dispõe sobre a alienação fiduciária no âmbito do mercado financeiro e de capitais, aplicando-se a essa modalidade, os artigos 1421, 1425, 1426, 1435 e 1436 do CCB.

A propriedade fiduciária se constitui, no caso de veículos automotores, pelo registro na repartição competente para o licenciamento (CCB, art. 1361). O contrato registrado deve conter: (i) o total da dívida, ou sua estimativa; (ii) o prazo, ou a época do pagamento; (iii) a taxa de juros, se houver; e (iv) a descrição precisa da coisa objeto da transferência (CCB, art. 1362).

Em caso de inadimplemento, é obrigatória a venda da coisa a terceiros, judicial ou extrajudicialmente, aplicando o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança (CCB, art. 1364). O artigo 1365 ratifica o que diz o anterior: é vedado ao credor ficar com a coisa em caso de não pagamento (vedação de pacto comissório)[3]. Vendida a coisa sem que o produto da venda baste para quitação da dívida e das despesas de cobrança, continua o devedor obrigado ao pagamento do saldo remanescente (CCB, art. 1366).

O devedor só pode exigir exoneração das garantias após a quitação integral da dívida. Em outras palavras, mesmo que a operação possua diversas garantias, estas são desoneradas ao final do contrato, salvo disposição em contrário estabelecida contratualmente (CCB art. 1421).

A dívida considera-se vencida antecipadamente nas seguintes situações (CCB, art. 1425): (i) deterioração ou depreciação do bem, sem o devido reforço ou substituição; (ii) insolvência ou falência do devedor; (iii) com o inadimplemento de quaisquer parcelas não pagas pontualmente; (iv) perecimento do bem sem a devida substituição; e (v) desapropriação da garantia, sendo que, neste caso é necessário depósito do valor necessário para quitar o saldo credor.

Em caso de falência do devedor, assegura-se ao credor o direito de pleitear a devolução do bem, na forma prevista em lei (DL 911/69, art. 7º).

A constituição em mora do devedor, segundo a norma, deve ser feita por Cartório de Título e Documentos (DL 911/69, art. 2º, §3º), embora o Superior Tribunal de Justiça já tenha admitido notificação pelo correio, desde que entregue no endereço do devedor (RESP 771.268 – PB, julgado em 12/12/2005).

A ação de busca e apreensão, uma vez instruída com a constituição em mora do devedor, comporta concessão de liminar, e após cinco dias de sua execução, consolidam-se a posse e a propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo assim nova expedição do Certificado do Registro do Veículo. (DL 911/69, art. 3º, §1º). O devedor pode, dentro do prazo de cinco dias, pagar a integralidade da dívida (DL 911/69, art. 3º, §2º). Pagando ou não, também lhe é facultado, no prazo de quinze dias da concessão da liminar, apresentar resposta (DL 911/69, art. 3º, §3º).

Caso o bem não seja encontrado ou não esteja na posse do devedor, pode-se requerer conversão do pedido de busca e apreensão em ação de depósito (DL 911/69, art. 4º).

Na jurisprudência, podemos mencionar alguns precedentes que ajudam a solidificar o instituto. No Recurso Especial 1.014.547/DF, julgado em 25.08.2009 entendeu o STJ, por maioria, que a instituição credora do financiamento não responde por vícios de qualidade ocorridos no bem, uma vez que o credor do financiamento não é o fornecedor do bem e um contrato não é acessório do outro.

No Recurso Especial 327.215/DF, julgado em 18.09.2001, decidiu-se que a falta da anotação no Certificado do Registro do Veículo não é impeditivo para ajuizamento da busca e apreensão. Isto porque, referida providência administrativa, serve para opor a alienação fiduciária a terceiros, sendo desnecessária para existência de efeitos entre as partes. A decisão do tribunal antecipou o que viria a estabelecer posteriormente a Lei 11.882 de 23.12.2008 (art. 6º).

3. Argentina

No direito argentino, a matéria é regulada pela Ley de Prenda con Registro (Decreto-Lei 15.348/46, ratificado pela Lei 12.962 e suas atualizações).  

A norma estabelece que os bens objeto de penhor com registro permanecem sob a posse do devedor ou terceiro que os haja empenhado em garantia de uma dívida (art. 2º)[4].

Os bens empenhados garantem ao credor, com privilégio especial, o valor total garantido, inclusive juros e despesas. O privilégio se estende, salvo disposição em contrário, aos frutos, produtos e rendas, além da indenização devida em caso de sinistro, perda ou deterioração do bem (art. 3º).

O contrato tem vigência entre as partes desde sua assinatura, mas somente passa a valer perante terceiros a partir de seu registro (art. 4º)[5]. No entanto, admite-se vigência contra terceiros antes mesmo de seu registro, desde que este seja feito em até 24 horas de sua celebração (art. 19).

A contratação requer forma específica, por meio da utilização de formulários instituídos pelo Poder Executivo e disponibilizados gratuitamente (art. 6º). Admite-se a constituição de novo penhor sobre o mesmo bem, durante a vigência do contrato, desde que autorizado pelo credor (art. 7º).

Admite-se a alienação do bem desde que o adquirente assuma a dívida contratada, continuando o penhor nos termos contratados inclusive com relação às responsabilidades do alienante (art. 9º). A transferência deve ser anotada no Registro onde consta o contrato do penhor e se notificará o credor por telegrama (art. 9).

O contrato deve conter a qualificação completa das partes, a quantia do crédito, taxa de juros, prazo, lugar e maneira de pagamento. Deve conter a individualização completa do bem. Além disso, deve-se especificar os privilégios a que estão sujeitos o bem e os seguros a ele relacionados (art. 11º). O registro deve ser feito, via de regra, onde estiver localizado o bem (art. 12).

O devedor não pode trasladar o bem para lugar diverso de onde foi constituída a garantia, sem que seja registrada a mudança. Para veículos automotores tal disposição só tem validade em caso de mudança definitiva de local (art. 13).

O devedor deve utilizar a coisa conforme seu destino e zelar por sua conservação. O credor tem o direito de inspecionar o bem empenhado e o contrato pode prever que o devedor seja obrigado a informar periodicamente ao credor acerca da conservação, sob pena de sequestro do bem (art. 13).

O penhor sobre o bem caduca automaticamente após 5 anos de seu registro, devendo, para continuar a ter efeitos ser novamente registrado após esse prazo (art. 23). Para transferência de direitos (endoso), deve-se fazer acréscimo indicativo ao registro efetuado (art. 24) e os endossantes permanecem solidariamente responsáveis pelo pagamento da dívida (art. 27).

Há, ainda, previsão legislativa de que o bem pode ser industrializado ou continuar com o processo de utilização econômica, ficando os frutos sujeitos à mesma prenda. Caso a vontade das partes seja diversa, deve constar no contrato que o bem não poderá ser industrializado ou transformado (art. 8º).

No âmbito processual, destaca-se que o certificado do penhor é instrumento hábil para a cobrança do crédito, juros, gastos e custas. Além disso, a ação executiva e a venda dos bens se dá por procedimento sumaríssimo (art. 26). Uma vez citado o devedor, tem este 3 dias para opor exceção legítima à execução, o que, se não for feito, acarreta na apreensão e venda do bem (art. 29). As únicas exceções admitidas são: a) incompetência da jurisdição; b) vício quanto à pessoa do demandante, demandado ou seu representante; c) renúncia de direito ao crédito ou ao privilégio do penhor, pelo credor; d) pagamento; e) caducidade da inscrição ou; f) nulidade do contrato (art. 30).

É nula a convenção que permita ao credor apropriar-se da coisa fora do arremate em leilão judicial ou que importe renúncia do devedor aos trâmites normais de execução da garantia (art. 36). A regra, porém, comporta uma exceção. Caso o credor seja o Estado ou instituições financeiras, é bastante a apresentação do certificado do penhor (certificado prendario) para que o juiz determine logo o sequestro do bem, sem direito a manejo de quaisquer recursos por parte do devedor. Neste caso, resguarda-se ao devedor os trâmites judiciais ordinários para exercer quaisquer direitos contra o credor (art. 39).

A lei dispõe ainda sobre a preferência de débitos a ser considerada após a venda do bem. São eles, em ordem decrescente: a) gastos judiciais e de conservação do bem (inclusive aluguéis e salários); b) impostos fiscais; c) em caso de imóveis, pagamentos de eventual locação deste; d) quitação da dívida e juros; e e) pagamento de salários e despesas referentes a negócios agrícolas, quando devidos antes da constituição do penhor (art. 43). 

4. Chile

No direito chileno o tema é tratado pelo art. 14 da Lei 20.190 de 2007, composto por outros 38 artigos, sob a designação Prenda sin Desplazamiento.

O contrato deve ser firmado por instrumento público ou por instrumento privado sendo que, neste caso, as firmas dos signatários deve ser autorizadas por um notário e o instrumento protocolizado no mesmo local. Em caso de questionamento de terceiros, a data do contrato é a de sua protocolização (art. 2º)[6].

O contrato deve prever, no mínimo, a individualização dos contratantes e do bem, além da soma determinada ou determinável garantida (art. 3º).

Prevê-se a possibilidade de constituição do penhor sobre bens ou direitos futuros, ficando o direito real somente constituído, no entanto, a partir do momento em que o  bem ou direito tenha existência, tendo-se como data da constituição aquela em que foi registrado o contrato (art. 9).

Em seguida, prevê o texto chileno que os bens ainda não chegados ao país também podem ser empenhados, exigindo-se que o constituinte da garantia (devedor) seja titular do documento que comprove a circulação da mercadoria, nos termos das leis específicas (ex. conhecimento de embarque) (art. 10º).

O credor tem direito a receber com a preferência estatuída no art. 2474 do Código Civil Chileno o total do montante do crédito, incluídos os juros, gastos e despesas. Este privilégio se estende ainda sobre o valor do seguro do bem, se houver, e a qualquer outra indenização que terceiros devam por danos ou prejuízos que o bem sofrer (art. 15).

Admite-se, expressamente, a constituição de mais de um penhor sobre o mesmo bem, dando-se preferência conforme a ordem cronológica do registro de cada contrato (art. 16).

A legislação chilena prevê que, se escolhido um lugar onde a garantia deverá ser conservada, esta não poderá ser trasladada para outro lugar. Além disso, se o contrato dispuser uma forma específica de utilização, somente poderá ser utilizada daquela forma (art. 19º). Com este mesmo espírito é que se pode proibir, contratualmente, no Brasil, que o bem circule fora do território nacional sem autorização expressa do credor. 

A legislação chilena prevê o direito de o credor inspecionar, a qualquer tempo, o bem dado em garantia. Se forem imputados danos ao devedor, e não havendo acordo entre as partes, poderá ser convocada audiência específica para solução da controvérsia. Caso o devedor recuse a inspeção, pelo credor, este poderá vencer antecipadamente a dívida e realizar a garantia. A execução da garantia só ocorre, porém, após recusa de inspeção, pelo devedor, no âmbito extrajudicial e no judicial (art. 20).

A legislação chilena instituiu o Registro de Prendas sin Desplazamiento, para o qual todos os notários do país devem comunicar os novos registros, alterações e baixas. As comunicações deverão ocorrer, via de regra, de forma eletrônica (arts. 24 e 28, lei 20.190/07).

A lei chilena prevê que o instrumento de constituição da garantia, devidamente registrado, tem força de título executivo. Citado o devedor ou o constituinte da garantia (se for diverso do devedor), pode-se exigir a sua imediata realização, ainda que sejam opostas exceções processuais. O judiciário pode decidir se há necessidade de caução pelo credor (art. 30).

5. Colômbia

No direito Colombiano, divide-se a prenda em civil e comercial. No âmbito do direito civil colombiano o contrato de prenda equivale ao nosso penhor, em que o bem permanece sobre a posse do credor[7]. O instituto que nos interessa, portanto, está no âmbito do direito comercial colombiano.

O Código de Comércio trata da Prenda sin tenencia del Acreedor dos artigos 1207 a 1220[8]. A prenda pode ser constituída sobre qualquer bem móvel necessário para exploração econômica (art. 1207). O contrato pode ser firmado por instrumento privado, mas só produz efeitos contra terceiros a partir de sua inscrição (art. 1208). O local de registro é o ofício de registro mercantil correspondente ao local onde ficará o bem. No caso de veículo automotor obedece-se à disposições específicas vigentes (art. 1210).

O contrato deve conter, no mínimo, as seguintes informações: (i) nome domicílio do devedor; (ii) nome e domicílio do credor; (iii) data, natureza, valor da obrigação que é garantida e os juros pactuados, se for o caso; (iv) a data de vencimento da obrigação; (v) a descrição minuciosa do bem dado em garantia; (vi) o lugar em que o bem deve permanecer; (vii) indicação se o bem pertence ao devedor ou a um terceiro que consentiu com o gravame; (viii) indicação da data e valor dos contratos de seguro e o nome da companhia seguradora (art. 1209).

Admite-se a constituição de mais de uma prenda sobre um mesmo bem, respeitando-se a ordem de prelação – a primeira prevalente sobre as que a sucedem (art. 1211).

O bem dado em prenda não pode ser transmudado de local sem prévia anuência por escrito do credor e o acréscimo aos registros efetuados. A violação desse dispositivo dá ao credor o direito de obter o pagamento imediato da dívida ou a devolução do bem (art. 1213).

Os bens dados em prenda podem ser alienados pelo devedor, mas a tradição só ocorrerá mediante autorização do credor ou quitação da dívida. Ainda no caso de autorização pelo credor, o devedor permanece obrigado ao cumprimento de suas obrigações contratuais (art. 1216). O devedor está obrigado a permitir a inspeção do bem, pelo credor (art. 1217).

6. México

No direito mexicano, o tema é disciplinado do art. 346 a 380 da Ley General de Títulos e Operaciones de Crédito publicada em 27.08.1932, cuja reforma mais recente se deu em 10.01.2014. O processo de execução das garantias é regido pelo “Livro Quinto”, “Título Terceiro Bis” do Código de Comércio e divide-se em etapa extrajudicial (art. 1414 Bis e seguintes) e etapa judicial (art. 1414 bis 7 e seguintes).

Passamos agora a analisar as principais disposições da Ley General de Títulos e Operaciones de Crédito.

O contrato pode ser feito oralmente para bens de pequena monta (art 365)[9]. Para todos os demais, o pacto surte efeitos somente após sua inscrição em registro (art. 366).

Os credores perceberão o principal e os juros a que têm direito com exclusão absoluta dos demais credores do devedor, exceto os de natureza trabalhista (art. 367).

Ressalta-se a garantia legal de que o devedor não pode transferir a posse do bem empenhado sem autorização do credor. Além disso, correm por conta do devedor os gatos necessários com conservação, reparação, administração e colheita dos bens empenhados. O credor tem direito de exigir outro em substituição ao empenhado, caso este se deteriore significativamente (art. 361).

A lei reserva ao credor o direito de inspeção do bem e prevê procedimento específico para eleição de um perito que relatará sobre o grau de depreciação do bem em relação ao mercado. Realizada a avaliação do perito sem acréscimo de garantias que este designe necessárias, faculta-se ao credor o vencimento antecipado do contrato (art. 362 e 363).

No âmbito judicial, ressalta-se o procedimento célere para realização da garantia. Uma vez apresentado requerimento pelo credor, o juiz determina a imediata devolução do bem ou pagamento da dívida. Caso queira defende-ser ou apresentar oposição, tem o devedor apenas 5 dias para fazê-lo (art. 1414 bis 8).

7. Paraguai

No direito paraguaio rege-se o tema pelos arts. 2327 a 2355 do Código Civil, com redação dada pela lei 3120/06. Aplicam-se subsidiariamente à Prenda con Registro as disposições sobre prenda de coisas em geral (art. 2355). Também rege a matéria, determinados artigos da Lei 861 de 29.05.1996, que trata de disposições gerais referentes aos bancos, financeiras e outras instituições de crédito.

A lei define a Prenda con Registro como aquela em que não se requer a entrega da coisa, bastando para respectiva constituição a inscrição no Registro Prendario e, em se tratando de veículo automotor, no registro correspondente (arts. 2327 e 2328)[10].

A lei garante ainda privilégio especial ao credor pignoratício, de ter satisfeito seu crédito, juros e gastos, além da ação executiva pertinente (art. 2330).

O pacto só produz efeitos perante terceiros após a inscrição no registro correspondente. Em se tratando de instrumento privado, a lei rege não apenas os requisitos essenciais de conteúdo mas também, com rigor, a própria forma, exigindo preenchimento de formulários próprios (art. 2334). O registro tem validade determinada, de três anos, após os quais deve ser renovado (art. 2340), sob pena de perecerem os privilégios do credor sobre a garantia. 

O contrato deve conter a descrição das partes, a data e local de celebração, data de vencimento do crédito, quantia, juros anuais e o local do pagamento, além da precisa descrição do bem (art. 2335).

Admite-se a constituição de novo penhor sobre o mesmo bem, mediante concordância do credor (art. 2341).

O direito paraguaio resguarda também ao credor o direito de inspeção do bem, e faculta o respectivo sequestro, em caso de descumprimento das obrigações de guarda e conservação, pelo devedor (art. 2344).

Em caso de execução da garantia, são liquidados os débitos na seguinte ordem (art. 2353):

a)    custas judiciais, despesas com administração e conservação dos bens;

b)    impostos fiscais e municipais incidentes sobre o bem;

c)    principal e juros devidos ao credor;

d)    verbas de natureza trabalhistas, devidas antes do contrato, desde que dotados de privilégios especiais, estabelecidos pela lei civil.

Em sentido aproximado à legislação pátria, proíbe-se que o credor possa apropriar-se do bem dado em garantia sem levá-lo ao trâmite da venda judicial. Proíbe-se ainda disposição contratual que importe renúncia do devedor à defesa em juízo (art. 2352).

Já a Lei 861 prevê que os contratos subsistem até o completo adimplemento das obrigações do devedor, respeitado o prazo máximo de 20 anos. Após esse período, o contrato deve ser objeto de novo registro (art. 93). No âmbito processual, a mesma lei garante a venda judicial dos bens, em caso de execução, sem necessidade de avaliação pericial para fixação de seu valor (art. 94).

8. Uruguai

No direito Uruguaio moderno, a matéria foi regulada inicialmente em 1918 pela Lei 5649 (prenda agrária) e já em 1957 se dispunha sobre veículos automotores, nos termos da lei 11.367, ambas as atualmente revogadas[11].

Hodiernamente, a matéria é regida essencialmente pela Lei n. 17.228 de 07.01.2000 e pelos artigos 2292 a 2321 do Código Civil, sendo que referida Lei dispõe especificamente sobre a Prenda sin desplazamiento ao passo que o Código civil trata do penhor tradicional.

Aplica-se o Código Civil Uruguaio à Prenda sin desplazamiento apenas naquilo que não conflitar com a norma específica (Lei 17.228, art. 1º).

As Prendas sin desplazamiento devem ser registradas, via de regra, no Registro Nacional de Prendas sin desplazamiento, salvo algumas exceções, dentre as quais os penhores incidentes sobre veículos automotores, que são registrados no Registro Nacional de Automotores (art. 4º)[12]. O penhor somente passa a ter validade perante terceiros após o respectivo registro (art. 7º).

Os direitos sobre o bem empenhado estendem-se sobre os frutos dele oriundos. Ao credor, cabe o direito de preferência e o direito de manejar ação executiva, no caso de indenização relacionada aos seguros correspondentes à garantia (ar.t 3º).

Durante a vigência do contrato de penhor, admite-se a venda do bem empenhado, submetendo-se apenas a sua efetiva tradição a terceiros ao prévio pagamento ao credor de toda a dívida ou ao seu consentimento (art. 10)[13]. No caso de veículos automotores, a mudança de domicílio do bem exige registro de autorização específica do credor no Registro Nacional de Automotores assim como no órgão municipal competente (art. 10, parágrafo).

Em caso de falta de pagamento das prestações ou juros acordados, o credor pode notificar o devedor para adimplemento em três dias úteis, após os quais dá-se início à execução dos bens empenhados (art. 14). O executante pode anexar aos documentos de instrução da demanda, ou posteriormente, fiança bancária, em valor estipulado pelo juiz, para assegurar a reparação de danos ou prejuízos que possam ser causados ao devedor em razão da apreensão do bem. (art. 16). Dentro de 6 dias úteis após a notificação, o devedor pode opor exceções atinentes aos requisitos essenciais de validade do título executivo, desde que acompanhada de prova documental que demonstre o bom direito do devedor (art. 17).

Ao contrário da legislação brasileira, que exige a venda do bem, em caso de retomada, a legislação uruguaia põe tal situação como uma faculdade do credor: “Es nula toda cláusula que prive al acreedor de la faculdade de pedir la venta de la cosa”. (Código Civil, art 2306).

Havendo pacto entre as partes, admite-se a venda extrajudicial do bem na hipótese de inadimplemento contratual do devedor (Código civil, art. 2308).

O registro caduca em 5 anos de sua realização, devendo-se, ao final do prazo, requerer nova solicitação (Ley Registral, art. 79)[14].

Conclusões

A publicidade da estipulação entre as Partes é uma das características predominantes e comuns à alienação fiduciária em garantia e aos institutos correlatos de penhor dos demais países latino-americanos que estudamos. Sempre há, para guardar o contrato e suas atualizações, um órgão privado ou público, dotado de reconhecimento jurídico que o torna a fonte de conhecimento das garantias constituídas.

A alienação fiduciária em garantia apresenta certas vantagens em relação às modalidades de penhor aqui vistas. Como exemplo, há se que mencionar a impossibilidade de constrição do bem, em razão de créditos de outra natureza do devedor fiduciante (ex. dívidas trabalhistas ou fiscais), conforme entendimento Jurisprudencial majoritário. A lei brasileira, inclusive, reconhece a obrigação de restituir o bem ao proprietário, em caso de falência do devedor. Nos demais países latino-americanos requer-se estabelecimento claro acerca a ordem de preferência sobre os créditos. Por vezes, opta-se inclusive pela prevalência de créditos de outra natureza sobre o penhor constituído (ex. México), o que, sem dúvida, enfraquece a solidez da garantia.

Por outro lado, o penhor possui a vantagem de permitir novas gravações sobre o mesmo bem, no curso do contrato, condicionadas, porém, à anuência do credor, o que dinamiza, em certa medida, o aproveitamento do caráter econômico da garantia. Tal dispositivo, por definição, é impossível no âmbito da alienação fiduciária em garantia, vez que é impossível alienar no todo ou em parte aquilo que já se alienou. Em verdade, a duplicidade de alienação constitui ilícito penal.

Dentre as disposições processuais, releva-se o Direito Brasileiro, com processo de execução célere, compatível com a liquidez que o instituto requer. No mesmo sentido, o processo do Uruguai, por exemplo, que garante ao devedor apenas seis dias para apresentar oposição à execução, com possibilidades argumentativas bastante limitadas. Podemos mencionar ainda o direito argentino que confere presunção de veracidade e legalidade à execução movida pelo Estado ou Instituição Financeira, resguardando-se ao devedor as vias ordinárias para obter reparação, em caso de dano.

Por fim, lembremos que em outros países, como Alemanha, o penhor clássico prevê também a tradição do bem para constituição do contrato (BGB, §1205 (1)). No entanto, em substituição à transmissão do bem, admite-se a transmissão apenas da posse indireta do bem e a notificação do penhor ao devedor (BGB, §1205 (2)). Em caso de financiamento com cláusula de penhor, o documento de propriedade do veículo (equivalente ao Certificado de Registro do Veículo no Brasil) permanece depositado do banco, a título de penhor, até a quitação do contrato. Para bens de difícil transporte, admite-se ainda uma espécie de posse compartilhada, entre credor e devedor (BGB, § 1206). No direito germânico encontramos ainda a disposição de que os direitos do credor pignoratício prevalecem sobre os de terceiros que sejam estabelecidos em lei, exceto se os direitos sobre o penhor houvessem sido adquiridos de má-fé. (BGB, §1208). O penhor deverá garantir os juros e as penalidades contratuais (BGB, §1210 (1)), assim como as despesas em caso de rescisão e com a venda do bem (BGB, §1210 (2)).

 

Referências
ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária em Garantia. 3ª edição. Forense: Rio de Janeiro, 1987.
ALVES, Vilson Rodrigues. Alienação Fiduciária – As Ações de Busca e Apreensão e Depósito na Atual Lei 10931/04. São Paulo: Editora BH, 2006.
BRITO, Alejandro Guzmán. El Llamado Contrato De Prenda Sin Desplazamiento. Disponível em http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0718-80722009000200004&script=sci_arttext. Acesso em 04/04/2014. (Scielo)
CORTÉS, Marcela Bezerra e DAZA, Lúcia Inés Orozco. Estudio Régimen Legal Colombiano. Disponível em
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia – Das bases romanas à Lei n. 9514/97. São Paulo: Editora LTr, 1999.
FREANER, Francisco Ciscomani. La prenda sin transmissión de posesión en México. Disponível em:
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Direito das Coisas. Tomo XXI. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2012.
OLIVEIRA, Nuri E. Rodrìguez. Prenda sin desplazamiento. Disponível em: http://www.derechocomercial.edu.uy/ClaseContGt04.htm. Acesso em 08.02.2014.
 
Notas:
[1] ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária em Garantia. 3ª edição. Forense: Rio de Janeiro, 1987. Pág. 51.

[2] ALVES, José Carlos Moreira. op. cit. Pág. 12.

[3] A respeito desse tema, ver a crítica de Pontes de Miranda in MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Direito das Coisas. Tomo XXI. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2012. P. 450.

[4] Estes artigos e os seguintes deste tópico integram Ley de Prenda con Registro, salvo quando indicada outra lei expressamente.

[5] O órgão responsável pela operacionalização dos registros é a Dirección Nacional de los Registros de Créditos Prendarios y de Propiedad del Automotor.

[6] Estes artigos e os seguintes deste tópico integram a Lei 20.190/07, salvo quando indicada outra lei expressamente.

[7] CORTÉS, Marcela Bezerra e DAZA, Lúcia Inés Orozco. Estudio Régimen Legal Colombiano. p. 10. Disponível em

[8] Estes artigos e os seguintes deste tópico integram o Código de Comércio Colombiano, salvo quando indicada outra lei expressamente.

[9] Estes artigos e os seguintes deste tópico integram a Ley General de Títulos e Operaciones de Crédito, salvo quando indicada outra lei expressamente.

[10] Estes artigos e os seguintes deste tópico integram o Código Civil Paraguaio, salvo quando indicada outra lei expressamente.

[11] Oliveira, Nuri E. Rodrìguez. Prenda sin desplazamiento. Disponível em: http://www.derechocomercial.edu.uy/ClaseContGt04.htm. Acesso em 08.02.2014

[12] Este artigo, assim como os demais indicados neste tópico, integram a Lei 17.228 de 07.01.2000.

[13] Nuri Oliveira anota que essa disposição é uma inovação em relação à lei uruguaia anterior, que não admitia a venda coisa empenhada. Em Oliveira, Nuri E. Rodrìguez. Prenda sin desplazamiento. Disponível em: http://www.derechocomercial.edu.uy/ClaseContGt04.htm. Acesso em 08.02.2014.

[14] Em Oliveira, Nuri E. Rodrìguez. Prenda sin desplazamiento. Disponível em: http://www.derechocomercial.edu.uy/ClaseContGt04.htm. Acesso em 08.02.2014.


Informações Sobre o Autor

Flávio Luiz Damato Rocha de Souza

Mestre em Direito Político e Econmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Especialista em Direito das Relações de Consumo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


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