A Atuação da Polícia Militar frente ao Direito Constitucional de Reunião nas Manifestações Populares

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Resumo: A sociedade de forma geral aprova as manifestações como maneira legítima dos cidadãos mostrarem para a sociedade como os seus direitos vem sendo tolhidos e como uma alternativa de conseguirem que esses direitos sejam cumpridos. Com a grave crise política, social e econômica do país, as manifestações populares têm, cada vez mais, ganhado força e adesão de militantes. Contudo, junto com as manifestações eclodiram também a violação de vários direitos e ocorrência de diversos delitos. Frente a essa situação está a Polícia Militar que além de garantir o direito de reunião dos manifestantes também tem o dever constitucional de preservação da ordem pública. O objetivo desse artigo é abordar os aspectos legais do direito de reunião exercido pelos manifestantes e abordar a legalidade da atuação da Polícia Militar frente às desordens geradas pelo movimento social.

Palavras-chave: Manifestações Populares, Direito de reunião, Movimentos Sociais, Atuação Policial.

Abstract: The society in general approves the demonstrations as a legitimate way of showing citizens to society and their rights is being hampered and as an alternative to achieve that these rights are fulfilled. With the political crisis, social and economic of the country, the demonstrations has increasingly gained strength and adhesion militants. However, along with demonstrations also broke out the violation of several rights and occurrence of various offenses. Faced with this situation is the Military Police as well as guaranteeing the right of assembly of the demonstrators also has the constitutional duty to preserve public order. The aim of this article is to address the legal aspects of the meeting right exercised by protesters and address the legality of the police action Military front of the disorders generated by the social movement.

Keywords: Popular demonstrations, meeting of law, Social Movements, Police Practice.

Sumário: Introdução. 1. Legalidade e Legitimidade dos Movimentos Sociais; 2. A Atuação da Polícia Militar frente as Manifestações Populares; 3. Crimes mais comuns cometidos durante as manifestações; Conclusão; Referências Bibliográficas.

Introdução

As manifestações populares sempre foram e certamente ainda constituirão mecanismos para exercício da cidadania, destacando-se como meio de expressão de ideias ou, com maior intensidade, de reivindicações e protestos.

A recente onda de manifestações públicas verificada em território brasileiro, embora represente uma forma legítima de demonstração da população da sua indignação com as mazelas do Poder Público, ainda é um fenômeno social que carece de melhor investigação, dissecação e instrumentalização etiológica.

No Brasil esse fenômeno ainda é um fato novo que vem se desenhando na história e ensinando a todos os órgãos como lidar com os atuais acontecimentos. Muito tem sido falado pelos órgãos de imprensa, por sociólogos e filósofos que as forças policiais brasileiras não estão preparadas para lidar com esse movimento social que vem ganhando cada vez mais repercussão. Ora, estamos diante de um fato social novo e todo o povo brasileiro está aprendendo como lidar com ele. A minha pergunta é a seguinte: Será que todos estão preparados para lidar com esse novo fato social ou é somente as forças policiais brasileiras? Assim como toda a sociedade, as forças policiais estão aprendendo e se preparando para lidar com tais situações. Nunca houve manifestações com números tão expressivos de participantes e em vários locais do país ao mesmo tempo. Estamos diante de um fato que futuramente serão relatados nos livros de história, portanto, temos a responsabilidade de construir a nossa história de maneira positiva.

1. Legalidade e Legitimidade dos Movimentos Sociais

Foi notório que no ano de 2013 as manifestações populares ganharam muita força com o advento da realização da Copa das Confederações no Brasil. As grandes promessas de investimentos do Poder Público não cumpridas, aliadas ao gasto astronômico com a realização de estádios de futebol geraram um sentimento de revolta no povo brasileiro. Foram prometidas diversas obras públicas de mobilidade e de infraestrutura para a população, entretanto, não foram cumpridas e o que se chamava de “legado da Copa” não existe.

Ao ver toda essa situação, o povo brasileiro começou a manifestar-se nas redes sociais e tais demonstrações de indignação ganharam força a cada dia, chegando a mobilizar quase todo o Brasil. Gontijo (2009) assevera que a nova sociedade em que vivemos, chamada de “Sociedade do Conhecimento”, através das tecnologias da informação e de comunicação-TICs tem produzido significativas transformações na dialética e revolucionando todas as dimensões da vida humana.

A velocidade com que as informações percorriam o Brasil através dos meios de comunicação serviram como um canal para arrastar multidões para as ruas do país na busca por melhorias sociais. Dessa forma, várias lideranças foram sendo construídas ao longo desse processo não havendo um partido político ou qualquer outra classe social diretamente à frente dos movimentos.

Passado o ano de 2013, em que milhares de pessoas foram às ruas para se manifestarem, verifica-se que eclodiram várias manifestações em diversas classes da sociedade na busca de melhorias sociais. Agora, tornou-se cultura brasileira manifestar-se contra a inércia do poder público e contra entidades privadas que mitigam direitos coletivos. Neste ano, já visualizamos moradores de bairros, motoristas, garis, ferroviários, entre outros, se mobilizando e fazendo manifestações que ganham repercussão nacional.

Estes movimentos sociais são completamente legais e legítimos. Wolkmer (1994) assinala que "a legalidade reflete fundamentalmente o acatamento a uma estrutura normativa posta, vigente e positiva", e que a legitimidade "incide na esfera da consensualidade dos ideais, dos fundamentos, das crenças, dos valores e dos princípios ideológicos". Sua aplicação envolve, como concepção do direito, "a transposição da simples detenção do poder e a conformidade do justo advogados pela coletividade". A legalidade está relacionada à forma, enquanto a legitimidade está relacionada ao conteúdo da norma. A legalidade, como acatamento a uma ordem normativa oficial, não possui uma qualidade de justa ou injusta. Diz-se legítimo aquilo que se faz de acordo com as regras da sociedade, o que transportando para o Direito, temos que é legítimo tudo que está na conformidade da lei. Por este viés seria legal aquilo que é feito por determinação da lei, o que em Direito se conhece por vinculação à lei.

A sociedade de forma geral aprova as manifestações como maneira legítima dos cidadãos mostrarem para a sociedade como os seus direitos vem sendo tolhidos e como uma alternativa de conseguirem que esses direitos sejam cumpridos.

No que diz respeito à legalidade das manifestações populares é imperioso que passamos em revista a vários dispositivos legais. Diz a nossa Constituição Federal em seu art. 5º:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e a propriedade, nos termos seguintes: […]

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; […]

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; […]

XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;”

Também dispõe o art. 220, e seu § 2º, da Constituição Federal:

“Art. 220º A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. […]

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

Em matéria infraconstitucional temos o Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto que trata da regulamentação do direito de reunião:

“Artigo 1.º

1. A todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares, independentemente de autorizações, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas.”

Vejamos agora o que diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948:

“Artigo 19.

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo 20.

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação”.

Da mesma forma trata desta questão o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP):

“Artigo 21

O direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

Artigo 22

§1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiar-se, para proteção de seus interesses.

§2. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos por membros das forças armadas e da polícia.”

Outro documento normativo internacional é a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (CADH), adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969:

“Artigo 15º – Direito de reunião

É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

Artigo 16º – Liberdade de associação

1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

2. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral

públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

3. O disposto neste artigo não impede a imposição de restrições legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros das forças armadas e da polícia”.

Dessa forma, vê-se que a defesa dos valores republicanos e democráticos é parte inalienável de uma agenda intocável de qualquer sociedade que tencione alcançar uma razoabilidade mínima de convivência social madura, garantindo o bom funcionamento do Estado, governo, sociedade civil e de todos os demais entes, incluindo nesse rol as pessoas físicas e jurídicas. Tanto o Direito Brasileiro como o Direito Internacional asseguram ao cidadão a realização de manifestações, passeatas e protestos, sendo assim as autoridades públicas, a Polícia Militar, devem respeitar esse direito constitucional que, indevidamente violado, poderá fazer com que a autoridade infratora responda criminalmente pelo delito tipificado no art. 3º, alíneas a, h e i, da Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965, que diz:

“Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

a) à liberdade de locomoção; […]

h) ao direito de reunião;

i) à incolumidade física do indivíduo.”

As atuais manifestações populares é a exteriorização de um direito e garantia fundamental expresso em nossa Magna Carta, o direito de reunião. Nesse sentido Paulo e Alexandrino (2010) asseveram:

“As garantias fundamentais são aquelas estabelecidas pelo texto constitucional como instrumentos de proteção aos direitos fundamentais. As garantias possibilitam que os indivíduos façam valer, frente ao Estado, os seus direitos fundamentais.”

Ainda segundo os autores o direito á reunião é um meio coletivo de outra garantia fundamental, o da liberdade de expressão, em que as pessoas reúnem-se temporariamente por um interesse em comum, por exemplo, divulgação de problema da comunidade, intercâmbio de ideias ou reivindicação sobre algum problema.

2. A Atuação da Polícia Militar frente às Manifestações Populares

Ao se fazer uma detida análise das manifestações populares ocorridas no ano de 2013 verifica-se que estivemos repetidas diante de manifestações pacíficas e democráticas, entretanto, em certos momentos, que denotaram episódios de uma minoria, foram vivenciados momentos de extrema violência por vândalos infiltrados em meio a população ordeira.

Caso aconteçam novas manifestações em que os cidadãos exercitem o direito de manifestarem-se livremente e de reunirem-se pacificamente em locais públicos, poderia a Polícia Militar impedir esse tipo de manifestação, mesmo que seja contrária ao governo ao qual os funcionários da segurança pertençam? Inicialmente, a resposta é não. A Polícia Militar, na verdade, deveria se fazer presente única e exclusivamente com a finalidade de manter a segurança da população que resolveu manifestar-se pacificamente. Qualquer intervenção das autoridades públicas nesse tipo de manifestação pacífica incorreria em abuso de poder, de acordo com a Lei nº 4.898/1965, como vimos anteriormente.

Entretanto, caso as manifestações abandonem seu caráter pacífico, mesmo que por uma minoria de infiltrados grupos criminosos, cujas intenções precípuas forem de praticar vários de crimes, poderiam as forças públicas de segurança intervir? Nesse caso, a resposta é sim, pois dessa forma as manifestações deixam de ser o exercício de um direito e garantia fundamental, mas sim de práticas criminosas que podem, e mais do que isso, devem, por lei, ser reprimidas pelo Estado.

Agora como deve a Polícia Militar atuar diante de manifestantes pacíficos e criminosos transvestidos de manifestantes? Para a resposta a essa indagação analisemos o que diz Rogerio Grecco e Willian Douglas sobre o assunto:

O grande problema que se coloca é: Como separar o joio do trigo? Como impedir a prática de crimes, levados a efeito por agentes inescrupulosos infiltrados em um movimento legítimo, contra aqueles que se dispuseram a sair de sua zona de conforto, em busca de uma sociedade mais justa e equânime?

Aqui, mais do que nunca, precisamos de um trabalho de inteligência da nossa polícia. A população precisa entender, de uma vez por todas, que a polícia não é sua inimiga, mas parceira, amiga. Os policiais pertencem à mesma sociedade em que trabalham. Quando são aprovados em algum concurso público, e passam a gozar do honroso status de policial, não deixam de pertencer à sociedade. Por isso, mais do que nunca, a sociedade precisa deixar de lado esse antigo ranço para com a nossa polícia, a fim de tratá-los com o respeito que merecem.

Por outro lado, os policiais devem também ter essa sensibilidade. Aquela sociedade que está ali, nas ruas, reivindicando, é a mesma a que eles pertencem e, em razão dessas reivindicações serão beneficiados, pois os policiais, da mesma forma, necessitam ser tratados de forma digna em hospitais, seus filhos precisam de escolas que prestem um ensino de qualidade, precisam que a inflação seja controlada, que os corruptos sejam presos. Enfim, somos um só, e precisamos ter essa consciência.

Esse trabalho de inteligência, cuja finalidade maior é a de identificar e prender os criminosos infiltrados nessas manifestações populares, deve ser feito em conjunto com os manifestantes pacíficos, que estão ali exercendo seus legítimos direitos. Ninguém quer que o movimento seja pulverizado ou mesmo desacreditado em razão do fato de criminosos de ocasião estarem se aproveitando para praticar toda a sorte de crimes, inclusive contra a própria polícia.

No entanto, como diz a parábola Bíblica do joio e do trigo, para que o trigo não seja cortado junto com o joio (uma vez que são muito parecidos fisicamente), é preciso deixar que cresçam. A semelhança entre eles é tão grande que, em alguns lugares, o joio é conhecido como “falso trigo”. O mesmo ocorre no interior dessas manifestações populares. Criminosos estão disfarçados de “trigo”quando, na verdade, são “joio”, e merecem ser identificados e devidamente presos em flagrante.”

O que se vê na atualidade é o desconhecimento do papel da Polícia Militar em um Estado Democrático de Direito, pois, a todo momento, são apresentadas pela mídia e por especialistas em geral, interpretações extremamente reducionistas e, muitas das vezes, precipitadas sobre o que realmente a sociedade deve esperar de atuação do Estado para situações agudas como as das atuais manifestações e que envolvem diretamente a segurança pública, ordem pública, direito de ir e vir, preservação do patrimônio, respeito às autoridades constituídas e, sobretudo, o direito de manifestar-se. Se de um lado, os valores democráticos permitem ocupar ruas e corredores de grande acesso e tráfego incessante, em nome de pretensas reformas, em posição diversa, mas ainda em perfeita consonância com os mesmos princípios norteadores, os ideais republicanos não podem ser esquecidos, sob o risco de a res publica (coisa pública) ser relegada a um plano inferior. A defesa dos valores republicanos e democráticos é parte inalienável de uma agenda intocável de qualquer sociedade que tencione alcançar uma razoabilidade mínima de convivência social madura, garantindo o bom funcionamento do Estado, governo, sociedade civil e de todos os demais entes, incluindo nesse rol as pessoas físicas e jurídicas.

Apesar dos manifestantes estarem exercendo um direito e garantia constitucional, devemos observar que esses direitos não são absolutos e possuem limites igualmente consagrados pelo mesmo texto constitucional. Seguindo esse entendimento segue abaixo orientação do Supremo Tribunal Federal em trecho retirado do MS 23.452/RJ do relator Min. Celso de Mello, DJ 12.05.200:

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.” (grifo nosso)

Nessa ótica de visão, Paulo e Alexandrino (2010) asseveram que os direitos fundamentais não podem ser utilizados como escudos protetivos de prática de atividades ilícitas. Dessa forma, a liberdade de pensamento e de reunião não pode sobrepor à liberdade de locomoção, ao direito à segurança, ao direito à propriedade, seja pública ou privada. Não há hierarquia entre direitos fundamentais, o que impossibilita cogitar-se a aplicação integral de um deles, aniquilando-se o outro. Segundo leciona a doutrina, nesses casos o intérprete deverá realizar um juízo de ponderação, buscando a conciliação entre eles, pesando os interesses em jogo, com o objetivo de firmar qual dos valores conflitantes prevalecerá.

Mas como o direito e garantia constitucional que os manifestantes poderiam estar violando ao exercitarem seu direito de reunião? Para responder a este questionamento passaremos a discorrer um pouco do que diz o direito de locomoção, circulação. A Constituição Federal em seu art. 5º dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: …

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; …

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens (…)”:

Em matéria infraconstitucional temos o Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503/97, que em seus artigos 1º e 2º, dispõem:

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga. (…)

Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais.”

Para posteriormente seguimos como o nosso raciocínio, transcrevemos também o que dispõe o art. 99 do Código Civil Brasileiro: “Art. 99. São bens públicos:

I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; (…)”

O direito de ir e vir é parte integrante do direito à liberdade pessoal. É direito fundamental inerente às características essenciais da natureza humana. Pertence ao grupo denominado por Norberto Bobbio de "direitos de primeira geração", colocado que está dentre os direitos à vida, à dignidade humana, à segurança, à liberdade de manifestação do pensamento, à liberdade de consciência, de crença, de associação e de reunião. É também conhecido como direito de locomoção ou de liberdade de circulação. Consiste na faculdade de o indivíduo entrar e sair do território nacional e, dentro do país, de deslocar-se pelas vias públicas ou afetadas ao uso público, tendo apenas a lei como limitação. Para José Afonso da Silva (2012), o direito à circulação é a manifestação característica da liberdade de locomoção: direito de ir, vir, ficar, parar, estacionar. O direito de circulação (ou liberdade de circulação) consiste na faculdade de deslocar-se de um ponto para outro pela a via pública ou afetada ao uso público. Em tal caso, a utilização da via 'não constituirá uma mera possibilidade mas um poder legal exercitável erga omnes. Durante as manifestações é perceptível que os manifestantes afrontam o direito à circulação que está estampado na Constituição e legislação ordinária brasileira. Nesse ótica Arnaldo Rizzardo assevera:

“(…) tão importante tornou-se o trânsito para a vida nacional que passou a ser instituído um novo direito, ou seja, a garantia a um trânsito seguro. Dentre os direitos fundamentais, que dizem com a própria vida, como a cidadania, a soberania, a saúde, a liberdade, a moradia e tantos outros, proclamados no art. 5º da Constituição Federal, está o direito ao trânsito seguro, regular, organizado, planejado, não apenas no pertinente à defesa da vida e incolumidade física, mas também relativamente à regularidade do próprio trafegar, de modo a facilitar a condução dos veículos e a locomoção das pessoas.”

As estradas são bens de uso comum do povo que, por sua vez, têm como usuários pessoas indeterminadas, pessoas essas que se são em verdade detentores do direito de uso e circulação (conforme regra a Constituição Federal e Código de Trânsito Brasileiro), podendo cobrar dos órgãos públicos e do poder judiciário medidas quando seus direitos forem violados, como por exemplo houver embaraço ao livre exercício de circulação e trânsito.

Dessa forma, entendemos que, para assegurar a boa fluidez do tráfego e circulação de pessoas, numa cidade, enquanto liberdade de circulação incluída na zona de proteção do direito de deslocação ou do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, se justifique a deslocação de uma manifestação de poucas dezenas de pessoas para outro local, ou a sua realização a hora diversa, por prevalência dos interesses de liberdade de milhares de condutores sobre os interesses de poucas dezenas de manifestantes.

Ao ser verificado o conflito/colisão de direitos cabe à autoridade pública buscar uma forma pacífica para resolução do impasse através do diálogo/negociação, mas coibir tumultos, depredações e atos que possam prejudicar a ordem pública. Assim dispõe o Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto que trata da regulamentação do direito de reunião:

“Artigo 5.º

1. As autoridades só poderão interromper a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao público quando forem afastados da sua finalidade pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no n.º 2 do artigo 1º.

Artigo 6.º

1. As autoridades poderão, se tal for indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas, alterar os trajetos programados ou determinar que os desfiles ou cortejos se façam só por uma das metades das faixas de rodagem.”

A Polícia Militar tem um papel constitucional que deve ser cumprido em nosso Estado Democrático de Direito. Enquanto as manifestações forem pacíficas deve assegurar o direito de reunião do povo, contudo, quando torarem-se desordeiras e pátio de prática de ilícitos penais, dentro dos parâmetros legais do uso da força deverá restabelecer a ordem e proteger a população ordeira. Dessa maneira, é imperioso citar os dispositivos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), que definem o campo de ação das Polícias Militares do Brasil, previstos no Art. 144:

Art. 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e

patrimônio, através dos seguintes órgãos: […]

V – policiais militares e corpos de bombeiros militares. […]

§ 5º Às policias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública” (BRASIL, 1988).

No viés da segurança pública no qual estão inseridas as policias militares têm por dever constitucional, a incumbência de preservar a ordem pública. Certo é que, preservar a ordem pública não se restringe a apenas mantê-la, mas também restaurá-la quando de sua ruptura. Dentro dessa perspectiva citamos também o Decreto-lei 667, de 2 de julho de 1969 que Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Em seu terceiro artigo, o Decreto-lei detalha a atribuição das Forças Estaduais:

Art. 3º Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:

a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;

c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;”

Entendendo essa missão que cabe ás Polícias Militares passaremos a expor alguns delitos que são muito comuns em manifestações populares que carecem da intervenção do Estado.

Crimes mais comuns cometidos durante as manifestações

Ao analisar as manifestações populares em 2013 verifica-se que muitas delas deixaram de ser ordeiras e transformaram-se em verdadeiros campos de batalha onde muitos criminosos transvestidos de manifestantes cometeram inúmeros delitos. Infelizmente, essas configurações de crime ou não são corretamente observadas por boa parte dos agentes públicos ou, então, são propositadamente deixadas de lado, situações que vêm fomentando o sentimento de impunidade e balbúrdia.

O ilustre Promotor de Justiça Fernando Martins Zaupa tratou sobre os principais ilícitos penais cometidos pelos grupos de criminosos durante as manifestações em seu artigo: “As ilegalidades que pairam sobre os casos de fechamentos de estradas e rodovias por grupos ou movimentos representativos”. Com base nesse artigo trabalharemos a seguir os delitos:

Decreto-lei n.º 3.688/41 que dispõe sobre a Lei de Contravenções Penais:

“Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:

Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.”

Em algumas manifestações algumas pessoas costumam portar facas, podões e foices e, em algumas ocasiões, alegam que são instrumentos ligados à sua causa como os Sem-Terra, ligados a questões agrárias. Contudo, o uso ostensivo de facões e foices, durante o fechamento de tais estradas e rodovias não são apenas meros símbolos ligados às atividades rurais, posto que claramente utilizadas para intimidar motoristas e autoridades. O uso de tais facas, podões e foices, a toda evidência, constituem a contravenção supramencionada, já que caracterizadas como armas brancas, mormente por longe estarem dos fins a que se destinam.

“Art. 37. Arremessar ou derramar em via pública, ou em lugar de uso comum, ou do uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguém:

Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, sem as devidas cautelas, coloca ou deixa suspensa coisa que, caindo em via pública ou em lugar de uso comum ou de uso alheio, possa ofender, sujar ou molestar alguém.”

O tipo penal acima resta caracterizado em muitas das manifestações quando no fechamento de diversas vias ou no deslocamento por elas os transgressores utilizarem óleos, água, tinta, etc, de modo a caracterizar o tipo acima. Outro fato também que foi muito comum durante as manifestações ocorridas em 2013 foram os arremessos de bombas e coquetéis molotov por parte dos manifestantes. Ocorrem também diversos crimes tipificados no o Código Penal Brasileiro:

“Constrangimento ilegal

Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de pena

§ 1º – As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

§ 2º – Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.”

Esse tipo penal ocorre recorrentemente em manifestações sendo pouco reprimido pelas autoridades. Imagine a cena com indivíduos bradando facas, facões e foices, inclusive batendo-os sobre carros e janelas de ônibus, ou até mesmo uma grande turba com vários indivíduos mascarados intimidando os acuados motoristas que não têm como agir, impedidos assim de exercerem o direito constitucional de ir e vir. Certamente, tal conduta caracteriza o crime de constrangimento ilegal.

Como diz Greco (2013) o crime de constrangimento ilegal tem por finalidade proteger a liberdade pessoal, seja ela física ou psicológica. A figura típica deste delito vem ao encontro dos ditames constitucionais.

“Ameaça

Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”

Este tipo de delito não carece de muitas explicações em virtude de ser fato típico corriqueiro em ações policiais. A ocorrência e tipificação do delito em lume, pela clareza de sua disposição, amolda-se através de palavras e gestos ameaçadores, com fito de causar mal a alguém. Entretanto Greco (2013) assevera que este deleito deve merecer importância especial em face do pavor infundido na vítima.

“Sequestro e cárcere privado

Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:

Pena – reclusão, de um a três anos.

§ 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)

II – se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III – se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.

IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)

V – se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)

§ 2º – Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:

Pena – reclusão, de dois a oito anos.”

Eis um dos crimes mais graves do ordenamento repressivo brasileiro e que, infelizmente, não tem sido observado como deveria, frente aos casos mencionados.

Em alguns casos tem-se verificado que os transgressores impedem até mesmo os cidadãos de saírem dos veículos, amedrontando-os com ameaças e violências, restringindo ao máximo a liberdade de locomoção das pessoas.

Nesses casos, é flagrante a ocorrência do crime de sequestro, onde tem se constatado determinados grupos privando motoristas e passageiros de suas liberdades, despojando-os do direito de ir e vir e de escolha sobre o lugar onde quer ficar. Nessa mesma linha de pensamento citamos Nelson Hungria:

“por outras palavras, o sequestro (arbitrária privação ou compreensão da liberdade de movimento no espaço) toma o nome tradicional de cárcere privado quando exercido in domo privata ou em qualquer recinto fechado, não destinado à prisão pública. Tanto no sequestro, quanto no cárcere privado, é detida ou retida a pessoa em determinado lugar; mas, no cárcere privado, há circunstância de clausura ou encerramento. Abstraída este incidentalidade, não há que distinguir entre as duas modalidades criminais, de modo que não se justificaria uma diferença de tratamento penal”

Muito comum de se observar nos transcorrer das manifestações á a pratica do crime de dano:

“Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Dano qualificado

Parágrafo único – Se o crime é cometido:

I – com violência à pessoa ou grave ameaça;

II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

III – contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;

IV – por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:

Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.”

Para configuração do delito em tela deve ser observado os núcleos do tipo que são os verbos destruir, inutilizar e deteriorar. Destruir é empregado no texto legal no sentido de eliminar, extinguir, já inutilizar significa tornar inútil, imprestável a coisa para os fins originais a que se destina e deteriorar é estragar, arruinara coisa.

“Atentado contra a segurança de outro meio de transporte

Art. 262 – Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento:

Pena – detenção, de um a dois anos.

§ 1º – Se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos.

§ 2º – No caso de culpa, se ocorre desastre:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

Forma qualificada

Art. 263 – Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258.” 9

Art. 264. Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar.

Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses.

Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos; se resulta morte, a pena é a do art. 121, § 1o, aumentada de um terço”.

O ilícito penal do art. 262 caracteriza-se quando os transgressores agem frente aos ônibus de transporte de passageiros, impedindo-os, assim, de prestarem o serviço público a que se destinam. Assim diz Greco (2013):

“…para que se configure o delito em estudo, o agente deve expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de um número indeterminado de pessoas, mesmo quando pratica as condutas de impedir ou dificultar o funcionamento de meio de transporte público, perigo esse que deverá ser demonstrado caso a caso, em obediência ao princípio da lesividade.”

Para estudo do crime em tela também segue um julgado sobre o caso: TACrimSP – Atentado contra a segurança de outro meio de transporte. Agente que atira bolas de gude contra o pára-brisa de coletivo, impedindo-o de prestar serviço público. Caracterização. (TACrimSP – RJDTACRIM 23/86).

“Incitação ao crime

Art. 286 – Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.”

O tipo penal de incitação ao crime é constatado com muita frequência durante as manifestações. Muitos se aproveitam da aglomeração de pessoas para a indução, instigação, provocação ou estimulo à pratica de crimes, iniciando a ideia da transgressão ilícita ou corroborando com sua ocorrência, já tendo ela previamente sido delineada por outrem. Sobre esse ilícito penal convém mostrar o posicionamento do saudoso Nelson Hungria:

“A nota especial ou condição sine qua non do crime é a publicidade; a incitação deve ser feita coram multis personis, isto é, dever ser percebida ou perceptível por indeterminado número de pessoas. Sem a circunstância da publicidade, o fato não seria ofensivo à paz pública (pois não acarretaria alarma coletivo), não passando, fosse o caso, de ‘projetada participação criminosa’, que, na hipótese de delictum non secutum, escapa à relação penal (art. 27). É indiferente que o incitamento se dirija in acertam personam ou a pessoa determinada, contanto que percebido ou perceptível por indefinido número de pessoas.

Também é irrelevante a consequência ulterior. O que a lei incrimina, aqui, é tão somente a incitação em si mesma, posto que idônea (ou plausivelmente tal), independentemente de que alguém se deixe ou não incitar, ou cometa ou não crime incitado.”

“Apologia de crime ou criminoso

Art. 287 – Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:

Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.”

O tipo penal em comento retrata a ação do agente que publicamente faz discurso de defesa ou louvor a fato criminoso, facilmente perceptível a ocorrência do delitos em vários momentos de fechamento de via pública por determinados grupos ou indivíduos, através de líderes ou presidentes desses grupos. Sobre este delito convém citar Noronha:

“Apologia é elogio, encômio, louvor e gabo. Consequentemente é elogiar, enaltecer, exaltar o crime ou o delinquente, de modo que constitui um incitamento à prática do delito. É mister que o agente elogie o crime em si, ou o criminoso como tal, ou, noutras palavras, aplauda o fato vedado pela lei ou seu autor.”

“Quadrilha ou bando

Art. 288 – Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena – reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)

Parágrafo único – A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.”

Quando quatro ou mais os indivíduos se associam para de delitos penais, comumente os já mencionados nesse estudo, estamos diante do delito em testilha, mormente quando são grupos organizados e pré-ajustados para as delinquências destacadas. Tem sido muito comum no Brasil os chamados “Black Blocks”, que se organizaram para promoverem a desordem nas pacíficas manifestações.

“Favorecimento pessoal. Art. 348. Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:

Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa.”

Este delito em tela visa a coibir a conduta, também frequente, daqueles que auxiliam a ‘esconder’ ou ocultar o(s) autor(es) dos delitos já mencionados. Costuma ocorrer com a subtração dos líderes por parte dos demais comparsas. Greco (2013) assevera que no momento em que alguém comete um crime as autoridades públicas são acionadas para que a lei penal seja aplicada. De uma maneira geral, a população tem a obrigação de colaborar com as autoridades delatando ou mesmo auxiliando a prisão desses indivíduos. As pessoas não podem atrapalhar ou criar obstáculos à ação policial legítima, caso isso ocorra está caracterizado o ilícito penal de favorecimento pessoal. Para melhor esclarecimento citamos Fragoso:

“a ação incriminada consiste em auxiliar a subtrair-se à ação da autoridade, sendo irrelevante o meio de que serve o agente. Integra a materialidade do fato qualquer ajuda idônea prestada ao criminoso para evitar sua captura (facilitação da fuga, ocultação, desvio da atenção dos agentes da força pública, etc). Não se exige que o criminoso já tenha sido perseguido.”

Por último, não poderia deixar de ser mencionado delitos específicos para o uso de crianças, que geralmente são expostas a constrangimentos e riscos das mais variadas ordens. O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe:

“Art. 244-B Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos”

Esse último delito se refere aos menores de idade que, juntamente com os maiores, enveredam-se pelas infrações penais expostas acima, muitas vezes arrebatadas pelos grupos como forma de tentar inibir ação policial repressiva.

Conclusão

Ao encerrar este estudo saímos com a convicção de que a liberdade de pensamento e o direito de reunião garantidos pela Constituição Federal devem ser inteiramente respeitados desde que, realizados de forma pacífica e ordeira. Os direitos dos manifestantes não podem e nunca vão amparar práticas ilícitas e que atentam sobremaneira contra as demais liberdades do restante da população. O direito de ir e vir da população, muitas vezes com compromissos e saúde prejudicados por abusos como assim o são os fechamentos de estradas e rodovias por determinados grupos, não pode ser mitigado.

O Estado Democrático de Direito não pode ser manchado por determinados grupos ou segmentos da sociedade, devendo os cidadãos e o Estado tomarem medidas fortes e efetivas na busca da manutenção da ordem jurídica, utilizando-se, se preciso, dos mecanismos legais de coerção e imposição das leis.

É nesse momento que a sociedade precisa de uma Polícia Militar preparada e capacitada para lidar com esses conflitos que mobilizam toda a nação.

Referências
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WOLKMER, Antônio Carlos. Legitimidade e legalidade: uma distinção necessária. In:
Revista de Informação Legislativa, n. 124. Brasília, 1994.

Informações Sobre o Autor

Sergio Henrique Zilochi Soares

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário de Maringá Pós-Graduado em Aconselhamento Pastoral pela Faculdade Batista do Paraná. Sargento da Polícia Militar de Minas Gerais e Professor de Direito e Teologia


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