A observância dos direitos fundamentais nas relações privadas

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Resumo: O presente estudo trata da aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas uma vez que além da função precípua de limitar o poder público eles têm o condão de nortear as relações jurídicas entre os particulares. É primordial reexaminar essa questão com novas lentes tendo como parmetro a evolução da sociedade frente à usual estagnação das normas jurídicas. Sob o prisma da eficácia horizontal dos direitos fundamentais várias teorias doutrinárias foram elaboradas para a observncia desses direitos nas relações privadas. Através dessa análise reforça-se a aplicação da teoria direta e imediata no ordenamento jurídico brasileiro não sendo necessário para tanto intervenção do legislador ordinário.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Relações Privadas. Aplicabilidade.
Abstract: This article is about the application of fundamental rights in private relationships since in addition to the primary function of limiting the government they have the power to govern the legal relationships between individuals. It is essential to re-examine this issue with new lenses having as parameter the evolution of society front to the usual stagnation of legal rules. In the light of the horizontal effect of fundamental rights which there are several theories have been elaborated for the observance of these rights in private relations. Through this analysis reinforces the application of direct and immediate theory in the Brazilian legal system there is no need therefore the ordinary legislative intervention.
Keywords: Fundamental Rights. Private relations. Applicability.

Sumário: Introdução. 1.Teorias Explicativas da Aplicação dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas. 1.1A doutrina do state action. 1.2 Eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais. 1.3 Eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais. 1.4 Teoria dos deveres de proteção. 2. A nova visão do direito privado após a Carta Magna de 1988. 3. Considerações Finais. 4. Referências

1. Teorias Explicativas da Aplicação dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas

Os direitos fundamentais têm como função básica limitar o poderestatal perante o cidadão, entretanto é crescente o debate doutrinário e jurisprudencial que defende a eficácia horizontal desses direitos. 

ROTHENBURG (1999, p. 63) diz que “ao lado de uma clássica eficácia vertical dos direitos fundamentais, que vincula o Poder Público, há a eficácia horizontal ou privada (erga omnes), que cobra cumprimento dos direitos fundamentais nas relações entre particulares”.

Sob esse ponto de vista não é apenas o Estado que deve observar os preceitos dos direitos fundamentais a serem cumpridos, os particulares, em suas relações jurídicas, já não podem cometer arbitrariedades em relação ao seu próximo sem nada temer. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais trata da aplicação dos princípios norteadores da Constituição Federal às relações entre os particulares, funcionando como limitadores da ampla autonomia privada.

A dificuldade está no fato de que, mesmo que se reconheça a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, não se pode simplesmente aplica-los às relações entre os particulares do mesmo modo que se aplicam às relações entre o indivíduo e o Estado.

Existem peculiaridades que devem ser respeitadas.Por isso, as teorias formuladas buscam explicar como e em que medida os direitos fundamentais, tanto podem servir de proteção ao indivíduo perante o Estado, quanto perante outros particulares.

Por ser bastante complexa, a tese da horizontalidade dos direitos fundamentais deu origem a um grande número de teorias no direito constitucional, tanto nacional quanto estrangeiro, que merecem destaque:

1.1. A doutrina do state action:

Essa teoria advém do direito norte-americano e defende que os particulares não estão vinculados pelos direitos fundamentais previstos na Constituição dos Estados Unidos. Essa teoria encontrou resguardo no direito norte americano, pois a Constituição daquele país é bastante liberal e não tem interesse em tratar das relações sociais.

O argumento mais forte dessa doutrina é a proteção da autonomia privada, que seria bastante prejudicada caso os direitos fundamentais fossem aplicados também às relações entre particulares. Mesmo com a relativização da state action pode-se afirmar que essa teoria ainda é bastante prestigiada pela Suprema Corte norte-americana, que, entretanto, defende que o Estado não deve encorajar, em nenhuma hipótese, o desrespeito aos direitos fundamentais nas relações entre os particulares. (SARMENTO, 1998, p. 192).

1.2. Eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais:

Segundo STEINMETZ (2004, p. 137) a eficácia mediata dos direitos fundamentais pode ser resumida tomando-se como base quatro ideias principais. A primeira defende que as normas de direitos fundamentais produzem eficácia nas relações entre os particulares apenas se os parâmetros utilizados forem os de direito privado, isso para que seja preservada a autonomia da vontade nas relações entre particulares privadas.

A segunda premissa diz que a eficácia horizontal deve antes ser concretizada pelo legislador, para que, posteriormente, se necessário, ser aplicada pelo juiz. Já a terceira ideia afirma que o legislador tem a função de regular os direitos fundamentais, para que se possa delimitar o seu conteúdo e alcance nas relações entre particulares. 

Por fim, diante do caso concreto, se não houver regulamentação legislativa, cabe ao juiz, através de interpretação e aplicação das normas de direito privado, conferir eficácia horizontal aos direitos fundamentais. Preferencialmente, o magistrado deve utilizar as cláusulas gerais, completando-as com os valores que serviram de fundamento aos direitos fundamentais.

1.3. Eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais:

Essa doutrina atribui aos direitos fundamentais uma dimensão objetiva e outra subjetiva, e também defende que estes direitos possuem eficácia em todo o ordenamento jurídico, sendo que essa aplicação não está condicionada à mediação dos poderes públicos. (STEINMETZ, 2004, p. 167).

Assim, para os defensores dessa teoria, os direitos fundamentais têm eficácia direta nas relações de âmbito privado, entretanto o caso concreto deve ser analisado para que se faça a ponderação de interesses entre o direito fundamental em questão e a autonomia privada.  

A liberdade individual deve ser respeitada, bem como as particularidades das relações privadas devem ser levadas em consideração na resolução de um conflito, sendo que os direitos fundamentais devem ser observados também nesses casos.

1.4. Teoria dos deveres de proteção:

Defende que só o Estado estaria vinculado aos direitos fundamentais, e que cabe somente a ele proteger os direitos fundamentais dos particulares em relações privadas. Argumenta que o Estado tem a obrigação não apenas de privar-se de infringir os direitos fundamentais dos particulares, mas também de protegê-los de potenciais lesões e ameaças advindas de particulares no seio social.

SARMENTO (2008, p. 220) sustenta que a teoria dos deveres de proteção é uma variação da teoria da eficácia indireta e diz que o problema dessa doutrina reside no fato de que a proteção dos direitos fundamentais nas relações privadas fica vinculado ao legislador ordinário.

2. A nova visão do direito privado após a Carta Magna de 1988

A Constituição Federal de 1988, a exemplo de outras instituições estrangeiras, não tomou uma posição expressa quanto à aplicação ou não dos direitos fundamentais nas relações privadas. E mesmo nos países em que a constituição se posiciona sobre o assunto há controvérsias e discussões, seja na forma ou no alcance da vinculação dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares. Por isso, a solução para esse problema encontra-se no campo dogmático, através da interpretação dos preceitos constitucionais. 

A Carta Magna promulgada em 1988 trouxe consigo diversas inovações jurídicas para o direito brasileiro. Isso se deve, principalmente, ao constitucionalismo pós-segunda guerra mundial que focou sua atenção nas ideias de democracia, e, por conseguinte, nos direitos fundamentais.

A atual forma de se entender o direito constitucional, ou neoconstitucionalismo como dizem tantos autores, é, segundo Luis Roberto Barroso, um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, tendo como marco histórico a formação do Estado constitucional de direito, que se consolidou no final do século XX. O marco filosófico dessa nova teoria é o pós-positivismo, marcado principalmente pelos direitos fundamentais e a observância da ética no Direito. Por fim, o marco teórico do neoconstitucionalismo é um conjunto de ideias como: a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e uma nova interpretação da Constituição. (BARROSO, 2015, p.9).

A nova dogmática da interpretação constitucional, trazida pelo neoconstitucionalismo, provocou uma mudança profunda na maneira de se ver o direito privado no Brasil. Por esse motivo, para Daniel Sarmento fica claro que, por questão de ética e justiça, no Brasil é adotada a Teoria da eficácia direta e imediata, não dependendo da atuação do legislador ordinário. Sustenta o autor que os direitos fundamentais possuem uma eficácia irradiante, o que quer dizer que promovem a humanização da ordem jurídica exigindo que todas as normas sejam, no momento da aplicação, reexaminadas pelo operador de direito com novas lentes, priorizando a dignidade humana, a igualdade substantiva e a justiça social, presentes no texto constitucional. (SARMENTO, 2003, p. 279).

Um fator que propiciou a maior observância dos preceitos contidos na Constituição Federal de 1988 pelo direito privado foi o aumento dos microssistemas jurídicos, como o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso fez com que o centro do direito privado parasse de ser exclusivamente o direito civil, bem como fez aumentar os pontos de contato entre o direito público e o direito privado. 

O Código Civil de 2002 inovou nesse sentido ao trazer as chamadas cláusulas gerais, isso permite que o intérprete introduza, perante as regras de direito privado, os princípios e valores adotados pela Constituição Federal. Ao utilizar os conceitos abertos o intérprete tem a oportunidade de adequar as situações jurídicas com a evolução da sociedade.

Por outro lado, essa prática desperta receio naqueles que criticam a constitucionalização do direito privado, pois seria um limite estatal à autonomia privada. Todavia, mais que defender cegamente a autonomia privada é necessário que se criem meios para que ela possa ser exercida em sua plenitude, o que demanda que ela não atinja direitos fundamentais alheios de outros indivíduos.

Analisando os pressupostos constitucionais percebe-se que houve um grande apelo à defesa dos direitos fundamentais e, por isso mesmo, é difícil imaginar que tamanha proteção tenha se dado exclusivamente para limitar o poder do Estado frente ao indivíduo.

3. Considerações Finais

Do exposto, conclui-se que outrora os direitos fundamentais tinham como função básica limitar o poder estatal perante o cidadão, todavia, atualmente, é crescente o debate doutrinário que defende a eficácia horizontal desses direitos, ou seja, já não é apenas o Estado que deve observar os preceitos dos direitos fundamentais a serem cumpridos. 

O fato da Constituição Federal de 1988 não se posicionar expressamente sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais dificulta bastante o entendimento sobre o assunto. Por isso, surgiu um grande número de teorias no direito constitucional, tanto nacional quanto estrangeiro, que tratam da horizontalidade dos direitos fundamentais. 

Segundo a doutrina brasileira a teoria que melhor se coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro é a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais. Isso porque, a CF/1988 ao trazer uma nova visão do direito privado, possibilitou que o neoconstitucionalismo contribuísse bastante para a nova hermenêutica constitucional, desaguando assim, na chamada constitucionalização do direito privado. 

Por fim, depreende-se que a aplicação direta dos direitos fundamentais é necessária para reafirmar os valores contidos na Constituição Federal de 1988, no sentido de proteger o indivíduo não somente do poder público, como também de seus pares.

Referências
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil).  Disponível em: http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/NEO.pdf. Acessado em: 25/09/2015. p. 9.
BONAVIDES, Paulo. Cursode Direito Constitucional. Malheiros: São Paulo, 2002. 12 ed.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Fabris, 2003.   
___________________________. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. Ano 7, Nº. 29.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2006. 6 ed. 
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 2 ed.   
_________________. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. In: SAMPAIO, José Adércio Leite. (Coord.) Jurisdição constitucional e os direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. 
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.

Informações Sobre o Autor

Aline Martins Rospa

Advogada e pós-graduada em Função Social do Direito pela UNISUL.


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