A Soberania segundo Raymond Aron

Resumo: Artigo que trata da questão da soberania sob a perspectiva do ilustre Raymond Aron em sua obra Paz e Guerra entre as Nações, que discorre sobre o período da Guerra Fria com singular autoridade.


Raymond-Claude-Ferdinand Aron é sociólogo, filósofo e jornalista político nascido na França, sendo considerado um dos grandes teóricos do pensamento liberal contemporâneo, tendo se notabilizado por interpretar as relações internacionais através da teoria realista.


Em seu livro Paz e Guerra entre as Nações, publicado em 1962, cuja temática orbita por discorrer sobre a Guerra Fria, resumindo Aron, entendemos que em tempos de paz a ação militar deve estar sempre preparada para uma ação de conflito e, em tempos de guerra, a opção deve ser por uma ação diplomática.


No desenvolvimento de suas idéias na obra Aron entende que a legalidade e legitimidade do recurso à força armada é o traço característico da sociedade internacional. A idéia permanece centrada na relação entre Estados, destacando, portanto, a conflitividade entre os atores.


Nesse sentido, percebe-se fundamental analisar a soberania como um elemento indispensável à organização da sociedade política no estado moderno a partir das concepções de Raymond Aron.


Segundo Dallari (2005, p.77) o conceito de soberania foi, pela primeira vez, trazido por Jean Bodin, autor jusnaturalista e um dos idealizadores do absolutismo, na obra “Os Seis Livros da República”, datado de 1576, sendo assim apresentado:


Soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República, palavra que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de estado de uma República.” [1]


No mesmo sentido, citamos a definição de Bobbio (1995, p.1179) para soberania, insculpida em sua obra clássica Dicionário de Política, indicando que o conceito de soberania pode ser concebido de maneira ampla ou de maneira estrita. Em um sentido abrangente, indica o poder de direção de última instância, numa Sociedade política e, consequentemente, a diferença entre esta e as demais organizações humanas, nas quais não se encontra este poder supremo. Este conceito está, dessa forma, intimamente ligado ao Poder político[2].


Sendo a soberania um conceito descritivo, usado como elemento caracterizador do poder político de auto-determinação estatal, a mesma está necessariamente ligada a uma concepção de poder, que de acordo com Reale (2002, p.127), “um poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”[3]. A soberania como expressão da unidade de uma ordem ou como uma qualidade essencial do Estado, ou seja, a soberania é um poder superior, incondicionado e ilimitado.


Dentro dessa premissa, podemos depreender que os Estados não estariam subordinados a nenhuma potência estrangeira, sujeitando-se apenas à sua própria ordem, sendo independentes e soberanos.


A soberania para Aron tem como fundamento a ordem intra-estatal e interestatal. De um lado, o Estado é soberano porque é a instância superior dentro de um território limitado, aplicando-se às pessoas de uma dada nacionalidade. Por outro lado, a soberania nas relações interestatais pressupõe a exclusão da sujeição a uma única autoridade.


A afirmação da soberania como poder absoluto e perpétuo é um dos fundamentos do Estado Moderno. Como poder perpétuo, o exercício da soberania não está submetido a um tempo determinado, ou seja, não sofre restrição de ordem cronológica. Deste modo, fica colocado que o caráter perpétuo da soberania significa a continuidade do poder no tempo, podendo-se inferir que tal adjetivo está intrinsecamente ligado ao poder público, independentemente de quem o ostenta.


Quanto ao adjetivo absoluto, significa um poder ilimitado, que não sofre exceções pelo cargo e nem por outro poder. Assim, o conceito de soberania, como poder absoluto, indica que ao poder soberano são atribuídas as seguintes características: superior, independente, ilimitado e incondicionado.


De acordo com Cardoso (2008, p. 5), para Aron, “a soberania não é exatamente absoluta, porém matizada pela presença das superpotências” [4]. Na visão de Aron, a soberania no plano internacional significa independência, pois os Estados são unidades políticas soberanas, iguais e politicamente independentes. Soma-se, ainda, que o sistema internacional não se subordina a um sistema legal ou a um imperativo ético absoluto, razão pela qual o adjetivo absoluto ligado à soberania na ordem internacional pode ser mitigado.


Acrescenta-se ainda que o conceito de soberania na ordem intra-estatal é, nas palavras de Aron (1986, p. 886), sem utilidade pelo fato de ela representar apenas a validade de um sistema de normas num espaço determinado. Entretanto, na ordem interestatal, ela é nociva porque “os imperativos jurídicos retiram sua força obrigatória da vontade dos poderes do Estado” [5].


Segundo Colombo (2008, p.158) a diferença entre a soberania interestatal e intra-estatal pode ser assim elucidada:


 “A afirmativa de que a soberania intra-estatal é diferente da soberania interestatal implica, no primeiro caso, na sujeição a um poder soberano e, no segundo caso, na independência dos Estados igualmente soberanos. Significa dizer que na soberania externa, cada unidade política não aceita uma autoridade externa, apenas se submete às suas próprias leis e vontades.” [6]


Raymond Aron suscita se a autoridade absoluta e indivisível é apropriada quando aplicada no cenário internacional. Tal questão é enfrentada em sua obra, e pode-se inferir que segundo o autor, em havendo um único sistema de normas, dentro de um órgão jurisdicional único, nas relações entre os Estados, a soberania constitui independência.


Nesse sentido, o referencial teórico para o conceito de soberania, na concepção de Aron, conforme Cardoso (2008, p.9):


“É um poder originário, porque não depende de outros; é absoluta, porque frente à comunidade internacional os Estados são iguais; é limitada, na prática, porque s grandes potências têm um diferencial; é finita, porque não é intrínseca à unidade política; é inalienável, porque não é passível de venda ou cessão e é imprescritível, porque não sofre ação do tempo.” [7]


Como vimos em Paz e Guerra entre as Nações, Raymond Aron em sua definição, considera possível a partilha da soberania entre os Estados, criando a possibilidade de uma espécie de “soberania compartilhada”, embora o próprio Aron entenda de maneira contraditória, que tal situação fática tende ao fracasso ou a uma necessária reorganização.


Raciocinando com o referencial teórico do compartilhamento da soberania Aroniano, nos encontramos com a atual conformação da atual União Européia, a qual tende ao caminho da unificação desde a criação do bloco regional, embora não tenha sido idealizada com esse fim, a qual poderá sucumbir frente aos conflitos de soberania dos Estados membros, que perpassam pela integração dos sistemas político, econômico, judicial, social, militar e diplomático ou triunfar com a criação de um novo “Estado” confederado. Depreendemos pelo exposto, que a conceituação de soberania não é absoluta, sendo um elemento teórico importante na construção da sociedade internacional, muito embora a proposição de soberania compartilhada de Aron esteja tão somente no campo teórico e possa a nunca vir a se confirmar.


 


Referências

ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Tradução de Sérgio Bath. 2. ed. Brasília: UNB, 1986.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Giafranco. Dicionário de política. Tradução de Carmen C. Varriale et al. 7. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1995.

CARDOSO, Rodrigo Bertoglio. O conceito de soberania nos realistas clássicos: Aron, Morgenthau e Carr. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/31949/public/31949-37371-1-PB.pdf. Acesso em: 09 abr. 2010.

COLOMBO, Silvana. A relativização do conceito de Soberania no plano Internacional. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba-PR, a. 2, v. 1, n. 3, ago./dez. 2008. Disponivel em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/31911/31160. Acesso em 12 abr. 2010.

DALLARI, Dalmo de Abreu, em Elementos de teoria geral do Estado. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

Notas:

[1] DALLARI, Dalmo de Abreu, em Elementos de teoria geral do Estado. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 77.

[2] BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Giafranco. Dicionário de política. Tradução de Carmen C. Varriale et al. 7. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1995.. p. 1179.

[3] REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127. 

[4] CARDOSO, Rodrigo Bertoglio. O conceito de soberania nos realistas clássicos: Aron, Morgenthau e Carr. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/31949/public/31949-37371-1-PB.pdf. Acesso em: 09 abr. 2010, p. 5.

[5] ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Tradução de Sérgio Bath. 2. ed. Brasília: UNB, 1986, p.886.

[6] COLOMBO, Silvana. A relativização do conceito de Soberania no plano Internacional. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba-PR, a. 2, v. 1, n. 3, ago./dez. 2008. Disponivel em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/31911/31160. Acesso em 12 abr. 2010, p. 158.

[7] CARDOSO, Rodrigo Bertoglio. Op. cit., p. 9.


Informações Sobre o Autor

Ricardo Resende Bersan

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB/DF. Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção FAPRO/DF. Especialista em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco UCB/RJ. Procurador Jurídico do Município de Muriaé/MG. Professor Adjunto da Faculdade de Minas FAMINAS/MG. Advogado


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