Da Súmula Impeditiva de Recursos

Resumo: O presente estudo tem por objetivo apresentar aos acadêmicos do curso de direito a súmula impeditiva de recurso, sua motivação, seus efeitos, suas características, críticas e conseqüências no âmbito jurídico. Para que se possa atingir esse objetivo, analisaremos o instituto a partir da súmula impeditiva de recurso propriamente dita, do recurso de apelação e, por fim, a questão da constitucionalidade do instituto.

Palavras-chave: Súmula impeditiva de recursos. Apelação. Constitucionalidade.

Sumário: 1. Da súmula impeditiva de recurso. 2. Do recurso de apelação. 3. Da constitucionalidade da súmula impeditiva de recurso. 3.1. Do acesso à jurisdição. 3.2. Do contraditório. 3.3. Da ampla defesa. 3.4. Do devido processo legal. 3.5. Do duplo grau de jurisdição.  Conclusão. Referências bibliográficas.

1. DA SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO

Evidentes são os esforços pela racionalização do tempo de duração dos processos judiciais em nosso país.

É explicito que a morosidade configura-se no principal fator da ineficácia da prestação jurisdicional de nossos tribunais, fator relegado os inúmeros recursos disponíveis em nossa legislação infraconstitucional.

Devido a inúmeras críticas feitas às súmulas de efeito vinculante, o legislador originário achou por bem propor em lei ordinária a súmula impeditiva de recurso, que, por sua vez, manteria o Princípio da Persuasão Racional do Juiz.

A súmula impeditiva de recurso consiste na inadmissão e não conhecimento de recurso à instância superior caso já existam súmulas de jurisprudência dominante do STF e do STJ, contrárias às idéias contidas nos recursos.

Tal súmula foi originada no projeto de lei do Senado 140/2004. O qual foi promulgado em 08 de Fevereiro de 2006 podendo ser considerado no plano processual civil como súmula vinculante de ordem constitucional. Uma vez que tem o objetivo de trazer à primeira instância judiciária, o poder anteriormente conferido ao relator do recurso de denegar o prosseguimento de recurso cuja matéria for pacífica e constante de súmula dos tribunais superiores.

Fazendo com que a decisão judicial já nasça com trânsito em julgado, expressa o citado artigo:

“Art.518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vistas ao apelado para responder.

§1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

§2º Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso.”

O Art.518 do CPC permite ao juiz julgar o litígio de duas formas: conforme ou contrário às súmulas do STJ e do STF.

Ao julgar contrariamente, a parte poderá interpor recurso com a finalidade de modificar a decisão, ou seja, apenas caberá recurso contra sentenças contrárias às sumulas do STF e STJ, o que nos dá a certeza de que, contra decisões favoráveis às súmulas a sentença já nascerá transitada em julgado, visto a impossibilidade de recebimento do interposto recurso.

Assim, permite-se afirmar, que a adoção da súmula impeditiva de recurso visa iniciar às avessas a efetividade da súmula vinculante, conferindo celeridade na prestação jurisdicional através da aplicação imediata das decisões das mais altas cortes do país, conforme observa doutrina:

“O raciocínio determinante da reforma foi no sentido de que, se se admite que uma súmula vincule juizes e tribunais, impedindo-os de julgamento que a contrarie, valido é, também, impedir a parte de recorrer contra sentença proferida em consonância com o assentado em jurisprudência sumulada pelos dois mais altos tribunais do país. Nos dois casos está em jogo o mesmo valor, qual seja o prestígio da súmula do STJ e do STF pela ordem jurídica[1].”

Nesse diapasão a doutrina começa a se manifestar de forma benéfica ao instituto:

“Se a sentença afirma o entendimento contido em súmula do STF ou do STJ, não há razão para admitir que a parte possa se limitar a interpor a apelação reiterando argumentos definidos na súmula e consolidados no tribunal a que recorre. Em tais circunstâncias, a abertura de uma livre oportunidade para a interposição da apelação, não só traria prejuízo ao direito fundamental à duração razoável do processo, como também ocasionaria um acúmulo despropositado de recursos e processos nos tribunais […][2].”

A redação do texto legislativo deixa claro a liberdade do juiz para decidir a questão de acordo ou não com as súmulas editadas pelos Superior Tribunal e Supremo Tribunal. Entretanto, no juízo de admissibilidade do recurso de apelação – destaque-se que somente no recurso de apelação – se o magistrado deparar-se com sentença de 1º grau que se encontre em conformidade com as citadas súmulas, deverá julgar pelo não recebimento do recurso. Desta forma a lei busca diminuir o número de recursos de apelação que tramitam nos tribunais superiores do país quando a questão já se encontrar sumulada. Com isso pretende-se conferir eficiência, eficácia e tempestividade na prestação jurisdicional.

Como o impedimento só se dá em relação ao recurso de apelação, cabe breve passagem a respeito do instituto.

2. Do recurso de apelação

Após o trâmite regular do processo, a sentença judicial põe fim à fase de conhecimento do direito reivindicado, desta forma constituindo-o. Finda esta etapa caberá a parte irresignada com a decisão prolatada, bem como ao Ministério Público ou terceiro interessado, utilizar de meios hábeis para devolver voluntariamente a lide ao judiciário, visando anulação ou reforma daquela decisão antes prolatada por juízo singular.

Segundo Theodoro Junior conceitua-se apelação como:

“[…] recurso que se interpões das sentenças dos juizes de primeiro grau de jurisdição para levar a causa ao reexame dos tribunais de segundo grau, visando obter uma reforma total ou parcial da sentença impugnada, ou mesmo sua invalidação[3].”

Desta forma a apelação é o exercício hábil do princípio do Duplo Grau de Jurisdição, consistente na devolução da demanda ao judiciário com o escopo de adquirir revisão e eventual reconsideração da decisão, agora em instância superior e colegiada.

Dos efeitos do recurso de apelação, destaca-se como principal, e evidentemente almejado pela apelação, o impedimento da coisa julgada.

Como já foi dito, pela nova disciplina inserta no código de processo civil pela Lei 11.276/06, abre-se a possibilidade de negativa em conhecimento e processamento do recurso de apelação pelo juiz de primeira instância recebedor do recurso, caso a sentença anterior concorde com jurisprudências dominantes do STJ ou STF. Para tanto, o juiz deverá manter completa identidade entre o enunciado e a decisão proferida no caso concreto, ao qual pretende se negar prosseguimento da apelação. Tal adequação deve ser observada pelo operador do direito ao citar a súmula que acredita vinculada à matéria da lide e pelo juiz que tem a função precípua e inerente de pacificador de litígios em adequar fundamentalmente suas decisões às respectivas súmulas, conforme doutrina:

“A invocação de precedentes judiciais possui finalidades argumentativas diversas, dependendo do contexto em que é utilizado, seja na interpretação de uma norma, seja na fundamentação de um caso concreto. […] Todavia, o chamado argumento jurisprudencial somente é eficazmente utilizado quando se traça uma precisa relação de proximidade entre o novo caso concreto e o caso julgado ou súmula de jurisprudência predominante de algum dos Tribunais Superiores. Trata-se de exigência metodológica a fim de garantir uma força justificativa mínima ao argumento[4].”

Visto isso a doutrina já formula tese de em que hipóteses que as súmulas impeditivas de recurso sejam aplicadas de forma a solucionar a lide parcialmente, as mesmas não terão o condão de obstar a interposição e processamento tempestivo da apelação:

“É bom lembra que o trancamento da apelação in casu, pressupõe inteira fidelidade da sentença à súmula do STJ ou do STF. É preciso que a decisão seja ela toda assentada na súmula, e não apenas parte […]. Fora do tema da súmula, restariam questões passíveis de discussão recursal, sem risco de contradizer a matéria sumulada[5].”

A falta de uniformização da jurisprudência e, principalmente, a escassez substancial de súmula de efeito vinculante possibilitará a interposição de recurso de apelação quando e se for preciso provar que o posicionamento dominante aplicável ao caso concreto não corresponde com a súmula na medida em que o posicionamento sumular tenha evoluído ou que o entendimento sedimentado não tem condições de amparar o caso concreto.

“Como as súmulas em geral não têm efeito “vinculante” […] pode a parte interpor apelação contra sentença fundada em súmula, por exemplo, para demonstrar que o entendimento sumulado já foi abandonado, por jurisprudência mais recente no STF ou do STJ, ou ainda, que o entendimento sumulado é errado, contrário à norma constitucional ou à lei federal. Pode ainda a parte pretender demonstrar, na apelação, que a sentença não deu adequada aplicação à súmula, e assim sucessivamente[6].”

Como a alteração legislativa ocorreu no art. 518 do CPC, que trata dos requisitos de admissibilidade da apelação, pergunta-se se a existência de súmula de tribunal superior seria um novo requisito de admissibilidade do recurso? A resposta não pode ser afirmativa, pois teríamos nova decisão judicial sem a formação da relação processual e do contraditório, que em algumas vezes poderia até consistir no reconhecimento do direito pleiteado com acordo entre as partes. A doutrina tem se manifestado nesse sentido:

“A rigor, neste caso o recurso não é indeferido em razão da ausência de um dos requisitos de admissibilidade, já que saber se a sentença está ou não em consonância com um entendimento sumulado pelo STF ou pelo STJ é questão atinente ao juízo de mérito do recurso[7].”

De tal entendimento, se tem a idéia de que o posicionamento da alteração legislativa dentro da legislação processual foi errôneo, cabendo registrar ainda que a aplicação da súmula em tal desiderato impede a concretização da essência do recurso que é a submissão ao duplo grau de jurisdição. Quanto a isso a doutrina já começa a manifestar preocupação:

“Uma primeira observação e ser realizada é a de que a adoção da referida medida tira a própria razão de ser do recurso. Ora, se os recursos existem exatamente para evitar que um juiz, isoladamente, cometendo um erro na avaliação do direito da parte, acarrete-lhe prejuízos, porque, num segundo momento, apenas com vistas de novas razões reiterando o aduzido na inicial ou na contestação, este mudaria sua interpretação incorreta[8]?”

Da forma em que foi promulgada, a lei não impõe que o impedimento se dê de forma obrigatória, pois se tal previsão legal fosse obrigatória ensejar-se-ia a desnecessidade da primeira instância. Ao juízo de primeira instância caberá o julgamento da ação e, posteriormente se a sentença for recorrida, a critério do julgador, analisar o caso concreto, a viabilidade e conveniência da súmula para decidir se aplica ou não. Através disso chega-se ao real escopo da concepção da lei que visa fortalecer a sentença de primeiro grau quando estiver em consonância com entendimento de jurisprudência superior. Nesse sentido:

“A proposta visa agilizar o julgamento de questões já decididas e pacificadas pelo STF e pelo STJ através de súmulas sem contudo, vincular o juiz de primeiro grau às orientações destes órgãos judiciais. Assim, ao contrário da súmula vinculante, a medida não exige que o juiz siga obrigatoriamente a interpretação dos órgãos mencionados, mas prevê que, caso o magistrado decida de acordo com aquela, não haja mais recurso de apelação[9].”

A possibilidade ou não de aplicar a súmula impeditiva fortalece o livre convencimento do juiz. Quando a súmula não for aplicada se abrirá possibilidade de seguimento de recurso de apelação e a divergência jurisprudencial. Com isso pretende-se disseminar o dinamismo jurídico com a evolução do direito de acordo com a evolução da sociedade conforme orientação doutrinária:

“Cabe ressaltar que a nova lei traz as vantagens da súmula vinculante, mas não vem acompanhada de seus alardeados afeitos. Isso porque sua aplicação evita a procrastinação de discussões de direito já assentadas pelos tribunais e, no entanto, não engessa a criação jurisprudencial, pois permite ao juiz a divergência, a discordância salutar e necessária ao desenvolvimento das teses jurídicas e da interpretação das normas. Ao magistrado cabe discordar das orientações sumuladas, quando acreditar pertinente e necessário, ou, por outro lado, acompanha-las, impedindo a utilização de recursos[10].”

Esse entendimento permite afirmar que somente nos casos de súmula de efeito vinculante existirá a total submissão do juízo singular ao entendimento das Cortes Superiores.

3. Da constitucionalidade da súmula impeditiva de recurso

Na acepção contemporânea do termo, a Constituição é o ordenamento maior de todo o Estado, devendo toda legislação infraconstitucional guardar respeito e identidade com a mesma. É no Estado Democrático de Direito que a noção mais acertada de Constituição se consagra. Nesse regime, fundado na liberdade e na democracia como pilares centrais, a Carta Magna é promulgada e visa fixar normas e direitos de forma ampla e indistinta para a convivência social.

Os direitos e garantias fundamentais compreendem os direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais, e os poderes que materializam poderes de titularidade coletiva.

Na Constituição de 1988 estas garantias estão elencadas no extenso rol do art. 5º, que ao lado dos arts. 6º, 7º e 60, forma cláusula pétrea (significa dizer que, devido a tamanha complexidade e relevância do tema, torna-se irremovível, irredutível e imexível).

3.1. Do acesso à jurisdição

Trata-se de garantia fundamental, positivada no art. 5º, XXXV da Constituição e possui o seguinte comando legal:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito[11].”

A norma posta é destinada ao legislador que não deve tentar impedir o exercício dessa garantia com a edição de normas que o visem limitar.

Para a análise das conseqüências constitucionais do acesso ao judiciário à luz da súmula impeditiva de recurso parte-se do seguinte pressuposto:

“Nisso reside a essência do princípio: o jurisdicionado tem o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. A lei infraconstitucional que impedir a concessão da tutela adequada será ofensiva ao princípio constitucional do direito de ação. […] todo e qualquer expediente destinado a dificultar ou mesmo impedir que a parte exerça sua defesa no processo civil atenta contra o princípio da ação e, por isso, deve ser rechaçado[12].”

O acesso à jurisdição consubstancia-se quando a parte em prejuízo leva a sua pretensão resistida ao Poder Judiciário para que este determine a solução adequada do conflito. A primeira prestação jurisdicional em caráter definitivo, por não impedir a apreciação do pedido e tutela do jurisdicionado esgota o comando desse princípio, não podendo, assim, ser aferido ou considerado conseqüência ou novos aspectos formais que prejudiquem o acesso à jurisdição.

O não recebimento do recurso de apelação pelo juízo a quo, não se constitui em ofensa ao princípio do acesso à jurisdição, haja vista que, conferiu na primeira instância competência anteriormente delegada ao relator do recurso, como tentativa de aperfeiçoamento do trâmite judicial. Conforme ensinamento da doutrina predominante:

“[…] entendemos que esses dispositivos não são inconstitucionais nem ferem o princípio constitucional do direito de ação. Isto porque o relator atua como juiz preparador e tem o poder de indeferir, dar ou negar provimento ao recurso por medida de economia processual. […] Esse procedimento da lei quanto aos recursos é justificado como medida de economia processual; vale dizer, como tentativa de contornar o excessivo volume de recursos que sobem aos tribunais superiores, repetindo-se o modelo do agravo de instrumento do CPC, pelo qual o relator pode indeferir agravo de instrumento manifestamente improcedente[13].”

3.2. Do contraditório

Sobre o princípio do contraditório a redação vigente dispõe:

“Art. 5º. […]

LV – Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes[14].”

De acordo com a doutrina o contraditório faz parte dos princípios informadores do processo e sua importância é assim salientada:

“Esse princípio guindado à condição de garantia constitucional, significa que é preciso dar ao réu possibilidade de saber da existência do pedido, em juízo, contra si, dar ciência dos atos processuais subseqüentes, às partes (autor e réu), aos terceiros e aos assistentes, e garantir possível reação contra decisões, sempre que desfavoráveis[15].”

Destaque-se que, devidoo à tamanha importância dada ao referido princípio, sua não observância gera nulidade dos atos ou no feito que acarrete prejuízo ao menos uma das partes que deve manifestar-se nesse sentido.

O contraditório não deve ser mera formalidade processual:

“Deve, isto sim, dar a ele oportunidade de ser ouvido, de apresentar sua contrariedade ao pedido do autor. Essa oportunidade tem de ser real, efetiva, pois o princípio constitucional não se contenta com o contraditório meramente formal[16].”

É notório o entendimento de que o recorrente que se insurge contra sentença, geralmente é quem não teve sua pretensão amparada na medida que julgava ser justo.  Se considerarmos que poderá haver certas situações em que a súmula impeditiva do prosseguimento do recurso modificará o entendimento de uma sentença preterindo à uma súmula para a aplicação de outra, teríamos nova sentença e, portanto, julgamento sem a devida citação ou conhecimento da outra parte sobre a existência da pretensão judiciária do autor, quer seja para contraditar, quer seja para reconhecer o direito alheio. Essa situação poderia disseminar o “cerceamento de defesa”, pois vai na contramão de tudo apregoado em torno do princípio do contraditório e ainda soma-se ao quadro de insegurança jurídica vivenciado nos dias de hoje em todo o país, haja vista a imensidão e constante inovação do ordenamento jurídico brasileiro.

3.3. Da ampla defesa

Constante do mesmo dispositivo legal que o contraditório, o princípio da ampla defesa pode ser entendido da seguinte forma:

“[…] o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário […][17].”

Na medida em que o contraditório é entendido como exercício do “direito de ação”, a ampla defesa é entendida como “direito de defesa” ampla e irrestrita, com todos os meios lícitos em direito admitidos, não seria forçoso dizer que um não pode existir em uma relação processual sem que haja a presença manifesta do outro. Insta ressaltar que a não observância da ampla defesa também acarreta em cerceamento de defesa.

Visto isso, avindo a aplicação da súmula impeditiva de recurso, no que tange a ampla defesa, os impactos constitucionais serão os mesmos aos encontrados no princípio do contraditório. Desta forma podemos vislumbrar claramente que onde não cabe o contraditório não aparece a ampla defesa.

3.4. Do devido processo legal

É o princípio basilar do sistema processual, o comando legal vigente na Carta Magna assim dispõe sobre o princípio do devido processo legal:

“Art. 5º. […]

LIV – Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal[18].”

A interpretação literal desse princípio permite afirmar que o mesmo é aplicado na esfera civil, penal e administrativa, sendo que a partir dele se aplicam corretamente os demais princípios basilares do processo.

Desta forma entende a doutrina majoritária:

“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, a decisão imutável, à revisão criminal)[19].”

Nos casos em que a súmula impeditiva ferir o contraditório e a ampla defesa, como anteriormente dito, ter-se-á claro o total desrespeito ao devido processo legal o que impede a sociedade de estar segura quanto a sentença imposta, viso que foi prolatada em preterição às garantias e direitos fundamentais. Como conseqüência, tomar-se-ia direção contrária à tão almejada celeridade jurisdicional. A penalidade para o desrespeito às garantias fundamentais do processo é a nulidade total ou parcial do feito.

3.5. Do duplo grau de jurisdição

Consiste no exercício da possibilidade da possibilidade de uma mesma matéria ser decidida duas vezes, por dois órgãos diferentes do Poder Judiciário, como bem salienta a doutrina:

“Não basta, porém, assegurar o direito de recurso, se outro órgão não se encarregasse da revisão do decisório impugnado. Assim para completar o princípio da recorribilidade existe, também, o princípio da dualidade de instâncias ou duplo grau de jurisdição. Isto quer dizer que, como regra geral, a parte tem direito a que sua pretensão seja conhecida e julgada por dois juizes distintos, mediante recurso caso não se conforme com a primeira decisão[20].”

Considerando que o duplo grau de jurisdição é a forma que as partes litigantes dispõem para exercer o controle jurisdicional da sentença através da revisão do julgado, ter-se-ia aí uma forma aderente à ampla defesa das partes, pois dá a possibilidade de uma nova decisão antes de ter seu direito prejudicado pelo ônus da sentença.

A legislação em comento poda abruptamente o duplo grau de jurisdição como garantia seja constitucional, seja processual, à sociedade, e ao contrário do que se imaginava não vai desafogar o judiciário, porque a cada infringência à garantia constitucional ou não recebimento da apelação, a própria legislação abre caminho para outro e diferente recurso, desta forma altera-se a conseqüência sem tratar a causa, o que torna atual o seguinte ensinamento:

“Encontra-se, justamente no tratamento que o legislador e a própria doutrina dão aos recursos, um dos sintomas mais claros da sbmissão do sistema à ideologia racionalista. Embora seja um dado de nossa experiência o fato de que os recursos constituem um dos pontos que mais contribuem para a morosidade da justiça em nosso país, ninguém está disposto a revisá-los com o objetivo de reduzir-lhes o número ou dar-lhes disciplina que o faça minimamente declinar o peso extraordinário de sua significação. Ao contrário, as modificações introduzidas no CPC visam fortalecê-los ainda mais, pela transferência para os tribunais da modesta parcela de poder que ainda desfrutavam há alguns anos os magistrados de primeira instância[21].”

Conforme pôde ser visto, os impactos nas garantias constitucionais a serem sentidos pela sociedade são sérios, uma vez que, em vez de garantir a prestação jurisdicional célere e eficaz oferecida pelo Estado, sobrecarregará o já ineficiente judiciário. A revisão pontual do sistema recursal ou processual como um todo não seria o caminho para corrigir problemas que começam pelo fato de a legislação de hoje ser esculpida em moldes iluministas e italianos que eram eficazes no século XIX. Neste sentido:

“Estamos enfrente ao núcleo duro do sistema, a ponto em que ele se mostra inflexível. É desta perspectiva que se percebe seu caráter autoritário. Embora seja unânime a compreensão de que o imenso caudal de recursos seja o principal fator para o emperramento da máquina judiciária, podemos estar seguros de que não teremos como livrar-nos do mal. Todos concordam em que se deveria impor uma severa revisão no sistema recursal de modo a limitar drasticamente seu número e, especialmente quanto a apelação, os limites e seu efeito devolutivo. Apesar do consenso, podemos apostar que o sistema será mantido[22].”

Insta que a reforma processual pontual poderá não ser caminho, observado que, arraigadas na disciplina antiga, abre-se nova possibilidade recursal.

4. Conclusão

Com o intuito de fortalecer a sistemática vinculativa dos precedentes dos tribunais superiores em fevereiro de 2006, promulga-se a Lei 11.276, alterando-se o art. 518 do CPC e instituindo a súmula impeditiva de recurso.

Este instrumento, a exemplo da súmula vinculante, sofreu fortes críticas da doutrina, sempre no que se refere ao aspecto constitucional da lei, que aqui tomaram dimensões maiores, uma vez que, embora não vincule diretamente o juízo do magistrado de primeira instância ao entendimento dos tribunais superiores, restringe a possibilidade de recurso contra decisão desse magistrado caso ele concorde com súmula de jurisprudência desses mesmos tribunais.

Essa situação cria um quadro de insegurança muito grande no que diz respeito à validade e aplicabilidade dos preceitos sedimentados, pois o que se tem hoje é a coexistência de súmulas antigas ao lado de entendimentos que a própria doutrina, e até a jurisprudência forense, já evoluiu através da adoção de novos posicionamentos não sumulados, atuais e genéricos.

É claro que há um excesso na interposição de recursos, bem como é coerente afirmar que essa insistência encontra respaldo na certeza de que é possível mudar o entendimento superior com certa facilidade.

A simples adoção da súmula, da maneira como está prevista e proposta, como obstaculizadoras do recebimento e processamento do recurso de apelação, tornaria desnecessário o juízo de primeira instância.

Mais que restringir cabimento, admissibilidade e número de recursos cabíveis, a crise do judiciário deve ser levada mais a sério, bem como as medidas propostas para seu desafogamento. A súmula impeditiva de recurso só trará seus tão planejados efeitos se houver uma revisão completa e profunda das súmulas já existentes com adequação coerente à realidade geral.

Tal adequação é salutar para conferir segurança jurídica no entendimento dos tribunais superiores.

No entanto a uniformização completa e irrestrita como se objetiva com a adoção de uma súmula que restringe a possibilidade de apelação do jurisdicionado não parece ser o caminho para um judiciário mais célere e eficaz.

 

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Notas:
[1] THEODORO JUNIOR, 2006, p. 660.
[2] MARINONI, 2006, p. 540.
[3] THEODORO JUNIOR, 2006, p. 646.
[4] BRANDO, 2006 p. 2.
[5] THEODORO JUNIOR, 2006, p. 660.
[6] WAMBIER, 2006, p. 228.
[7] WAMBIER, 2006, p.226.
[8] ARAÚJO, 2006, p 04.
[9] BOTTINI, 2006, p. 11.
[10] BOTTINI, 2006, p. 11.
[11] Constituição Federal 1988.
[12] NERY JUNIOR, 2004, p. 133 – 138.
[13] NERY JUNIOR, 2004, p. 164.
[14] Constituição Federal 1988.
[15] WAMBIER, 2006, p. 68.
[16] NERY JUNIOR, 2004, p. 174.
[17] MORAIS, 2001 p. 122.
[18] Constituição Federal de 1988.
[19] MORAES, 2001, p. 121.
[20] THEODORO JUNIOR, 2006, p. 32.
[21] SILVA, 2004, p. 242.
[22] SILVA, 2004, p. 243.

 


 

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Rodrigo Paladino Pinheiro

 

 


 

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