Fundamentos do controle de constitucionalidade. Síntese teórica

Resumo: O presente artigo busca trazer conceitos, classificações outros e fundamentos do controle de constitucionalidade para uma melhor compreensão deste importante tema do direito. Foram abordados aspectos afetos ao controle de constitucionalidade tais como: a sua necessidade; controle formal e material; controle de preventivo e repressivo; controle feito por um órgão político, judiciário (ou jurídico) ou misto; controle mediante via de exceção e de ação; sistema difuso e sistema concentrado; inconstitucionalidade parcial e total, direta e indireta; processo subjetivo e processo objetivo; texto e norma; princípios e regras.


Palavras-chave: controle de constitucionalidade – teoria – conceitos fundamentais.


Sumário: 1. Introdução. 2. Da necessidade de um controle de constitucionalidade. 3. Controle formal e material. 4. Controle de constitucionalidade preventivo e repressivo. 5. Controle feito por um órgão político, judiciário (ou jurídico) ou misto. 6. Via de exceção (incidental ou de defesa) e de ação (principal ou direto). 7. Sistema difuso e sistema concentrado. 8. Inconstitucionalidade parcial e total. 9. Inconstitucionalidade direta e indireta. 10. Processo subjetivo e processo objetivo. 11. Texto, norma, princípios e regras. 12. Conclusão. Bibliografia consultada.


1. Introdução


O controle de constitucionalidade tem se firmado no Direito como um instrumento de concretização de direitos fundamentais materiais e processuais previsto na constituição. Tanto na via abstrata quanto concreta o poder judiciário tem-se valido dessa incompatibilidade vertical entre norma infraconstitucional e constituição como catalizador do direito constitucional trazendo força normativa e Para uma perfeita compreensão do presente trabalho são necessárias algumas abordagens conceituais.


Na pesquisa bibliográfica pátria e estrangeira está o norte instrumental da pesquisa, ora buscando informações em autores que se firmaram como o alicerce doutrinário para o desenvolvimento da matéria, ora trazendo elementos de monografias específicas sobre os contornos atuais e pertinentes ao tema.


Este trabalho tem na pesquisa jurisprudencial, sobretudo junto ao Supremo Tribunal Federal, importantes elementos para a estruturação do tema, buscando em seus julgados a posição final da jurisprudência constitucional pátria, assim como os conceitos utilizados pela corte no que tange a matéria.


2. Da necessidade de um controle de constitucionalidade


O controle de constitucionalidade está intimamente ligado à rigidez constitucional, à supremacia da constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, a de proteção dos direitos fundamentais.


A rigidez de uma constituição decorre da maior dificuldade para sua modificação do que as demais normas. Dela emana o princípio da supremacia da constituição, colocando-a no vértice do sistema jurídico.


Da supremacia da constituição federal advém de que toda autoridade estatal só nela encontra fundamento e só a norma constitucional confere poderes e competências governamentais e estas ainda devem exercer suas atribuições nos termos dela. Resulta também que todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se conformadas com as normas constitucionais federais.


Cumpre destacar que, como ensina MORAES [2001, p. 635]:


 “… a existência de escalonamento normativo é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois, ocupando a constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo…”


Além disso, frise-se, nas constituições rígidas se verifica a superioridade da norma magna em relação àquelas produzidas pelo Poder Legislativo no exercício da função legiferante ordinária. Dessa forma, num modelo de constituição rígida o fundamento do controle é o de que nenhum ato normativo, que lógica e necessariamente dela decorra, pode modificá-la ou suprimi-la, ou ainda nas palavras de ALMEIDA [2005, p. 13]:


Maculada a ordem constitucional, através de atos inconstitucionais, faz-se necessário que se restabeleça a unidade ameaçada”.


É por isso que necessariamente surgem instrumentos a permitir que se afirme a presença de atos normativos inconstitucionais, ou seja, contrários a dispositivos inseridos na Constituição Federal, restabelecendo e preservando a ordem jurídico-constitucional “.


A idéia desta intersecção, entre controle de constitucionalidade e constituições rígidas, é tamanha que o Estado onde inexistir este controle a Constituição será flexível, por mais que a mesma se denomine rígida, pois o Poder Constituinte ilimitado estará em mãos do legislador ordinário. É o que acontece na Inglaterra onde inexiste uma constituição rígida o que torna o controle de constitucionalidade instituto desnecessário.


A supremacia constitucional, continua MORAES [2001, p. 635], “…adquiriu tamanha importância nos Estados Democráticos de Direito, que Cappelletti afirmou que o nascimento e expansão dos sistemas de justiça constitucional após a Segunda Guerra Mundial foi um dos fenômenos de maior relevância na evolução de inúmeros países europeus…”.


Uma outra situação afeta ao controle de constitucionalidade, como dito, é a proteção dos direitos fundamentais. Uma vez que todos os atos estatais devem ser compatibilizados com a Constituição devido a sua supremacia que por sua vez advém de sua rigidez, nada mais normal do que invocar os direitos fundamentais para impugnar um ato legislativo, administrativo ou judicial quando inconstitucionais.


Aqui entra a discussão das gerações de direitos de fundamentais[35]. Descabe o aprofundamento, mas para não deixar em brancas nuvens cabe lembrar que a primeira geração de direitos fundamentais são direitos de liberdade, direitos negativos onde o Estado deve abster-se de interferir no patrimônio do cidadão; a segunda geração aos direitos sociais são direitos de igualdade, uma prestação positiva, um fazer do Estado em prol dos menos favorecidos pela ordem social e econômica; a terceira geração corresponde aos direitos de fraternidade, ao lado dos tradicionais interesses individuais e sociais, o Estado passou a proteger outras modalidades de direito decorrentes de uma sociedade de massas, de titularidade difusa surgida em razão dos processos de industrialização e urbanização, em que os conflitos sociais não mais eram adequadamente resolvidos dentro da antiga tutela jurídica voltada somente para a proteção de direitos individuais. Veja este precedente do Supremo Tribunal Federal, entre outros, adotando esta classificação:


“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) — que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais — realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) — que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas — acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, nota de uma essencial inexauribilidade.” (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de 17-11-95).  


Mas não só na relação vertical Estado sobre indivíduo o controle de constitucionalidade é um instrumento necessário de efetividade das normas constitucionais. Modernamente tem-se utilizado a aplicação direta ou imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas. Trata-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais


Sobre a matéria já existem algumas teorias[36] a respeito. A teoria dualista (indireta ou mediata) tem aplicação na Alemanha e baseia-se na liberdade contratual das relações privadas negando a aplicabilidade direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Uma segunda teoria, a monista, adotada na Constituição Portuguesa[37], tem por fundamento de que alguns direitos fundamentais possuem aplicabilidade direta nas relações entre particulares devido à eficácia irradiante destes. Uma terceira teoria, de inclinação mista, aduz que os direitos fundamentais podem ser aplicados horizontalmente dependendo do caso concreto, a casuística é que irá exigir aplicabilidade direta ou não.


A matéria parece singela, pois, devido a supremacia da constituição, faz parte de uma lógica jurídico-normativa que os direitos fundamentais sempre prevaleceram sobre as relações privadas. Porém, algumas situações não são de fácil solução quando se trata da autonomia da vontade. Por exemplo: poder-se-ia invocar o contraditório e a ampla defesa em favor de associado excluído regularmente de uma cooperativa? 


O Supremo Tribunal Federal tem se valido da eficácia horizontal dos direitos fundamentais dependendo do caso concreto. Dá pra se dizer, com isso, que ele se filia à teoria mista. A saber:


 “Sociedade civil sem fins lucrativos. Entidade que integra espaço público, ainda que não estatal. Atividade de caráter público. Exclusão de sócio sem garantia do devido processo legal. Aplicação direta dos direitos fundamentais à ampla defesa e ao contraditório. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do Ecad e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/1988).” (RE 201.819, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 11-10-2005, Segunda Turma, DJ de 27-10-2006.)


Neste julgamento ficaram vencidos a Min. Ellen Gracie, relatora, e o Min. Carlos Velloso, por entenderem que a retirada de um sócio de entidade privada é solucionada a partir das regras do estatuto social e da legislação civil em vigor, sendo incabível a invocação do princípio constitucional da ampla defesa.


Na atual jurisprudência do STF pode-se concluir que o que torna decisivo para a aplicação horizontal dos direitos fundamentais é o caráter público ou geral da relação privada, ensejando, dessa forma, a validade do devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa nestas relações. 


Destaque-se que o art. 57 do Código Civil traz uma hipótese de aplicação dos direitos fundamentais no âmbito das associações pois exige para exclusão do associado justa causa reconhecida em um procedimento que assegure a ampla defesa nos ternos do estatuto associativo. É um hipótese de eficácia horizontal indireta pois sua aplicabilidade advém da lei e não da Constituição. Esta situação é nuclear pois eventual violação deste dispositivo é hipótese de inconstitucionalidade indireta por ser apenas uma crise de legalidade ficando, dessa forma, fora do âmbito cognitivo do controle de constitucionalidade.


O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como necessário à garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito. É inegável a indispensabilidade deste instrumento de efetividade das normas constitucionais no Estado Democrático de Direito, seja direto ou incidental.  


Para um especial entendimento se faz necessário explanar algumas classificações e teorias sobre o tema, o que será feito nos próximos tópicos.     


3. Controle formal e material


Uma classificação básica para o controle de constitucionalidade é discriminá-lo em formal e material, advindo conforme o seu vício de inconstitucionalidade.


No controle formal nós examinamos a constitucionalidade no seu aspecto estritamente jurídico. É ver “se as leis foram elaboradas de conformidade com a constituição” [BONAVIDES, 2001, p. 269]. Deve-se verificar, por exemplo, se o órgão que produziu a espécie normativa tinha competência subjetiva para tal[38], se a lei exigia quorum qualificado[39] ou não, se foi respeitada a repartição de competências estatuídas pela Constituição. Dessa forma, temos no controle formal um controle predominantemente técnico.


Na busca da efetividade das normas constitucionais, somente o controle formal se mostra um tanto inócuo. Logo, se faz necessário um controle material, sendo de basilar lição o conceito de BONAVIDES [BONAVIDES, idem, ibidem]:


O controle material de Constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem exerce a competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos e fundamentais.


Portanto, o que se percebe é o alto teor de criatividade, revelando-se um controle político por essência, opondo-se ao controle formal por ser jurídico.


    4. Controle de constitucionalidade preventivo e repressivo


Quanto ao momento de elaboração da espécie normativa o controle de constitucionalidade pode ser efetuado de duas formas: antes ou depois do ato que aprova a norma. Assim, pode ser um controle preventivo (a priori) ou repressivo (a posteriori), respectivamente. MORAES [2001, p. 562] explica, verbis:


“…enquanto o controle preventivo pretende impedir que alguma norma maculada pela eiva da inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico, o controle repressivo busca dele expurgar a norma em desrespeito à Constituição.


Portanto, o controle preventivo incide sobre o projeto de lei e antes da aprovação da norma, ou ainda nas palavras de CANOTILHO [1993, p. 967] “… Não se trata, por um lado, de um controle sobre normas válidas, mas sobre projetos de normas…”. Pode ser exercido pelo Legislativo, através das comissões de constituição e justiça (CF, art. 58), e pelo Executivo, mediante o veto jurídico do Presidente da República ao projeto de lei aprovado pelo legislativo, por entendê-lo inconstitucional (CF, art. 66, par. 1º). Pode ser exercido também pelo Judiciário quando o parlamentar propicia a análise difusa de eventuais inconstitucionalidades que estiverem ocorrendo durante o trâmite de projetos ou proposições legislativas, por meio de impetração de mandado de segurança contra atos concretos da autoridade coatora (Presidente ou Mesa da Casa Legislativa, por exemplo), de maneira que impeça o flagrante desrespeito às normas regimentais[40].  Frise-se que inexiste no sistema brasileiro controle abstrato de forma preventiva realizado pelo Poder Judiciário, o controle judicial-abstrato de normas no Brasil sempre será repressivo.


Já o controle repressivo, em regra, no Brasil é feito pelo Poder Judiciário e de forma mista, ou seja, tanto de forma concentrada como difusa, como veremos a seguir. Excepcionalmente será exercido pelo próprio Poder Legislativo em dois momentos. O primeiro está no art. 49, V da CF, onde dá a competência ao Congresso Nacional de sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa. O segundo momento é o caso do art. 62 da CF, que prevê que editada a medida provisória pelo Presidente da República, ela terá vigência e eficácia imediata, assim com força de lei, pelo período de 60 dias, podendo o Congresso Nacional rejeitá-la por inconstitucionalidade, exercendo, assim, o controle repressivo da medida provisória. Na primeira situação o Congresso editará um decreto-legislativo sustando o decreto presidencial (CF, art.84, IV) ou a lei delegada (CF, art.68), por abuso de poder regulamentar do poder executivo[41].                  


5. Controle feito por um órgão político, judiciário (ou jurídico) ou misto


Aqui nós temos uma classificação quanto ao órgão que exerce o controle de constitucionalidade.


Certas constituições criam um órgão com a função específica de controlar os atos legislativos, editados ou a serem editados (controle a posteriori e a priori). O controle de constitucionalidade exercido por um órgão político[42] ocorre em sistemas constitucionais onde, lado a lado com o Poder Legislativo, do Executivo e do Judiciário, coexista um órgão controlador com a missão exclusiva ou principal de verificar se os diversos atos das autoridades públicas estão de acordo com a Constituição. É um sistema predominante em países europeus. Nessas chamadas Cortes Constitucionais, segundo BONAVIDES [2001, p. 270], esse órgão pode ser “… uma assembléia como um conselho ou comitê constitucional. O país onde tal controle primeiro floresceu foi a França ”. O aludido mestre comenta ainda que “A constituição soviética de 1936, de inspiração Stalinista, também adotou o controle de constitucionalidade por um órgão político” [2001, p. 271].  Pode ser feito de forma repressiva ou preventiva, porém, o controle efetuado por um órgão político de mais autenticidade para a doutrina “é aquele que se faz a posteriori com a lei conseqüentemente promulgada (perfeita) ou pelo menos votada” [M. Henry FABRI apud BONAVIDES, 2001, p. 272.].


O controle de constitucionalidade feito por um órgão jurisdicional, é aquele exercido pelo Poder Judiciário[43]. É a regra adotada no Brasil em termos de controle repressivo de constitucionalidade. Segundo MORAES [2001, p. 562] “É a verificação da adequação (compatiblidade) de atos normativos com a constituição feita pelos órgãos integrantes do Poder Judiciário”.


O controle misto, como o nome já indica, existe quando a constituição confere a competência de controlar a constitucionalidade de certas normas a um órgão político e a outras a um órgão jurisdicional.     


6. Via de exceção (incidental ou de defesa) e de ação (principal ou direto)


Esta classificação demonstra a forma processual de como o controle de constitucionalidade é exteriorizado.


O controle incidental tem por objeto a satisfação de um direito individual ou coletivo alegado no curso de um processo, a ofensa do ato legislativo ou normativo ao Texto Constitucional é um incidente processual. “Ataca o vício de validade da lei no caso concreto (diverso da apreciação da lei em tese) a argüição deve-se dar no curso do processo comum” [BASTOS, 1997, p. 404]. Por isso mesmo é chamado de exceção de inconstitucionalidade, onde uma das partes do processo defende-se da norma que julga ser inconstitucional, argüindo a inconstitucionalidade. No Brasil se dá por meio difuso pois qualquer órgão judicial deve conhecer da argüição e sempre será um controle concreto, casuístico. Produz efeito somente entre as partes do processo onde foi arguido, logo o ato atacado continua tendo validade contra terceiros.


Já no controle de constitucionalidade por via de ação o objeto é a própria declaração de inconstitucionalidade da espécie normativa, é um controle abstrato, “A característica primordial é atacar o vício da lei em tese” [BASTOS, 1997, p. 403]. Por este motivo que também é chamado de controle direto, pois se dá por ação direta de inconstitucionalidade perante o STF proposta por um dos legitimados no art. 103 da CF. A inconstitucionalidade não é mero incidente no processo, e sim a própria causa de pedir próxima e o pedido imediato da ação. As várias espécies deste controle previsto na Constituição Federal são as seguintes:


1) ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, a);


2) ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III);


3) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, par. 2º);


4) ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, in fine),


5) argüição de descumprimento de preceito fundamental (art.102 par. 1º).


7. Sistema difuso e sistema concentrado


A dicotomia conceitual difuso e concentrado se dá porque neste último o controle só é exercido por um tribunal superior do país ou por uma corte constitucional, como ocorre na Alemanha, e no sistema difuso o controle é exercido por todos os integrantes do Poder Judiciário onde qualquer juízo do país pode e deve declarar a inconstitucionalidade de uma espécie normativa, porém, em regra, num processo de partes, de forma repressiva, diante de um caso concreto e incidentalmente. Assim, quando qualificamos o controle de constitucionalidade como concentrado, significa dizer que somente um órgão poderá conhecer da inconstitucionalidade suscitada. No Brasil o controle concentrado, em regra, ataca a norma em tese. É feito através de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI genérica, interventiva ou omissiva), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), em nível federal, e de Argüição de descumprimento de preceito fundamental todas propostas perante o STF. No controle direto o que se discute é a lei em tese. É a preservação da própria Constituição. Como não estamos diante de caso concreto, não há partes. A denominação utilizada para este processo é processo objetivo e possui apenas requerente e requerido[44].


No chamado controle difuso a situação é inversa. Todos os órgãos do poder judiciário podem apreciar da inconstitucionalidade, e não apenas um. Diz-se, então, que apreciação da inconstitucionalidade esta difundida por demais órgãos, e não apenas concentrado em um apenas.


O destaque a ser feito é que ainda que no Brasil o controle concreto seja feito de maneira difusa e o direto na forma concentrada, estas classificações não se confundem, mesmo porque inclusive aqui há exceções. Exemplo disso é a ação direta de inconstitucionalidade interventiva a qual pressupõe violação dos princípios constitucionais sensíveis previstos no art. 34, VII da Constituição Federal [45] o qual não exige que o ato objeto do pedido do Procurador-Geral da República seja um ato normativo, logo, neste caso, há a possibilidade de um controle concentrado em concreto. Outro exemplo seria a ADPF incidental (art. 1º da Lei 9882/99), porém, o STF na ADIn-MC 2.231 da relatoria do Min. Néri da Silveira, deu interpretação conforme a este dispositivo a fim de excluir qualquer aplicação dele em controvérsias postas concretamente em juízo, pois a previsão de uma argüição de controvérsia constitucional perante o STF só poderia ser feita por via de emenda constitucional.


Para afastar estas confusões teóricas – ainda encontradas na doutrina e jurisprudência brasileira -, basilar é a lição de CANOTILHO [1993, p. 965]:


“…Este controle (incidental) anda geralmente associado ao controle difuso. O incidente da inconstitucionalidade pode suscitar-se em qualquer tribunal para efeitos de desaplicação da norma inconstitucional ao caso concreto. Mas é incorrecto dizer-se hoje que o controle por via incidental se identifica com o controle difuso. Como irá ver-se, em Portugal, o controle difuso pode conduzir a um controle concentrado através do Tribunal Constitucional. Noutros sistemas, o controle concentrado pressupõe também o incidente da inconstitucionalidade, embora aqui o juiz (ao contrário do controle difuso) se limite, como tribunal a quo, a suspender a ação fazendo subir a questão da inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (ex.: sistema alemão, sistema italiano).


Ainda segundo MORAES [2001, p. 636] o controle difuso de constitucionalidade no direito alemão caracteriza-se pela previsão da denominada “questão de inconstitucionalidade” (Richterklage). Os tribunais alemães quando considerarem inconstitucional uma lei de cuja validade dependa a decisão, terão de suspender o processo e submeter a questão à decisão do Tribunal Constitucional Federal quando se tratar da violação da Lei Fundamental.


Portanto, o controle difuso de constitucionalidade alemão, apesar de mitigado em relação ao norte-americano, permite a análise sobre a constitucionalidade das leis por todos os juízes e tribunais, porém a declaração de inconstitucionalidade das leis é concentrada no Tribunal Constitucional Federal, pois como adverte MENDES [2007, p. 16]:


“No controle concreto de normas (alemão), os tribunais devem suspender os processos pendentes e submeter a questão constitucional se considerarem inconstitucional lei relevante para decisão do caso concreto. A corte constitucional, detém, o monopólio da censura.” 


8. Inconstitucionalidade parcial e total


Nesta classificação tem-se a amplitude da inconstitucionalidade normativa dentro do texto. A inconstitucionalidade total difere da parcial no sentido de que no primeiro caso ela recobre toda a lei, nada lhe sendo aproveitável. Na parcial, inversamente, o vício afeta apenas uma parte da norma ou mesmo tão somente uma ou algumas das normas embutidas em um diploma maior que comporte a eliminação da parte viciada sem desnaturação do restante. Desta feita, podemos afirmar que a inconstitucionalidade formal é, em regra, total pois o seu vício é de origem. A inconstitucionalidade parcial pode ser com redução do texto (quantitativa) ou sem redução do texto (qualitativa) do ato normativo atacado.


9. Inconstitucionalidade direta e indireta


A inconstitucionalidade direta é aquela que viola frontalmente a Constituição, e isso só se dá com normas jurídicas primárias, ou seja, normas gerais, abstratas e impessoais que inovam no ordenamento jurídico. São normas que advém do processo legislativo e estão elencadas, na sua maioria, no art. 59 da Constituição e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quando interpreta que tal ato normativo tem caráter primário. Portanto, o que interessa é que a norma seja lei em sentido material, que tenha aptidão para inovar na ordem jurídica e não apenas meramente um ato regulamentar, ainda que formalmente seja outra espécie normativa. 


No que tange a inconstitucionalidade indireta ela ocorre de duas formas e gera a impossibilidade jurídica do pedido em sede de controle de constitucionalidade (seja ele abstrato ou concreto). A primeira é a inconstitucionalidade indireta “conseqüente”, que é o fenômeno que se dá quando o ato secundário viola a constituição porque regulamenta um ato primário que é inconstitucional. Se um decreto (ato secundário) regulamenta uma lei (ato primário) que é declarada inconstitucional, este decreto será inconstitucional por arrastamento, mas não pode ser objeto único do pedido. Se a lei é inconstitucional conseqüentemente o seu regulamento também o será.  


Uma segunda hipótese de inconstitucionalidade indireta são os casos de inconstitucionalidade “reflexa”, nas chamadas crises de legalidade. A principio todo e qualquer legalidade seria inconstitucional por violar o principio fundamental da legalidade, porém, segundo MORAES  [2001, p. 672]:


“A ação direta de inconstitucionalidade não é instrumento hábil para controlar a compatibilidade de atos normativos infralegais em relação à lei a que se referem, pois as chamadas crises de legalidade, como acentua o Supremo Tribunal Federal, caracterizadas pela inobservância do dever jurídico de subordinação normativa à lei, escapam do objeto previsto pela Constituição Federal”.


Como se vê, tal fenômeno não é considerado como uma afronta direta à Constituição[46], entendimento este, inclusive, sumulado pelo Supremo Tribunal Federal no verbete 636: “Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.


Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal colha-se alguns arestos pertinentes (grifamos):


“Ação direta. Portaria n. 796/2000, do Ministro de Estado da Justiça. Ato de caráter regulamentar. Diversões e espetáculos públicos. Regulamentação do disposto no art. 74 da Lei federal n. 8.069/90 — Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ato normativo não autônomo ou secundário. Inadmissibilidade da ação. Inexistência de ofensa constitucional direta. Eventual excesso que se resolve no campo da legalidade. Processo extinto, sem julgamento de mérito. Agravo improvido. Votos vencidos. Precedentes, em especial a ADI n. 392, que teve por objeto a Portaria n. 773, revogada pela Portaria n. 796. Não se admite ação direta de inconstitucionalidade que tenha por objeto ato normativo não autônomo ou secundário, que regulamenta disposições de lei.” (ADI 2.398-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 25-6-07, DJ de 31-8-07).


“À primeira vista, poderia parecer que o inevitável confronto da norma regimental com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional obstaria o controle concentrado do dispositivo impugnado por implicar exame de legalidade e não de constitucionalidade. Contudo, o problema é focalizado sob prisma diferente. Cuida-se de examinar se o Tribunal de Justiça, ao dispor em seu Regimento Interno sobre eleição de seu Presidente e dos demais titulares de cargos de direção, teria usurpado competência do Poder Legislativo de disciplinar a matéria em lei complementar.” (ADI 1.503, voto do Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-3-01, DJ de 18-5-01)


Estão sujeitos ao controle de constitucionalidade concentrado os atos normativos, expressões da função normativa, cujas espécies compreendem a função regulamentar (do Executivo), a função regimental (do Judiciário) e a função legislativa (do Legislativo). Os decretos que veiculam ato normativo também devem sujeitar-se ao controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal. O Poder Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas apenas de uma parcela dela, a função legislativa.” (ADI 2.950-AgR, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 6-10-04, DJ de 9-2-07)


“Recurso extraordinário — Alegada violação ao postulado da ampla defesa — Ausência de ofensa direta à Constituição — Contencioso de mera legalidade — Recurso improvido. A situação de ofensa meramente reflexa ao texto constitucional, quando ocorrente, não basta, só por si, para viabilizar o acesso à via recursal extraordinária.” (AI 246.817-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 15-5-01, DJ de 29-6-01)


“Se a instrução normativa, em decorrência de má interpretação das leis e de outras espécies de caráter equivalente, vem a positivar uma exegese apta a romper a hierarquia normativa que deve observar em faces desses atos estatais primários, aos quais se acha vinculada por um claro nexo de acessoriedade, viciar-se-á de ilegalidade — e não de inconstitucionalidade —, Impedindo, em conseqüência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. Precedentes: RTJ 133/69 — RTJ 134/559. — O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que se acha materialmente vinculado poderá configurar insubordinação administrativa aos comandos da lei. Mesmo que desse vício jurídico resulte, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da carta magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade meramente reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada.” (ADI 1.347-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-10-95, DJ de 1º-12-95)


“…Garantias da ampla defesa, do devido processo legal, do acesso à jurisdição, da imutabilidade da coisa julgada e da irretroatividade da lei. Não-violência. Ofensas apenas indiretas à CF/88, acaso existentes. Recursos extradordinários não-conhecidos…. (RE 479.887, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 7-8-07, DJ de 31-10-07)”


“Recurso extraordinário: a aplicação de norma ou princípio a situação por eles não alcançada vale por contrariá-los. (…) Recurso extraordinário: inconstitucionalidade reflexa ou mediata e direito local. Como é da jurisprudência iterativa, não cabe o RE, a, por alegação de ofensa mediata ou reflexa à Constituição, decorrente da violação da norma infraconstitucional interposta; mas o bordão não tem pertinência aos casos em que o julgamento do RE pressupõe a interpretação da lei ordinária, seja ela federal ou local: são as hipóteses do controle da constitucionalidade das leis e da solução do conflito de leis no tempo, que pressupõem o entendimento e a determinação do alcance das normas legais cuja validade ou aplicabilidade se cuide de determinar.” (RE 226.462, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 13-5-98, DJ de 25-5-01)


Cumpre ainda destacar que segundo o STF o rol de atos normativos primários previsto no art. 59 da não é exaustivo, outras normas constitucionais são geradoras de atos que inovam na ordem jurídica. Conforme o STF:   


“(…) A Resolução n. 7/05 do CNJ revestese dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). A Resolução n. 7/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade.” (ADC 12-MC, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 16-2-06, DJ de 1º-9-06)


10. Processo subjetivo e processo objetivo


Esta classificação baseia-se na espécie de pretensão deduzida em juízo. O processo subjetivo denomina-se todo aquele processo de partes, onde há um caso concreto como causa de pedir e postula-se um direito subjetivo individual. É o processo comum litigioso posto em juízo. É a noção clássica de processo definida pela doutrina processual civil.


 No processo objetivo não há partes, “…existe autor ou requerente, mas inexiste, propriamente, réu ou requerido” [MENDES, 2007, p. 162]. O que se tem é um requerente que postula a proteção da ordem jurídica objetiva, não há direitos subjetivos individuais postulados, tanto que os legitimados para desencadear este processo estão arrolados em numerus clausus no art. 103 da Constituição, e estes não alegam interesse próprios ou alheios, atuam como representantes do interesse público. Também não há um debate fático puro por não haver um caso concreto e sim uma análise abstrata do ato normativo, o que impossibilita o contraditório, porém não o torna um processo inquisitivo, pois a corte está vinculada ao princípio do pedido não podendo em hipótese alguma iniciar o processo de ofício ou se pronunciar sobre outro ato normativo na impugnado na argüição. Esta modalidade de processo acaba dando um cunho político, uma vez que o requerente postula uma decisão que afetará a todos destinatários da norma. É típico do controle abstrato de inconstitucionalidade. MENDES [2007, p. 156-157][47] analisando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria destaca que:


Na decisão de 3 de fevereiro de 1986, ressaltou  tribunal, uma vez mais a natureza política do controle abstrato de normas. O processo judicial deveria, por isso, ser considerado simples forma. Essa orientação tornou-se ainda mais nítida no acórdão de maio de 1988. O Supremo Tribunal Federal ressaltou a objetividade desse processo, que não conhece partes e outorga ao tribunal um instrumento político de controle de normas.


Desde então, parece pacífico o entendimento sobre a natureza do controle abstrato de normas como processo objetivo, para cuja instauração se afigura suficiente a existência de um interesse público de controle.


 Apesar das afirmações acima, o que se percebe é que o processo subjetivo possui um interesse objetivo indireto, pois se está também protegendo o ordenamento jurídico ao se postular um direito individual, assim como no processo objetivo destaca-se um interesse subjetivo indireto se percebermos que há interesses individuais regulados pela norma.     


CANOTILHO [1993, p. 1.032-1.033], com sua perspicácia de sempre, assim reflete:


E tradicional a distinção entre processo constitucional objetivo e processo constitucional subjetivo, consoante o tipo de pretensões deduzidas em juízo: (1) interesses juridicamente protegidos do cidadão (sobretudo direitos fundamentais), caso em que se fala de processo subjetivo (ex.: controle concreto da inconstitucionalidade); (2) proteção da ordem jurídico-constitucional, objetivamente considerada, caso em que se alude a processo objetivo (ex.: controle principal, abstrato, da constitucionalidade de atos normativos). Refira-se, porém, que esta distinção é meramente tendencial, pois, por um lado, no processo subjetivo, cuja finalidade principal é defender direitos, não está ausente o propósito de uma defesa objetiva do direito constitucional e, por outro lado, no processo objetivo, dirigido fundamentalmente à defesa da ordem constitucional, não está ausente a idéia de proteção de direitos e interesses juridicamente protegidos.


11. Texto, norma, princípios e regras


Importante distinção a fazer em termos de controle de constitucionalidade é sobre texto e norma.


Da interpretação de um texto se extrai a norma jurídica (que como veremos pode ser uma regra ou um princípio), ou seja, da redação lingüística adotada pelo legislador sai um ou mais comandos normativos.


Logo se percebe que não podemos nos deixar levar pelo descuido técnico destes dois conceitos uma vez que pode conduzir a uma confusão teórica bem significativa. Cite-se o exemplo da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto onde o texto fica inalterado em que pese haver uma redução normativa do dispositivo. 


Para ÁVILA [2001, p. 22] “Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos…”. Dessa forma percebe-se que são conceitos completamente distintos.


Existem situações em que há norma sem texto. Exemplo disto é o princípio da segurança jurídica o qual não possui um dispositivo próprio.


Também pode ocorrer de um texto sem norma como no caso da invocação da “proteção de Deus” no preâmbulo da constituição atual. Neste sentido assim já se manifestou o Supremo na ADI 2.076[48]: “Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa”.


Outra hipótese é a possibilidade de um único texto a extração de várias normas, como base nisso é que o STF, como já nos referimos acima, declara a inconstitucionalidade sem redução de texto pronunciando a nulidade de normas incompatíveis com a Constituição sem alterar a expressão literal do ato impugnado.


E por fim, chega-se a conclusão de que é possível que mais de um texto produza uma única norma. Isso se dá, por exemplo, pelo exame dos dispositivos constitucionais que garantem a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade dos quais se extraem o princípio da segurança jurídica.


A importância desta conceituação para o controle de constitucionalidade surge, como já exemplificado, na declaração de nulidade parcial de inconstitucionalidade sem redução e texto, onde o tribunal reduz as hipóteses normativas de um texto legal polissêmico deixando as demais que estão de acordo com a Constituição sem alteração do texto.      


No que se refere aos princípios e as regras o que deve ser frisado é que são espécies do gênero norma jurídica. Não mais se concebe após o pós-positivismo[49]  que princípios não são normas jurídicas. O importante é ressaltar que tanto as regras como os princípios são normas. Dentre os muitos critérios apresentados para distinguir essas duas espécies de normas jurídicas, salientaremos alguns.


Os princípios, normas imediatamente finalísticas [AVILA, 2005, p. 70], são mandados de otimização [ALEXY apud BARROSO, 2003, p. 296] e dotados de um alto grau de generalidade e abstração e baixa densidade normativa, pois necessitam, via de regra, de outras normas para que possam ser aplicados. Além disso, são normas consideradas como informadoras do ordenamento jurídico. Exemplos de princípios: arts. 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, caput, incisos I e II, 37, caput, 170 e 206[50].


Já as regras, normas imediatamente descritivas [ÁVILA, 2005, p. 70], são mandados de definição [ALEXY apud BARROSO, 2003, p. 296] e possuem um menor grau de generalidade e abstração e alta densidade normativa, pois dispensam a aplicação de outras regras. A exceção da regra ou é outra regra, que invalida a primeira, ou é a sua violação. Exemplos extremados de regras contidas no Texto Constitucional: arts. 57 e 242, § 2º.


Segundo DWORKIN apud SCHÄFER [2001, p 36],


“…regra e princípio jurídico têm em comum o caráter da generalidade, decorrendo que um princípio jurídico não é senão uma regra jurídica particularmente importante, em virtude das conseqüências práticas que dele decorrem. Porém, entre ambos não há apenas uma diferenciação de importância; mais do que isso: uma diferença de natureza. E isso porque a generalidade da regra jurídica é diversa da generalidade de princípio jurídico. A regra regula uma situação específica e delimitada em seu corpo; o princípio, ao contrário, é geral por comportar uma série indefinida de aplicações”.


As colisões de princípios são resolvidas pelo principio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito)[51], buscando uma concordância prática, ponderando o de maior peso no caso concreto, pois ambas as normas jurídicas são consideradas igualmente válidas no caso. Temos como um dos exemplos o eterno dilema entre a liberdade informação jornalística e a tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (CF, art. 220, § 1°). Há necessidade de compatibilizar no máximo os princípios, podendo prevalecer, no caso concreto, a aplicação de um ou outro direito, sem haver a menor necessidade de se pronunciar a invalidade da norma não aplicada ao caso concreto.


Já os conflitos de regras são resolvidos na dimensão da validade, em que a aplicação de uma regra importa na não-aplicação da outra. Conflitos entre regras formam, em princípio, antinomias aparentes[52] e são resolvidas pelo intérprete através dos seguintes critérios:


hierárquico: considera-se válida a norma dotada de superioridade hierárquica;


cronológico: a lei posterior revoga a anterior; e


especialidade: a lei específica prevalece sobre a regra geral.


12. Conclusão


Diante da importância do controle de constitucionalidade para efetividade das normas constitucionais, este artigo buscou, de forma sucinta, abranger os fundamentos (teorias e classificações) desta importante atividade estatal. Uma melhor compreensão destes conceitos favorece a uma aplicabilidade eficaz das normas centrais do ordenamento jurídico assim como do Direito.


 


Referências bibliográficas:

ALMEIDA, Vânia Hack de.Controle de constitucionalidade. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2004.

__________. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, 7. ed. São Paulo: Renovar, 2003.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad.: Maria Celeste C.J. Campos. 6. ed. Brasília: UNB, 1995.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. edição revista. Coimbra (Portugal): Livraria Almedina, 1993.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. O controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva. 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

________. Jurisdição Constitucional e tribunais constitucionais, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais. Proteção e restrições.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

 

Notas:

[35] O STF tem diversos pronunciamentos aduzindo esta classificação geracional (ver ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-05, DJ de 3-2-06).

[36] Para aprofundar: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007

[37] Constituição de Portugal – Art. 18.º (Força jurídica) 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. (redação com texto original)

[38] Em que pese ter pouca utilidade cabe destacar, para evitar interpretações errôneas, que alguns doutrinadores adotam a classificação tripartida quanto ao tipo de vício de inconstitucionalidade, denominando esta inconstitucionalidade de orgânica (Alexandre de Moraes), outros, porém, adotando uma classificação binária a consideram uma inconstitucionalidade formal (Paulo Bonavides e Celso Ribeiro Bastos). Esta última, a binária, é adotada pela maioria dos tribunais pátrios inclusive pelo STF.

[39] A título de exemplo, quando o legislador constitucional estabelece que tal matéria só pode ser regulamentada por lei complementar alguns efeitos surgem desta decisão política. Quanto ao aspecto material impossibilita que esta matéria possa ser objeto de lei ordinária ou medida provisória. Mas quanto ao aspecto formal surge a exigência do quorum qualificado de maioria absoluta, esta maioria garante a participação da minoria parlamentar em determinadas questões e para garantir esta noção democrática – participação das minorias – surge o controle formal de constitucionalidade como instrumento de efetividade deste postulado

[40] Tem-se como um dos exemplos “se o STF declarar a inconstitucionalidade de ato concreto do Presidente da Casa Legislativa que tenha designado sessão para votação de proposta de emenda constitucional versando sobre a ampliação das hipóteses de pena de morte, em face da flagrante incompatibilidade com o art. 60, § 4º, IV (não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais)” in MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais; garantia suprema da constituição. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 269

[41] Esta disposição foi incorporada na Constituição de 1934 e mantida pelas Constituições de 1946, de 1967/69 e de 1988. Para Pontes de Miranda apud MENDES (op. cit., p 196, nota de rodapé n. 133), essa competência outorgava ao Senado, ainda que parcialmente, poderes de uma Corte Constitucional

[42] Não confundir com controle político que é sinônimo de controle material de constitucionalidade, já conceituado anteriormente

[43] Segundo MARÇAL JUSTEN FILHO (Curso de Direito Administrativo. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29) há pelo menos duas funções desempenhadas pelo Estado contemporâneo que não encontram solução satisfatória no âmbito da tripartição dos poderes. São elas o controle de constitucionalidade e o controle das atividades estatais e privadas (esta ultima a cargo, entre nós, do Tribunal de Contas e do Ministério Publico). A tendência é que essas funções sejam desempenhadas por estruturas autônomas, não integradas na organização dos poderes como acontece em alguns países com presença das Cortes Constitucionais (ao invés do Brasil onde esta atividade é desenvolvida pelo STF, órgão integrante do Poder Judiciário

[44] Em nível estadual existem ADI`s que tem por objeto lei estadual e lei municipal sendo competência do tribunal de justiça processar e julgar de acordo com a Constituição Estadual. No sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, a Lei Municipal não pode ser objeto de ADI perante o STF (CF, art. 102, a), somente chegará ao Pretório Excelso incidentalmente, entendimento este firmado pela Suprema Corte. Veja esta decisão: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, ação direta de inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo municipal, frente à Constituição Federal. Precedente: ADI 1.268 (AgRg)-MG. Despacho que negou seguimento a ADI, determinando seu arquivamento. Agravo regimental sustentando que a tese limitativa retira do Supremo Tribunal Federal a sua condição de guardião da Constituição Federal e, parcialmente, nega vigência ao artigo 102, da Constituição Federal, que perde a sua generalidade. Não cabe enquadrar na compreensão de lei ou ato normativo estadual, ut art. 102, I, da Constituição, as leis municipais. Precedente: ADI 409-3/600.” (ADI 1.886-AgR, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17/12/99) (Grifo nosso). “Em se tratando de lei municipal, o controle de constitucionalidade se faz, pelo sistema difuso — e não concentrado — ou seja, apenas no julgamento de casos concretos, com eficácia inter partes e não erga omnes, quando confrontado o ato normativo local com a Constituição Federal. O controle de constitucionalidade concentrado, nesse caso, somente será possível, em face da Constituição dos Estados, se ocorrente a hipótese prevista no § 2º do art. 125 da Constituição Federal.” (ADI 209, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 11/09/98). No entanto, a partir da Lei 9.882/99 que regulamentou a ADPF, é possível impugnar ato municipal perante o STF.

[45] Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:… VII -assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. (…) Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:   III – de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal

[46] Segundo o Supremo Tribunal Federal “… Ao STJ compete, em grau de recurso especial, operar como soberana instância do exame da validade dos atos administrativos, tomando como parâmetro de controle a lei federal comum (inciso III do art. 105, com as ressalvas já indicadas). Já ao STF, o que lhe cabe, em grau de recurso extraordinário, é atuar como soberana instância do controle de constitucionalidade desses mesmos atos de protagonização oficial (art. 102, III, também com a ressalva da matéria de que se nutre a alínea d). Por conseguinte, duas jurisdições que se marcam pela mesma estampa da soberania, somente passíveis de coexistência pelo fato de que atuam em diferenciados espaços de judicialização. Recursos extraordinários não conhecidos.” (RE 479.887, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 7-8-07, DJ de 31-10-07).(grifo nosso).

[47] Veja esta decisão do Supremo Tribunal Federal: “Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, em processo objetivo, como é o da ação direta de inconstitucionalidade, que impugna dispositivo de uma lei, em tese, não pode reconhecer, incidentalmente, a inconstitucionalidade de outra lei, que nem está sendo impugnada. Até porque a declaração incidental só é possível no controle difuso de constitucionalidade, com eficácia inter partes, sujeita, ainda, à deliberação do Senado no sentido suspensão definitiva da vigência do diploma, ou seja, para alcançar eficácia erga omnes.” (ADI 91, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 23/03/01

[48] Rel. Min.Carlos Velloso, julgamento em 15-8-02, DJ de 8-8-03

[49] Sobre ascensão e decadência do positivismo jurídico, destaca-se que “Sem embargo da resistência filosófica de outros movimentos influentes nas primeiras décadas do século, a decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido. A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais”. (BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2004. pp. 324-325)

[50] ÁVILA (Teoria dos princípios, op. cit., p. 61) em interessante abordagem afirma que não se pode abstratamente definir se a norma é um postulado, um principio ou uma regra; é apenas no modo de aplicação que se dará determinação (este autor adiciona o postulado as espécies das normas). Analisando o dispositivo constitucional segundo o qual todos devem ser tratados igualmente este doutrinador afirma que é plausível aplicá-lo como regra, como princípio e como postulado. Como regra, porque proíbe a criação ou aumento de tributos que não sejam iguais para todos os contribuintes. Como princípio, porque estabelece como devida a realização do valor da igualdade. E como postulado, porque estabelece um dever jurídico de comparação (Gebot der Vergleichung) a ser seguido na interpretação e aplicação, preexcluindo critérios de diferenciação que não sejam aqueles previstos no próprio ordenamento jurídico

[51] Este princípio permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando presente estes três sub-princípios. Conforme destaca BARROSO (Interpretação e aplicação…Op. cit., pp. 228-229) A doutrina – tanto lusitana quanto brasileira – baseada no conhecimento jurídico produzido na Alemanha reproduz e endossa essa tríplice caracterização do princípio da proporcionalidade, como é mais comumente referido pelos autores alemães. Assim é que dele se extraem os requisitos (a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; (b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento dos fins visados; e (c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos. Este autor, citando Willis Santiago Guerra Filho, sintetiza este princípio: “Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens” (grifamos

[52] Para aprofundar ver: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad.: Maria Celeste C.J. Campos. 6. ed. Brasília: UNB, 1995, p 81ss.


Informações Sobre o Autor

Fernando Amaral

Professor-assistente da Faculdade Anhanguera do Rio Grande (Rio Grande/RS); Especialista em Direito Público pela Escola Verbo Jurídico (Porto Alegre/RS); advogado


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