O instituto da mediação frente o acesso à justiça: por um agir comunicativo

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Resumo: O presente artigo visa refletir sobre uma prática ainda pouco utilizada no Brasil como meio de resolução de conflitos e que pode auxiliar na construção de uma sociedade mais consciente de seus direitos, onde os cidadãos possam vivenciar a justiça e a democracia: a Mediação. Tomando o conceito de “agir comunicativo” desenvolvido Jürgen Habermas, como pressuposto básico para uma relação entre sujeitos iguais no diálogo, nossa hipótese é de que a prática da mediação estimula este agir em uma sociedade marcada pelo individualismo, pelo conflito, pela relação adversarial e competitiva, ou seja, do predomínio do agir instrumental. A mediação pode ser uma forma para construção de um “espaço público democrático” (Habermas). Desta forma, o artigo tem como ponto de partida os Direitos Humanos como base fundamental para a nossa prática de justiça, tendo em vista o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Após, faremos um breve histórico e conceituação de mediação no campo jurídico, bem como abordaremos os seus princípios e características. Por fim, um breve diálogo com o filósofo Jürgen Habermas e sua teoria do “agir comunicativo”, como forma de humanizar as relações sociais.

Palavras-chaves: Mediação, Agir Comunicativo, Resolução de Conflito.  

Abstract: This article aims to reflect on a practice not widely used in Brazil as a means of conflict resolution and which can assist in building a more conscious of their rights society, where citizens can experience the justice and democracy: Mediation. Taking the concept of "communicative action" Jürgen Habermas developed as a basic for a relationship between equal subjects in dialogue assumption, our hypothesis is that the practice of mediation encourages this act in a society marked by individualism, by conflict, adversarial relationship and competitive, ie the predominance of instrumental action. Mediation can be a way to build a "democratic society" (Habermas). Thus, the article takes as its point of departure Human Rights as fundamental to our practice of justice based, in view of the Constitutional Principle of Human Dignity. After, we'll take a brief history and conceptualization of mediation in the legal field and discuss their principles and characteristics. Finally, a brief dialogue with the philosopher Jürgen Habermas and his theory of "communicative action" as a way to humanize the social relations.

Keywords: Mediation, Communicative Action, Conflict Resolution.

Sumário:1 – Introdução 2 – A mediação e os direitos humanos 3 – Mediação 3.1 Histórico 3.2 Conceito 3.3 Elementos necessários 3.4 Objetivos 3.4.1. Aliviar o congestionamento do judiciário 3.4.2. Diminuir os custos na resolução dos conflitos 3.4.3. Propiciar maior rapidez na resolução de conflitos 3.4.4. Preservar a comunicação futura e a relação entre as partes 3.5. Características da mediação 4 – Conclusão 5 – Bibliografia

1 – INTRODUÇÃO

Durante vinte anos as liberdades individuais foram cerceadas e os direitos constitucionais suspensos entre 1964/1985, por conta de um regime autoritário no Brasil onde os indivíduos eram impedidos de ter acesso à verdade e à justiça. Com o retorno do país à normalidade democrática, a promulgação de uma nova Constituição em 1988 e o retorno de uma sociedade de direito, que começou a tomar consciência do uso da sua liberdade individual, as pessoas iniciaram o processo de exercício da cidadania e buscaram o acesso à justiça como uma das formas de fazer valer os seus direitos. É função do Estado – dentre outras obrigações constitucionais – assegurar aos seus cidadãos um piso digno de condições de vida individual e de bem-estar social. Verifica-se, porém, que se torna cada vez mais difícil ao Brasil (e a outros países) a capacidade, enquanto soberania, de fazer frente aos poderes paralelos, tanto internamente quanto dos grupos organizados em redes internacionais[1], principalmente grandes grupos econômicos e oligopólios.

A velocidade dos fluxos de informação, de consumo e de produção, contrasta a lentidão burocrática do Estado, com imensas dificuldades em acompanhá-los. Esse poder econômico das grandes corporações desestabiliza as estruturas político-administrativas, quer seja pelo seu movimento, quer seja pela constituição de grupos político-partidários subsidiados a seu serviço, além do poder mobilizador das grandes corporações junto à grande mídia. Já sendo perceptível, inclusive, esta influência e interferência no Poder Judiciário.

Em relação ao Brasil, também há uma crise do Estado. Esta crise se insere na crise do Estado-nacional e é fruto dos mesmos fatores, com as especificidades oriundas das características materiais, históricas e humanas do nosso país. A crise do Estado Brasileiro tem origem, mais que tudo, em sua própria formação e foi se acentuando ao longo de sua história. Uma marca registrada desse processo foi a ausência da noção de interesse público em detrimento dos interesses privados, vinculado aos setores dominantes que se constituíram por toda a história do Brasil.

A soberania do privado perdura até hoje no processo político-administrativo do Brasil. Na verdade, o resultado deste processo histórico foi que os setores dominantes nunca se preocuparam em forjar um projeto nacional, um projeto que levasse em conta o conjunto da sociedade brasileira, o bem-comum de todos os brasileiros. Construiu sim, um Estado voltado para, com e por meio desses mesmos setores dominantes.[2]

Ressalte-se que a sociedade sempre buscou, de alguma forma, resolver seus conflitos, seja de forma consensual ou litigiosa. É inerente ao ser humano movimentar- se de forma a solucionar situações conflituosas, que lhe tragam um sentimento de incômodo e lhe façam vivenciar a dor do embate.

Apesar desta conscientização latente, o capitalismo neoliberal esvazia o valor fundamental da coletividade e do bem comum, assumindo o indivíduo lugar principal na sociedade. Na perspectiva neoliberal, o indivíduo caracteriza-se pelo ter e, desta forma, a liberdade é a liberdade do indivíduo proprietário. Por isso nesta lógica, o Estado tem a função de defender a propriedade.

Este indivíduo torna-se pela razão instrumental – concretizada pela ciência e pela técnica – o senhor do mundo e da natureza e construirá um novo conjunto de valores, centrados na produção de mercadorias. O conceito de propriedade e de homem, construídos ao longo dos séculos passados, constitui a estrutura jurídica que dá a base legal à ação da parte do Estado, encarregada de fazer a justiça. Por isso mesmo, a estrutura judiciária, assim construída termina sendo quase sempre um caminho constituído pelo estrito cumprimento do ritual processual.

Com este processo de globalização econômica e a inserção da lógica neoliberal no Estado e, como dissemos, o ser humano visto exclusivamente como sujeito-proprietário, tem-se um aumento considerável dos conflitos e das ações distribuídas nos tribunais. Ocorre que o sistema jurisdicional buscado pelo sujeito de direito, para dar resposta aos seus conflitos, não estava preparado e nem estruturado física, humana e metodologicamente para o rápido e excessivo aumento da demanda. Tornando-se ineficaz para a solução das lides.

Desta forma, o indivíduo – proprietário – se vê inserido no mercado, independente de classe social, no que diz respeito ao consumo de bens e serviços. Isso porque este indivíduo somente se sente aceito socialmente, se consumir o que o aglomerado econômico lhe oferece. É lógico concluir-se que com o aumento do consumo, inevitavelmente temos um aumento de consumidores em busca de soluções para os problemas evidenciados em seus bens e a má prestação de serviços. Em virtude desta visão individualista, onde o judiciário se torna mero solucionador de problemas individuais, surgem as causas repetitivas que têm exigido do legislador e da doutrina jurídica uma atenção especial. Elas são as grandes responsáveis pela crise do Poder Judiciário[3].

Na medida em que as pessoas passaram a buscar a Justiça e exigir dela uma resposta aos seus problemas, houve um abarrotamento das secretarias judiciais, as quais trabalham, via de regra, abaixo do limite de serventuários, trazendo um entrave administrativo-processual à resolução dos conflitos. Com o aparecimento das insatisfações e as reclamações dos jurisdicionados, as “vísceras” do Poder Judiciário tornaram-se expostas tendo em vista que este se mostrou desorganizado e pouco estruturado para dar a resposta e o suporte necessário ao indivíduo com vistas à pacificação social.

Logo, o papel abraçado pelo Estado, de dizer o direito do cidadão, submetendo-o à decisão por Ele emanada, passou a tornar-se cada vez mais vagaroso e menos efetivo, trazendo insatisfação.

O presente artigo visa refletir sobre uma prática ainda pouco utilizada no Brasil como meio de resolução de conflitos e que pode auxiliar na construção de uma sociedade mais consciente de seus direitos, onde os cidadãos possam vivenciar a justiça e a democracia: a Mediação.

Tomando o conceito de “agir comunicativo” desenvolvido Jürgen Habermas, como pressuposto básico para uma relação entre sujeitos iguais no diálogo, nossa hipótese é de que a prática da mediação estimula este agir em uma sociedade marcada pelo individualismo, pelo conflito, pela relação adversarial e competitiva, ou seja, do predomínio do agir instrumental. A mediação pode ser uma forma para construção de um “espaço público democrático” (Habermas).

Desta forma, o artigo tem como ponto de partida os Direitos Humanos como base fundamental para a nossa prática de justiça, tendo em vista o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Após, faremos um breve histórico e conceituação de mediação no campo jurídico, bem como abordaremos os seus princípios e características.  

2 – A MEDIAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS

A mediação de conflitos vem ao encontro dos Direitos Humanos na medida em que se tem resguardado pela Constituição Federal os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana. Nesse sentido, a mediação de conflitos não caminha à margem dos princípios jurídicos, mas fortemente ligados aos Direitos Humanos.[4]

De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet,

“(…) na condição de limite da atividade dos poderes públicos, a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido ou alienado, porquanto, deixando de existir, não haveria mais limite a ser respeitado (este sendo considerado o elemento fixo e imutável da dignidade). Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo portanto dependente (a dignidade) da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade (este seria, portanto, o elemento mutável da dignidade), (…).”[5]

Assim, a mediação possibilita à pessoa humana a preservação e o respeito de sua dignidade, no sentido de proporcionar outra forma possível para a resolução de conflitos; alternativa esta que visa oportunizar uma comunicação mútua, onde as partes envolvidas possam ser sujeitos desta relação, compartilhando dúvidas, anseios, sentimentos e problemas inerentes ao conflito; mas também possíveis soluções e mudanças de atitudes para a pacificação do mesmo.

Portanto, pode-se afirmar que,

“(…) a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade (…)”[6]

Nesta forma de solucionar conflitos não existirá vencidos ou vencedores, mas uma solução que seja satisfatória às duas partes. Desta forma, nasce a possibilidade de desenvolvimento de reformulação das questões corriqueiras a que todos estamos sujeitos – as quais influenciam direta ou indiretamente nas relações interpessoais – e, então, passa-se a construir relações pautadas no diálogo, logo a relação adversarial passa a ocupar cada vez menos espaço.

3. MEDIAÇÃO

3.1. HISTÓRICO

A prática da mediação como forma de resolução de conflitos é utilizada desde a antiguidade. Conforme nos ensina Rozane Cachapuz, sua existência remonta aos idos de 3.000 a.C. na Grécia. [7]

De acordo com Christopher Moore,

“As culturas islâmicas também têm longa tradição de mediação. Em muitas sociedades pastoris tradicionais do Oriente Médio, os problemas eram freqüentemente resolvidos através de uma reunião comunitária dos idosos, em que os participantes discutiam, debatiam, deliberavam e mediavam para resolver questões tribais ou intertribais críticas ou conflituosas. Nas áreas urbanas, o costume local (‘urf) tornou-se codificado em uma lei sari’a, que era interpretada e aplicada por intermediários especializados, ou quadis. Estes oficiais exerciam não apenas funções judiciais, mas também de mediação. […] O hinduísmo e o budismo, e as regiões que eles influenciaram, têm uma longa história de mediação. As aldeias hindus da Índia têm empregado tradicionalmente o sistema de justiça panchayat, em que um grupo de cinco membros tanto media quanto arbitra as disputas…”[8]

Na cultura cristã, pode-se verificar a utilização dessa forma de resolução de conflitos no texto bíblico que faz referência à correção fraterna:

“Se o seu irmão pecar, vá e mostre o erro dele, mas em particular, só entre vocês dois. Se ele der ouvidos, você terá ganho seu irmão. Se ele não lhe der ouvidos, tome com você mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão seja decidida sob a palavra de duas ou três testemunhas. Caso ele não dê ouvidos, comunique à Igreja.”[9]

Infere-se que a mediação sempre foi ferramenta utilizada para solucionar os conflitos existentes nas sociedades. Ressalte-se, porém, que somente a partir do século XX é que a mediação passa a ser um sistema estruturado e, desde então, largamente utilizada por diversos países, tais como: França, Inglaterra, Irlanda, Japão, Noruega, Bélgica, Alemanha, dentre outros.

É certo que alguns países, como é o caso dos Estados Unidos, aderiram à utilização de meios alternativos de solução de conflitos com o objetivo de descongestionar os Tribunais. Walsir Júnior ressalta que:

“O acesso à Justiça não é visto, naquele país, como um “direito social”, mas, antes, como um problema social, tanto que os meios alternativos de resolução de conflitos passaram a ser objeto de cursos básicos em Faculdades de Direito. No âmbito do Poder Judiciário, foi criado um sistema de multiportas, ou seja, aos litigantes são oferecidas diferentes alternativas para resolução de suas disputas. É realizado um diagnóstico prévio do litígio, posteriormente encaminhado por meio do canal mais adequado a cada situação.”[10]

Assim, percebe-se que a mediação, ligada ou não ao processo judicial, continua a fazer parte da história da humanidade. Independente da motivação para a utilização deste método, os seus resultados têm-se mostrado mais satisfatórios que os processos judiciais, visto que possibilitam a preservação das relações, sejam elas pessoais ou comerciais.

3.2. CONCEITUAÇÃO

De acordo com Lia Sampaio, “a mediação é um processo pacífico de resolução de conflitos em que uma terceira pessoa, imparcial e independente, com a necessária capacitação, facilita o diálogo entre as partes para que melhor entendam o conflito e busquem alcançar soluções criativas e possíveis” [11].

Vale aqui fazer uma diferenciação entre dois processos que costumam causar confusão quanto aos seus conceitos por terem entre si uma tênue diferença. São eles: a conciliação e a mediação.

Normalmente, a conciliação se dá dentro de um processo judicial. Podemos citar como exemplo as ações movidas nos Juizados Especiais Cíveis, onde primeiramente é marcada uma audiência de conciliação, com conciliador indicado pelo Judiciário. Havendo acordo entre as partes, este será homologado pelo Juiz togado. Em caso negativo, será marcada audiência de instrução e julgamento. Ressalte-se que antes do magistrado iniciar a audiência de instrução e julgamento propriamente dita, possibilitará, novamente, às partes a faculdade de realização de um acordo para resolução do conflito.

A atuação do conciliador é mais direta e objetiva. Ele, apesar de não ter poder decisório, influencia diretamente na decisão das partes, visto que pode dar palpites e sugestões. O objetivo da conciliação é que as partes cheguem a um acordo, o qual será homologado pelo Juiz togado, e colocará um fim no processo judicial. A conciliação é utilizada para resolver situações onde, normalmente, as partes não possuem vínculos de relacionamento, ou seja, o único vínculo existente é o litígio.

Já a mediação se preocupa com a preservação dos vínculos existentes entre as partes envolvidas no conflito. Neste método o mediador é neutro e imparcial, não pode dar palpites ou sugestões. Sua função é levar às partes a se desarmarem das mágoas provenientes do conflito, para poderem dialogar e chegarem a uma solução aceitável. Frise-se que a decisão final é unicamente das partes.

Roberto Portugal Bacellar faz a seguinte diferenciação entre conciliação e mediação:

“A conciliação é opção mais adequada para resolver situações circunstanciais, como indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único vínculo é o objeto do incidente), e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes, que não mais vão manter qualquer outro relacionamento; já a mediação afigura-se recomendável para situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de amizade, de vizinhança, decorrentes de relações comerciais, trabalhistas, entre outros. Como a mediação procura preservar as relações, o processo mediacional bem conduzido permite a manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante a discussão da causa”.[12] (grifo nosso)

3.3. ELEMENTOS NECESSÁRIOS

Para que a mediação se desenvolva são necessários que três elementos se encontrem presentes: as partes, a disputa e o mediador. Não há consenso entre os estudiosos quanto à participação do advogado no processo de mediação. Para alguns autores, esta presença é essencial para que as partes possam decidir bem.[13] Para outros, tudo dependerá da vontade das partes, não sendo prescindível a presença de um advogado para que aquelas possam chegar a um acordo.

Tendo que a função precípua do mediador é tentar pacificar os ânimos das partes, facilitando a comunicação entre ambas, para que possam chegar a uma decisão onde participaram efetivamente de sua construção, pode-se inferir que essa pessoa (o mediador) pode ter formação diversa da do Direito, ou, inclusive, não possuir formação superior. O ponto fundamental neste caso será a habilidade deste indivíduo em conduzir a mediação de forma a alcançar os objetivos propostos à sua função.

3.4. OBJETIVOS

O objetivo principal da mediação é que as partes envolvidas cheguem a um acordo voluntário e aceitável por ambas. Observa-se que os objetivos propostos pela mediação são diversos e variam de acordo com os doutrinadores que tratam do tema. Tomaremos aqui, os objetivos analisados por Walsir Edson Rodrigues Júnior, quais sejam:

3.4.1. ALIVIAR O CONGESTIONAMENTO DO JUDICIÁRIO:

Neste tópico, em especial, tem-se que há uma dupla possibilidade de interpretação. Se levarmos em conta que a mediação proporciona o empoderamento do cidadão – dando-lhe voz, tornando-o sujeito de seus conflitos – este indivíduo tomará cada vez mais consciência de seus direitos, podendo buscar resguardá-los por via judicial. Nesse sentido, não haveria descongestionamento do Judiciário e, sim, um aumento das demandas judiciais.

Por outro lado, os cidadãos, exercitando o diálogo e verificando que desta forma conseguem êxito na resolução de seus conflitos, podem optar pela mediação como forma de solucionarem as desavenças existentes, ainda mais quando existentes laços de relacionamento que podem ser preservados.

Com a prática da mediação, há uma tendência à mudança de paradigmas de uma cultura adversarial para uma cultura dialógica, onde os indivíduos passem a resolver seus conflitos de forma pacífica, por meio do diálogo. Desta forma, a intenção não será ganhar uma briga, mas pacificar de fato o conflito existente, buscando alternativas viáveis para a manutenção e/ou resgate de uma relação saudável entre os indivíduos.

3.4.2. Diminuir os custos na resolução dos conflitos

Por ser a mediação um processo voluntário, logo se pressupõe a inclinação das partes para chegarem a uma solução. Assim, o tempo de desenvolvimento deste processo pode levar alguns dias ou horas; conseqüentemente, o custo deste procedimento é mais barato do que de um procedimento judicial. É óbvio que não se pode esquecer que, não chegando as partes a qualquer acordo, poderão procurar outras forma para verem o seu conflito solucionado, tal como o Poder Judiciário; devendo arcar, para tanto, com todos os ônus decorrentes desta ação.

3.4.3. Propiciar maior rapidez na resolução de conflitos

Aqui é pertinente fazer referência à crise processual vivida em nossos Tribunais, onde as ações costumam demorar meses ou anos para chegarem ao fim. Pesquisas recentes demonstram que uma ação passa quase 70% na Secretaria Judicial, para a execução dos procedimentos exigidos pela legislação. Humberto Theodoro Júnior em seu Curso de Direito Processual Civil explicita que parte do entrave processual se dá por conta das fases mortas pela qual tramitam os autos.[14]

A demora do processo tem como conseqüência a perda de credibilidade do Poder Judiciário em proporcionar a verdadeira justiça, vez que ao não promover uma prestação jurisdicional célere, adequada e eficaz, acaba por penalizar a parte autora em sua busca na resolução do conflito, asseverando as desigualdades existentes na realidade jurídico-processual. Com a mediação, vislumbra-se a possibilidade de resolver um conflito em algumas horas ou dias, dependendo do desenrolar dos encontros entre as partes.

3.4.4. Preservar a comunicação futura e a relação entre as partes

A mediação, como já foi mencionado, se preocupa com a preservação dos vínculos existentes entre as partes envolvidas no conflito. Conforme sugere Walsir Edson Rodrigues Júnior, (…) por meio da mediação, é possível prevenir novos conflitos, uma vez que eles são percebidos como fenômenos capazes de promover uma mudança positiva, um crescimento e, sobretudo, a construção de uma responsabilização mútua pelo sucesso de uma solução, viabilizando parâmetros que tornem possível a negociação.[15]

A justiça com a qual nossa sociedade está acostumada é a utilizada nos Tribunais Brasileiros, ou seja, uma justiça adversarial – litigiosa – cuja preocupação é fazer a justiça a partir dos documentos presentes nos autos. Assim, está mais enfocada no passado que no futuro. Não há um cuidado no que diz respeito a preservar relações existentes, mas tão somente em fazer a justiça.

Gláucia Falsarelli Foley, ressalta que

“Não raro, os “clientes da justiça” sentem-se excluídos do processo conduzido por seus advogados, os quais fornecem estratégias baseadas na interpretação da lei que e no interesse imediato das partes. Muitos clientes ficam intimidados com a formalidade do processo de adjudicação e sentem que não estão aptos a participar de forma ativa. Trata-se da “advocacia ritualística”, conforme denomina W. Simon, pela qual “os litigantes não são os sujeitos da cerimônia, mas os pretextos para ela”.”[16]

Habermas, em sua teoria da ação comunicativa, propõe uma estrutura dialógica, onde “os indivíduos são encorajados a adotar as perspectivas de todos os outros indivíduos afetados antes de decidir qual a validade de uma dada norma” [17]. Desta forma, o indivíduo tem condições de examinar proposições normativas por meio de um diálogo aberto.

Nessa perspectiva, o indivíduo se torna sujeito de suas relações – sejam elas conflituosas ou não – tendo voz para exprimir os seus anseios, dúvidas, angústias e expectativas; tornando-se, assim, interlocutor direto dessas relações.

3.5. CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO

No entendimento de Gláucia Falsarelli Foley[18], a análise trazida por Schwerin é a mais completa, posto que reúne os elementos da mediação a partir das suas finalidades. Ressalta que para o autor, a mediação trata-se de um processo:

1. Apto a lidar com as raízes dos problemas;

2. Não-coercitivo;

3. Voluntário e permite aos disputantes resolverem seus problemas por eles próprios;

4. Mais rápido, barato e igualitário;

5. Desenvolve a capacidade de comunicação entre os membros da comunidade;

6. Reduz o congestionamento das Cortes;

7. Reduz as tensões na comunidade;

8. Não-burocrático e flexível;

9. Os mediadores não são profissionalizados, eles representam a comunidade e compartilham os valores, não sendo estranhos aos disputantes;

10. Um vínculo de empoderamento da comunidade e um estímulo às mudanças sociais.

Verifica-se que os objetivos e as características são profundamente interligadas, complementando-se no que se refere à construção do consenso, onde haja conflito e dificuldades humanas, oportunizando a reconciliação, a comunicação e o aprendizado.

A mediação caminha em direção contrária ao sistema oficial implantado em nossos tribunais, qual seja, binário, dialético, onde as partes entram em confronto diante da autoridade judicial, onde teremos uma decisão coercitiva que tem amparo no ordenamento legal. A mediação, em contrapartida, parte de um ponto onde a relação é dialógica, horizontal e participativa; dessa forma as partes em conflito não estão obrigadas a se submeter a uma decisão coercitiva com amparo no ordenamento legal, ao contrário, constroem suas próprias alternativas, procurando a pacificação no caso concreto, bem como a prevenção para que em casos posteriores esta pacificação seja buscada.

Conforme Walsir Edson Rodrigues Júnior, no sistema judiciário a lide é resolvida dentro dos limites em que foi proposta, posto que é submetida a uma forma rígida, onde quem decide é o juiz. Por isso é que muitas decisões proferidas pelos magistrados acabam por não alcançar o seu objetivo último – a pacificação social – visto que o litígio não foi resolvido em sua totalidade. O incômodo, o conflito social, continua existindo entre as partes, pois não foi tratado de forma integral pelo magistrado. [19]

Conclui Gláucia Falsarelli Foley que,

“As soluções construídas pelas partes envolvidas no conflito podem ser talhadas além da lei. Quando protagonistas do conflito inventam seus próprios remédios, em geral, não se apóiam na letra da lei porque seu pronunciamento é por demais genérico para observar a particularidade dos casos concretos. Há, pois, a liberdade de criar soluções em as amarras dos resultados impostos pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, as partes, antes alheias ao processo de elaboração das leis, “legislam” ao constituir suas próprias soluções não somente para enfrentar os conflitos já instaurados, mas para evitar adversidades futuras.”[20]

A estrutura da mediação possibilita a emancipação do indivíduo e, conseqüentemente, da comunidade na qual está inserido. A proposta apresentada por este método propõe uma mudança de paradigma, deixando de lado a relação adversarial e buscando uma relação consensual, onde seja alcançada a tão almejada pacificação social. Assim, a mediação permite que sejam averiguados os reais interesses das partes e a resolução integral do conflito existente.

Nesta perspectiva, a ação comunicativa proposta por Habermas “é, acima de tudo, uma ação orientada para o acordo, para o entendimento mútuo que leva a um consenso”[21]. Há uma relação essencialmente dialógica, visto que há sujeitos em interação.

Habermas procura chamar atenção para o importante papel da linguagem na interação humana, pois afirma que

(…) no caso da ação comunicativa a linguagem se constitui num meio capaz de possibilitar inteiramente o entendimento mútuo. A linguagem se apresenta, então, como motor da integração social, tendo a comunicação como o veículo de construção de uma identidade comum entre indivíduos. (…)[22]

4 – CONCLUSÃO

Verifica-se que a teoria do “Agir Comunicativo” trazida por Habermas é colocada em prática e vivenciada pelos indivíduos que optam pela mediação como resolução alternativa de conflitos. Estas pessoas participam de um procedimento dialógico, onde têm a oportunidade de expor os seus sentimentos, argumentando sobre o seu ponto de vista, contra-argumentando falas com que não concordam e construindo conjuntamente possíveis soluções para o conflito existente.

Desta forma, o fato de possibilitar ao indivíduo falar e expor sobre o conflito, bem como sobre os seus sentimentos, proporciona ao mesmo o exercício de tornar-se participante da comunidade que integra, podendo opinar sobre a melhor forma de resolvê-lo.

A proposta apresentada pela mediação vem ao encontro da teoria harbemasiana, visto que possibilita a emancipação do indivíduo e da comunidade na qual está inserido, bem como propõe a mudança do paradigma da relação adversarial para uma relação dialógica, com o objetivo de que a pacificação social seja alcançada.

Da mesma forma, a mediação traz a possibilidade de que o respeito à dignidade da pessoa humana seja preservado, levando-se em conta que propicia outra forma possível para a resolução de conflitos. Tal alternativa visa oportunizar uma comunicação mútua, onde as partes envolvidas possam ser sujeitos da relação em que estão inseridas, compartilhando dúvidas, anseios, sentimentos e problemas inerentes aos conflitos; mas também possíveis soluções e mudanças de atitudes para a pacificação do mesmo.

A dignidade da pessoa humana, ponto fundamental da tábua axiológica trazida pela Constituição Federal de 1988, é tida como importante para a mediação, na medida em que oferece ao indivíduo a possibilidade de promoção e empoderamento social.

Frise-se que esta preservação da dignidade da pessoa humana é demonstrada de forma veemente na decisão final do processo de mediação, que é unicamente das partes integrantes do conflito. Portanto, não há inferência de quaisquer outras pessoas na construção da melhor solução possível para por fim ao conflito trazido à mediação.

Assim, o mediador tem o papel de auxiliar as partes, porém sem emitir opinião ou juízo de valor sobre o conflito, sendo neutro e imparcial. Sua função principal é levar as partes a se desarmarem das mágoas provenientes do conflito, para conseguirem dialogar e chegarem a uma solução aceitável e possível.

 

Referências
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DIDIER JR, Freddie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Salvador: Podivm, 2009.
FOLEY, Gláucia Falsarelli. O Poder Judiciário e a Coesão Social. Texto apresentado no Concurso de Monografia da AMB. 2009.
PEREIRA, Gláucia Falsarelli. Justiça Comunitária – Por uma justiça da emancipação. Dissertação de Mestrado em Direito – Universidade de Brasília. Brasília: 2003.
RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
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SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; Braga neto, Adolfo. O que é mediação de conflitos (Coleção primeiros passos). São Paulo: Brasiliense, 2007.
SCOTT, John (organizador). 50 Grandes Sociólogos Contemporâneos. São Paulo: Contexto, 2009.
THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
 
Notas:
[1] CASTELLS, M. A. A Sociedade em Rede – A era da informação: economia e sociedade. V.1. São Paulo: Editora Paz e Terra. 1999. 

[2] CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática. Brasília: Edições CNBB, 2010, Documento n. 91. n. 14, 15 e 25. 

[3] DIDIER JR, Freddie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Salvador: Podivm, 2009. p. 147. 

[4] VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. São Paulo: Editor Método, 2008. p. 53. 

[5] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 52/53. 

[6] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 52. 

[7] CACHAPUZ. Mediação nos Conflitos & Direito de Família. Citado por RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson in A Prática da Mediação e o Acesso à Justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 64. 

[8]  MOORE. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Citado por RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson in A Prática da Mediação e o Acesso à Justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 63. 

[9] Mateus 18, 15-17 

[10] RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67/68. 

[11] SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; Braga neto, Adolfo. O que é mediação de conflitos (Coleção primeiros passos). São Paulo: Brasiliense, 2007. 

[12] BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação paraprocessual. Citado por RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson in A Prática da Mediação e o Acesso à Justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 75/76. 

[13] VEZZULLA, Juan Carlos. A mediação. O mediador. A justiça e outros conceitos. Citado por RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson in A Prática da Mediação e o Acesso à Justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 76. 

[14] THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 

[15] RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 79. 

[16] FOLEY, Gláucia Falsarelli. O Poder Judiciário e a Coesão Social. Texto apresentado no Concurso de Monografia da AMB. 2009. 

[17] SCOTT, John (organizador). 50 Grandes Sociólogos Contemporâneos. São Paulo: Contexto, 2009. p.146. 

[18] PEREIRA, Gláucia Falsarelli. Justiça Comunitária – Por uma justiça da emancipação. Dissertação de Mestrado em Direito – Universidade de Brasília. Brasília: 2003. p. 73. 

[19] RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 89. 

[20] PEREIRA, op. cit., p. 74. 

[21] Citado por COUTINHO, Sérgio. “A Recepção Como „Pragmática Argumentativa‟ – uma visita ao conceito pelo olhar habermasiano” in Perspectiva Teológica n. 37. 2005. p. 343. 

[22] COUTINHO, op.cit., p. 344. 


Informações Sobre o Autor

Diego Coelho Antunes Ribeiro

Mestrando em Direito Constitucional pela UFF, Pós Graduando em Ciências Criminais pela UERJ, Pós Graduando em Direito Penal pela UGF, Advogado


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