O novo viés constitucional do Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas e o confronto entre a teoria da Separação dos Poderes, Reserva do Possível e o Mínimo Existencial

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Resumo: O presente artigo discorre sobre uma grande polêmica do direito atual, qual seja: a interferência do Poder Judiciário na implantação das políticas públicas, que, em regra, trata-se de uma atribuição típica do Poder Executivo e Legislativo. Vários são os argumentos contrários a tal intervenção, como por exemplo: ofensa aos Princípios da Reserva do Possível e da Independência dos Poderes. Por outro lado, temos que uma das principais características da chamada evolução da Teoria do Direito, bem como do famigerado Neoconstitucionalistmo, é o fortalecimento do Poder Judiciário bem como a concretização dos direitos fundamentais estampados na Constituição. Ou seja, em outras palavras, resta clarividente que o Poder Judiciário está no cerne do estado Contemporâneo. Por tudo isso, o artigo visa demonstrar o importante papel do Judiciário que acaba por figurar não como um poder superior aos demais (Executivo/Legislativo), mas sim como um poder imprescindível para a concretização do mínimo existencial estampado em nossa Bíblia Política de 1988. Para ratificar todo esse papel de destaque do Judiciário, torna-se necessário a exposição de algumas características de nossa Constituição, do Neoconstitucionalismo, dentre outros conceitos.

Palavras-chave: Neoconstitucionalismo. Características. Poder Judiciário. Políticas Públicas. Direitos Fundamentais. Reserva do Possível. Independência dos Poderes.

Abstract: Dissertation is a great controversy about the current law, which is: the interference of the Judiciary in the implementation of public policies, which, as a rule, it is a typical assignment of the Executive and Legislature. There are several arguments against such an intervention, such as: Principles of the offense and of the Independence of Possible Powers Reserve. On the other hand, we have a major feature of evolution called the Theory of Law as well as the infamous Neoconstitucionalistmo, is the strengthening of the judiciary as well as the realization of fundamental rights in the Constitution printed. That is, in other words, remains clairvoyant that the Judiciary is at the heart of contemporary state. For all this, the research aims to demonstrate the important role of the judiciary that ultimately do not appear to others as a superior power (Executive / Legislative), but as an essential to realizing the existential minimum imprinted in our Bible 1988 Power Policy. to ratify all this leading role of the judiciary, it is necessary to exhibit some features of our Constitution, the Neoconstitutionalism, among other concepts.

Keywords: neoconstitutionalism. Characteristics. Judiciary. Public Policy. Fundamental Rights. Possible Reserve. Independence of Powers

Sumário: Introdução; 1 Teoria da Separação dos Poderes; 1.1 Origem; 1.2 Sistemas de Freios e Contrapesos – Check and Balance; 2 Evolução da Teoria do Direito; 2.1 Constitucionalismo; 2.2 Fortalecimento do Poder Judiciário e da Constituição; 2.3 Ativismo Judicial; 3 O Poder Judiciário Contemporâneo; 3.1 Políticas Públicas e sua efetivação no Brasil; 3.2 A inexistência de ofensa constitucional ao Princípio da Separação dos Poderes; 3.3 Teoria da Reserva do Possível x Mínimo Existencial; 4 Considerações Finais

Introdução

Nos tempos atuais, o Poder Judiciário passa a figurar como o principal poder da Republica Federativa do Brasil, com uma atribuição extra, qual seja, efetivar as políticas públicas no afã de garantir os direitos fundamentais estampados na Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, o Poder Jurisdicional revestido de todas as características neoconstitucionais e em obediência ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, não poderá permanecer inerte, quando provocado.

Várias são as críticas, principalmente da doutrina, quanto a essa nova forma de atuação jurisdicional. A principal delas diz respeito à ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes e da Reserva do Possível.

Ao julgar as demandas relacionadas à inércia dos demais poderes em legislar e executar as políticas públicas estaria o Poder Judiciário violando o Princípio da Separação dos Poderes previsto no art. 2º da CF/88, bem como a reserva do possível?

A propósito, é bastante comum a alegação da teoria da reserva do possível, instituto criado pela doutrina alemã, por parte da Administração Pública, no intuito de justificar a não adoção de políticas públicas em virtude da ausência de recursos financeiros.

Sendo assim, muitos estudiosos dizem que a reserva do possível, no Brasil, é denominada de reserva do "financeiramente" possível.

Neste contexto, estaria a reserva do "financeiramente possível" de acordo com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial?

1.Teoria da Separação dos Poderes

1.1 Origem

Os principais pensadores da Teoria da Separação dos Poderes desenvolveram seus estudos no período monárquico, onde todo o poder estava concentrado nas mãos do rei (monarca).

O monarca era dotado de supremacia inequívoca e, para muitos da época, era um atributo de origem divina, ou seja, o rei era uma figura escolhida por Deus, onipotente, responsável por elaborar as leis, executá-las e julgar aqueles que não as cumpria.

Essa unificação dos poderes nas mãos de uma só pessoa, fez com que Aristóteles em meados de 384 a.C. a 322 a.C, desenvolvesse as primeiras ideias sobre a separação dos poderes em sua obra denominada de A Política.

Criada por Aristóteles e aperfeiçoada por Charles Montesquieu, na obra O Espírito das Leis, a separação dos poderes tinha como principal objetivo pôr fim ao poder absoluto do rei. Poder este evidenciado na célebre frase do Rei Luís XIV: "L'Etat'c est moi"(O estado sou eu). Segundo Aristóteles, o poder exercido pelo soberano eram divididos em três vertentes: o de editar leis, o de administrar e executar as leis editadas e, por fim, o de julgar aqueles que descumpriam o ordenamento jurídico posto.

Ocorre que Aristóteles, apesar de destacar a existência dessas três funções, a princípio, não conseguiu realizar as mudanças que tanto idealizava/teorizava, pois tais funções se concentravam, ainda, nas mãos de uma única pessoa, qual seja, o soberano (rei).

Posteriormente, no século XVII, o absolutismo, por influência do iluminismo, sofreu algumas limitações com a edição da Magna Carta (Great Charter) de 1215, Bills of Rights, The Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679) e Bill of Rights (1689).

Aproveitando-se de todo esse contexto histórico, Jonh Locke, no Segundo Tratado do Governo Civil, justificou que a divisão de poderes foi um compromisso que acabou reservando ao monarca certas funções, ao parlamento outras, e aos juízes restando caracterizada sua independência. Surgindo, pois, a primeira sistematização doutrinária da separação de poderes.

Por fim, Montesquieu acabou por aprimorar a Teoria da Separação dos Poderes, até então desenvolvida por Aristóteles e Locke. Montesquieu, em sua obra "O Espírito das Leis" dizia que tais funções não deveriam se concentrar nas mãos de um único indivíduo, mas sim em três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si.

De acordo com o próprio Montesquieu (1977, p.209): "Esses três poderes deveriam formar uma pausa ou uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, eles estão obrigados a caminhar, serão forçados a caminhar de acordo".

Segundo o professor Lenza (2013, p. 601): "Tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos, como as revoluções americana e francesa, caracterizando-se, na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 16, como verdadeiro dogma constitucional."

A partir de então cada poder passaria a atuar dentro daquilo que é previsto por sua função típica, não sendo mais permitido, a um único órgão, legislar, aplicar a lei e julgar, como era comum no absolutismo. (LENZA, 2013, p. 601).

Importante ressaltar que o princípio da separação dos poderes teve seu grande marco no célebre caso Marbury x Madison, em 1803, na qual o juiz Marshall acabou reconhecendo que os atos do Executivo e do Legislativo apenas serão considerados válidos quando o Poder Judiciário firmar o entendimento que tais atos estão em conformidade com a Constituição Federal. Procedimento este conhecido como Judicial Review.

Sendo assim, dentro do sistema de freios e contrapesos, o Judicial Review surge para dar uma maior ênfase à função do poder judiciário que estará sempre pautado em, simplesmente, fazer cumprir o disposto na Constituição Federal.

A propósito, torna-se primordial tecer alguns comentários sobre o sistema de freios e contrapesos, vejamos.

1.2 Sistema de Freios e Contrapesos – Check and Balance

O sistema de freios e contrapesos surgiu no direito americano, porém o termo balance é de origem inglesa.

Segundo Aleintkoff (1991, p. 238): "O balance originou-se na Inglaterra, pela qual a Câmara dos Lordes (os nobres) passaram a equilibrar (balancear) os projetos de leis advindos da Câmara dos Comuns (originários do povo), a fim de evitar que leis demagogas, ou formuladas pelo impulso momentâneo de pressões populares, fossem aprovadas. (…) já o check, por sua vez, surgiu quando o Justice Marshal declarou em sua opinion, lançada no famoso caso Marbury x Madison, em 1803, que o Poder Judiciário tinha a missão constitucional de declarar a inconstitucionalidade (…) dos atos do Congresso, quando a seu exclusivo juízo, tais leis não guardassem harmonia com a Carta Política."

O objetivo primordial do instituto se resume em não permitir que um poder tenha certa predominância em detrimento do outro, mas sim que todos atuem de modo a estabelecer uma relação harmoniosa onde os excessos de um será corrigido/atenuado pelo outro. Tais preocupações foram tomadas no sentido de aniquilar qualquer possibilidade de concentração do poder nas mãos de uma só pessoa, como no absolutismo (monarquia).

O sistema de freios e contrapesos vem ratificar a harmonia que o legislador constituinte originário sempre buscou ao elaborar a norma prevista no artigo 2º da Constituição Federal: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."

O professor José Afonso da Silva (2005, p. 111) destaca que: "A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito."

Atualmente o sistema de freios e contrapesos vem sendo o protagonista de acirradas discussões nos diversos tribunais brasileiros, principalmente no que diz respeito à implementação das políticas públicas. No entanto, ao se fazer uma análise atenta dos principais motivos, percebe-se que a inércia de alguns poderes em realizarem suas funções típicas face ao fortalecimento do Poder Judiciário, é o principal motivo das discussões.

2.A evolução da Teoria do Direito

2.1 Constitucionalismo

O Constitucionalismo foi o movimento político-jurisdicional que tinha como principal finalidade a limitação do poder estatal, cujas ideias básicas eram: i) um governo limitado; ii) a garantia de direitos e iii) a separação dos poderes.

O renomado constitucionalista e professor Marcelo Novelino (2014, p.53) define em sua obra que: "(…) o constitucionalismo compreende duas noções identificadoras básicas: o princípio da separação dos poderes e a garantia de direitos como instrumento de limitação do exercício do poder estatal consagrados nas Constituições com o objetivo de proteger as liberdades fundamentais."

Nota-se que o movimento constitucionalista adotou a liberdade como umas de suas principais ideologias no afã de diminuir o poder absoluto do rei, concedendo aos súditos uma maior autonomia para a prática de seus atos.

A partir de então, vários foram os movimentos tendentes a limitar o poder estatal e resguardar o direito à liberdade da sociedade, conhecidos como direito de 1ª geração/dimensão, como por exemplo: a Carta Magna de 1215, Bills of Rights, The Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679) e Bill of Rights (1689), Constituição Americana (1787), Revolução Francesa (1789), Constituição Francesa (1791) dentre outros.

Em virtude dos vários movimentos ligados ao constitucionalismo, J.J. Gomes Canotilho (2000, p. 51) denomina-os de "movimentos constitucionais" e define o constitucionalismo como: "(…) uma teoria que ergue o principio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização política-social de uma comunidade (…) é no fundo uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou da teoria do liberalismo."

Pois bem, havia no constitucionalismo antigo uma verdadeira supremacia do Parlamento. Foi nesta época (século XVII) que foram formados os partido políticos ingleses, sendo dois deles conhecidos como Tories e os Whigs. Os Tories eram mais conservadores e, por ainda existir certa força da Coroa, se socorriam à doutrina do direito divino dos Reis. Já os Whigs eram liberais, puritanos e tolerantes com os demais protestantes. (NOVELINO, 2014, p.55).

Por outro lado, já era possível notar certa independência do Poder Judiciário durante o Constitucionalismo Antigo/Idade Média. Porém, o fortalecimento, de fato, do Poder judiciário, se deu no Constitucionalismo Clássico Americano.

2.2 Fortalecimento do Poder Judiciário e da Constituição

O instituto do Judicial Review, conforme já mencionado, surgiu no célebre caso Marbury x Madison cuja teoria da separação dos poderes ficou mais evidenciada, principalmente pela forte influência do Poder Judiciário nas lides.

Relata a história que o então presidente norte-americano Jonh Adams, nas eleições de 1800, foi derrotado por seu opositor Thomas Jefferson. Porém, Jonh Adams no final de seu mandato realizou uma série de "manobras políticas" para permanecer com suas influências no Poder Judiciário. Dentre tais manobras, destaca-se a aprovação de uma lei que reorganizava todo o Poder Judiciário. A mencionada lei ficou conhecida como The Circuit Court Act cujo teor era: i) diminuir o número de juízes na Suprema Corte e, ii) a criação de 16 (dezesseis) cargos para Juiz Federal. (BARROSO, 2012, p. 24).

Ocorre que os novos cargos criados para Juiz Federal foram preenchidos por aliados do próprio Jonh Adams que posteriormente nomeou mais quarenta e dois juízes de paz. Entre os juízes federais nomeados, estava seu Secretário de Estado Jonh Marshall que, a propósito, se tornaria, também, presidente da Suprema Corte.

Pois bem, acontece que o então Secretário de Estado Jonh Marshall acabou não concluindo todos os atos de investidura dos novos juízes e alguns, em virtude da falta de tempo, visto que os atos foram realizados às pressas, acabaram não tomando posse como foi o caso de Willian Marbury.

Com a posse de Thomas Jefferson como novo presidente, seu Secretário de Estado James Madison acabou por não nomear Willian Marbury como juiz federal, a pedido do próprio presidente Jefferson. A partir de então, inconformado, Marbury propõe ação judicial no intuito de buscar uma tutela jurisdicional que lhe garantisse a posse como magistrado, por acreditar ser um direito líquido e certo seu. O julgamento do presente mandamus coube a própria Suprema Corte de Justiça Americana.

O professor Luiz Barroso (2012, p.24) destaca que: "(…) o Congresso, já agora de maioria republicana, veio e revogar a lei de reorganização do Judiciário federal (the Circuit Court Act), extinguindo os cargos que haviam sido criados e destituindo seus ocupantes. Para impedir questionamentos a essa decisão perante a Suprema Corte, o Congresso suprimiu a sessão da Corte de 1802, deixando-a sem reunir de dezembro de 1801 até fevereiro de 1803."

Mas a Corte Americana acabou julgando o caso Marbury x Madison em 1803 onde ficou estabelecido que o Judiciário estaria apto a fazer com que o Executivo cumprisse as leis estabelecidas na Constituição, pois os atos deste poder estariam condicionados ao controle judicial no que tange à constitucionalidade e legalidade.

Marcelo Novelino (2014, p. 57) relata que: "As ideias de supremacia da Constituição e sua garantia jurisdicional são algumas das principais contribuições da tradição norte-americana. Por estabelecer as regras do jogo político, a Constituição estaria, por uma questão de lógica, em um plano juridicamente superior aos de que deles participam (Poderes Legislativo, Executivo e judiciário)."

Sendo assim, após esse famoso caso (leading case), o Poder Judiciário tornou-se um poder de maior destaque, tendo a função de conhecer, resguardar e fazer cumprir, inclusive, os direitos fundamentais constitucionais.

2.3 Ativismo Judicial

A Constituição Federal de 1988 que reúne alguns primados normativos das Constituições de 1891, 1934 e 1946, estabelece em seu artigo 5º, inciso XXXV que: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". O postulado faz referência ao famigerado Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição.

O neoconstitucionalismo origina-se do abandono da cultura legicêntrica evidenciado desde o final da Segunda Guerra Mundial, onde a lei era considerada a principal fonte do direito no qual a Constituição não passava de uma mera fonte inspiradora de programas políticos que sequer podiam ser invocados diante o Poder Judiciário. (SARMENTO apud ARANHA, 2014, p. 310).

Com a promulgação do Constituição de 1988 que, se observarmos historicamente, foi a primeira Carta Fundamental Brasileira a adquirir as características do constitucionalismo moderno (neoconstitucionalismo), houve a exaltação do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (Art. 5º, XXXV, CF/88).

O referido princípio acaba estabelecendo a competência jurisdicional em conhecer, dizer e assegurar o direito posto em juízo, principalmente àqueles que possuem viés constitucional fundamental. Surgindo o chamado "ativismo judicial".

O termo "ativismo judicial" foi utilizado pela primeira vez em 1947, nos Estados Unidos com a denominação de judicial activism. O primeiro jurista a estudar o assunto foi Arthur Schlesinger Jr. O jurista descrevia, em seu estudo, as linhas de atuação da Suprema Corte americana sob a vigência do New Deal com o objetivo de explanar o porquê de entendimentos tão diversos entre os membros do tribunal. (ARANHA, 2014, p. 311).

O ativismo judicial surge como uma espécie de redemocratização do país!

No que diz respeito à redemocratização do país, destaca-se, neste cenário, o fim do regime ditatorial e o verdadeiro fortalecimento do Poder Judiciário em todas as suas esferas. Destaca-se, inclusive, o fortalecimento do Ministério Público e das Defensorias Públicas, instituições de grande relevância para o direito/justiça. Características que, de fato, ratificam o político do Judiciário.

Destaca-se, inclusive, o eficaz sistema de controle de constitucionalidade brasileiro. Sistema este que faz uma junção do modelo americano e austríaco, sendo, portanto, um modelo de controle repressivo jurisdicional difuso e concentrado (misto).

O professor Barroso (2014, on line) faz um interessante comparativo entre judicialização e ativismo judicial, vejamos: "A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. (…) Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance".

A judicialização, que é o simples ato de recorrer ao judiciário para dirimir as lides, acabou propiciando o surgimento do ativismo judicial. O ativismo judicial, hoje, é um fato! Basta uma simples pesquisa nas jurisprudências dos tribunais superiores para ratificar o exposto.

O crescimento do ativismo judicial se deu devido ao enfraquecimento político do Legislativo em legislar e estabelecer condutas que propiciem a efetividade dos direitos e garantias fundamentais estampados na Constituição, somado também à inexistência de atos do Executivo que visem à estipulação de metas para executar aquilo que o legislador constituinte originário expôs na Magna Carta de 1988.

A discussão torna-se justamente mais complexa, a partir do momento em que o Judiciário, em determinados julgados, adentra nas questões das políticas públicas onde acaba, de fato, exercendo um papel político.

Inevitavelmente, em homenagem ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (Art. 5º, XXXV, CF/88) e ao disposto no art. 4º da LINDB, coube ao Judiciário a difícil missão de julgar e ao mesmo tempo, suprir as lacunas deixadas pelos outros poderes, vez que o julgador não pode deixar de julgar as demandas instauradas, mesmo que caracterizada a inércia do Legislativo e do Executivo na implementação de políticas públicas.

O professor Aranha (2014, p. 317) já dizia: "(…) o órgão do Judiciário é obrigado a se manifestar diante da omissão dos Poderes Legislativo e Executivo (…) uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Tribunal não tem a alternativa de conhecer ou não das ações e nem de se pronunciar ou não sobre seu mérito, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição."

No entanto, surgem várias críticas, tanto da doutrina quanto de estudiosos do direito, no que tange a esse novo método de atuação do Judiciário.

3.O Poder Judiciário Contemporâneo

3.1 Políticas Públicas e sua efetivação no Brasil

Ao se observar a Constituição Federal de 1988 é possível notar um extenso rol de direitos e garantias fundamentais que não estão apenas estampados no art. 5º, mas em todo o texto constitucional.

Porém, para que tais direitos sejam efetivados, torna-se imprescindível que o Estado adote medidas para fazer cumprir o estabelecido pelo legislador constituinte que, diga-se de passagem, representam o povo.

A partir de então acaba surgindo o termo "políticas públicas" que nada mais é do que um conjunto de atividades realizadas pelo Estado com o intuito de garantir aos administrados a efetividade de, pelo menos, uma parcela mínima de direitos assegurados pela Constituição Federal, em prol do bem estar social.

Luiza Cristina Fonseca Frischeinsen (2000, p. 80) conceitua políticas públicas como sendo "aquelas voltadas à concretização da ordem social que visam à realização dos objetivos da República, a partir da existência de leis decorrentes dos ditames constitucionais".

Em um estado Democrático de Direito regido por uma Carta Política fundamental que, desde então, estabelece e assegura os direitos mínimos essenciais do indivíduo (Dignidade da Pessoa Humana), outra opção não há à Administração Pública senão a adoção de políticas que de fato efetivem o disposto no texto constitucional, ligados à saúde, segurança, igualdade, educação e bem estar, por exemplo.

Moura (2011, p. 149): "No Estado Democrático de Direito, marcado pelo deslocamento da Constituição para o epicentro da ordem jurídica, com a expansão da jurisdição e a reelaboração da interpretação constitucional, cabe ao Poder Judiciário papel de proteção dos direitos fundamentais que permite a invalidação de qualquer ato advindo do processo político majoritário".

Diante dessa situação complexa, o judiciário, ao fazer aquilo que lhe é atribuído constitucionalmente, ou seja, de dizer o direito, acaba interferindo nas competências dos demais poderes. Ato este que, a princípio, poderia ir de encontro aos preceitos da separação dos poderes estampados no art. 2º da Constituição Federal que estabelece que: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Porém, a alegação de que o judiciário interfere nos demais poderes não merece prosperar, vez que tal "interferência" não se concretiza de fato.

As políticas públicas são atos administrativos que têm como espécie uma decisão política.

Não há na legislação brasileira nenhuma definição de ato administrativo, fato este que nos obriga a recorrermos à doutrina.

O professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p.16) define que ato administrativo nada mais é que: "a declaração do Estado, ou de quem lhe faça as vezes, no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgãos jurisdicionais".

Não compete, ordinariamente, ao Judiciário, a competência para formular e implementar políticas públicas, mas sim aos Poderes Legislativo e Executivo.

Porém essa interpretação vem sofrendo alterações com o passar do tempo, permitindo ao judiciário a possibilidade de exercer o controle sobre as atuações dos poderes públicos visando à concretização dos direitos e garantias fundamentais estampados na constituição.

Moura (2011, p. 160): "O poder judiciário exerce o papel de controle sobre atuação dos poderes públicos na concretização dos direitos sociais, intervindo sobre as fases de planejamento, execução e avaliação das políticas públicas, porém, buscando preservar os espaços de decisão política e o uso racional dos instrumentos jurídico-financeiros do Estado."

Ainda que revestidas de cláusulas de conteúdo programático, os direitos individuais, e até mesmo os coletivos, deverão ser resguardados pelo poder jurisdicional.

O ministro Celso de Mello, no julgamento da ADPF/DF n. 45 (STF, 2014, on line), destacou que: "Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. (STF, Decisão monocrática, ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello. J. em 29/04/04, DJU em 24/05/04)"

Importante destacar que de acordo como entendimento do STF as normas programáticas não poderão gerar falsas expectativas na coletividade, ao ponto de se transformar em "promessa constitucional inconsequente".

A partir do momento em que o Poder Público não realiza atos que visam assegurar os direitos sociais mínimos estampados na Constituição Federal, o Estado acaba por não conhecê-los como verdadeiros direitos. E uma vez constatado esse vício, cumpre ao Judiciário intervir, quando provocado.

O Poder Jurisdicional constitui-se e atua como um poder político da República. O Judiciário não pode atuar de forma anêmica e fragilizada. Uma vez provocado a se manifestar, mesmo sobre políticas públicas, e tendo o mesmo uma conduta inerte, estará contribuindo para a geração de uma crise institucional, pois caso o Judiciário atue como um órgão autônomo (e não como um Poder Político) não estará contribuindo em nada com a democracia, colocando seu desenvolvimento em risco de estagnação (SILVEIRA, 199, p. 176).

Importante destacar os vários julgados do Supremo Tribunal que defendem a intervenção do poder judiciário no afã de assegurar o cumprimento das políticas públicas bem como dos direitos e garantias fundamentais: ADPF nº 45, Min, Relator Celso de Mello, AI 655.392/RS, Rel. Min. Eros Grau – AI 662.339/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia – RE 462.416/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, AI 674.764-AgR/PI, Rel. Min. Dias Toffoli, AI 734.487-AgR/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, RTJ 164/158-161 e RTJ 199/1219-1220 (STF, 2014, on line).

A Procuradora Regional da República Luiza Frischeisen (2008, p.59) diz que: "Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.

(…) Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.(…)

O Estado possui um grande vínculo institucional que se resume em garantir às pessoas a efetivação dos direitos e garantias fundamentais estampados ao longo da CF/88, sendo o mesmo responsável por qualquer descumprimento das tarefas constitucionais mínimas.

Assim sendo, uma vez configurada a "abusividade governamental", ou seja, havendo omissão do poder público (Executivo/Legislativo) em adotar políticas públicas que concretizam os direitos fundamentais expostos na Carta Magna de 1988, poderá o Judiciário impor uma obrigação de fazer ao Estado.

Da mesma forma, poderá o poder jurisdicional exercer o controle do Poder Legislativo, por meio do controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos (Difuso ou Concentrado), incluindo o Plano Pluri Anual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentário Anual (LOA) por terem, todas elas, caráter normativo.

Por outro lado, os não adeptos dessa evolução jurídico-constitucional afirmam que a intervenção do poder judiciário no âmbito de planejamento, avaliação e execução de políticas públicas ofende o Princípio da Separação dos Poderes previsto no art. 2º da CF/88 bem como a Reserva do Possível. Afirmações estas que não merecem prosperar, senão vejamos.

3.2 A inexistência da ofensa constitucional ao Princípio da Separação dos Poderes

 Aristóteles, Locke e Montesquieu revestidos com o manto da ideologia liberal, defendiam o fim do poder absoluto por meio da separação dos poderes de legislar, administrar e julgar.

O Barão Charles de Montesquieu sempre se preocupou, na verdade, em limitar o poder absolutista, ou seja, ele não estava preocupado, no momento da elaboração de sua teoria de separação dos poderes, em limitar os poderes a ponto de impedir, por exemplo, que o judiciário não interferisse em atos de responsabilidade do Executico/Legislativo, mas sim, repita-se, no fim da opressão monárquica.

Montesquieu (1993, p. 74 e 149): "Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode temer-se que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente.[…] Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. Se estivesse ligado ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor."

Não obstante a Teoria Montesquiana ter deixado um grande legado ao direito constitucional brasileiro, o fato é que a limitação do poder, por ela proposta, não se refere à divisão rígida das funções estatais, mas sim ao direito fundamental de primeira geração, qual seja, a liberdade.

Além da separação dos poderes, o liberalismo defendia certa abstenção estatal, ou seja, queriam que o estado não mais interferisse em assuntos privados dos administrados/súditos.

O judiciário não era bem visto pelos liberalistas, pois o rei ainda tinha certa influência sobre o mesmo, vez que os juízes ainda eram os indicados pelo monarca.

Segundo Almeida (2011, p. 192): "(…) tanto Locke como Montesquieu conferem visível preponderância ou relevância ao Poder Legislativo sobre os demais poderes: para o primeiro, o Legislativo seria o poder supremo ao qual o Executivo e o Federativo estariam subordinados, ao passo que, para o segundo, a preponderância do Legislativo adviria naturalmente, uma vez que o Judiciário deveria ser nulo e invisível (…)"

Ocorre que diante da nova sistemática de valores, ou seja, agora como um Estado Social Democrático de Direito e não mais aquele exclusivamente de Direito e/ou Liberal, o judiciário ficou dotado de certo destaque.

O Poder Judiciário se solidificou, de uma vez por todas, com o Neoconsitucionalismo devido as suas características, já citadas anteriormente, quais sejam: a) eficácia normativa da Constituição; b) fortalecimento do Judiciário; c) eficácia normativa da jurisprudência e; d) judicialização das políticas públicas/ativismo judicial.

Hamilton apud Silveira (1999, p. 81): "Todo aquele que considerar atentamente os diferentes poderes perceberá que, num governo em que eles estão separados, o judiciário, pela natureza de suas funções, será sempre o menos perigoso para os direitos políticos da Constituição, por ser o menos capaz de transgredi-los ou violá-los"

Nesse sentido, percebe-se a importância de se estabelecer um novo viés hermenêutico à teoria da separação dos poderes estampados no art. 2º da CF/88.

O ministro Celso de Mello (STF, 2014, on line), quando do julgamento da ADPF n.45, proferiu a seguinte decisão: "(…) parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. (…)"

Por tudo o que foi dito, impedir com que o Judiciário exerça seu papel de dizer o direito, mesmo em questões relacionadas a políticas públicas, quando da inércia legislativa e executiva, sob a alegação de ofensa ao Princípio da Separação de Poderes, é deixar de reconhecer o caráter social/garantista com que este princípio é visto hoje, dentro da nova hermenêutica jurídica constitucional. O que vai de encontro ao que estabelece o Estado Social-Constitucional Democrático de Direito.

3.3 Teoria da Reserva do Possível x Mínimo existencial

 Em meados da década de 70, mais precisamente em 18 de julho de 1972, surge na doutrina e na jurisprudência Alemã (Bundesverfassungsgericht), a Teoria da Reserva do Possível (Der Vorbehalt des Möglichen).

A referida teoria, nos termos da jurisprudência alemã, estabelece que o Estado só estará vinculado a realizar as políticas públicas, inclusive as previstas constitucionalmente, mediante uma prévia análise de razoabilidade do ato.

A Corte Alemã sempre levou em consideração, no que tange à conceituação da reserva do possível, o Princípio da Razoabilidade e não a questão financeira-orçamentária do Estado.

Sarlet apud Ávila (2013, on line): "(…) a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável."

A reserva do possível jamais poderá se referir única e exclusivamente à inexistência de recursos financeiros para tentar justificar a impossibilidade de efetivação das políticas públicas, sob pena de descaracterizar o instituto criado pela doutrina alemã.

Nessa perspectiva, é possível notar que o verdadeiro sentido da teoria da reserva do possível se dá em virtude de um juízo de razoabilidade e não devido a ausência de recursos financeiros, conforme difundido no Brasil e conhecido em nossa legislação pátria como reserva do "financeiramente possível".

Para o Tribunal Federal Alemão a ideia de reserva do possível não relaciona com as possibilidades fáticas, financeiramente falando, mas sim com o que é racional ao indivíduo exigir do Estado. Cabendo à sociedade determinar o que é, e o que não é, uma pretensão razoável (FALSARELLA, 2012, on line)

 A menção de inexistência de recursos financeiros capazes de fazer cumprir o disposto no texto constitucional é a principal argumentação da Administração Pública, evidenciando uma enorme distorção da teoria alemã.

O professor José Joaquim Gomes Canotilho faz a seguinte crítica: "(…) rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica"

Durante muito tempo a reserva do possível se tornou uma forma cômoda e conveniente de fazer com que a Administração Pública se eximisse de suas responsabilidades.

Ana Paula Barcelos (2002, p. 237-276) diz que: "(…) na ausência de um estudo mais aprofundado, a reserva do possível funcionou muitas vezes como o mote mágico, porque assustador e desconhecido, que impedia qualquer avanço na sindicabilidade dos direitos sociais"

Ana Paula Barcelos (2002, p. 277-278) ainda divide a reserva do possível em: "fática" e "jurídica". A reserva do possível fática está relacionada à disponibilidade de recursos, enquanto que a reserva do possível jurídica refere-se à disposição orçamentária para a despesa.

O Estado possui um grande poder arrecadatório. Logo, arguir a ausência de recursos financeiros (reserva do possível fática) como pressuposto para a não adoção de políticas públicas que garantam os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, seria uma tremenda irresponsabilidade na gestão dos recursos financeiros auferidos pelo próprio Estado. O que deveria levar os integrantes dos poderes Executivo e Legislativo, principalmente aquele, a responderem por diversos crimes, dentre eles o de responsabilidade.

Ana Paula Barcelos apud Falsarella (2012, p. 06, on line): "Depois de apresentar a classificação da reserva do possível em fática e jurídica, Ana Paula de Barcellos questiona a possibilidade de se alegar a reserva do possível fática, no sentido de ausência total de recursos em caixa, tendo em vista que o Estado tem como arrecadar mais recursos. Todavia, é a própria sociedade a responsável por fornecer os recursos ao Estado. E esse raciocínio leva, de fato, à conclusão de que nunca haverá reserva do possível, se entendida como reserva do possível fática, uma vez que o Estado sempre pode obter novos recursos."

É inadmissível que o Estado não mantenha em seu caixa valores suficientes para garantir eficácia mínima aos dos direitos e garantias fundamentais.

Cotidianamente, no Brasil, percebe-se que a teoria adotada é a reserva do possível fática, ou seja, a reserva do "financeiramente possível".

Ricardo Lobo Torres (2009, p. 106 e 110): "Como o dinheiro público é inesgotável, pois o Estado sempre pode extrair mais recursos da sociedade, segue-se que há permanente possibilidade fática de garantia de direitos, inclusive na via do sequestro da renda pública! Em outras palavras, faticamente é impossível a tal reserva do possível fática!"

 Importante destacar que o mínimo existencial, concomitantemente ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver harmoniosamente com a reserva do possível (BARCELLOS apud FALSARELLA, 2012, p. 11).

A propósito, o que seria considerado "mínimo existencial"?

O mínimo existencial está vinculado às necessidades básicas para que o ser humano viva dignamente e possui como cerne o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88).

Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 60) define com maestria a dignidade da pessoa humana: "Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos."

A condição mínima de existência exige do Estado um caráter assistencialista, onde os direitos de 2ª dimensão (saúde, alimentação, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados e etc.) possam ser assegurados, justificando a perspectiva do Estado Social de Direito.

Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2007, p. 67-68) diz: "Uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais descritos no art. 6º da Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam assegurados, mediante o recolhimento dos tributos, educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, lazer, entre outros direitos básicos indispensáveis ao desfrute de uma vida digna"

Já para outros estudiosos, como Vicente Florenzano (2005, p. 47) o mínimo existencial teria relação direta com a previsão do art. 7º, IV, da Constituição Federal que estabelece um salário mínimo: "capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.

Dentro de todo o contexto apresentado a Administração Pública não poderá, única e exclusivamente, alegar a ausência de recursos financeiros para justificar o não cumprimento das políticas públicas que efetivem os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, mas sim garantir com que o mínimo existencial seja assegurado e que as referidas políticas públicas sejam analisadas no campo da razoabilidade e ponderação.

O ministro Celso de Mello (STF, 2014, on line) quando dos julgamentos da ADPF nº. 45 e do RE nº 436996 proferiu as seguintes decisões: "(…) Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais (STF, Decisão monocrática, ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello. J. em 29/04/04, DJU em 24/05/04). Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". STF – RE 436996/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ 07/11/2005) (grifo nosso)

O ministro Marco Aurélio (STF, 2014, on line) no julgamento do RE nº 356.479-0 se posicionou da seguinte forma: "O Estado – União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e Municípios – deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiência de caixa. Eis a enorme carga tributária suportada no Brasil a contrariar essa eterna lengalenga". (STF, Decisão Monocrática, RE nº 356.479-0, Rel. Min. Marco Aurélio. J. em 30/04/04, DJU em 24/05/04)

Em alguns casos é possível perceber que o principal problema na efetivação das políticas públicas por parte do Estado não é a mera inexistência, mas sim a execução feita de forma equivocada.

O Ilustre Ministro Gilmar Ferreira Mendes (STF, 2014, on line) também decidiu que:

"Em outros termos, o problema não é de inexistência, mas de execução (administrativa) das políticas públicas pelos entes federados.Nessa perspectiva, talvez seja necessário redimensionar a questão da judicialização dos direitos sociais no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre tendo em vista uma omissão (legislativa) absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas em razão de uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas." (STF – STA: 238 TO , Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 21/10/2008, Data de Publicação: DJe-28/10/2008) Assim, ao menos o “mínimo existencial” de cada um dos direitos, exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial. (STF – STA: 278-6 AL , Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 22/09/2008, Data de Publicação: DJe-23/09/2008) (grifo nosso).

A propósito, no âmbito da Justiça Federal, muito se noticiou nacionalmente o caso da menina Sophia que aos 5 (cinco) meses de idade fora acometida pela síndrome denominada de "Síndrome de Below" sendo necessário a realização, urgente, de um transplante multiviceral.

Ocorre que o procedimento cirúrgico é muito complexo e apesar de ser realizado aqui no Brasil, não há aparelhos tecnológicos suficientes que garantam a segurança do paciente durante o transplante. Nesse sentido os pais da criança começaram uma verdadeira batalha judicial no sentido de fazer com que o Estado arcasse com os custos do procedimento a ser realizado em um hospital de Miami-EUA que possui toda a aparelhagem tecnológica suficiente para garantir a segurança da criança durante o transplante.

Após o ajuizamento da ação junto à Justiça Federal de São Paulo, no intuito de fazer com que a União/ Sistema Único de Saúde (SUS), arcasse com todas as despesas do procedimento cirúrgico, inclusive o transporte, a menina Sophia logrou êxito na demanda e o Poder Judiciário obrigou a União a custear todas as despesas para a realização do procedimento no exterior, calculada em mais de R$ 2 milhões de reais (SCHIAVONI, 2014, on line).

A doutora em direito público Ana Paula de Barcellos (2002, p. 245-246) diz, de forma brilhante, que: "(…) não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência"

Em suma, nada obsta que o Princípio da Reserva do Possível seja utilizado como uma forma de justificar a não atuação do ente estatal na implementação de políticas públicas, porém a justificativa não poderá se basear apenas na insuficiência de recursos financeiros, mas sim através de uma análise razoável do caso concreto, claro, assegurado, a todo momento, o mínimo existencial como forma de garantir a dignidade da pessoa humana.

Considerações finais

Criado sob o manto ideológico de um Estado Liberal, a teoria da separação dos poderes, que a todo o momento se preocupou em libertar o indivíduo das garras do monarca, não poderá servir como argumento no intuito de impedir a atuação jurisdicional na implementação de políticas públicas, devido à evolução do Estado de Direito e/ou Liberal para o Estado Social Democrático de Direito onde a garantia dos direitos fundamentais acabaram ganhando uma maior conotação.

Ora, a arrecadação tributária bate recordes todos os anos e a simples banalização do instituto, criado pela jurisprudência alemã, que, originalmente, tinha como premissa básica a razoabilidade ou não em adotar determinada política pública, e não a questão financeira-orçamentária do Estado, como amplamente adotado pela Administração Pública, não poderá ser utilizado única e exclusivamente como justificativa para a não efetivação dos direitos e garantias fundamentais.

Nesse sentido, o princípio da reserva do possível jamais poderá ser utilizado pelo Estado sem antes haver a garantia do mínimo existencial, vez que a sobrevivência digna do indivíduo é obrigação do poder público e princípio fundamental da República Federativa do Brasil, pois está atrelado à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), e, posteriormente sem o exercício do juízo de razoabilidade sobre a aplicação ou não de determinada política pública.

Ciente disso e das garantias postas na CF/88, o cidadão, caso necessário, recorrerá ao Poder Judiciário e este será obrigado a dizer, resguardar e garantir o direito pleiteado, em homenagem ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, mesmo que a decisão afete a questões típicas do legislativo e executivo.

O raciocínio é simples, o Poder Judiciário apenas fará cumprir aquilo que o Executivo e o Legislativo, sempre pautados pela legalidade, realizam ou deveriam realizar principalmente no campo das políticas públicas. Assim, retirar essa característica jurisdicional é aniquilar, de uma vez por todas, a democracia conquistada, a duras penas, pela sociedade.

A propósito, negar as características do constitucionalismo e, também, do neoconstitucionalismo significa retroceder com o modelo jurídico-constitucional, que durante todo o seu desenvolvimento histórico se mostrou amplamente progressista.

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Informações Sobre o Autor

Thiago Felipe Cardoso

Advogado Graduado em Direito e pós-graduado em Direito Público Constitucional e Administrativo pelo Centro Universitário de Goiás-UniAnhanguera


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