O papel das decisões judiciais

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Resumo: O presente artigo científico aborda a tendência de padronização decisória dos tribunais em nome da agilização dos processos e seus efeitos. A decisão judicial no Estado Democrático de Direito, a efetividade das normas processuais, o compromisso com a fundamentação, as decisões judiciais e suas mudanças, o processo e a fundamentação das decisões judiciais e a viabilização da comparticipação e do contraditório participativo são os temas colocados em questão.[1]

Palavras-chave: Padronização, Processualismo Constitucional e Democratização.

Abstract: This research paper discusses the trend of standardization decisions of the courts in the name of streamlining processes and their effects. A court decision in a democratic state, the effectiveness of procedural rules, the commitment to the foundation judicial decisions and their changes, the process and the reasoning of court decisions and the feasibility of sharing and participative contradictory themes are put into question.

Keywords: Standardization, Constitutional Processualism and Democratization

Sumário: 1. Introdução. 2. O Processo no Estado Democrático de direito. 3. Litigância de Interesse Público. 4. Quantidade Versus Qualidade. 5. O processualismo Constitucional Democrático. 6. Conclusão. 7. Referências. 8. Notas.

1. INTRODUÇAO

Neste artigo acadêmico, o principal assunto abordado é a padronização das decisões judiciais em nome de uma suposta maior agilidade no andamento dos trabalhos da Justiça. A produtividade é posta acima da qualidade das sentenças. O que passa a ser julgado é o tema e não mais o caso. A súmula vinculante é uma dessas formas de padronização em nome da agilização.

O artigo aborda também a questão da democratização da Justiça. Cada vez mais se faz presente a demanda por uma Justiça que sirva realmente a todos os cidadãos que dela necessitam. Demandas coletivas são cada vez mais frequentes por parte de minorias de toda a sorte, grupos de interesses específicos, segmentos da sociedade e mesmo em nome de toda a coletividade. 

As fontes utilizadas neste trabalho são os artigos “Teoria do Processo Contemporâneo: Por um Processualismo Constitucional e Democrático” e “Processualismo Constitucional Democrático e o Dimensionamento de Técnicas Para a Litigiosidade Repetitiva – A Litigância de Interesse Público e as Tendências ‘Não-Compreendidas’ de Padronização Decisória”, do Professor Doutor de Direito Processual e advogado militante Dierle José Coelho Nunes. Também é utilizado o artigo “Breves Considerações Sobre a Politização do Judiciário e Sobre o Panorama de Aplicação no Direito Brasileiro – Análise da Convergência Entre o “Civil Law” e o “Common Law” e dos Problemas de Padronização Decisória, do supracitado professor Dr. Dierle José Coelho Nunes, do doutor, Mestre e Professor Alexandre Bahia e do Professor Humberto Theodoro Júnior.

2. O PROCESSO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O processo, no Estado Democrático de Direito, constitui uma garantia de legitimidade e participação cidadã nas decisões. É preciso atribuir eficiência e legitimidade, seja na litigiosidade individual, coletiva ou de massa.

Não se pode mais encarar a magistratura como uma captadora de valores da sociedade respaldada pela Constituição, mas como uma garantidora da validade da lei e dos direitos fundamentais. Essa magistratura constrói sua sentença conjuntamente com os participantes do processo.

A tendência de se julgar teses ao invés de casos em nome da produtividade arranha o próprio Estado Democrático de Direito à medida que a busca por produção e eficiência a qualquer custo pode acarretar efeitos negativos, seja no plano jurídico, econômico ou político.

Nos últimos anos, após o advento do constitucionalismo no século XX, percebe-se que o processo pode ser democratizante, onde as partes têm efetiva participação nas decisões de âmbito público, ao invés da decisão unilateral de alguém pretensamente acima das partes. Ao mesmo tempo em que se busca a democratização do processo, desde a segunda metade do século XX almeja-se a praticidade. O processo deve perseguir resultados.

Os atuais modelos de processos, de matriz liberal, social ou o chamado “pseudo-social” ou “neoliberalismo processual”, não respondem à demanda de maior participação da cidadania, já que não conseguem suprir o anseio de pluralidade democrática.[2]

No Brasil, a litigância de interesse público tem especial importância, uma vez que o país nem sempre possui políticas públicas que garantam os direitos fundamentais para todos ou, quando possui, nem sempre funcionam como deveria. Assim, para que o indivíduo alcance o seu direito, tem que recorrer à Justiça. O problema é que os casos em que a cidadania é desrespeitada são tantos que a litigância de interesse público, na prática, acaba por não alcançar o seu objetivo.[3]

Além disso, não há técnicos jurídicos especializados, mas sim profissionais generalistas, que acabam sendo obrigados a conhecer superficialmente as diversas especificidades técnico-processuais. O necessário aprofundamento, logo, torna-se impossível. Isso resulta em processos morosos, excessivamente apegados ao formalismo, ineficientes e caros.

Os problemas mais graves da Justiça civil se dão não devido à estrutura, mas aos chamados “tempos mortos”, tempos de espera. A solução passa pela organização das estruturas judiciárias e não pelo Código de Processo Civil. Ou seja, a agilização da Justiça não se realizará apenas com mudanças na lei.

Em muitos países, busca-se rapidez na solução de litígios através da minimização da atividade jurisdicional. Para uma parte dos processualistas, deve-se manter somente um mínimo indispensável de garantias constitucionais. Isso sem preocupação até mesmo com a institucionalidade democrática como base para tal demanda reformista.

A chamada “socialização”, ao dar ênfase à produtividade em detrimento da cidadania, acaba por inviabilizar a participação cidadã. Deixa, ainda, de assegurar direitos fundamentais. O magistrado poderá construir juízos unilateralmente, sem ouvir os atores processuais. A busca por rapidez acaba por propiciar o “solipsismo judicial”.

3. LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO

O processo possibilita a participação cidadã, o que garante a conscientização da cidadania no tocante aos seus direitos. Isso é possibilitado por um contexto de igualdade entre as partes e de garantia da manifestação do contraditório. O processo se transforma, assim, em espaço de discussão livre sobre todos os temas e contribuições, o que só é possível num Estado Democrático de Direito, cujo norte seja a soberania popular e os direitos humanos. A autonomia privada não deve prevalecer sobre a pública e nem vice-versa. 

Nos Estados Unidos existe a prática dos advogados de propor demandas que cobram do poder público, melhorias nos serviços públicos, como Educação e Saúde, provocando assim uma mudança social. O debate sobre a Litigância de Interesse Público (Public Interest Litigation) tem sido tratado com intensidade em países como África do Sul, Etiópia e Índia. Ou seja, a obtenção por via judicial/processual de direitos fundamentais por grupos e camadas sociais desfavorecidos.[4]

No Brasil, o problema da judicialização para a implementação de direitos fundamentais é a constante crise da democracia representativa. O Executivo não promove políticas que garantam os direitos fundamentais, enquanto a substituição da discussão política pelo marketing político dificulta o acesso de grupos socialmente minoritários ou com pouco poder econômico ao Legislativo. Resta, assim, recorrer ao Judiciário para terem a possibilidade de serem atendidas as suas demandas.[5]

Mas o Judiciário também atravessa uma crise. O Brasil consagra em sua Constituição o acesso amplo à Justiça como um direito fundamental. Porém, num sistema de equilíbrio e repartição de funções ente os poderes, quando um destes não funciona adequadamente, isso acaba se refletindo nos demais. No país, a compensação à ineficácia do Legislativo ou do Executivo é suprida pelo Judiciário. Este é pressionado a ser rápido e produtivo.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com o advento do ativismo judicial, a função do juiz tem sido concebida como a de um engenheiro social. Essa visão acaba por atribuir ao juiz o papel de buscar solitariamente o bem comum, como se houvesse uma homogeneidade na sociedade no que diz respeito ao ethos. O que vivemos é, ao contrário, um cenário de pluralismo de concepções. Logo, um só indivíduo não pode encontrar os diversos valores dessa sociedade. Um espaço processual que preza o diálogo democrático permite a formulação de juízos mais bem embasados.[6]       

Pode-se buscar duas formas de eficiência. Uma se daria em termos de velocidade de procedimentos e redução de custos. É a eficiência quantitativa. A outra, a qualitativa, visaria à qualidade das decisões. Ou seja, a condução correta, justa e democrática do processo.[7]

O Professor Dierle José Coelho Nunes[8] comenta que “assiste-se hoje ao fenômeno do aumento do raio de atuação do Judiciário no Brasil e noutros países. Reivindicações pela concretização de direitos fundamentais pelo Estado têm levado a um aumento de procura pelo Poder Judiciário. Este se viu, num primeiro momento, em dificuldades de dar respostas satisfatórias, pois também entendia que a ele não cabia tratar de political questions. Entretanto, mais recentemente o Poder Judiciário, munido de novas concepções teóricas (e.g., o princípio da proporcionalidade), tem mudado sua postura, caminhando para o que se denomina ativismo judiciário. Esta pesquisa valer-se-á da contribuição do estudo comparatístico, em perspectiva integrada. O Judiciário no Brasil vem se movendo, principalmente quando se pensa nos Tribunais Superiores, entre uma postura tradicional, de self restraint, de impossibilidade de apreciação de questões políticas, para opções de ativismo judicial. Entrementes, nem uma nem outra postura parecem favorecer uma correta compreensão da função judicial frente às questões atuais e, particularmente, face à exigência de concebê-la como uma relação de tensão (e não de prevalência), entre as dimensões pública e privada. Tenta-se dar ao Judiciário uma posição de protagonismo frente às mudanças sociais, já que os outros dois poderes teriam falhado nesse mister. É este o ponto central da proposta: pesquisar o Ativismo Judiciário e o Poder Legislativo Brasileiro, buscando as causas (e, logo, aventar possíveis soluções) para a ausência da adequada, célere, séria ressonância de demandas sociais perante o último”.

4. QUANTIDADE VERSUS QUALIDADE

O sistema processual brasileiro tende a objetivar a eficiência quantitativa. Uma visão de alta produtividade de decisões, que resulta em superficialidade e uniformização dos juízos para inflar o número de casos supostamente resolvidos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) chega a impor metas de produtividade aos magistrados e possui em seu site um “processômetro”, “medindo” a produtividade dos tribunais. Isso faz com que juízes de primeiro grau e dos Tribunais apenas reproduzam decisões de Tribunais Superiores.[9]

As reformas do Judiciário no Brasil têm insistido na tentativa de uniformização das decisões jurídicas, o que faz com que o magistrado passe a julgar teses e não causas. Um dos pretextos dos defensores dessas reformas é o da busca da igualdade. Ou seja, o fato de haver vários entendimentos sobre um mesmo tema violaria a garantia constitucional da isonomia. Porém, quem defende tal tese não considera o direito constitucional à diferença e à singularidade. Assim o próprio princípio da igualdade é prejudicado.

No século XIX, houve uma corrente de pensamento jurídico, a Exegese, que acreditava que as normas positivadas deveriam estar de acordo com o direito natural. Assim, as leis não seriam mais feitas para garantir privilégios das camadas superiores da sociedade, mas sim compartilhadas por todos. Por outro lado, havia a crença na prescindibilidade da interpretação por parte do magistrado, já que as normas possuiriam um sentido claro, verdadeiro e óbvio.

Já o Positivismo Jurídico, outra corrente do século XIX, buscava como método de interpretação a eliminação de obscuridades, contradições ou lacunas.

Ambas as correntes se tornaram ultrapassadas no século XX. Isso devido à constatação de que a lei é interpretável, portanto sujeita a manipulações e distorções.

Toda norma é pensada para determinadas situações, várias delas, mas não todas. Afinal, a realidade é muito rica e diversa e sempre haverá momentos que desafiarão o aplicador da lei.

Uma decisão judicial deve cumprir duas condições: ter fundamentação interna, ou seja, considerando-se o conjunto de normas tendo-se os princípios do Direito como norte e fundamentação externa, ou seja, participação das partes em igualdade de condições.

Nos EUA, onde é utilizado o Common Law, o precedente é um princípio, um ponto de partida que contribuirá para a decisão e não a mera reprodução de uma decisão em instância superior. Nem todos os precedentes têm a mesma força, já que existem os vinculativos, onde o precedente é utilizado como base para uma decisão e os meramente persuasivos.[10]

Há ainda as técnicas de separação de precedentes (overruling) e a do distinguishing. A primeira trata de solicitação de abolição ou releitura do artigo precedente, mostrando as peculiaridades do caso em questão em relação ao que deu origem ao anterior. Já a segunda trata-se de ressaltar as peculiaridades do caso, advogando-se que o tribunal se atenha aos aspectos não contemplados do caso que abriu o precedente.[11]

Ambas as técnicas podem ser usadas no Brasil para se contornar a aplicação rigorosa das súmulas a fim de se combater as violações constitucionais.    

O Professor Dr. Dierle José Coelho Nunes relata que “Em pesquisa realizada pelo CNJ em diversos países se constatou que a taxa de congestionamento no Brasil é muito alta. Segundo o texto do documento: “O Brasil é o país que apresenta maior taxa de congestionamento, 70%, seguido de Bósnia e Herzegovina e Portugal, com 68 e 67%, respectivamente. Observa-se elevada diferença entre a taxa mais alta, de 70%, e a mais baixa, de 3%, referente à Federação Russa. Assim como a maior taxa de congestionamento, o Brasil também apresenta o maior número de advogados por magistrado, seguido por Itália e Malta, com 25 e 33 advogados, respectivamente, conforme apresentado na tabela. Como a elevada proporção de advogados em relação a magistrados pode indicar que existe elevada propensão ao litígio e relativa incapacidade de fazer frente a essa tendência, analisou-se o coeficiente de correlação entre a proporção de advogados por magistrados e a taxa de congestionamento. Obteve-se como resultado um valor de 61,8%. Isso significa que há relação alta e significativa entre essas duas variáveis. Ou seja, quanto maior o número de advogados por magistrado, maior tende a ser a taxa de congestionamento desses países. […] O Brasil possui a terceira maior produtividade quando comparado aos países da Europa. Não obstante, contrariamente à Dinamarca, essa produtividade é ainda inferior à carga de trabalho, e isso se reflete em uma taxa de congestionamento alta. Pode-se dizer que o Brasil está em posição intermediária entre a Bósnia e Herzegovina e a Dinamarca.[12]

5. O PROCESSUALISMO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO

O processualismo constitucional democrático é uma concepção que defende a democratização processual civil. Questiona o liberalismo, a socialização e a pseudo-socialização processual ou neoliberalismo processual. Defende a importância do papel constitucional do processo de caráter comparticipativo e policêntrico no tocante à formação de decisões. Assim, dá-se importância a uma visão mais ampla da implementação do direito, compreendendo-se melhor as causas fundamentais dos problemas sob a ótica do Estado Democrático de Direito e da defesa dos direitos fundamentais. Assim, vai-se além da simples interpretação técnica dogmática, à luz da realidade de crise do Estado brasileiro.[13]

A questão do Estado-juiz, de imposição de decisões, desconsidera que o processo deve ser visto como garantia de direitos fundamentais e não mecanismo de dominação se tiver uma perspectiva democrática. Essa perspectiva propicia coibir eventuais equívocos das partes, advogados e juízes e garante a participação efetiva de todos os envolvidos.

A falta de debate dos processos nos juízos de primeiro grau acaba por estimular a utilização de recursos, já que aumenta a possibilidade de erro judicial. Isso, sobretudo nas litigiosidades individuais. Quando o debate é aberto, sempre levando em conta o processo constitucional, diminui-se o uso de recursos.

Quando a decisão judicial é proferida após prévio debate, o uso de recursos é menor, assim como seu êxito. Desta feita, obtém-se justiça até mais rapidamente, sem prejudicar as partes no tocante aos direitos fundamentais. Essa percepção é recorrente no mundo todo, já que significa uma real eficiência jurídica. No entanto, é eclipsada em benefício da ideia da padronização de decisões pelos tribunais, com a transformação dos juízos de primeiro e segundo graus em meros repetidores de decisões.

A necessidade do debate se torna ainda mais evidente quando se trata de litigância de interesse público. A interlocução de todos os envolvidos, o ouvir todos os lados e a garantia de livre manifestação destes reduzem os riscos de erros judiciais e viabiliza a busca da melhor solução possível.

Para viabilizar um modelo processual realmente eficiente é preciso democratizar efetivamente o acesso à Justiça. Não se pode conceber que um juiz, por mais intelectualmente preparado que seja, possa aplicar corretamente o direito sem que haja um prévio e amplo debate sobre o caso a ser julgado, com a audição de todas as partes envolvidas.[14]

O processualismo constitucional democrático valoriza a compatibilização entre o civil law e o common law ao buscar uma real eficiência para todas as litigiosidades, sem utilização de súmulas e precedentes de maneira mecanicista.

Na aplicação de precedentes, é importante esgotar-se primeiro a questão, explorando todos os seus aspectos, já que é muito difícil apontar-se como precedente um só caso passado, a não ser que este tenha sido objeto de um amplo debate processual. Também é essencial o estudo do histórico desse precedente e de sua aplicação.

Deve-se levar em conta ainda a estabilidade decisória do tribunal e a aplicação discursiva do precedente pelos tribunais inferiores, ou seja, a demonstração de que a decisão não é fruto de repetição mecânica e sim do entendimento da questão.

No Brasil, não há a preocupação de se consolidar uma teoria de precedentes, pois a referência às súmulas e processos antigos ocorre sem considerar os fatores que os cercaram, como as questões levantadas e os debates desenvolvidos. O que leva a decisões no mínimo imperfeitas.[15]

6. CONCLUSÃO

O processualismo constitucional democrático propõe uma visão ampla da aplicação do direito.  É preciso maior permeabilidade para com as demais ciências humanas para uma melhor compreensão das litigiosidades, sobretudo as de interesse humano. Nessa compreensão, deve-se levar em conta sempre o fundamento do processo e do Estado Democrático de Direito.[16]

Para isso, se faz necessária a democratização processual, a facilitação do acesso a uma Justiça eficiente do ponto de vista qualitativo e não quantitativo. Infelizmente, o Brasil não tem um projeto, seja de curto, médio ou longo prazo, para o seu Poder Judiciário, que atenda efetivamente às suas necessidades.

Diante da tendência de padronização decisória nos casos de litigiosidade repetitiva, não se deve repetir a simples reprodução de decisões formadas com pouco ou nenhum debate.

Nos países onde se adota o common law, como os EUA e o Reino Unido, usa-se, em caso de litigiosidade repetitiva, o esgotamento do tema antes de sua utilização como precedente, estudo aprofundado e em todos os aspectos do histórico da aplicação da decisão pelos tribunais inferiores, delineamento de técnicas processuais e superação do paradigma decisório.[17]

O Professor Dr. Dierle José Coelho Nunes aponta seis premissas essenciais para a aplicação de precedentes, citados ipsis litteris a seguir:

“1º – Esgotamento prévio da temática antes de sua utilização como um padrão decisório (precedente): ao se proceder à análise de aplicação dos precedentes no common law  percebe-se ser muito difícil a formação de um precedente (padrão decisório a ser repetido) a partir de um único julgado, salvo se em sua análise for procedido um esgotamento discursivo de todos os aspectos relevantes suscitados pelos interessados. Nestes termos, mostra-se estranha a formação de um “precedente” a partir de um julgamento superficial de um (ou poucos) recursos (especiais e/ou extraordinários) pinçados pelos Tribunais (de Justiça/regionais ou Superiores). Ou seja, precedente (padrão decisório) dificilmente se forma a partir de um único julgado.

2º – Integridade da reconstrução da história institucional de aplicação da tese ou instituto pelo tribunal:ao formar o precedente o Tribunal Superior deverá levar em consideração todo o histórico de aplicação da tese, sendo inviável que o magistrado decida desconsiderando o passado de decisões acerca da temática. E mesmo que seja uma hipótese de superação do precedente (overruling) o magistrado deverá indicar a reconstrução e as razões (fundamentação idônea) para a quebra do posicionamento acerca da temática.

3º – Estabilidade decisória dentro do Tribunal (stare decisis horizontal): o Tribunal é vinculado às suas próprias decisões: como o precedente deve se formar com uma discussão próxima da exaustão, o padrão passa a ser vinculante para os Ministros do Tribunal que o formou. É impensável naquelas tradições que a qualquer momento um ministro tente promover um entendimento particular (subjetivo) acerca de uma temática, salvo quando se tratar de um caso diferente (distinguishing) ou de superação (overruling). Mas nestas hipóteses sua fundamentação deve ser idônea ao convencimento da situação de aplicação.

4º – Aplicação discursiva do padrão (precedente) pelos tribunais inferiores (stare decisis vertical): as decisões dos tribunais superiores são consideradas obrigatórias para os tribunais inferiores (“comparação de casos”): o precedente não pode ser aplicado de modo mecânico pelos Tribunais e juízes (como v.g. as súmulas são aplicadas entre nós). Na tradição do common law, para suscitar um precedente como fundamento, o juiz deve mostrar que o caso, inclusive, em alguns casos, no plano fático, é idêntico ao precedente do Tribunal Superior, ou seja, não há uma repetição mecânica, mas uma demonstração discursiva da identidade dos casos.

5º – Estabelecimento de fixação e separação das ratione decidendi dos obter dicta da decisão: a ratio decidendi (elemento vinculante) justifica e pode servir de padrão para a solução do caso futuro; já o obter dictum constituem-se pelos discursos não autoritativos que se manifestam nos pronunciamentos judiciais “de sorte que apenas as considerações que representam indispensavelmente o nexo estrito de causalidade jurídica entre o fato e a decisão integram a ratio decidendi, onde qualquer outro aspecto relevante, qualquer outra observação, qualquer outra advertência que não tem aquela relação de causalidade é obiter: um obiter dictum ou, nas palavras de Vaughan, um gratis dictum.”

6º – Delineamento de técnicas processuais idôneas de distinção (distinguishing) e superação (overruling) do padrão decisório: A ideia de se padronizar entendimentos não se presta tão só ao fim de promover um modo eficiente e rápido de julgar casos, para se gerar uma profusão numérica de julgamentos. Nestes termos, a cada precedente formado (padrão decisório) devem ser criados modos idôneos de se demonstrar que o caso em que se aplicaria um precedente é diferente daquele padrão, mesmo que aparentemente seja semelhante, e de proceder à superação de seu conteúdo pela inexorável mudança social – como ordinariamente ocorre em países de common law.”[18]

No Brasil falta uma teoria do uso dos precedentes, o que pode levar a decisões mecanicamente vinculadas dos tribunais superiores por parte dos inferiores. É preciso promover o debate sobre a democratização da Justiça em nosso país, inclusive no tocante à processualística.[19]

 

Referências
BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010.  
NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, set. 2011.
NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do Processo Contemporâneo: por um processualismo constitucional democrático: Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre: Núcleo de Publicações da Faculdade de Direito do Sul de Minas, 2008.  
 
Notas
 
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Esp.  Rubens Alves da Silva: Bacharel em Direito, Especialista em Processo Civil Judiciário, Mestrando em Direito Constitucional pela FDSM (Faculdade de Direito do Sul de Minas).

[2] NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, set. 2011, p.44-47.

[3] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p.47-49.

[4] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 11.

[5] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 15.

[6] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 15.

[7] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 21.

[8] NUNES, Dierle José Coelho. Procon – Processo, Constituição e Direito Comparado – A Judicialização da Política e o Legislativo: Projeto de Pesquisa para o CNPQ, 2008.

[9] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 23.

[10] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 28.

[11] NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,  set. 2011, p. 68.

[12] NUNES, Dierle José Coelho. CNJ.Estudo Comparado Sobre Recursos, Litigiosidade e Produtividade: a prestação jurisdicional no contexto internacional. Brasilia: CNJ, 2011.

[13] NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do Processo Contemporâneo: por um processualismo constitucional democrático: Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre: Núcleo de Publicações da Faculdade de Direito do Sul de Minas, p. 13-27, 2008.

[14] NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, set. 2011, p. 66.

[15] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 40-41.

[16] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 40-41.

[17] NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva.A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo, vol. 189, p. 38, São Paulo: Ed. RT, set. 2011

[18] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 40-41.

[19] BAHIA, Alexandre; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle José Coelho. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória: Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov. 2010, p. 40-41.


Informações Sobre o Autor

William Lopes da Silva

Acadêmico de Direito na FDSM (Faculdade de Direito do Sul de Minas).


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