O significado e alcance da expressão “preceito fundamental”, no âmbito da argüição de descumprimento de preceito fundamental

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Resumo: A Argüição
de Descumprimento de Preceito Fundamental é uma das espécies de fiscalização
abstrata de constitucionalidade prevista no artigo 102, § 1º da Constituição
Federal de 1988, que somente ingressou em nosso ordenamento jurídico
constitucional através da Emenda Constitucional n. 03/93, tendo sido
regulamentada pela Lei n. 9.882/99. O seu objeto é mais amplo e complexo que as
demais ações de controle abstrato de constitucionalidade, já que este instituto
serve para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do
poder público e ainda quando houver relevante fundamento de controvérsia
constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal,
incluídos os anteriores à constituição. Ocorre que o ordenamento normativo não
trouxe consigo o alcance nem tampouco a significação da expressão “preceito
fundamental”, deixando para a doutrina e a jurisprudência tal tarefa que nos
propomos a tentar sintetizar.

Palavras-chave: Controle
Abstrato de Constitucionalidade – Preceito Fundamental – Argüição de
descumprimento de Preceito Fundamental.

1.
Introdução

A argüição de
descumprimento de preceito fundamental constitui-se o quinto instrumento de
fiscalização abstrata de constitucionalidade do eclético sistema brasileiro de
controle.

 Para alguns ela é considerada mais uma
conquista democrática, contudo a nosso ver, na verdade apenas expõe a
fragilidade do nosso sistema de controle de constitucionalidade, ao passo que
atenta contra à presunção de constitucionalidade que deveria revestir todos os
atos jurídicos e ainda enfraquece ao principio da supremacia da Constituição.

Não obstante estas
ponderações, no presente trabalho, tentaremos estabelecer o alcance e a
significação da expressão “preceito fundamental”, que é o objeto ou um dos
objetos da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

O presente tema é
muito debatido pela doutrina que não chegou ainda a definição exata do que
seria preceito fundamental, talvez em razão do alto grau de indeterminabilidade
do mesmo.

2.
Localização constitucional da argüição de descumprimento de preceito
fundamental

A argüição de
descumprimento de preceito fundamental é um instituto recente no ordenamento
jurídico nacional, instituído pela Constituição de 1988, em seu artigo 102,
parágrafo único, e posteriormente regulamentado, já como § 1º devido à redação
da Emenda Constitucional n. 03/93, senão vejamos:

“Art.
102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe: (…)

§1º.
A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta
Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.”

Da leitura do Texto
Magno percebe-se, que o Poder Constituinte Originário estabeleceu claramente
que a argüição de descumprimento fundamental necessitaria de autuação
legiferante infraconstitucional, para definir seu modus operandi e demais pontos de minúcia.

Como o legislador
ordinário não realizou seu trabalho de pronto, surgiu a discussão sobre a
possibilidade ou não de se utilizar a argüição de descumprimento fundamental
antes da edição da referida lei, e, por conseguinte qual era sua eficácia como
norma constitucional.

Assim segundo a
balizada doutrina de André Ramos Tavares[1]
o § 1º do Art. 102 da Constituição Federal de 1988 seria uma norma de eficácia
imediata, porém regulamentável, tendo em vista que a argüição de descumprimento
fundamental assume a feição de autogarantia constitucional, contudo este não é
entendimento dominante da doutrina.

Os
constitucionalistas Alexandre de Moraes[2]
e Pedro Lenza[3],
entre outros autores e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmaram
entendimento de que norma prevista no o § 1º do Art. 102 da Constituição
Federal de 1988 constituía uma norma constitucional de eficácia limitada, ou
seja, dependente de lei para sua apreciação.

Nesse sentido
destacamos o seguinte julgado do STF:

“ARGÜIÇÃO
DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL: ART. 102, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 – DECRETO ESTADUAL DE INTERVENÇÃO EM MUNICÍPIO – ARTS. 4º DA
LEI DE INTRODUÇÃO AO CC E ART. 126 DO CPC – 1. O § 1º do art. 102 da
Constituição Federal de 1988 é bastante claro, ao dispor: “a argüição de
descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será
apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. 2. Vale dizer,
enquanto não houver lei, estabelecendo a forma pela qual será apreciada a
argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente da Constituição,
o STF não pode apreciá-la. 3. Até porque sua função precípua é de guarda
da Constituição (art. 102, caput). E é esta que exige Lei para que sua missão
seja exercida em casos como esse. Em outras palavras: trata-se de competência
cujo exercício ainda depende de Lei. 4. Também não compete ao STF elaborar Lei
a respeito, pois essa é missão do Poder Legislativo (arts. 48 e seguintes da
CF). 5. E nem se trata aqui de Mandado de Injunção, mediante o qual se pretenda
compelir o Congresso Nacional a elaborar a Lei de que trata o § 1º do art. 102,
se é que se pode sustentar o cabimento dessa espécie de ação, com base no art.
5º, inciso LXXI, visando a tal resultado, não estando, porém, sub judice, no
feito, essa questão. 6. Não incide, no caso, o disposto no art. 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil, segundo o qual “quando a lei for omissa, o
Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito, para resolver lide “inter partes”. Tal norma não
se sobrepõe à constitucional, que, para a argüição de descumprimento de
preceito fundamental dela decorrente, perante o STF, exige Lei formal, não
autorizando, à sua falta, a aplicação da analogia, dos costumes e dos
princípios gerais de direito”. 8. De resto, para se insurgir contra o
Decreto estadual de intervenção no Município, tem este os meios próprios de
impugnação, que, naturalmente, não podem ser sugeridos pelo STF.” (STF – AgRg
em Petição 1.140-7 – TO – Plenário – Rel. Min. Sydney Sanches – DJU 31.05.1996)

Portanto até que se
fosse editada uma lei infraconstitucional sobre o procedimento da argüição de
descumprimento de preceito fundamental, este instrumento de controle abstrato
ou concentrado de constitucionalidade não poderia ser utilizado. A resposta
legislativa só veio a lume em dezembro de 1999, através da Lei 9.882, que
dispôs sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito
fundamental.

A edição da referida
norma legal possibilitou a instrumentalização da argüição de descumprimento de
preceito fundamental, porém foi alvo de críticas e objeto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADIn n. 2.231-8, ajuizada pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, perante o Supremo Tribunal Federal, que se
encontra em tramite até o presente momento e tendo como ultimo andamento a
conclusão ao relator Ministro Sepúlveda Pertence no dia 02/08/2004.

Desta forma podemos
notar que a argüição de descumprimento de preceito fundamental esta localizada
constitucionalmente no a art. 102, § 1º da Carta Magna e foi disciplinada pela
Lei n. 9.882 de 1999.

3.
O objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental

A Lei n. 9.882/99 ao
estabelecer o objeto da ADPF assim estabeleceu:

“Art.
1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será
proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou
reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo
único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I
– quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou
ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à
Constituição;

II
– Vetado.”

Cumpre esclarecer
inicialmente que, o inc. II do parágrafo único do artigo 1º foi vetado pelo
Presidente da República, cujo texto dispunha: “em face da interpretação ou
aplicação dos regimentos internos das respectivas Casas, ou regimento comum do
Congresso Nacional, no processo legislativo de elaboração das normas previstas
no art. 59 da Constituição Federal”.

Nas razões de veto
encaminhadas ao Presidente do Congresso Nacional (Mensagem 1.807, de
03.12.1999), relativamente ao dispositivo embargado, a Presidência da República
assim se manifestou:

“(…)
Não se faculta ao Egrégio Supremo Tribunal Federal a intervenção ilimitada e
genérica em questões afetas à ‘interpretação ou aplicação dos regimentos
internos das respectivas casas, ou regimento comum do Congresso Nacional’
prevista no inciso II do parágrafo único do art. 1o. Tais questões constituem
antes matéria interna corporis do Congresso Nacional. A intervenção autorizada
ao Supremo Tribunal Federal no âmbito das normas constantes de regimentos
internos do Poder Legislativo restringe-se àquelas em que se reproduzem normas
constitucionais. Essa orientação restou assentada pelo Supremo Tribunal Federal
no julgamento do Mandado de Segurança n. 22503-DF, Relator para o Acórdão
Ministro Maurício Corrêa, DJ 06.06.97, p. 24872. Do mesmo modo, no julgamento
do Mandado de Segurança n. 22183-DF, Relator Ministro Marco Aurélio, o Supremo
Tribunal Federal assentou: ‘3. Decisão fundada, exclusivamente, em norma
regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus
cargos (art. 8º). 3.1 O fundamento regimental, por ser matéria interna
corporis, só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo, não ficando
sujeito à apreciação do Poder Judiciário. 3.2 Inexistência de fundamento
constitucional (art. 58, § 1º), caso em que a questão poderia ser submetida ao
Judiciário’ (DJ 12-12-97, p. 65569). Dito isso, impõe-se o veto da referida
disposição por transcender o âmbito constitucionalmente autorizado de
intervenção do Supremo Tribunal Federal em matéria interna corporis do
Congresso Nacional. No que toca à intervenção constitucionalmente adequada do
Supremo Tribunal Federal, seria oportuno considerar a colmatação de eventual
lacuna relativa a sua admissão, em se tratando da estrita fiscalização da
observância das normas constitucionais relativas a processo legislativo.”

Diante das razões de
veto apontadas na mensagem acima transcrita verifica-se o cuidado em resguardar
o postulado da separação dos poderes. Assim, questões eminentemente internas de
cada poder, não podem ser apreciadas por outro poder.

Da análise
supracitado diploma legal em vigor, percebe-se que o legislador ordinário
estabeleceu que é cabível a argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I) para evitar lesão
a preceito fundamental resultante de ato do poder público;

II) para reparar a
lesão a preceito fundamental resultante de ato do poder público;

III) quando for
relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato
normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à
constituição.

As duas primeiras
hipóteses são espécies de argüição de descumprimento são consideradas autônomas
e poder ser preventivas (“evitar lesão”) e repressivas (“reparar lesão”).

Gize-se que em ambas
modalidades a argüição deve se dar quando ocorrer lesão à preceito fundamental.
Sendo que, esta lesão deve ser resultante de ato do poder público, ou seja,
qualquer ato administrativo com exclusão dos particulares, podendo este ato ser
normativo ou não.

Sobre o tema,
destacamos o posicionamento do Pretório Excelso:

“(…)
O objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental há de ser “ato
do Poder Público” federal, estadual, distrital ou municipal, normativo ou não,
sendo, também, cabível a medida judicial “quando for relevante o fundamento da
controvérsia sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal,
incluídos os anteriores à Constituição”. 7. Na espécie, a inicial aponta como
descumprido, por ato do Poder Executivo municipal do Rio de Janeiro, o preceito
fundamental da “separação de poderes”, previsto no art. 2º da Lei Magna da
República de 1988. O ato do indicado Poder Executivo municipal é veto aposto a
dispositivo constante de projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal da
Cidade do Rio de Janeiro, relativo ao IPTU. 8. No processo legislativo, o ato
de vetar, por motivo de inconstitucionalidade ou de contrariedade ao interesse
público, e a deliberação legislativa de manter ou recusar o veto, qualquer seja
o motivo desse juízo, compõem procedimentos que se hão de reservar à esfera de
independência dos Poderes Políticos em apreço. 9. Não é, assim, enquadrável, em
princípio, o veto, devidamente fundamentado, pendente de deliberação política
do Poder Legislativo – que pode, sempre, mantê-lo ou recusá-lo, – no conceito
de “ato do Poder Público”, para os fins do art. 1º, da Lei nº 9882/1999.
Impossibilidade de intervenção antecipada do Judiciário, – eis que o projeto de
lei, na parte vetada, não é lei, nem ato normativo, – poder que a ordem
jurídica, na espécie, não confere ao Supremo Tribunal Federal, em via de
controle concentrado. 10. Argüição de descumprimento de preceito fundamental
não conhecida, porque não admissível, no caso concreto, em face da natureza do
ato do Poder Público impugnado.” (STF – ADPF n. 1 (QO) – RJ – Plenário – Rel.
Min. Néri da Silveira – DJU 03.02.2000) (original sem grifos)

“Agravo
regimental adversando decisão que negou seguimento a argüição de descumprimento
de preceito fundamental, uma vez que, à luz da Lei n. 9.882/99, esta deve
recair sobre ato do poder público não mais suscetível de alterações. A proposta
de emenda à constituição não se insere na condição de ato do poder público
pronto e acabado, porque ainda não ultimado o seu ciclo de formação. Ademais, o
Supremo Tribunal Federal tem sinalizado no sentido de que a argüição de
descumprimento de preceito fundamental veio a completar o sistema de controle
objetivo de constitucionalidade. Assim, a impugnação de ato com tramitação
ainda em aberto possui nítida feição de controle preventivo e abstrato de
constitucionalidade, o qual não encontra suporte em norma
constitucional-positiva.” (ADPF 43-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em
20-11-03, DJ de 19-12-03) (grifamos).

A terceira hipótese
de argüição de preceito fundamental é a chamada por equivalência ou
equiparação.

Por meio desta
hipótese é possível argüir o descumprimento de preceito fundamental quando
houver controvérsia constitucional relevante sobre lei ou ato normativo
federal, estadual e municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

Assevera o
constitucionalista Alexandre de Moraes[4]
que esta hipótese de argüição por equiparação legal, extrapola o poder que foi
conferido ao legislador ordinário pela Constituição federal, já que o § 1º do
art. 102 da Carta Política apenas autorizou o legislador a estabelecer a forma
pela qual a o preceito fundamental será argüido no STF, não deu ensejo à
ampliação das competências do STF, por este motivo entende ser esta hipótese
inconstitucional.

Nesse sentido também
é o magistério de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior:

“A
Constituição Federal, em seu art. 102§ 1º, cuidou apenas de criar uma ação.
Sempre que houver descumprimento de preceito fundamental, caberá a ação
prevista na Lei Maior. Mas a Lei n. 9.882/99 inovou trazendo mais uma hipótese,
ou seja, o controle de ato normativo municipal, estadual e federal, incluindo o
anterior à Constituição, desde que relevante o fundamento da controvérsia
constitucional na visão do Pretório Excelso.

Entendemos,
portanto, que o parágrafo único do art. 1º da Lei n. 9.882/99, por inexistência
de previsão é inconstitucional, permitindo apenas o controle pela ação prevista
na cabeça deste artigo.”[5]

Registre-se também
que consoante noticiado no Informativo n. 253 do Supremo Tribunal Federal, o
Ministro Néri da Silveira – relator da ADIn n. 2.231/DF – afirma que a argüição
de descumprimento de preceito fundamental na modalidade incidental, somente
poderia ser criada através de emenda constitucional, senão vejamos:

“(…)
O Min. Néri da Silveira, relator, em face da generalidade da formulação do
parágrafo único do art. 1º, considerou que esse dispositivo autorizaria, além
da argüição autônoma de caráter abstrato, a argüição incidental em processos em
curso, a qual não poderia ser criada pelo legislador ordinário, mas, tão-só,
por via de emenda constitucional, e, portanto, proferiu voto no sentido de dar
ao texto interpretação conforme à CF a fim de excluir de sua aplicação
controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo (‘Parágrafo
único – Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I –
quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou
ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à
Constituição’”). Conseqüentemente, o Min. Néri também votou pelo
deferimento da liminar para suspender a eficácia do § 3º do art. 5º, por estar
relacionado com a argüição incidental em processos em concreto (‘A liminar
poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o
andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra
medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento
de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.’).”

4.
A expressão “preceito fundamental”

Uma das grandes
dificuldades que se afigura sobre o estudo do tema é exatamente a identificação
e a conceituação de preceito fundamental na ordem constitucional, tendo em
vista que nem a Constituição e nem a Lei n. 9.882/99 definiram o seu conceito,
relegando-se esta árdua tarefa à doutrina e a jurisprudência.

Então para se atingir
o conceito aludido é pertinente fragmentarmos a expressão contida no § 1º do
art. 102 da CF/88: “preceito fundamental”.

Passemos inicialmente
à definição do que seria preceito.

Antes e mais nada é
imperioso salientar que o Direito é uma unidade de sentido onde os valores são
incorporados à norma, e o Direito Constitucional constitui-se de um sistema
aberto de normas.

As normas, por sua
vez, subdividem-se em duas espécies: os princípios e as regras. Os princípios
são comandos gerais dotados de alto grau de abstração, com amplo campo de
incidência e abrangência, servindo como norte para o ordenamento jurídico. Por
sua vez, as regras são comandos aplicáveis em um campo de incidência
específico, com elementos próximos ao direito comum, capazes de investir um
titular em direitos subjetivos.

Segundo o magistério
de De Plácido e Silva em sua obra Vocabulário Jurídico, citada por André Ramos
Tavares[6],
a palavra preceito, derivada do latim praeceptum,
significa a ordem, a regra ou o mandado que se deve observar. Portanto assume a
noção de norma.

Como se vê o preceito
é sem dúvida uma norma, porém não podemos afirmar que ele seria nem principio
nem regra, mas sem a menor sobra de dúvida uma categoria à parte, mas sendo
pois, norma.

Sendo então o
preceito uma categoria autônoma de norma, cumpre agora delimitar o que seria
preceito fundamental.

A priori poderia se
pensar que o preceito fundamental seria o mesmo que princípio constitucional,
contudo esta ligação é errônea e imprecisa, tendo em vista que já se definiu
que os preceitos podem ser tanto princípios quanto regras, já que é norma.

Ademais, no texto
constitucional a expressão “preceito fundamental” aparece apenas no § 1º do
art. 102, já os princípios estão presentes em diversas passagens
constitucionais, portanto se o legislador constituinte quisesse que os
preceitos fundamentais fossem sinônimos dos princípios constitucionais, não
teria empregado isoladamente esta expressão.

Sobre o tema André
Ramos Tavares assim afirma:

“O
fundamental, portanto, apresenta a conotação daquilo sem o que não há como se
identificar uma Constituição. São preceitos fundamentais aqueles que conformam
a essência de um conjunto normativo-constitucional.”[7] 

Assim podemos afirmar
que os preceitos fundamentais poderão ser princípios e regras constitucionais,
desde que eles sejam considerados essenciais à ordem jurídica constitucional.
Então nem todos os princípios constitucionais serão preceitos fundamentais e
algumas regras essências poderão ser consideradas preceitos fundamentais.

Tarefa difícil é,
portanto, estabelecer quais são os princípios e regras constitucionais que se
constituirão preceitos fundamentais.

A doutrina não chegou
a um consenso sobre o que seriam efetivamente os preceitos fundamentais, sendo
que poucos autores se arriscaram a enunciar quais seriam os referidos
preceitos.

Nelson Nery Jr. e
Rosa Maria Nery asseveram que:

“São
fundamentais, entre outros, os preceitos constitucionais relativos: ao estado
democrático de direito (CF 1.º caput); b) à soberania nacional (CF 1.º I); c) à
cidadania (CF 1.º II); d) à dignidade da pessoa humana (CF 1. º III); e) aos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF 1.º IV); f) ao pluralismo
político (CF 1.º V); g) aos direitos e garantias fundamentais (CF 5º); h) aos
direitos sociais (CF 6.º a 9.º); i) à forma federativa do estado brasileiro; j)
à separação e independência dos poderes; l) ao voto universal, secreto, direto
e periódico.”[8]

A Lei n. 9.882/99
também não se enveredou na tarefa de definir o que seriam os preceitos
fundamentais e se omitiu com propriedade, posto que não parece tarefa do
legislador ordinário estabelecer formas de violação da Constituição Federal,
somente ela teria este condão.

Dentro desta linha
doutrinária, Zeno Veloso nos ensina que:

“Não
nos parecia que o legislador ordinário pudesse indicar os preceitos
fundamentais decorrentes da Constituição, cujo descumprimento possibilitaria a
argüição. Significaria dar prerrogativa ao Congresso Nacional de eleger, dentro
dos princípios, quais os que são fundamentais, vale dizer, essenciais,
preponderantes, superiores. Ora, isto é atribuição do constituinte originário,
ou do Supremo Tribunal Federal, guardião principal e intérprete máximo do Texto
Magno. Além do mais, não poderia o legislador apresentar um elenco definitivo,
um painel pronto e acabado dos preceitos fundamentais, pois a Constituição,
apesar do ideal de estabilidade, é um documento histórico-cultural do povo.
Embora lentas, as transformações são inevitáveis, ditando, como disse Krüger,
uma mudança de natureza das normas constitucionais. O que hoje se pode
considerar preceito fundamental, dada a dinamicidade do ordenamento jurídico,
pode ter a sua densidade normativa diminuída no decorrer do tempo. (…) Estes
são princípios reitores, regras nucleares, linhas mestras ou vigas-mestras da
organização política e social brasileira, sem olvidar que há preceitos
fundamentais que deles decorrem, havendo necessidade, para descobri-los de ser
feita uma inferência, um desenvolvimento por parte do intérprete.”[9]

E como a própria Carta
Política não os definiu, quem poderia exercer a função de fixar quais são os
preceitos fundamentais?

André Ramos Tavares
afirma que a definição dos preceitos fundamentais, deve ser feita pelo Tribunal
Constitucional – no caso brasileiro o Supremo Tribunal Federal – já que é ele o
guardião da Constituição:

“(…)
é preciso insistir que o correto dimensionamento de cada um dos preceitos
fundamentais dar-se-á por obra do Tribunal Constitucional, identificando, em
cada caso a ele submetido, a ocorrência ou não de violação a determinado
preceito fundamental, com o que acabará, inexoravelmente, apontando e
construindo, pouco a pouco, o conteúdo dos preceitos fundamentais.”[10]

O próprio STF
reconhece esta legitimidade, como se pode verificar na ementa do julgamento da
Questão de Ordem na ADPF n. 1:

“Compete
ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no
sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental. (…)” (ADPF
1-QO, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 3-2-00, DJ de 7-11-03)

Ocorre que, a
jurisprudência do STF ainda não está plenamente pacificada sobre a construção
do significado normativo do que seja preceito fundamental. Porém, no julgamento
da ADPF n. 33, o relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em uma decisão
monocrática (que foi chancelada pelo Pretório Excelso) apresentou as idéias que
conduzem à compreensão do que a expressão preceito fundamental abrange, senão
vejamos:

“Parâmetro
de controle — É muito difícil indicar, a priori, os preceitos fundamentais da
Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo e o
julgamento da argüição de descumprimento. Não há dúvida de que alguns desses
preceitos estão enunciados, de forma explícita, no texto constitucional. Assim,
ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem
constitucional aos direitos e garantias individuais (art. 5º, dentre outros).
Da mesma forma, não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais
princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, da Constituição,
quais sejam, a forma federativa de Estado, a separação de Poderes e o voto
direto, secreto, universal e periódico. Por outro lado, a própria Constituição
explicita os chamados ‘princípios sensíveis’, cuja violação pode dar ensejo à decretação
de intervenção federal nos Estados-Membros (art. 34, VII). É fácil ver que a
amplitude conferida às cláusulas pétreas e a idéia de unidade da Constituição
(Einheit der Verfassung) acabam por colocar parte significativa da Constituição
sob a proteção dessas garantias. (…) O efetivo conteúdo das ‘garantias de
eternidade’ somente será obtido mediante esforço hermenêutico. Apenas essa
atividade poderá revelar os princípios constitucionais que, ainda que não
contemplados expressamente nas cláusulas pétreas, guardam estreita vinculação
com os princípios por elas protegidos e estão, por isso, cobertos pela garantia
de imutabilidade que delas dimana. Os princípios merecedores de proteção, tal
como enunciados normalmente nas chamadas ‘cláusulas pétreas’, parecem despidos
de conteúdo específico. Essa orientação, consagrada por esta Corte para os
chamados ‘princípios sensíveis’, há de se aplicar à concretização das cláusulas
pétreas e, também, dos chamados ‘preceitos fundamentais’. (…) É o estudo da
ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas relações de
interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a
preservação dos princípios basilares dos preceitos fundamentais em um
determinado sistema. (…) Destarte, um juízo mais ou menos seguro sobre a
lesão de preceito fundamental consistente nos princípios da divisão de Poderes,
da forma federativa do Estado ou dos direitos e garantias individuais exige,
preliminarmente, a identificação do conteúdo dessas categorias na ordem constitucional
e, especialmente, das suas relações de interdependência. Nessa linha de
entendimento, a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando
se verificar possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na
ordem constitucional, mas também a disposições que confiram densidade normativa
ou significado específico a esse princípio. Tendo em vista as interconexões e
interdependências dos princípios e regras, talvez não seja recomendável
proceder-se a uma distinção entre essas duas categorias, fixando-se um conceito
extensivo de preceito fundamental, abrangente das normas básicas contidas no
texto constitucional. “(ADPF 33-MC, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em
29-10-03, DJ de 6-8-04)

Vejamos também a
decisão da ADPF n. 45, que reconhece como preceito fundamental os direitos
sociais:

“ARGÜIÇÃO
DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE
CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA
HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO
ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS.
CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA
DA “RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS,
DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO
EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO
PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE
SEGUNDA GERAÇÃO).” (STF – Pleno – MC ADPF n. 45- Rel. Min. Celso de Melo,
julgamento 29/04/04, DJ de 04-05-04)

5.
O preceito fundamental decorrente da Constituição

Após estabelecer o
que são preceitos fundamentais é preciso levar em consideração que o texto
constitucional menciona “preceito fundamental decorrente desta constituição”

Para alguns autores
esta expressão não foi muito bem empregada, pois gera uma certa ambigüidade,
sendo o mais preciso se estivesse grafado: preceito fundamental da
Constituição.

O aclamado
doutrinador José Afonso da Silva, sobre o tema, prescreve que:

“O
§. 1º do art. 102 contém uma disposição não muito bem redigida, tal como deve
dizer ‘preceito fundamental decorrente desta Constituição’ quando deveria
apenas falar em ‘preceito fundamental da Constituição’, mas isso não infirma
nem prejudica a relevância da norma (…)”[11]

Desta forma ao
inserir o termo “decorrente”, poderia dar ensejo à conclusão de que seria
possível a localização do preceito externamente à Constituição.

Porém seguindo-se a
posição doutrinária de André Ramos Tavares, o vocábulo “decorrente” é
designativo da existência de preceitos fundamentais tanto expressos quanto
implícitos, mas sempre dentro da Constituição, nunca fora.

Portanto, a argüição
de descumprimento de preceito fundamental somente pode ocorrer quando houver
violação de preceito fundamental da Constituição, seja ele expresso ou
implícito.

6.
Considerações finais

A definição do
significado da expressão preceito fundamental como pudemos verificar é
tormentosa na doutrina, mas isso se dá porque alguns doutrinadores buscam fixar
conceitos para todos os institutos jurídicos, porém nem tudo pode ser
conceituado com precisão. O preceito fundamental é um exemplo claro disto.

Então melhor que
fixar um conceito ou estabelecer o que é ou não é preceito fundamental, é
concluir que como a argüição de preceito fundamental surge da violação de um
preceito fundamental, o órgão mais competente e melhor preparado para definir o
alcance e o significado da expressão preceito fundamental é sem dúvida o
guardião da constituição, no âmbito brasileiro o Supremo Tribunal Federal.

Assim, diante destas
ponderações podemos afirmar que, a construção do conceito de preceito
fundamental é gradativa deve e ser perspectivada à luz do princípio da
razoabilidade tendo em vista que se trata de uma expressão que contém alto grau
de indeterminabilidade.

 

Bibliografia:

ARAUJO,
Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2006.

CANOTILHO,
J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra:
Almedina. 2000.

DIMOULIS,
Dimitri. Dicionário brasileiro de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007.

LENZA,
Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2007.

MORAES,
Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional.
São Paulo: Atlas, 2002.

_____________________.
Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2006.

NERY
JR., Nelson; NERY, Rosa M. A.. Código de processo civil comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

SILVA,
José Afonso. Curso de direito constitucional positivo.São Paulo: Malheiros,
2001.

TAVARES,
André Ramos. Tratado da argüição de preceito fundamental. São Paulo: Saraiva,
2001.

VELOSO,
Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey,
2003.

Notas:

[1] TAVARES.
Tratado da argüição de preceito
fundamental
. 2001, p. 86.

[2] MORAES. Direito constitucional.  2006, p. 697.

[3] LENZA.
Direito constitucional. 2007, p. 154.

[4] MORAES. Direito constitucional.  2005, p. 702.

[5] ARAUJO;
NUNES JÚNIOR. Curso de direito
constitucional
.  2006, p. 56.

[6] TAVARES.
Tratado da argüição de preceito
fundamental
. 2001, p. 117.

[7] TAVARES.
Tratado da argüição de preceito
fundamental
. 2001, p. 124.

[8] NERY
JR.; NERY. Código de processo civil
comentado e legislação processual civil extravagante em vigor
. 2002, p.
1478.

[9] VELOSO. Controle jurisdicional de
constitucionalidade
. 2003, p. 295 e 296.

[10] TAVARES.
Tratado da argüição de preceito fundamental. 2001, p. 154.

[11] SILVA. Curso de direito constitucional positivo.
2001, p. 561.


Informações Sobre o Autor

Alberto de Magalhães Franco Filho

Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, Mestre em Direito Coletivo, Cidadania e Função Social pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP, Professor efetivo Assistente I da Universidade Federal de Viçosa Campus de Rio Paranaíba.


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