Os Direitos Sociais e a especificade do contexto histórico de sua consolidação no quadro do Welfare State

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Resumo: A emergência dos Direitos Sociais como patrimônio jurídico consolidado do constitucionalismo contemporâneo deu-se um contexto bastante específico genericamente denominado “Welfare State”. Aquele período foi marcado por um ciclo econômico de marcada expansão da economia dos países centrais e ainda por arranjos sócio-políticos engendrados com base numa forte programação econômica.


Sumário: A social-democracia, o keynesianismo e o “compromisso” do “capitalismo democrático”. “Bem-Estar Social”: um arranjo sócio-político específico. As políticas sociais e econômicas nos países dependentes durante os “anos de ouro” do capitalismo.


O período pós-Segunda Guerra foi o de maior crescimento econômico de toda a História. Os índices médios de crescimento nas cerca de três décadas denominadas “anos de ouro” nos países ricos (Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão) foram tão elevados que significaram algo como a duplicação da riqueza per capita produzida a cada 14 anos. É apenas com este cenário ao fundo que as especifidades do “modelo” do Welfare State pode ser analisado seriamente.


Neste cenário de expansão econômica, o Estado exerceu um papel fundamental no período que pode ser sintetizado, na denominação utilizada por Mandel (1982), pela progração econômica e pela programação social.


Em relação à programação econômica, Mandel lembra que na economia capitalista, seja a de um país ou mundialmente considerada, não existem centros planificadores ou autoridades que possam controlar a destinação dos recursos disponíveis. Ao mesmo tempo, as empresas apresentavam uma forte demanda por previsibilidade na evolução da economia, o que incluía projeções macroeconômicas confiáveis. No entanto, pela natureza do capitalismo, o Estado não pode mais que coordenar as expectativas de produção das empresas, o que torna a programação claramente limitada a um caráter estimativo. Quando o desenvolvimento real desviava-se das previsões, o Estado intervinha através da política fiscal, monetária, de crédito ou pelo investimento público. A administração das crises é uma função vital do Estado nessa fase. Do ponto de vista econômico, o objetivo correspondia a evitar ou adiar ao máximo crises como a de 1929/1932 e para isso lançava-se todo um arsenal de políticas anticíclicas de inspiração keynesiana.


A programação social, de outra parte, assumia enorme importância para o capitalismo tardio, até pelo caráter incerto da programação econômica. O planejamento exato almejado pelas empresas incluía o planejamento dos custos salariais, o que significava tirar a mercadoria força de trabalho das flutuações normais da procura e da oferta no mercado de trabalho (Mandel 1982).


A social-democracia, o keynesianismo e o “compromisso” do “capitalismo democrático”


É importante observar que esta dupla atividade de programação contou com a participação ativa da social-democracia, setor político com grande peso na direção das entidades sindicais e com fortes partidos políticos de base operária.


Adam Przeworski, que estudou detidamente estas relações no seu Capitalismo e Social-Democracia (1995), entende o período como caracterizado pela combinação entre capitalismo e democracia. Esta combinação estabeleceria um compromisso entre os que possuem e os que não possuem os instrumentos de produção: estes consentiriam com a propriedade privada, enquanto os proprietários consentiriam com a existência de instituições nas quais outros grupos podem apresentar eficazmente suas reivindicações quanto à distribuição do produto social.


O autor lembra que os primeiros partidos social-democratas que chegaram ao governo pela via eleitoral o fizeram sem estar em condições de implantar seus programas de nacionalizações. A vitória do partido social-democrata sueco nas eleições de 1932 teria representado um ponto de viragem, já que o governo formado rompeu com a política monetária ortodoxa e combateu o desemprego não pela assistência, mas dando emprego aos desempregados. Este teria sido o momento em que surgiu a ligação entre a esquerda e a economia keynesiana[1].


O keynesianismo teria dado assim aos partidos social-democratas uma justificativa para o exercício de poder no quadro de sociedades capitalistas, sem romper com suas estruturas fundamentais. E forneceu, a partir daí, o alicerce do chamado “compromisso de classes” e, portanto, de uma pretensa compatibilização entre democracia e capitalismo. Como afirma:


“O keynesianismo forneceu os alicerces ideológicos e políticos para o compromisso da democracia capitalista e ofereceu a perspectiva de que o Estado seria capaz de conciliar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da economia. (…) O controle democrático sobre o nível de desemprego e a destribuição de renda tornaram-se os termos do compromisso que viabilizou o capitalismo democrático.” (Przeworski 1995: 244)


Keynes atribuía à insuficiência da demanda a causa do desemprego. A distribuição de renda em favor dos que consomem a maior parte do que ganham, ou seja, os assalariados, estimularia a produção e reduziria o desemprego.


O keynesianismo não propõe a propriedade estatal dos meios de produção, mas que o Estado seja capaz de determinar a quantidade de recursos destinados a aumentar estes meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores. Explica o autor:


“Dado o estoque de capital existente, o produto real sempre poderia ser acrescido por meio de aumentos salariais, transferências aos pobres e gastos do governo ou com a redução de impostos. Como a elevação da produção implica o aumento da taxa de utilização dos recursos, as mesmas políticas diminuiriam o desemprego.” (Przeworski 1995: 246)


Para o autor, o keynesianismo promoveu um encontro entre a parcialidade distribuitiva da Esquerda e uma teoria econômica técnica, o que poderia ser sintetizado em um esquema no qual a redistribuição incentiva a produção e promove mais justiça. A partir daí, como lembra Chesnais (1996), difunde-se, a partir dos EUA, o modelo fordista de produção e consumo de massas, com o estabelecimento de certos padrões salariais compatíveis.


No entanto, como assinala o próprio Przeworski, é possível identificar duas vertentes de políticas keynesianas: uma mais ligada à distribuição de renda e outra, que prevaleceu, ligada à manipulação dos gastos do governo, da tributação e da oferta de moeda.


“Bem-Estar Social”: um arranjo sócio-político específico


O que Przeworski chamou de “compromisso que viabilizou o capitalismo democrático” é entendido aqui como o específico arranjo sócio-político que configurou o chamado Estado de Bem-Estar Social e que só pode ser compreendido no contexto da onda longa expansiva na qual ocorreu, como assinala José Paulo Netto (1995). A social-democracia e as burocracias sindicais formaram pilares importantes deste arranjo, ao mesmo tempo que o Estado exerceu o papel de mediador.


É preciso lembrar, como João Machado (1998), que as burguesias dos países centrais estavam colocadas na defensiva pelos resultados tanto da Grande Depressão, quanto da Segunda Guerra. Neste sentido, a adoção de políticas econômicas que mantiveram índices bastante baixos de desemprego, uma novidade do keynesianismo, deve ser entendida como uma concessão aos interesses dos trabalhadores, resultante da correlação de forças sociais e políticas que se verificava. Além disso, uma rede importante de direitos sociais e previdência foi criada, configurando o chamado Estado de Bem-Estar Social.


Michel Husson (1999) assinala um aspecto central para compreender o período: uma divisão mais ou menos fixa das rendas nacionais. A médio prazo a parte dos salários era constante, o que significava que os assalariados eram beneficiados pelos ganhos de produtividade que, como já foi afirmado, foram altos no período[2]. Em muitos países centrais, inclusive, a concentração de renda foi reduzida, não apenas pelos mecanismos de distribuição direta, através dos salários, mas também por meio dos mecanismos de distribuição indireta, sustentados em um sistema tributário progressivo.


A chamada programação social, como denomina Mandel (1982), foi realizada, geralmente, através de acordos coletivos vinculantes de longo prazo. Os sindicatos e partidos social-democratas apareciam como os representantes oficiais dos trabalhadores, que negociavam com as organizações representativas e partidos políticos ligados ao patronato, enquanto o Estado exercia um papel pretensamente neutro. O “compromisso” firmado envolvia a existência de ganhos materiais para os assalariados (o que foi assegurado pela produção crescente proporcionada pelo esquema taylorista-fordista e por um esquema de reprodução viabilizado pelo consumo de massas). De outro lado, os trabalhadores, através dos seus representantes, relegavam a temática do socialismo a um futuro distante, delimitando o campo da luta de classes (Antunes 2000).


Para Ricardo Antunes (2000), este “compromisso” acabou por significar um elemento de integração do movimento operário de caráter social-democrata, convertendo seus organismos de representação institucional em co-gestores do processo de reprodução do capital. Os partidos social-democratas e as estruturas sindicais a eles ligadas transformaram-se progressivamente, por esta via, em mediadores do controle do capital sobre o proletariado.


As tentativas de “enquadramento” dos sindicatos, para Mandel, refletem, a partir de uma extraordinária concentração de poder econômico em algumas empresas e grupos financeiros, uma tendência geral à coerção verificada no capitalismo tardio e que visa “ampliar o controle sistemático sobre todos os elementos dos processos de produção, circulação e reprodução”. Os chamados “compromisso” e “Estado de Bem-Estar” seriam assim as formas históricas específicas de controle social da mão-de-obra daquele período.


As políticas sociais e econômicas nos países dependentes durante os “anos de ouro” do capitalismo


No mesmo período, as coisas foram muito diferentes nos países dependentes, nos quais jamais se chegou a construir Estados de Bem-Estar, e que não foram contemplados pelo “compromisso” ocorrido nos países centrais. Mais que isso, a transferência de riqueza destes países para os capitalismos centrais teve um papel importante na viabilização daquele arranjo sócio-político.


Ainda assim, em muitos destes países alguma rede de seguridade e alguns direitos sociais foram garantidos. Em diversos países foram levadas a cabo políticas “desenvolvimentistas”[3], que não chegaram a proporcionar desenvolvimentos nacionais sustentados[4], embora, em alguns casos, tenha havido um desenvolvimento econômico real, como o ocorrido no Brasil. Em geral, este desenvolvimento foi acompanhado de uma maior concentração de renda, em oposição ao que ocorria nos países centrais (Machado 1998).


 


Referências Bibliográficas:

ANTUNES, R. (2000), Os Sentidos do Trabalho (2ª ed.). São Paulo: Boitempo.

CHESNAIS, F. (1996), A mundialização do capital. São Paulo: Xamã.

HUSSON, M. (1999), Miséria do Capital: uma crítica do neoliberalismo. Lisboa: Terramar.

MACHADO, J. (1998), “Internacionalização do Capital: uma fase perversa”, São Paulo em Perspectiva, vol 12, nº 3, jul-set.

MANDEL, E. (1982), O Capitalismo Tardio (Os Economistas), São Paulo: Abril Cultural.

PRZEWORSKI, A. (1995), Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo: Cia das Letras.

NETTO, J. P. (1995), Crise do Socialismo e Ofensiva Neoliberal. São Paulo. Cortez.

 

Notas:

[1] Embora o autor registre em nota a existência de uma controvérsia sobre a origem daquela política: se foi baseada em Keynes ou elaborada autonomamente.

[2] Em média, a produtividade horária cresceu 5,2% ao ano entre 1949 e 1974, segundo o próprio Husson (1999).

[3] Como registra Wallerstein (2000), na América Latina, por exemplo, os intelectuais reagiram ao receituário liberal desmentindo os benefícios de uma política econômica de fronteiras abertas e criando a CEPAL, cuja primeira recomendação foi a substituição de importações com proteção das indústrias nascentes, política que foi amplamente adotada nas décadas seguintes.

[4] Como lembra João Machado (1998) é discutível, inclusive, que fosse possível naquele período, a criação de novos capitalismos nacionais desenvolvidos.


Informações Sobre o Autor

Elídio Alexandre Borges Marques

professor do NEPP-DH (Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos) da UFRJ. Doutor pela Escola de Serviço Social da mesma universidade. Mestre e Graduado em Direito pela PUC-Rio


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