Poder local e jurisdição constitucional: o controle de constitucionalidade de leis municipais

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Considerações Iniciais

O presente artigo tem por objetivo analisar o modelo brasileiro de controle de constitucionalidade das leis municipais, uma vez que em um Estado Democrático de Direito deve haver um vínculo simbiótico entre a Constituição e a justiça constitucional, ampliando a importância dos mecanismos de controle da Constituição e dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Inicialmente, analisaremos o modelo de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil, sua finalidade e características. Assim como a forma como se processa o controle de constitucionalidade e seus efeitos frente aos casos concretos e em abstrato.

Em seguida, passaremos a analisar o controle difuso de constitucionalidade das leis municipais frente às Constituições Federal e Estadual. Dessa forma, verificar-se-á como se processa a declaração de inconstitucionalidade frente a um caso concreto quando a lei municipal estiver a afrontar princípios e preceitos da Carta Magna Federal.

Por fim, será objeto de estudo o controle concentrado de constitucionalidade das leis municipais. Para tanto se fará necessário dividir o estudo em controle concentrado das leis municipais em face da Constituição Estadual; e controle concentrado das leis municipais em face da Constituição Federal.

1. Mecanismos de Controle de Constitucionalidade

O controle de constitucionalidade tem por finalidade garantir a supremacia da Constituição, fazendo com que todas as situações jurídicas permaneçam em conformidade com os princípios e preceitos constitucionais, além de limitar o poder em benefício dos direitos fundamentais dos indivíduos, em particular o poder político. No Brasil adotou-se o sistema de controle judicial repressivo[1] misto de constitucionalidade. Ou seja, depois de editada a lei ou ato normativo, é possível realizar o controle de constitucionalidade das leis tanto por meio do controle difuso de constitucionalidade, quanto por meio do controle concentrado de constitucionalidade.

O controle difuso de constitucionalidade surgiu no Brasil com a primeira Constituição Republicana, em 1891[2], mas sua origem é norte-americana, tendo surgido a partir da decisão proferida no caso Madison versus Marbury. Referido controle também é conhecido como controle por via de exceção, de defesa, aberto, incidental ou indireto.

No controle difuso é permitido a todo e qualquer juiz ou tribunal, de todos os graus, realizar, mediante um caso concreto, a análise sobre a compatibilidade das leis federais, estaduais e municipais com a Constituição Federal. Assim, uma vez declarado inconstitucional, o ato legislativo se torna nulo para todos os fins legais, como se nunca tivesse existido, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, alcançando, inclusive, os atos pretéritos.

Contudo, em se tratando de controle difuso, os efeitos da declaração se operam, em regra[3], apenas entre as partes em litígio, uma vez que é característica desse tipo de controle a análise mediante um caso concreto.

Desse modo, é possível ao juiz monocrático, ou singular, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, não aplicando a lei ao caso concreto.

Quando o controle for realizado no Tribunal de Justiça, o julgamento deverá ser realizado por seu órgão especial, mediante declaração pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros integrantes, conforme a regra conhecida como reserva de plenário, determinada no art. 97 da Constituição Federal[4], que atua como condição de eficácia jurídica da declaração.

Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal pode realizar o controle difuso de constitucionalidade, seja nas ações originárias quanto no exercício de sua competência recursal, em especial via recurso extraordinário.

Com isso, uma vez decidido o caso concreto, com efeitos apenas entre as partes, o Supremo Tribunal Federal pode comunicar, mediante ofício, ao Senado Federal a decisão sobre a inconstitucionalidade, onde faculta a possibilidade, por meio de resolução, de suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional, nos moldes do artigo 52, X, da Constituição Federal[5], estendendo, excepcionalmente, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para o restante da sociedade.

Nesse ponto, convém ressaltar que a competência do Senado Federal, para suspender a execução de lei mediante resolução, aplica-se à suspensão no todo ou em parte de quaisquer leis ou decretos, tanto federais, quanto estaduais ou municipais.

Dessa forma, constata-se a missão do Supremo Tribunal Federal como garantidor do Estado Democrático de Direito, atuando no controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público. Todavia, cabe salientar que o STF acumula as funções de Guardião da Constituição, ou seja, de um verdadeiro Tribunal Constitucional – com competências clássicas da jurisdição constitucional, em matéria de controle de constitucionalidade, por via direta e incidental – com as funções de cúpula do Poder Judiciário – sendo a ele deferidas as questões que processa e julga em última instância, assim como diversas outras competências comuns – que o distancia do modelo dos Tribunais Constitucionais europeus.

Contudo, a função principal do Supremo Tribunal Federal é a de Corte Constitucional, sua competência originária, com a finalidade de realizar o controle concentrado de constitucionalidade, processando e julgando as ações diretas de inconstitucionalidade, genéricas ou interventivas, as ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, as ações declaratórias de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental[6], conforme previsto no artigo 102 da Constituição Federal[7].

O controle concentrado de constitucionalidade surgiu no Brasil com a Emenda Constitucional nº 16, em 1965[8], inspirado no modelo austríaco de controle de constitucionalidade. Referido controle também é conhecido como controle por via de ação, reservado, abstrato, principal ou direto.

Na via concentrada compete exclusivamente ao STF, mediante proposição dos legitimados no art. 103 da Constituição Federal[9], o exercício do controle de constitucionalidade do ordenamento jurídico, realizando a verificação da adequação de uma lei[10] ou ato normativo com a Constituição Federal, verificando seus requisitos formais[11] e materiais[12]. Todavia, enquanto no controle difuso, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ficam restritos às partes, no controle concentrado os efeitos são erga omnes, ou seja, estendidos a todos, uma vez que se busca a anulação genérica da lei ou ato normativo incompatível com as normas constitucionais, independentemente de um caso concreto. Por isso, a declaração tem força obrigatória geral, com efeitos vinculantes em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, afastando, assim, inclusive, o controle difuso de constitucionalidade.

Desse modo, o controle de constitucionalidade tem por finalidade a defesa dos valores constitucionais básicos e dos direitos fundamentais, erigidos por meio de Assembléia Nacional Constituinte.

2. Controle Difuso de Constitucionalidade de Leis Municipais

Por meio do controle difuso de constitucionalidade das leis municipais é possível que qualquer juiz ou tribunal declare a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, mediante provocação de qualquer das partes, do Ministério Público ou mesmo de ofício pelo juiz ou órgão fracionário. De modo que se torna possível que tanto o juiz singular, quanto o Tribunal de Justiça, por meio da interpretação e, portanto de um ato de jurisdição constitucional, em um processo hermenêutico-constitucional, deixem de aplicar determinada lei em razão de sua inconstitucionalidade; retirando do órgão de cúpula do Poder Judiciário o monopólio do controle de constitucionalidade.

Entretanto, cabe ressaltar que o juiz singular não declara a inconstitucionalidade da lei; apenas deixa de aplicá-la ao caso concreto em razão de considerá-la inconstitucional, porquanto somente na forma do art. 97 da Constituição Federal é que pode ocorrer a declaração de inconstitucionalidade.

Por outro lado, quando a análise é realizada pelo Tribunal de Justiça, concluindo o órgão fracionário pela inconstitucionalidade da lei municipal, deve ser suscitado o incidente de inconstitucionalidade[13] onde, pela regra da reserva de plenário, a norma infraconstitucional deve ser submetida ao órgão especial, ou pela composição plenária, do Tribunal de Justiça para que, então, se pronuncie sobre a inconstitucionalidade da lei, declarando-a inconstitucional ou não, em votação cujo quorum exigido para a declaração de inconstitucionalidade é o de maioria absoluta.

Uma vez decidida a questão constitucional, o caso retorna ao órgão fracionário, turma ou câmara, para decisão do caso concreto, onde, a partir da decisão do órgão fracionário, é possível ingressar-se com Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Cabe, ainda, destacar que, ao contrário do juiz singular, os órgãos fracionários do tribunal não podem simplesmente deixar de aplicar a lei inconstitucional, devendo, obrigatoriamente, suscitar o incidente de inconstitucionalidade[14], inclusive o Superior Tribunal de Justiça[15].

Nesse aspecto, cumpre referir, segundo Bulos (2007, p. 128) que “assim, a sentença declaratória da inconstitucionalidade de lei municipal em face da Carta Federal comporta, na via de defesa, recurso extraordinário”.

Por conseqüência, remetida a questão ao Supremo Tribunal Federal, por meio de Recurso Extraordinário, considerando a hipótese de declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, este pode remeter a matéria ao Senado da República para que suspenda a execução da referida lei, por meio de resolução, nos moldes do artigo 52, X, da Constituição Federal, mas os efeitos, que eram inter partes e ex tunc, passam a ser erga omnes e ex nunc, para os que não são partes do processo.

É mistér destacar que, conforme ensina Moraes (2003, p. 1351), o entendimento predominante é de que essa atribuição do Senado Federal é discricionária e não vinculada. Senão, vejamos:

“Ocorre que tanto o STF quanto o Senado Federal entendem que o Senado não está obrigado a proceder à edição da resolução suspensiva do ato estatal cuja inconstitucionalidade, em caráter irrecorrível, foi declarada in concreto pelo STF; sendo, pois, ato discricionário do Poder Legislativo, classificado como deliberação essencialmente política, de alcance normativo (RTJ 39/19), no sentido referido por Paulo Brossard, de que tudo está a indicar que o Senado é o juiz exclusivo do momento em que convém exercer a competência, a ele só atribuída, de suspender lei ou decreto declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.”

Dessa forma, verifica-se que o controle da constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição Federal se apresenta de forma plena, possibilitando a harmonia do sistema, contudo limitado em relação aos efeitos que atingirão apenas as partes envolvidas a menos que decida o Senado Federal estender os mesmos à coletividade.

3. Controle Concentrado de Constitucionalidade de Leis Municipais

Por sua vez, de acordo com a previsão constitucional constante do art. 102, I, a, inexiste a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade quanto às leis e atos normativos municipais que contrariem, diretamente, a Constituição Federal, eis que referido artigo prevê tal possibilidade apenas quando se tratar de lei ou ato normativo federal ou estadual.

Inclusive, entende o STF que não é possível o controle concentrado de constitucionalidade pelo Tribunal de Justiça, quando a lei municipal ofender diretamente a Constituição Federal, uma vez as decisões do tribunal possuiriam efeitos erga omnes em âmbito estadual e, dessa forma, acabariam vinculando as decisões do próprio STF, impedindo-o de exercer sua missão constitucional de Guardião da Constituição.

Nesse aspecto, interessante as colocações de Bulos (2007) sobre o tema em tela:

“De imediato, observemos que o art. 102, I, a, da Constituição só admite ação direta de inconstitucionalidade perante atos normativos federais ou estaduais. Ficaram de fora, propositadamente, os municipais.

Propositadamente porque o silêncio foi deliberado e consciente. Nem há falar em lacunas ou vazios normativos. A proibição teve alcance prático. Foi para impedir uma avalancha de ações, de milhares de Municípios, que poderiam inviabilizar, ainda mais, as atividades do Supremo Tribunal Federal.”

Desse modo, se faz necessário  que sejam analisadas as possibilidades de controle concentrado de constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição Estadual e em face da Constituição Federal.

3.1 Em face da Constituição Estadual

A Constituição Federal prevê em seu artigo 125, § 2º[16], que os Estados organizarão sua Justiça e, assim, cabendo-lhes a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais contrários à Constituição Estadual. Por conseguinte, cabe ao Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade, exercendo, portanto, o controle concentrado de constitucionalidade de leis municipais frente a Constituição Estadual.

Nesse ponto, é interessante trazer a lume a consideração que faz Streck (2002, p. 564) sobre a organização da Justiça no Estado do Rio Grande do Sul:

“Alguns Estados, como o Rio Grande do Sul e São Paulo, chegaram a incluir no texto das respectivas constituições a possibilidade de os Tribunais de Justiça, por seus Órgãos Especiais, apreciarem não somente a constitucionalidade das leis municipais e estaduais em face da Constituição Estadual, mas, também, das leis municipais incompatíveis com a Constituição Federal, tese que foi rechaçada de plano pelo Supremo Tribunal Federal, mediante a concessão de medida cautelar nas ADins nº 409 e 374, respectivamente.“

Desse modo, é prevista a Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica e Interventiva em face da Constituição Estadual para fins de controle concentrado de leis municipais, mas não há previsão de tais ações em face da Constituição Federal.

Portanto, na hipótese da lei municipal se apresentar incompatível com a Constituição Estadual ocorrerá a argüição de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado-Membro, sendo legitimados para propor referida ação, conforme preceitua o art. 95, § 2º da Constituição Estadual[17], desde o Procurador-Geral de Justiça até os Prefeitos Municipais.

Para Della Giustina (2001), “o controle da constitucionalidade das leis em nível estadual é uma das formas mais marcantes de se assegurar a autonomia estadual e municipal”.

O processo segue a sistemática prevista para julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade junto ao STF, com quorum mínimo de maioria absoluta do Órgão Especial do Tribunal de Justiça para que seja declarada a inconstitucionalidade da lei municipal. Cabendo referir que o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul incumbiu, assim, ao Órgão Especial do Tribunal, constituído por 25 Desembargadores o processamento e julgamento de referidas ações.

Desse modo, verifica-se que o controle de constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição Estadual segue uma sistemática em simetria com o controle de constitucionalidade de leis federais e estaduais em face com a Constituição Federal.

3.2 Em face da Constituição Federal

Por seu turno, quando a lei ou ato normativo municipal contrariar tanto a Constituição Federal quanto a Constituição Estadual, em razão de previsões expressas de texto de repetição obrigatória e redação idêntica será da competência do Tribunal de Justiça o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, realizando, por conseqüência, o controle concentrado de constitucionalidade em face da Constituição Federal, ainda que de modo reflexo.

Entretanto, cumpre ressaltar que, caso a interpretação pelo Tribunal de Justiça local, da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estado, contrarie o sentido e o alcance desta, há a possibilidade de interposição de Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal.

Nesse aspecto, conforme ensinamentos de Mendes, Coelho e Branco (2007, p. 1252), interessante destacar a existência de uma peculiaridade em face da convivência entre os sistemas difuso e concentrado de controle  de constitucionalidade no direito brasileiro. Da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça que julgue procedente ou improcedente a ação direta caberá Recurso Extraordinário, sendo que a decisão proferida no mesmo será dotada de eficácia erga omnes, uma vez que “prolatada em processo de índole objetiva”.

Desse modo, verifica-se a possibilidade de discussão quanto à constitucionalidade de lei municipal que contraste matéria da Constituição Federal de repetição obrigatória nas Constituições dos Estados-Membros, de forma reflexa, uma vez que a lei municipal ao violar princípio da Constituição Federal viola também a Constituição do Estado. Ou como refere Della Giustina (2001, p.86):

“Em síntese, se a lei ou o ato normativo municipal estiver em confronto com a Constituição Federal, não há como se aplicar, em nível estadual, o sistema do controle concentrado de constitucionalidade. Todavia, se as disposições constitucionais federais estiverem reproduzidas na Carta Estadual, a análise da constitucionalidade é viável.”

Contudo, não podemos deixar de registrar o alerta que faz Della Giustina (2001) ao referir a situação de abandono a que é submetido o munícipe, uma vez que não possui proteção aos possíveis abusos do legislador municipal, que pode promulgar lei atentatória à Carta Federal, em dispositivos que não se repetem na Constituição Estadual, sem nenhuma possibilidade de controle de constitucionalidade, e exigir o seu cumprimento, o que reflete a existência de um verdadeiro absurdo jurídico vigente.

Por outro lado, o legislador ordinário ao prever a argüição de descumprimento de preceito fundamental, abstrata ou por equiparação, considerou qualquer controvérsia constitucional relevante sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. Logo, seria possível por meio da ADPF a realização do controle concentrado de constitucionalidade de leis municipais[18]. No entanto, a aplicação e a própria consolidação da lei instituidora de ADPF tem sofrido inúmeras limitações.

Streck (2002, p. 569) entende que a lei veio para suprir em determinadas circunstâncias a lacuna ou omissão voluntária do texto constitucional de não prever a possibilidade de argüição de inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal, alertando, no entanto que

“Isso não significa que qualquer lei municipal, pelo simples fato de ser inconstitucional em face da Constituição Federal, possa, agora, ter sua validade constitucional questionada junto ao Supremo Tribunal via ADPF. (…) a ADPF tem um caráter supletivo, cabível somente quando não há outras formas de solver a controvérsia, de formas que, em existindo, por exemplo, a possibilidade de recurso extraordinário, o manejo da ADPF fica, a princípio, descartado, a menos que exista, sobre a citada lei municipal, controvérsia cuja relevância possibilite a aplicação do artigo da Lei”.

Por fim, referem Mendes, Coelho e Branco (2007, p. 1252) que “a instituição da argüição de descumprimento de preceito fundamental completa o quadro das ações ‘ações declaratórias’, ao permitir que não apenas o direito federal mas também o direito estadual e municipal possam ser objeto de pedido de declaração de constitucionalidade”.

Considerações Finais

Por todo o exposto, verifica-se que o modelo brasileiro de fiscalização abstrata de constitucionalidade, por afastar do âmbito do Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade relacionada com lei ou ato normativo municipal com a Constituição Federal merece críticas uma vez que dificulta a atuação potencializada dos atores sociais na esfera local.

Desse modo, constata-se que a análise da compatibilidade de lei ou ato normativo municipal pelo STF somente pode ocorrer de forma direta nos casos de descumprimento de preceito fundamental, sem olvidar seus limites, ou mediante a atuação desse Tribunal na via difusa, através do controle incidental, em concreto.

Por fim, cabe salientar, ainda, que, além dessas restrições, os atores locais estão completamente afastados, no ordenamento brasileiro, da legitimidade para o controle de constitucionalidade na via concentrada perante o STF. Sendo que tal situação contribui para a ausência de efetividade do texto constitucional, este imprescindível para a caracterização de um direito social condensado, que permita a articulação dos atores sociais, ampliado na esfera local, mas que não rompa com os patamares mínimos constitucionais traduzidos especialmente nos direitos fundamentais.

 

Referências
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
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BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
CANOTILHO, I. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Livraria, 2002.
CLEVE, Clémerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
DELLA GIUSTINA, Vasco. Leis Municipais e seu controle constitucional pelo Tribunal de Justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
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MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
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STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
Notas:
[1] Apesar da inexistência de previsão legislativa expressa, admite-se, excepcionalmente, a realização de controle judicial preventivo, pela via do mandado de segurança, que incide sobre o processo legislativo, assegurando a devida observância das normas constitucionais.
[2] Posteriormente regulado pela Lei 221, de 1894.
[3] A exceção encontra-se disciplinada no art. 52, X, da Constituição Federal.
[4] Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
[5]   Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
[6] Ver Leis 9.868/99
[7] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. § 1º. A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
[8] O embrião do controle concentrado surgiu, no entanto, no art. 12 da Constituição de 1934, que previa a possibilidade de intervenção federal nos Estados para assegurar a observância de determinados princípios, mediante declaração de inconstitucionalidade da lei estadual pela Corte Suprema provocado pelo Procurador-Geral da República.
[9] Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembléia Legislativa; V – o Governador de Estado; IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;  VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
[10] Exceto leis municipais, conforme se verificará no item 3.
[11] Os requisitos formais são aqueles relativos à elaboração legislativa, ao processo legislativo, onde a inobservância das normas constitucionais atinentes ao processo legislativo terá como conseqüência a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, possibilitando o controle repressivo de constitucionalidade pelo Poder Judiciário.
[12] Os requisitos materiais são aqueles relativos ao conteúdo das leis e atos normativos, que devem estar de acordo com a supremacia dos princípios, direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal.
[13] Código de Processo Civil – Art.480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.
Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
[14] Com exceção apenas para o previsto no parágrafo único do art. 481 do CPC.
[15] Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça – Art. 200. A Seção ou a Turma remeterá o feito ao julgamento da Corte Especial quando a maioria acolher argüição de inconstitucionalidade por ela ainda não decidida.
[16] Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 2º – Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
[17] Constituição Estadual do Rio Grande do Sul – Art. 95. § 2º – Podem propor a ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, ou por omissão:I – o Governador do Estado; II – o Procurador-Geral de Justiça; III – o Prefeito Municipal; IV – a Mesa da Câmara Municipal; V – partido político com representação na Câmara de Vereadores; VI – entidade sindical; VII – o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – o Titular da Defensoria Pública; IX – as entidades de defesa do meio ambiente, dos direitos humanos e dos consumidores legalmente constituídas; X – associações de bairro e entidades de defesa dos interesses comunitários legalmente constituídas há mais de um ano.
[18] Lei 9.882/99 – Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I – quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Ricardo Hermany

 

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado – da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, e Doutor pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos com estágio de doutoramento pela Universidade de Lisboa. Coordenador do subgrupo de estudos Políticas Públicas e Gestão Local, do grupo Estado, Administração Pública e Sociedade (CNPq).

 

Everton José Helfer de Borba

 

Mestre em Direito. Especialista em Direito Processual. Especialista em Docência do Ensino Superior. Professor de Direito Constitucional na UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul.

 


 

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