Processo legislativo: mecanismos de aceleração e de qualificação

Resumo: Este artigo tem como objetivo o estudo dos mecanismos de aceleração do processo legislativo, bem como do aprimoramento de sua qualidade, tendo em vista a crise legislativa, decorrente tanto da mora do Poder Legislativo, como da inflação de leis, em que vivemos atualmente.

Palavras-chave: processo legislativo; legística; inflação legislativa; aceleração

Abstract: This article aims to study the mechanisms of acceleration of the legislative process, as well as the improvement of its quality, in view of a legislative crisis, due to both the delay of the Legislative Power, as inflation of laws in which we live today.

Keywords: legislative process; legistics; law inflation; acceleration

Sumário. Introdução. 1. A Crise do Poder Legislativo. 1.1. Sobreposição do Poder Executivo sobre o Legislativo. 1.2. O Poder Judiciário e a atividade criativa. 1.3. Inflação Legislativa. 2. Mecanismos de Aceleração. 2.1. Medida Provisória. 2.2. Solicitação de Urgência. 2.3. Procedimento de Urgência. 2.4. O Veto e as Leis Orçamentárias. 3. Mecanismos de Qualificação. 3.1. Legística. 3.1.1. Conceito e Origem. 3.1.2. Abrangência. 4. Conclusão

Introdução

O presente trabalho visa a apresentar mecanismos de aceleração e de qualificação do processo legislativo.

Tais mecanismos são necessários, na medida em que o processo legislativo, e a própria lei, atravessam momentos de crise no atual cenário político brasileiro, acarretando um desprestígio, não só da lei, mas, inclusive e, sobretudo, do Poder Legislativo.

Importante frisar, no que toca aos mecanismos de aceleração, que em sua maioria se encontram na própria Carta da República, vez que essa, ao prever prazos para conclusão de alguns procedimentos legislativos típicos, permite a aceleração da edição do ato legislativo em questão.

Já com relação aos mecanismos de qualificação das leis, será de suma importância o estudo de alguns conceitos de legística, como se desenhará no presente trabalho.

Portanto, as próximas páginas colocarão em evidência, em linhas gerais, a crise legislativa, seguida dos mecanismos de aceleração e qualificação do processo legislativo, os quais se mostram, dentre não mencionados aqui, como resposta e solução a esta crise.

1. A Crise do Poder Legislativo

1.1.Sobreposição do Poder Executivo sobre o Legislativo

Com o episódio da Carta Magna[1], assinada em 1215, entre o Rei João e os Barões, inicia-se a decadência do “governo dos homens” e das monarquias absolutistas.

A limitação do poder real, pelo governo das leis, deu espaço ao exercício das liberdades civis e assegurou a primazia da lei em detrimento das arbitrariedades dos regimes absolutistas.

O parlamento, a partir desse ponto, começa a ganhar grande destaque dentre os demais poderes, uma vez que era através dele que se revelava a vontade geral do povo e que se consentia, ainda que indiretamente, na criação de regras e limitações aos direitos e garantias individuais.

Consagrou-se, assim, o famoso “governo das leis”, deixando para trás, na história política, o “governo dos homens”.

Entretanto, com o passar do tempo e a evolução da sociedade, que se torna cada vez mais complexa e dinâmica, revelou-se o parlamento, e todos os trâmites por ele seguidos para aprovação de uma lei, moroso.

Desse modo, a urgência que muitas vezes demandavam as medidas a serem tomadas, tendo em vista o dinamismo existente nas sociedades contemporâneas, não era alcançada de forma satisfatória pelo parlamento, havendo, freqüentemente, a necessidade de o Poder Executivo intervir de forma mais imediata e pontual, dando a resposta necessária no prazo exigido.

Nesse sentido, importante trazer à baila palavras do Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra Do Processo Legislativo: “É notório que os Parlamentos não dão conta das “necessidades” legislativas dos Estados contemporâneos; não conseguem, a tempo e à hora, gerar as leis que os governos reclamam, que os grupos de pressão solicitam. As normas que tradicionalmente pautam o seu trabalho dão – é certo – ensejo a delongas, oportunidade a manobras e retardamentos. Com isso, os projetos se acumulam e atrasam. E esse atraso, na palavra do governo, no murmúrio da opinião pública, é a única e exclusiva razão por que os males de que sofre o povo não são aliviados.” (FERREIRA FILHO, 2012. P. 3)

Portanto, vemos que as delongas típicas do Poder Legislativo e do processo legislativo propriamente dito face às exigências imediatas da sociedade acarretaram certo desprestígio das casas do parlamento.

1.2. O Poder Judiciário e a atividade criativa

Acresça-se à situação acima explicitada, o aparecimento do chamado “neoconstitucionalismo”, cenário no qual se cria um novo conceito de justiça.

Nesse novo contexto, a ideia do justo se mostra relativa, na medida em que a justiça é construída individual e casuisticamente, apoiada na criação de regras individuais pelos magistrados, que acabam fazendo, muitas vezes, para se chegar ao “resultado justo” do caso concreto analisado, tabula rasa das disposições legais.

Colocando as disposições cogentes da lei de lado, o Poder Judiciário utiliza-se da grande quantidade de princípios, agora com força de lei, para a resolução dos casos concretos, criando regras individuais.

Assim, caem por terra, muitas vezes, as disposições legais, prevalecendo, nos casos concretos, as soluções criadas pelos magistrados a atenderem especificamente a justiça individual de cada caso concreto.

1.3. Inflação Legislativa

Por fim, a contribuir com a crise do Poder legislativo, podemos citar a fase de grande inflação legislativa em que vivemos.

Para todas as situações se criam leis, de modo que nem os magistrados e muito menos os cidadãos sabem, ao certo, a qual lei devem recorrer para solução dos casos concretos.

A ausência de uma codificação e compilação das normas, as quais se encontram esparsas pelo ordenamento, sem que se possa saber, no mais das vezes, qual delas está vigente, acaba por atrapalhar a sua eficácia social.

A crise a que se faz menção é muito bem expressada na obra Do Processo Legislativo, já citada, na seguinte frase: “Com isso, o mundo jurídico se torna uma babel. A multidão de leis afoga o jurista, esmaga o advogado, estonteia o cidadão, desnorteia o juiz. A fronteira entre o lícito e o ilícito fica incerta. A segurança das relações sociais, principal mérito do direito escrito, se evapora”. (FERREIRA, 2012. P. 35)

2. Mecanismos de Aceleração

Tendo em vista o exposto no item 1, quanto à crise do Poder Legislativo, percebe-se a necessidade de adoção de mecanismos que possam não só trazer a aceleração dos trâmites legislativos das casas do Congresso Nacional, mas que também possam contribuir com a melhora da qualidade e da demasiada quantidade de leis existentes em nosso ordenamento hodierno.

Um dos fatos que contribui fortemente para a lentidão do parlamento é certamente a ausência, no que se refere à grande maioria das espécies legislativas, de prazos cogentes para a finalização do processo legislativo.

O que se quer dizer é que a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) atribuiu, como se vislumbra da leitura de seu art. 58, §2º, às comissões parlamentares a competência para “discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa”.

Em outros termos, a CRFB, ao definir a delegação interna corporis, como é chamada pela doutrina, não define qualquer prazo para o exercício de tal atribuição pelas comissões, nem a relega para disciplina da legislação ordinária.

Encontraremos poucas exceções no texto na CFRB em que esta estabelece taxativamente prazos para o deslinde e conclusão do processo legislativo.

A par dessas raras exceções, a maioria das leis é deliberada e aprovada conforme os regimentos internos, os quais, por serem considerados normas interna corporis, não são suscetíveis de controle por parte do Poder Judiciário.

Tal situação enseja, no mais das vezes, um processo legislativo moroso, situação essa que se agrava, como já mencionado, ante a ausência de possibilidade de controle de prazos estabelecidos nos regimentos internos pelo Judiciário e tampouco pela população.

A situação seria realmente diferente caso houvesse prazos estabelecidos constitucionalmente, não somente para alguns processos legislativos típicos, mas, inclusive e, sobretudo, para o processo legislativo ordinário, vez que a maioria das leis produzidas em nosso ordenamento é, sem sombra de dúvida, fruto deste último procedimento.

Pois bem. Apenas alguns processos legislativos receberam, no que se refere ao prazo, regulamentação no âmbito da CFRB, de modo que, quando iniciados, possuem prazo constitucionalmente estabelecido para seu desfecho, o que acelera, nesses casos típicos, o processo legislativo.

Assim, analisaremos brevemente esses casos, ressaltando, desde já, a importância, no aceleramento do processo legislativo, do estabelecimento de prazos, suscetíveis de controle, para o processo legislativo comum ordinário, pois é deste, como já se disse, que a maioria das leis é oriunda.

2.1. Medida Provisória

A medida provisória possui procedimento específico na CRFB, inclusive com o estabelecimento de prazos cogentes.

Este instrumento normativo está previsto nos artigos 49 e 62 da CRFB e seu melhor conceito pode ser extraído da obra Medida Provisória: Edição e Conversão em Lei (AMARAL JR, 2012, P. 108) como “ato normativo primário e provisório – circunscrito à esfera privativa de competência do Presidente da República, possuindo, desde logo, força eficácia e valor de lei. Em suma, é materialmente lei.”

Acresça-se a esse conceito que a medida provisória somente pode ser editada pelo Presidente da República, em casos de relevância e urgência, não podendo ter como objeto aqueles arrolados expressamente nos incisos do art. 62 da CRFB.

Tal instrumento, como nos ensina o Professor José Levi Mello do Amaral Júnior, decorreu, originalmente, do surgimento de um novo Poder: o Governo.

Com efeito, a crise socioeconômica gerada pelo liberalismo do “laissez faire laissez passer” demandou uma intervenção urgente por parte das autoridades políticas.

Ocorre que o Rei não possuía legitimidade para tanto e o parlamento, embora legitimado pelo voto, não respondia a tempo, tendo em vista os trâmites necessários ao processo legislativo. Desse modo, foi necessária a cisão do Poder Executivo: o Rei – pairando sobre o jogo político e a Chefia do Governo ligada ao Parlamento por laços de confiança.

Pôde, assim, o Governo exercer amplas funções legislativas, respondendo de forma efetiva à urgência que as situações demandavam.

Especificamente no que se refere à aceleração do processo legislativo, assunto este que nos interessa aqui, a medida provisória, após a sua edição, deverá ser convertida em lei no prazo de sessenta dias, nos termos do art. 62, §3º, sob pena de perder sua eficácia; prazo este prorrogável uma única vez.

A sanção, se assim se pode dizer, estabelecida para eventual descumprimento de prazo pelas Casas do Congresso, é o trancamento de pauta das demais deliberações legislativas, conforme estabelece o §6º do mesmo artigo, passados 45 dias da publicação da medida provisória, sem apreciação pelas Casas.

É verdade que nos termos da posição defendida na Questão de Ordem nº 411/2009, pelo então Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, posição esta ratificada no julgamento do MS 27931 MC/DF, da relatoria do Ministro Celso de Mello[2], o descumprimento do prazo somente acarretará o trancamento da pauta dos projetos de lei ordinária.

Mas, digressões a parte, o fato é que a previsão Constitucional do trancamento de pauta fez com que os prazos previstos nos regimentos internos sejam exíguos e, mais, fez com que sejam cumpridos, pois o trancamento de pauta atravanca toda a agenda do legislativo.

Nesse sentido, elucidativas as palavras do Professor Paulo Adib Casseb, em seu livro Processo Legislativo. Atuação das comissões permanentes e temporárias. “É preciso ressaltar que os exíguos prazos regimentais decorrem da previsão constitucional de que, na hipótese de não apreciação da medida provisória “em até 45 dias contados de sua publicação”, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da casa em que estiver tramitando.” (CASSEB, 2008)

Logo, percebe-se que o prazo estabelecido constitucionalmente, seguido de sanção ao seu descumprimento, acarreta uma aceleração do processo legislativo referente à medida provisória, que, caso aprovada pelas Casas, será convertida em lei.

2.2. Solicitação de Urgência

Não apenas a medida provisória possui previsão de prazo para deliberação, mas também, nos moldes do que dispõe o art. 64 da CRFB, o processo legislativo decorrente dos projetos de iniciativa do Presidente da República em que este solicitar urgência.

Importante notar que, igualmente nos casos em que o Presidente da República solicita urgência, a Carta da República estabelece prazos de votação, sendo a sanção ao seu descumprimento o sobrestamento das demais deliberações legislativas da respectiva casa, exceção feita às demais deliberações com prazo constitucional estabelecido.

Assim, notadamente, a aceleração do processo legislativo, no que diz respeito ao procedimento em que o Presidente solicita urgência, decorre dos prazos fixados nos parágrafos do art. 64, CRFB.

Dispõe o parágrafo 2º que caso a Câmara dos Deputados e do Senado Federal não se manifestem sucessivamente no prazo de 45 dias, as demais deliberações, com a ressalva já feita acima, sobrestar-se-ão.

Ainda, o parágrafo 3º estabelece o prazo de 10 dias para que a Câmara dos Deputados aprecie as emendas feitas pelo Senado Federal. Portanto, é fácil perceber que, nos casos em que haja solicitação de urgência por parte do Chefe do Executivo, o processo legislativo não poderá ultrapassar 100 dias.

Logo, não restam dúvidas de que a solicitação de urgência por parte do Presidente da República nos projetos de lei de sua iniciativa gera uma aceleração do processo legislativo.

2.3. Procedimento de Urgência

Por fim, ainda no que tange aos mecanismos de aceleração do processo legislativo, podemos citar o procedimento de urgência, também denominado “sumaríssimo”.

Tal procedimento consiste na supressão de certas formalidades ou requisitos regimentais, previstos no procedimento comum, ordinário, de formação das leis.

Muito embora se trate de mecanismo de aceleração previsto nos regimentos internos, vale a pena mencioná-lo por se tratar de situações em que, supõe-se, as casas ajam com maior rapidez, tendo em vista as situações concretas que regulam.

Assim é que os Regimentos da Câmara e do Senado estabelecem, para alguns casos, a obediência ao procedimento de urgência, como por exemplo, nas propostas que tratem (i) de matéria atinente à defesa da democracia e das liberdades fundamentais; (ii) de providências para sanar situações de calamidade pública; e (iii) de questão de risco para a segurança nacional, dentre outras.

Ainda nas palavras do Professor Paulo Adib Casseb, na mesma obra já citada, que trata do tema com brilhantismo, “Em determinadas situações, a matéria submetida ao procedimento de urgência poderá ser inserida, imediatamente, na ordem do dia para discussão e votação plenária. Haverá, entre diversos mecanismos de encurtamento e agilização da apreciação, a redução de prazos para a utilização da palavra e para a emissão de pareceres”.

A exemplo disso, podemos citar a possibilidade, prevista no Regimento do Senado, de prazos para elaboração de pareceres que podem se esgotar imediatamente ou por não mais de duas horas, nos casos de risco à segurança nacional ou calamidade pública.[3] Podemos trazer, ainda, a previsão do Regimento Interno da Câmara, que impõe, nos casos de procedimento de urgência, limite máximo de cinco sessões às comissões.[4]

2.4. O Veto e as Leis Orçamentárias

Por derradeiro, apenas para que o presente trabalho não deixe de tocar, ainda que en passant no ponto, vale mencionar que o veto e as leis orçamentárias possuem também prazos constitucionalmente previstos.

O veto, nos termos do art. 66, §4º da CRFB, deve ser apreciado em sessão conjunta dentro de 30 dias a contar de seu recebimento e caso não deliberado nesse prazo, será colocado na ordem do dia da sessão, sobrestando-se as demais proposições, até a sua votação final (art. 66,§6º, CRFB).

Deixo de adentrar com maior afinco no tema, como o fiz para os demais instrumentos de aceleração, uma vez que não se trata de disciplina de um processo legislativo típico, mas de fase final do processo legislativo em sentido amplo, tendo por isso aplicação a diversos tipos de processo legislativos.

Por fim, no que toca às leis orçamentárias, estas também possuem prazo de deliberação, conforme disposto no art. 35, §2º, I, II e III dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

Deixo também de analisá-las com maior profundidade, vez que trata-se de processo legislativo muito peculiar que, por sua especificidade, não permite a aceleração do processo legislativo em geral, mas tão somente no que se refere à matéria típica por elas reguladas.

3. Mecanismos de Qualificação

Além dos mecanismos de aceleração acima citados, o processo legislativo pode ser aprimorado, na tentativa de superar a sua crise, também no que se refere à qualidade de seu produto propriamente dito.

Foi nesse sentido que surgiu novo ramo de estudo acerca da legislação, a chamada legística, como veremos a seguir.

Ademais, há de se atentar para a importância, no mesmo sentido de melhoramento da redação dos próprios projetos de lei e da norma final, da composição das comissões temáticas, como também se demonstrará.

3.1. Legística

3.1.1. Conceito e Origem

A legística consiste no desenvolvimento de técnicas para a elaboração das normas, visando a dar qualidade aos atos normativos. Trata-se de ramo relativamente novo, cujo objetivo é estudar os modos de concepção e de redação dos atos normativos. Desse modo, a Legística visa a racionalizar a produção legislativa, melhorando a comunicação entre a realidade social e a redaçao propriamente dita da norma.

Tal instrumento surge da conscientização acerca da necessidade de uma técnica que se ocupe especificamente da redação da norma e de sua comunicação com a realidade, vez que, inicialmente, a preocupação dentro do campo do processo legislativo se restringia tão somente à observação do procedimento pelo qual as propostas eram apreciadas pelo legislador.

Nas palavras do Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em Do Processo Legislativo, “Até ontem, por assim, dizer, só havia preocupação com o agenciamento da iniciativa quanto aos projetos, quanto à sua apreciação pela casa ou, mais comumente, pelas câmaras legislativas, quanto à sua sanção ou veto, quando previstos, quanto à promulgação e publicação dos textos visando à eficácia de suas normas.” (FERREIRA FILHO, 2012. P. 319)

Entretanto, tal preocupação, especificamente quanto à parte formal do processo legislativo, se revelou insuficiente na prática, uma vez que muitas leis, ainda que obedientes ao processo legislativo formal, se mostravam inócuas na prática, não “pegavam”, como se diz ou, ainda, a sua aplicação de revelava contrária à intenção primeira do legislador. Tais problemas eram gerados, no mais das vezes, por uma ausência de técnica redacional, ou, ainda, por falta de estudos acerca dos impactos que a legislação novel causaria na sociedade.

Assim, “Fruto dessa conscientização é o desenvolvimento de estudos sobre a elaboração dos projetos, com a prescrição de passos a serem observados. Esses estudos, a princípio meramente empíricos, vieram a interessar as universidades e o meio científico. Disso procede o surgimento de uma arte ou ciência – pois a questão é controversa – da legística. Quer dizer, das diretrizes para a elaboração de (bons) projetos.” (FERREIRA FILHO, 2012. P. 320)

3.1.2. Abrangência

A legística pode ser dividida, conforme lições de Blanco de Moraes, em A Ciência da Legislação, didaticamente, em três grandes áreas. São elas: (i) a legística material; (ii) a legística formal e (iii) legística organizativa. (MORAES. 2007).

A primeira (i) concentra-se na validade e qualidade da norma. Desse modo, seu objetivo primeiro é assegurar que as normas, observando os requisitos de qualidade e validade, sejam produzidas com eficiência, preenchendo seus requisitos operacionais.

Essa primeira área em que se subdivide a legística se justifica, uma vez que diversas normas entram no mundo jurídico, produzindo efeitos durante um certo lapso de tempo, e depois são declaradas inconstitucionais por vícios materiais ou formais. As situações jurídicas que se produziram durante a vigência da norma expurgada do sistema são declaradas nulas, em nosso sistema americano de controle de constitucionalidade ou, em alguns casos, são moduladas pelo próprio Supremo Tribunal Federal, o que traz grandes instabilidades e falta de segurança jurídica. Assim, notadamente, para que se evitem situações tais, seria preferível que se verificassem estes vícios ainda durante a fase do processo legislativo, anteriormente à vigência da norma.

A segunda (ii) já não possui como objetivo a eficiência e operacionalidade na norma, mas, ocupa-se, outrossim, dos critérios de comunicação legislativa. Isto é, não possui como foco principal o seu conteúdo e efeitos práticos, mas sim a adequada redação, sistematização e simplificação da redação dos textos legais, de modo a se tornarem mais acessíveis aos cidadãos em geral. Este último objetivo colocado encontra fundamento no fato de que as leis, no mais das vezes, possuem redação de difícil compreensão e até mesmo de difícil interpretação para a população leiga em matéria jurídica e, inclusive, em alguns casos até mesmo para os juristas, de modo que sua simplificação se faz urgente.

A terceira (iii) pode assim ser definida: ocupa-se do estudo do modelo de gestão pública da qualidade dos programas legislativos, passível de ser adotado pelos órgãos legiferantes. É dizer, cuida do impacto que os programas legislativos terão na realidade social.

Acresça-se à classificação supra, diferente classificação apresentada pelo Professor Luzius Mader, Presidente da International Association of Legislation (IAL), na Conferência Internacional de Legística, realizada em 2007[5], que compreende outras seis subáreas de estudos, além da legística material e formal as quais possuem, todavia, em sua definição, conteúdos diversos dos acima explanados.

 “A primeira delas é a metodologia legislativa, também chamada de Legística material. A metodologia legislativa trata do teor normativo da legislação ou, mais especificamente, propõe uma forma metódica de se elaborar o seu teor normativo. (…)

A segunda área de interesse é a técnica legislativa ou Legística formal stricto sensu. A técnica legislativa trata dos aspectos formais e legais da legislação: os diferentes tipos de atos normativos, as instituições jurídicas, a estrutura formal dos atos normativos e a forma por meio da qual novas leis são introduzidas ou integradas no arcabouço normativo preexistente.(…)

A terceira área é a da redação legislativa propriamente dita, ou seja, a forma de se expressar o teor normativo do conteúdo das leis, concernente, especificamente, aos aspectos linguísticos. (…)

A quarta área é aquela da comunicação, que tem relação com a redação legislativa e que inclui as diferentes formas de se publicarem oficialmente as peças legislativas, além de uma ampla gama de atividades de informação e comunicação em torno da legislação. A informação e a divulgação do conhecimento sobre a norma existente são pré-requisitos para a atuação daqueles que, entre os vários grupos de interesse, observam a legislação, seja a área administrativa, os tribunais, os indivíduos ou as empresas.(…)

A quinta área é a do procedimento legislativo. O processo de preparação, aprovação e execução de uma lei deve seguir vários níveis e regras, que podem influenciar consideravelmente na qualidade formal e material da legislação. A adoção de um ou outro procedimento pode contribuir para aprimorar a legislação ou, ao contrário, limitar sua abrangência, reduzindo-lhe a eficácia.(…)

A sexta área de interesse é a da gestão de projetos legislativos. A preparação de legislação não é mais considerada um privilégio de advogados particularmente talentosos que redigem o texto normativo como se fossem autores a redigir seus romances ou poemas. Na maioria dos casos, a preparação de legislação é uma tarefa na qual têm participação várias pessoas, várias unidades administrativas.”

Portanto, vê-se que para o Professor Luzius Mader, os ramos em que se subdivide a legística são numerosos, além de se consubstanciar em ciência, se assim se pode chamá-la, interdisciplinar.

Ante as breves considerações que se fez acima acerca da legística, percebe-se tratar de técnica que, quando aplicada, permite que a legislação possa ser produzida com grande qualidade, pois, além de se levar em conta a necessidade de aprimoramento técnico redacional, a observação de requisitos de validade e qualidade, a relação com as demais normas que tratem do mesmo assunto, também se ocupa das fases anteriores à produção da norma, estudando-se a efetiva necessidade de uma nova norma acerca de determinado assunto, bem como se concentra nos efeitos que essa nova norma produzirá sobre a população em geral, assim como sobre outros setores da sociedade.

Sem dúvida, a aplicação da legística ao processo legislativo é mecanismo que permite a melhora da qualidade da norma produzida.

Por derradeiro, a respeito da qualidade do processo legislativo, não seria demais mencionar, inclusive para que a aplicação prática da legística tenha resultados eficazes, a necessidade de as comissões temáticas, no exercício de suas competências constitucionais decorrentes da delegação interna corporis, como já mencionamos na primeira parte deste trabalho, serem compostas, na medida do possível, por especialistas.

Em outras palavras, seria recomendável, conforme disposto na obra Processo Legislativo. Atuação das comissões temporárias e permanentes, que os parlamentares integrassem as comissões temáticas cujas especificidades estivessem em consonância com seus conhecimentos técnicos. (CASSEB. 2008. P. 316).

Entretanto, na prática o que se vê é que “muitas comissões especiais são constituídas com base nos anseios do governo e não na análise técnica, isenta, das matérias tratadas pelas proposições e das competências temáticas das comissões permanentes.

De se ressaltar, todavia, que a afinidade dos parlamentares com a especificidade temática das comissões não dispensaria, de qualquer modo, a atuação de corpo técnico próprio cuja finalidade seria assessorar os parlamentares em suas dúvidas.

4. Conclusão

O presente trabalho teve como objetivo trazer algumas elucidações acerca dos mecanismos de aceleração e qualificação do processo legislativo, sem que se tenha tido, em momento algum, a pretensão de esgotar tal tema.

Viu-se que a crise legislativa em que vivemos atualmente, geradora de grande desprestígio da lei, decorre, dentre outras, da inflação legislativa, da primazia que o Executivo vem exercendo sobre o Legislativo e, ainda, da criação de regras por parte do Judiciário, em detrimento das disposições legais, o que foge ao exercício de sua competência constitucional.

Tal crise poderia ser superada, ante a morosa atuação do Poder Legislativo, até mesmo pela forma como é disciplinado na CRFB, pela possibilidade de controle dos prazos de deliberação, a exemplo dos casos aqui elencados.

Ademais, a inflação legislativa faz com que, muitas vezes, não se saiba exatamente qual a lei a ser aplicada naquele caso concreto, sem contar as falhas técnicas redacionais que apresentam, as quais ensejam, não raras vezes, que o resultado prático da aplicação da norma ao caso concreto se revele contrário ao seu objetivo inicial.

Na tentativa de prestar socorro a essa realidade de inflação de leis “ruins”, viu-se ser a legística uma solução.

Questão de difícil solução será conciliar a aceleração do processo legislativo com a aplicação das técnicas da legística que demandarão, sem sombra de dúvida, análise mais morosa por parte do parlamento.

 

Referências Bibliográficas
AMARAL JR, José Levi Mello do. Medida Provisória: Edição e Conversão em Lei. Saraiva, 2012.
CASSEB. Paulo Adib. Processo Legislativo. Atuação das comissões temporárias e permanentes. Ed. Revista dos Tribunais, 2008.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. Ed. Saraiva, 2012.
MOARES, Blanco de. A Ciência da Legislação. Ed. Verbo, 2007.
SIFUENTES, Mônica. Súmula Vinculante. Um estudo sobre o poder normativo dos tribunais.São Paulo: Saraiva, 2005.
 
Notas:
[1] Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae

[2] "MS 27931 MC/DF. RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO. DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por ilustres membros do Congresso Nacional contra decisão do Senhor Presidente da Câmara dos Deputados que "(…) formalizou, perante o Plenário da Câmara dos Deputados, seu entendimento no sentido de que o sobrestamento das deliberações legislativas – previsto no § 6º do art. 62 da Constituição Federal – só se aplicaria, supostamente, aos projetos de lei ordinária"

[3] Art. 346 do Regimento do Senado Federal

[4] Art. 52,II e §2º do Regimento da Câmara

[5]  Informação obtida em http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/consulte/publicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/pdfs/legistica/luzius_mader.pdf


Informações Sobre o Autor

Beatriz Meneghel Chagas Camargo

Graduada em Direito em 2006 pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Procuradora do Estado de São Paulo desde 2010 pós-graduanda em Direito do Estado pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo


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